O CDC e a responsabilidade das empresas de comparação de preços

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20/09/2017 às 20:57
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A RESPONSABILIDADE DOS SITES DE COMPARAÇÃO DE PREÇOS

Neste tópico iremos abordar a responsabilidade a que estão sujeitos os sites de comparação de preços e alguns motivos, específicos, para a abordagem. Iremos utilizar-nos das informações expostas nas primeiras partes deste trabalho, portanto, por vezes teremos que nos remeter a tais pontos, para alinharmos o entendimento do assunto em tela.

Para uma melhor compreensão do assunto, é preciso entender onde está localizado, no mundo jurídico, o fato que estamos avaliando, para isto temos o organograma abaixo com as classificações de fato (uma ocorrência qualquer), no mundo jurídico, como segue:

» fim social

» fim econômico

» boa fé

» bons costumes

+ composição de interesses

+ licitude

+ vontade

+ direito

Figura 4 – Classificação de fato no mundo jurídico.

Portanto, teremos que um fato qualquer para servir ao nosso estudo deverá, necessariamente, ter relevância jurídica (fato+direito), logo, este fato jurídico será latu sensu, que deverá ter licitude na ação, porquanto, não deverá ser contrário a lei ou regra geral instituída (fato+direito+licitude), tendo, em nosso caso, a composição de vontades como elemento intrínseco a relação negocial virtual realizada nas empresas virtuais de comparação de preços (fato+direito+licitude+composição de interesses) (cf. TARTUCE, 2013, p. 185-188).

Logo, as relações que estamos estudando não são ilícitas, não são contrárias a lei, observam o Princípio da Liberdade Privada, partem de uma relação lícita, são um negócio jurídico e, mais especificamente, um negócio jurídico oneroso, porquanto, “envolvem sacrifícios e vantagens patrimoniais para todas as partes no negócio (prestação + contraprestação)” (TARTUCE, 2013, p. 190)

No entanto, a Constituição Federal e o Código Civil, nos garante que, mesmo em negócios legais, por conta da unicidade do direito e regras hermenêuticas lógicas e sistemáticas, atos comissivos ou omissivos, praticados com infringência de outras normas ou princípios deverão ser indenizados, conforme se observa do inciso V, artigo 5º da CF e artigos 186, 187, 927 e 944 do CC, por se tornarem ilícitos, conforme nos ensina Luciana Pereira:

Nota-se que, no direito brasileiro, a inobservância a um dever jurídico acarreta o ilícito, gerando, na maioria das vezes, um dano para alguém, o qual gerará um novo dever jurídico, qual seja: o de reparar ou compensar o dano. Assim, observa-se a adoção da duplicidade das normas jurídicas defendida por Kelsen (dever jurídico primário e dever jurídico secundário). Todavia, deve-se registrar uma pequena diferenciação na proposição das ditas normas, posto que, entende-se que, o dever jurídico primário é a norma de conduta imposta pelo Estado e o dever jurídico secundário a sanção imposta para casos de transgressão a essas normas.

...

Frise-se que a Responsabilidade Civil tem como prioridade, ainda nos tempos hodiernos, o princípio romano denominado Restitutio in integrum (princípio da restituição integral). Tal premissa, aliás, antecipe-se, justifica o contido no art. 944, do Código Civil brasileiro. (BROWNE, [entre 2002 e 2010])

Daí surge a responsabilidade civil.

Da responsabilidade civil

A responsabilidade civil é o descumprimento de uma norma ou inobservância de preceito normativo (princípios ou regras gerais), ou seja, “a responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida” (TARTUCE, 2013, p. 423), daí falarmos em dois tipos de responsabilidade, quais sejam, a contratual e a extracontratual, que estão consagradas no Direito Romano, que é o fundamento do Direito Ocidental, aliás, o Código Civil Brasileiro de 2002, fundamenta-se na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, que remonta do século III a. C., como segue:

...a referida lei surgiu no Direito Romano justamente no momento em que a responsabilidade sem culpa constituía a regra, sendo o causador do dano punido de acordo com a pena de Talião, prevista na Lei das XII Tábuas (olho por olho, dente por dente). A experiência romana demonstrou que a responsabilidade sem culpa poderia trazer situações injustas, surgindo a necessidade de comprovação desta como uma questão social evolutiva. A partir de então, a responsabilidade mediante culpa passou a ser a regra em todo o Direito Comparado, influenciando as condições privadas modernas, como o Código Civil Francês de 1804, o Código Civil Brasileiro de 1916 e ainda o Código Civil Brasileiro de 2002. (TARTUCE, 2013, p. 424)

Todos estes conceitos são a base da Teoria Subjetiva ou Teoria da Culpa, ou seja, alicerçada no comportamento do autor, seja omissivo ou comissivo, para a aplicação da responsabilidade civil e consequente indenização, portanto, não há de se falar em indenização sem culpa. Porém, houve a necessidade de flexibilização deste conceito, diante da dificuldade de se auferir culpa em determinadas situações, surge a culpa presumida, que é uma evolução construída com base nas necessidades históricas que se descortinam no século XIX, conforme nos ensina Luciana Pereira:

O aumento populacional, o crescimento em número e complexidade das ações indenizatórias, fez com que a teoria subjetiva não mais atendesse os modernos requerimentos do conceito de responsabilidade. Em consequência, novas teorias foram surgindo, com vistas a preencher as lacunas deixadas por uma perspectiva puramente subjetivista.

Em termos amplos, verifica-se que a oposição à teoria subjetiva deu-se no século XIX, mais especificamente no campo do direito criminal, crescendo, no século passado, no direito francês, com a contribuição arrojada dos dois civilistas: Josserand e Saleilles.

Um dos elementos representativos da marcha evolutiva da teoria da responsabilidade civil no sentido da efetivação da teoria objetiva é a teoria da culpa presumida. Esta pode ser considerada como um elemento transacional, uma espécie de solução intermediária para a questão da averiguação da culpa na responsabilidade civil. De acordo com essa suposta teoria, a culpa não é excluída em absoluto do foco caracterizador da responsabilidade, mas, por outro lado, há a sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação. (BROWNE, [entre 2002 e 2010])

Temos, neste raciocínio que, a teoria subjetiva da responsabilidade civil, por não alcançar o anseio jurídico objetivado, a justiça jurídica, evoluiu nas possibilidades de reparação do dano, possibilitando a relativização da culpa, para que fosse possível a inversão do ônus da prova, no entanto, ao se verificar que houve culpa exclusiva do autor, não haverá o direito a indenização.

Entretanto, o artigo 187 do CC, nos remonta a outro tipo de antijuridicidade, aquela cometida por ato lícito, ou também conhecida com teoria dos atos emulativos, observe:

..., o art. 187 do CC traz uma nova dimensão de ilícito, consagrando a teoria do abuso de direito como ato ilícito, também conhecida por teoria dos atos emulativos. Amplia-se a noção de ato ilícito, para considerar como precursor da responsabilidade civil aquele ato praticado em exercício irregular de direitos, ou seja, o ato é originariamente lícito, mas foi exercido fora dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé objetiva ou pelos bons costumes. (TARTUCE, 2013, p. 428)

Logo, do artigo, se aduz que abuso de direito se baseia em cláusulas gerais: fim social, fim econômico, boa-fé e bons costumes, portanto, possibilitando ao juiz uma postura ativa diante do fato, consubstanciando a teoria tridimensional de Miguel Reale que afirma ser o Direito, fato, valor e norma. Impingindo uma grande responsabilidade ao julgador, conforme salienta Flávio Tartuce, “o aplicador da norma, o juiz da causa, deverá ter plena consciência do aspecto social que circunda a lide, para aplicar a lei, julgando de acordo com a sua carga valorativa” (TARTUCE, 2013, p. 428), que se aduna, perfeitamente, à construção histórica que perfizemos ao longo do primeiro capítulo deste trabalho.

Em conformidade com os ensinamentos de Norberto Bobbio, seguimos uma construção mutável e histórica dos direitos instituídos pelos homens, em todos os países e em todas as eras, como observado pelo notório professor, “sabemos hoje que também os direito ditos humanos [construção jurídica] são o produto não da natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação” (BOBBIO, 2004, p. 32), portanto, a construção da responsabilidade civil sofre mutações advindas dos contextos históricos e políticos de seus tempos, daí o surgimento da Teoria Objetiva ou Teoria do Risco.

Neste ínterim, como nos aponta Flávio Tartuce, “o art. 187 do Código consolida a responsabilidade objetiva (sem culpa), no caso de abuso de direito” (TARTUCE, 2013, p. 439), o que foi abordado pelo doutrinador acima, aplicado às realidades virtuais nos seguintes termos:

Pela falência que pode gerar à Internet deve-se entender que o spam contraria o fim social e econômico da grande rede, o que de imediato serve para enquadrar a prática como abuso de direito ou ato emulativo. Também é forçoso concluir que a conduta dos spammers é atentatória à boa-fé objetiva. (TARTUCE, 2013, p. 440)

Outra situação a ser analisada na responsabilidade objetiva é a dificuldade de se conseguir comprovar a culpa do agente, com especial enfoque ao caso concreto da comparação de preços e disponibilização de empresas que contenham o produto pesquisado, como fora esmiuçado, por nós, no capítulo anterior, como é possível provar que as empresas Buscapé, Bondfaro e outros, tenham tomado todas as precauções necessárias para elidir a má fé de alguns empresários, protegendo o consumidor dos riscos do negócio, que por sinal, faz parte da natureza intrínseca do elemento de conceituação de empresário (estudado no capítulo 1), logo, repassar tal prejuízo ao consumidor seria, não somente leviano (considerando o contexto histórico atual), como descaracterizaria a relação empresarial. Como aponta Rizzato Nunes:

Uma das características principais da atividade econômica é o risco. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa, a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades por parte do empresário é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é dele. (NUNES, 2013, p. 215-216)

Gostaria de considerar alguns pontos, já abordados, que se fazem necessários no momento atual, diante das palavras acima expostas.

Ao observar a história, percebemos que o empresário, com toda a sua necessidade de lucro, objetiva ampliar o alcance sobre o consumidor, vejamos o quadro:

Figura 5 – Evolução do mercado varejista - objetivamente.

Em todas estas etapas duas coisas são essenciais para a continuidade dos negócios, a diminuição dos custos e maximização dos lucros, o que podemos comprovar por diversas pesquisas realizadas, o que não é objeto deste estudo.

Para que se tenha a condição de incremento de lucros, é preciso coragem para inovar, o que nos coloca frente a outra qualidade dos empresários, os quais, diante de uma possível perda, analisam a possibilidade de lucros maiores do que estas para que o ganho seja maximizado. Portanto, ao colocar as avaliações das empresas, ainda que estas sejam dos próprios usuários, abre-se a possibilidade de confiabilidade para maximizar a compra. Isto é tão fático que todos os sites de pesquisa de preços usam a mesma ferramenta, induzindo o cliente a comprar em determinada loja.

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Ora, as informações que trafegam na rede são rastreáveis e podem ser mensuradas e quantificadas, conforme se observa dos sites citados e outros mais, portanto, existe a possibilidade do empresário coibir o uso indevido da rede, pelo menos no seu ambiente virtual, no entanto, muitas vezes, tal tecnologia é dispendiosa, os profissionais raros e caros, o que desestimula a utilização destes recursos, deixando que as situações aconteçam sem controle, até que os prejuízos justifiquem o investimento ou inviabilizem os negócios. Como nos alerta Rizzato Nunes, “o que interessa é o aspecto do risco, que se incrementa na intrínseca relação com o custo. Esse binômio risco/custo (ao qual acrescentarei um outro: o do custo/benefício) é determinante na análise da viabilidade do negócio” (NUNES, 2012, p. 217). Observe a reportagem abaixo que demonstra a atitude dos empresários com relação ao “Black Fraude”:

A artimanha de alteração de preço usada por alguns sites de e-commerce durante a Black Friday de 2012, que fez com que a data ficasse conhecida como Black Fraude, foi alvo das plataformas de comparação de preço neste ano. As ferramentas fizeram esquemas especiais para que os usuários possam comparar os valores cobrados anteriormente nos produtos e calcular o desconto real na Black Friday.

O comparador de preços Zoom foi um deles. A empresa colocou no ar nesta quinta-feira a versão especial de sua ferramenta, onde o usuário pode consultar a evolução de preço dos produtos nos últimos dias. O comparador Econovia também desenvolveu uma solução semelhante.

O líder do segmento Buscapé também terá uma sessão especial de Black Friday. A página da empresa vai selecionar os maiores descontos de seus parceiros - também, segundo a companhia, considerando o valor real dos produtos.

Além do olhar mecânico, especialistas também farão uma varredura na internet atrás de promoções. O Zoom colocará esses profissionais no Facebook para tirar dúvidas dos consumidores. (REVISTA ISTOÉ, 2013)

No entanto, este controle está fora do alcance dos internautas, não tendo este acesso as informações manipuláveis, senão as informações manipuladas, logo, esta dificuldade, por si só, já impossibilita o usuário de provar a culpa do empresário.

Atente-se, ainda, para o enunciado 446 da V Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, ao analisar o artigo 927 do CC, onde afirma que “a responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade” (AGUIAR JR., 2012, p. 65), ampliando o alcance desta teoria.

Dentro do contexto histórico de refreamento da Teoria Liberal, foi criado o CDC que, ao contrário do Código Civil, tem como regra geral a Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil, porquanto, a relação entre consumidor e empresário é desproporcional, diante disto, o CDC, através desta teoria, equilibrar as forças destas relações jurídicas, implementando os princípios e normas jurídicas até aqui estudados e ampliando a proteção ao consumidor, em especial com a Política Nacional das Relações de Consumo, artigo 4º do CDC, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor diante do mercado, como apontado acima, inclusive no mercado virtual, como bem observa Rizzato Nunes:

O CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva dos fornecedores (especificando cada qual em seus arts. 12, 13 e 14) pelos danos advindos dos defeitos de seus produtos e serviços. E ofereceu poucas alternativas de desoneração (na verdade, de rompimento do nexo de causalidade), tais como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (NUNES, 2013, p. 214)

Confirmando a evolução de direitos já comentada o Projeto de Lei 2126/2011, que se encontra em vias de votação final, assevera que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamentos “a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor” (BRASIL, 2011).

No inciso IV, artigo 6º do CDC, dentre os direitos básicos do consumidor, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, que fora apresentado no tópico anterior, demonstrando a sistemática de mensuração e exposição das informações, bem como os mecanismos utilizados para a burla destes mecanismos.

Outro ponto necessário à nossa abordagem diz respeito à publicidade enganosa, porquanto, §1º, do artigo 37 do CDC, afirma que:

É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (BRASIL, 1990)

Ora, neste caso, as decisões transcritas abordam exatamente este ponto, demonstrando que o fato de induzir os internautas a confiarem na loja que expõe o produto leva-os a depositarem sua confiança neste quesito, o que também se relaciona com a boa fé, dos internautas, em relação à loja que está expondo o produto e a loja fornecedora, ademais, “a responsabilidade do anunciante, de sua agência e do veículo é objetiva, e como tal será considerada” (NUNES, 2012, p. 565)

Responsabilidade solidária ou subsidiária

Outro quesito importante nesta relação jurídica digital, diz respeito a solidariedade ou subsidiariedade da responsabilidade.

Uma das características dos negócios da internet, é a sua capilaridade, ou seja, as empresas que fornecem serviços na internet, se utilizam de vários outros prestadores para alcançarem seus objetivos, como por exemplo temos a empresa E-bit, que fornece ao Buscapé as qualificações dos negócios realizados em seu site, além de entregadores, programadores, empresas de hospedagem de sites, além de outros, como os antigos sites das Lojas Americanas, que eram comercializados por outras empresas sendo somente utilizado o nome da empresa, ao receber a nota fiscal percebíamos que o produto fora negociado por uma empresa outra, que não a do site.

Nesta situação existe uma dificuldade em se dispor, no polo passivo de uma ação, o responsável pelo negócio, consequentemente, o que dificulta a aplicação do inciso VI, do artigo 6º do CDC, que impõe a “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (BRASIL, 1990) e, como observado neste trabalho e ratificado por Rizzato Nunes, “do ponto de vista do dever de indenizar, a responsabilidade civil do agente é objetiva, oriunda do risco integral de sua atividade econômica” (NUNES, 2012, p. 223)

É preciso observar que não se trata de fato do produto, porquanto uma ação de compra na internet, dificilmente, atentará a segurança do consumidor, logo, estamos diante de vício, que vem descrito no artigo 18 do CDC, in fine:

Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (BRASIL, 1990, grifo nosso)

Ora, quando da construção legislativa, o artigo não tinha em mente os negócios jurídicos virtuais, portanto, tenta abranger as muitas possibilidades existentes à época, o que nos leva a deduzir que tal dispositivo é meramente exemplificativo, ou seja, numerus clausus, permitindo o alcance das realidades futuras, visando aplicar os princípios e objetivos instituídos neste código, já mencionados.

Em consonância com este entendimento, o § único do artigo 7º do CDC, declara que “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” (BRASIL, 1990)

No entanto, no intuito de eximirem-se de sua responsabilidade, os sites de comparação têm arguido em sua defesa que são meros divulgadores publicitários, não se confundindo estes na relação de consumo. O que tem sido rechaçado pelos tribunais por diversos motivos, dentre os quais, os já apresentados neste trabalho, artigos 36 e 37 do CDC, no entanto, existem outros motivos que podem ser avocados para esta discussão, levando-se em conta o entendimento dos próprios agentes publicitários, que são regulados pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) de 05/05/1980, podendo ser utilizados como fonte subsidiária para a análise das causas envolvendo publicidade, nos termos do artigo 16 do CBAP, que afirma:

Este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio. (CONAR, 2008)

Lembrando-se da ordem de aplicabilidade das leis (latu sensu), no que tange a sua hierarquia, teremos a seguinte ordem, os princípios e normas constitucionais, leis complementares, as leis e princípios ordinários, decretos e instruções normativas, portanto, podem ser usadas de forma complementar ao CDC.

Já, no início deste código, prenuncia de forma clara, em seu artigo 1º, que “todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro” (CONAR, 2008), e continua, em seu artigo 3º, que “todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor” (CONAR, 2008), portanto, a referida lei, aponta de forma clara para os institutos e regras delineadas, até aqui, em especial ao CDC, o que não podia ser diferente.

Segue, o referido instituto, definindo sua nomenclatura no artigo 18, in fine:

Para os efeitos deste Código:

a.      A palavra anúncio é aplicada em seu sentido lato, abrangendo qualquer espécie de publicidade, seja qual for o meio que a veicule. Embalagens, rótulos, folhetos e material de ponto-de-venda são, para esse efeito, formas de publicidade. A palavra anúncio só abrange, todavia, a publicidade realizada em espaço ou tempo pagos pelo Anunciante;

b.      A palavra produto inclui bens, serviços, facilidades, instituições, conceitos ou idéias que sejam promovidos pela publicidade;

c.      A palavra consumidor refere-se a toda pessoa que possa ser atingida pelo anúncio, seja como consumidor final, público intermediário ou usuário. (CONAR, 2008, grifo nosso)

Segue, da simples leitura do texto, que tudo que atinge o consumidor com intuito de proporcionar-lhe ideias ou conceitos, por qualquer meio que o divulgue, que tenham sido, de alguma forma, remunerados pelo anunciante, é uma propaganda. Observe que neste ponto precisamos relembrar do que fora abordado no tópico “Entendendo as metodologias utilizadas”, onde abordamos de forma minuciosa a forma de utilização destas tecnologias para propagar as informações sobre os produtos e serviços disponibilizados no site, portanto, não existem dúvidas quanto ao fato de estarmos lidando com propaganda, somente no caso em que o site remeter à loja anunciada, caso contrário, será uma intermediação de venda, terceirização de serviços, que será caracterizada como compra e venda.

No caso específico, o site faz uso de dados de pesquisa e estatística, regulada pelo §7º, artigo 27 do CBAP, que assevera:

O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido, conforme disposto nos artigos seguintes desta Seção, onde estão enumerados alguns aspectos que merecem especial atenção.

§ 7º - Pesquisas e Estatísticas

a.      O anúncio não se referirá a pesquisa ou estatística que não tenha fonte identificável e responsável;

b.      O uso de dados parciais de pesquisa ou estatística não deve levar a conclusões distorcidas ou opostas àquelas a que se chegaria pelo exame do total da referência. (CONAR, 2008, grifo nosso)

Portanto, como abordado em capítulo anterior, as conclusões das pesquisas demonstradas pelo site de comparação, facilmente levam o consumidor a confiar na lisura da loja que fornece o produto, facilitando, desta forma, a decisão do consumidor.

Observe que as conclusões retiradas deste raciocínio nos remetem ao artigo 37 do CDC, com suas implicações, conforme denota Rizzato Nunes:

Nenhuma forma de mensagem — informação, apresentação escrita, falada, imagem etc. —, direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, pode levar o consumidor a engano quanto ao produto ou serviço anunciado, quanto ao anunciante ou seu concorrente, tampouco quanto à natureza do produto (se natural ou artificial), sua procedência (se nacional ou estrangeira), sua composição e finalidade.

Um anúncio enganador não pode ser defendido com base no fato de o anunciante ou alguém, agindo por ele, ter, posteriormente a sua veiculação, fornecido ao consumidor as informações corretas.

Para fins de aferição da enganosidade (e qualquer outro componente) será observado o anúncio como um todo, incluindo seu conteúdo e forma, testemunhas, declarações ou apresentações visuais, ainda que tenham origem em outras fontes (art. 47). (NUNES, 2012, p. 511-512)

Desta forma, concluímos nossas observações percebendo que a legislação existente abrange de forma total as relações existentes no âmbito virtual, bastando que se apliquem as regras interpretativas pertinentes. O problema da legislação nacional não se encontra na quantidade de leis existentes ou não existente, nosso maior dilema está na aplicação da legislação de forma efetiva, problema observado em outras áreas do direito, como nos direito humanos, onde Norberto Bobbio nos ensina “que o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los” (BOBBIO, 2004, p. 25)

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Sobre o autor
Carlos Massarelli

Advogado em Praia Grande (SP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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