INTRODUÇÃO
A Lei nº 8.112/90 estabeleceu que a apuração de infrações disciplinares ocorre por meio de dois tipos de procedimentos: o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e a Sindicância.
Para que as condutas previstas na referida Lei sejam consideradas como infrações disciplinares, é preciso que elas tenham sido cometidas com dolo ou culpa por parte do servidor.
Cumpre salientar que a avaliação da intencionalidade do servidor é de responsabilidade da comissão processante e da autoridade julgadora, averiguada durante o processo e, principalmente, no Relatório Final.
Os principais aspectos disciplinados pelo Processo Administrativo Disciplinar (PAD) serão tratados neste texto, objetivando a identificação do objeto no processo punitivo, estando o servidor amparado pelo contraditório e ampla defesa, conforme se percebe no texto a seguir.
Do Processo Disciplinar - Conceito
O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é o instrumento de exercício do poder disciplinar, constituindo-se na justa aplicação do regime disciplinar para apuração e punição de infrações praticadas pelos servidores públicos no exercício de suas atribuições, sendo iniciado após a publicação da Portaria, a qual designa seus integrantes e indica, dentre eles, o presidente da respectiva comissão de inquérito.
De acordo com o artigo 116, inciso VI da Lei nº 8.112/90, é dever do servidor público federal representar contra suposta irregularidade de que tiver ciência, cometida por qualquer outro servidor, exclusivamente em razão do cargo, bem como contra ato ilegal e abuso de autoridade, incorrendo em infração disciplinar, passível de responsabilização funcional, aquele que deixar de comunicar à autoridade hierárquica superior toda e qualquer ilegalidade de que tiver ciência.
O art. 18 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, impõe à Controladoria-Geral da União – CGU, encaminhar aos órgãos competentes as representações ou denúncias fundamentadas que receber, além de acompanhar e inspecionar as apurações.
A Representação refere-se à peça escrita apresentada por servidor, como cumprimento de dever legal, ao tomar conhecimento de suposta irregularidade cometida por qualquer servidor ou de ato ilegal omissivo ou abusivo por parte de autoridade, associados, ainda que, indiretamente, ao exercício de cargo.
Já a Denúncia, admite duas interpretações distintas, sendo: uma mais abrangente, que tem o sentido de todas as notícias de irregularidades, englobando a espécie das representações e outra, mais específica, distinta da representação, que se refere, exclusivamente, à peça apresentada por particular, noticiando à administração o suposto cometimento de irregularidade associada ao exercício de cargo.
A Portaria CGU nº 335, de 30 de maio de 2006, elenca que a atividade correcional utilizará como instrumentos a Investigação Preliminar, a Sindicância Investigativa, a Sindicância Patrimonial, a Sindicância Contraditória, o Processo Administrativo Disciplinar e a Inspeção.
O PAD busca disciplinar os seguintes preceitos:
- Esclarecer os fatos inicialmente caracterizados como infrações disciplinares;
- Inibir o descumprimento dos deveres e das obrigações a que se submetem os servidores públicos federais;
- Garantir aos servidores oportunidade para apresentarem justificativas antes da eventual aplicação de penalidade disciplinar.
Das Provas e do Processo Punitivo
O Processo Administrativo Disciplinar – PAD não tem por finalidade somente apurar a culpabilidade do servidor acusado de infração, mas, também, oferecer-lhe a oportunidade de provar sua inocência (efetivação do contraditório e ampla defesa).
Nesse diapasão, a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio do Parecer GQ 98, assim manifestou-se:
"(...) à investigação [disciplinar] se procede com o objetivo exclusivo de precisar a verdade dos fatos, sem a preocupação de incriminar ou exculpar indevidamente o servidor".
Sobre o mesmo entendimento, o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) elaborou a Formulação 215:
"O inquérito administrativo não visa apenas a apurar infrações, mas também oferecer oportunidade de defesa".
As infrações administrativas são caracterizadas por condutas - ações ou omissões - que possam ensejar a instauração de processos punitivos em face de servidor público federal, tais como:
- Inobservância de deveres previstos no artigo 116 da Lei nº 8.112/90;
- Afronta às proibições listadas no artigo 117 da mesma Lei;
- Realização das condutas descritas no artigo 132 do mesmo diploma legal, e;
- Inobservância de deveres e afronta a proibições, previstos em outros diplomas legais.
Com fulcro nos artigos supramencionados, as condutas serão consideradas como infrações disciplinares, quando cometidas com dolo ou culpa por parte do servidor, sendo de inteira responsabilidade da comissão e autoridade julgadora, a avaliação da intencionalidade da sua conduta, baseada em provas.
Ressalta-se que a infração do servidor deve ter ocorrido em função do cargo ou ter relação com as atribuições deste. Portanto, atos da vida privada não caracterizam infração disciplinar.
Como exemplos, serão citados dois casos:
1- Quando a conduta estiver indiretamente relacionada às atribuições do cargo: o servidor que exerce consultoria fora do horário de expediente ou durante suas férias, utilizando-se do prestígio do cargo que ocupa ou do acesso privilegiado a informações técnicas como diferenciais para auferir clientes.
2 - Servidor que cometeu crime de homicídio: mesmo que em face de outro servidor, mas em situação da vida privada, não terá cometido, também, infração disciplinar. O juiz, em processo criminal, pode determinar a perda do cargo pelo servidor, o que configura efeito acessório da pena criminal e não penalidade disciplinar.
A seguir, serão demonstradas condutas que podem caracterizar, simultaneamente, crimes e infrações disciplinares:
- Crimes contra a Licitação de que trata a Lei n. 8.666/93;
- Crimes contra a Ordem Tributária, previstono artigo 3o. da Lei n. 8.137/90;
- Abuso de Autoridade, previstos na Lei n. 4.898/65;
- Crimes Resultantes de Discriminação e de Preconceito, com fundamento na Lei n. 7.716/89;
- Crimes contra a Administração Pública, previstos nos artigos 312 a 326 do Código Penal –CP;
- Crime de Tortura - Lei n. 9.455/97.
Vale ressaltar que, quando um mesmo fato configurar crime e irregularidade disciplinar, a penalidade disciplinar deverá ser apurada por Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância Punitiva e o crime será apurado por Ação Judicial, cabendo ao juiz determinar a medida cabível ao caso concreto.
As fases do Processo Disciplinar são:
- Instauração
- Inquérito Administrativo
- Julgamento
Finalizada a instauração do processo, ocorrerá o indiciamento do acusado ou sindicado, caso a comissão entenda que reuniu provas de materialidade de autoria de infração disciplinar.
A comissão comunica-se com o acusado ou o sindicado com diferentes finalidades, as quais recebem diferentes denominações:
Notificação prévia: comunica que o servidor é acusado em processo punitivo;
Notificação: convoca acusado e advogado para participar de algum ato processual;
Intimação: convoca testemunha para depoimento ou acusado para interrogatório;
Citação: informa o acusado da abertura de prazo para apresentação de Defesa.
Contudo, frisa-se que em processos punitivos não são admitidas provas ilícitas, ou seja, que violem direitos fundamentais para sua produção.
Desta feita, não é permitido juntar ao processo gravação de conversa ao telefone obtida sem autorização judicial. Não obstante, sem autorização judicial, a comissão poderá obter dados telefônicos do ramal utilizado pelo servidor, ou seja, o registro dos números telefônicos contatados e a duração das chamadas, uma vez que tratam-se de dados não protegidos pelo sigilo, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XII da Nossa Carta Magna de 1988.
A infração disciplinar realizada por servidor cedido deve ser apurada por comissão constituída por autoridade do órgão cessionário, e não por autoridade do órgão cedente, com fulcro no artigo 143 da Lei nº 8.112/90, o qual dispõe que a autoridade que tiver conhecimento do fato deve determinar sua apuração.
No que tange ao julgamento e à aplicação de penalidade disciplinar, devem ser realizados pela autoridade do órgão cedente, uma vez que o servidor está vinculado hierarquicamente a ele, nos termos da Nota-Decor/CGU/AGU :
Despacho-Decor/CGU/AGU nº 10/2008-JD: “10. De toda sorte, a competência para julgar processo administrativo disciplinar envolvendo servidor cedido a outro órgão ou instituição só pode ser da autoridade a que esse servidor esteja subordinado em razão do cargo efetivo que ocupa, ou seja, da autoridade competente no âmbito do órgão ou instituição cedente. 11. Essa competência decorre do princípio da hierarquia querege a Administração Pública, em razão do qual não se pode admitir que o servidor efetivo, integrante do quadro funcional de um órgão ou instituição, seja julgado por autoridade de outro órgão ou instituição a que esteja apenas temporariamente cedido. 12. É fato que o processo administrativo disciplinar é instaurado no âmbito do órgão ou instituição em que tenha sido praticado o ato antijurídico. Entretanto, tão logo concluído o relatório da comissão processante, deve-se encaminhá-lo ao titular do órgão ou instituição cedente para julgamento”.
Dos princípios orientadores de maior relevância no processo punitivo, para adequada produção de prova, destacam-se:
Verdade Material: Pode ser entendida como uma espécie de compromisso da comissão com a ampla e aprofundada apuração da irregularidade objeto do processo punitivo. Significa dizer que a comissão não pode apurar apenas uma parte da irregularidade, nem apurá-la superficialmente, devendo trazer para os autos todas as provas relevantes para o esclarecimento dos fatos, sejam favoráveis ou contrárias à aplicação de penalidade disciplinar.
Dessa forma, diferentemente de processos judiciais com interesse meramente privado - como ressarcimento em acidentes de veículos particulares -, em que cada parte alega o que quiser e o Estado não se preocupa se as alegações são suficientes ou não para representar a verdade, no processo administrativo disciplinar, o interesse público justifica a ampla produção de provas pela comissão, não importando se elas irão contribuir para a absolvição ou condenação, e sim importando se elas trazem a verdade para dentro do processo.
Assim, a aplicação do princípio da verdade material ao processo punitivo obriga a comissão a juntar aos autos provas de que tenha tido conhecimento ainda que depois de concluída a fase instrutória, mesmo que contrária à aplicação de penalidade disciplinar.
Ampla Defesa: Realiza-se, no processo punitivo, por meio de atos que oportunizem ao acusado saber da existência do processo e nele atuar; dentre esses atos destacam-se:
Direito de ser notificado da existência do processo;
Direito de ter acesso aos autos;
Direito de participar efetivamente da construção da prova e de que a mesma seja considerada pela comissão e pelo julgador;
Direito de se manifestar antes da produção do Relatório Final;
Direito a julgamento fundamentado e motivado;
Direito de recorrer do julgamento.
Observar o princípio da ampla defesa significa, também, presumir inocente o servidor até a emissão do despacho de julgamento, sendo que, até o julgamento, a infração e a responsabilidade do servidor são supostas.
Contraditório: Este princípio orienta a comissão a dar oportunidade ao acusado para produzir e apresentar contraprova.
Como exemplo, pode ser citado:
Na produção de prova pericial, o contraditório ocorre antes de sua produção, uma vez que o acusado ou o sindicado pode apresentar quesitos.
O acesso aos autos é permitido ao acusado ou ao sindicado e ao seu advogado, a qualquer momento, preferencialmente, mediante agendamento prévio com a comissão.
Conforme as provas são produzidas, a comissão encaminhará as cópias dos documentos ao acusado ou ao sindicado, independentemente de solicitação.
No que tange às provas documentais, não é necessário dar conhecimento ao acusado assim que um documento for juntado aos autos, podem ser encaminhadas cópias dos documentos mais relevantes ou encaminhá-las em blocos, à medida que a comissão julgue conveniente dar conhecimento ao acusado.
De qualquer forma, o acusado ou o sindicado tem direito a uma cópia integral dos autos, a qual pode ser fornecida em papel ou em mídia eletrônica (CD ou DVD), na qual o processo, após escaneamento, é gravado. Não é obrigatório dar uma cópia ao advogado quando o acusado ou o sindicado já a detiver, e vice-versa.
Tratando-se de prova testemunhal, a comissão deve notificar o acusado da realização da oitiva, com 3 dias úteis de antecedência, conforme preceitua o artigo 26, § 2º da Lei nº 9.784/99, a fim de que ele possa participar, acompanhado ou não de advogado.
Durante a realização da oitiva, deve ser permitido ao acusado fazer perguntas à testemunha por intermédio do presidente da comissão, bem como alegar eventual impedimento ou suspeição.
Da Efetivação do Contraditório da Prova Documental
O contraditório e a ampla defesa são os princípios mais importantes dos processos disciplinares punitivos – PAD e Sindicância Punitiva. A inobservância deles pode gerar a nulidade do processo. Esses princípios estão intimamente ligados à produção da prova, a qual influenciará na forma como o fato tido como irregular foi praticado e a quem se deve ser atribuída a responsabilidade da conduta.
O conhecimento que se dá à defesa sobre a prova que foi produzida, para que o acusado possa, livre e amplamente, exercitar seu direito de se defender, é denominado: Contraditório.
A comissão tem o dever de levar ao conhecimento do acusado o que está sendo produzido no processo. Dependendo da natureza da prova, o acusado deve ser previamente comunicado para auxiliar na sua produção. Em outros, a comunicação ao acusado será feita após a produção da prova, devendo ocorrer apenas o contraditório posterior.
Nessa última hipótese, enquadra-se a prova documental. Como a mesma já existe, o contraditório será efetivado apenas após sua juntada aos autos. Dessa forma, a defesa deverá ser notificada de que os documentos foram juntados. É desnecessário notificá-la de que, por exemplo, a comissão enviará um Ofício ao Tribunal de Contas da União para que este lhe encaminhe cópia do processo que tramita naquela corte, relativo aos mesmos fatos investigados disciplinarmente. Por outro lado, é imprescindível que o acusado seja notificado da juntada da cópia solicitada ao processo disciplinar.
A Controladoria-Geral da União – CGU, firmou entendimento no Enunciado CGU n.º 14 de 31 de maio de 2016 (Publicado no DOU de 01/06/2016, Seção I, página 48), conforme segue:
RESTRIÇÃO DE ACESSO DOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES
Os procedimentos disciplinares têm acesso restrito para terceiros até o julgamento, nos termosdo art. 7º, parágrafo 3º, da Lei nº 12.527/2011, regulamentado pelo art. 20, caput, do Decreto nº 7.724/2012, sem prejuízo das demais hipóteses legais sobre informações sigilosas. A regra de publicidade para o acusado e seu procurador decorre da ampla defesa, mas comporta exceções. Isso porque, em um processo com vários acusados, podem ser juntados documentos sigilosos aos autos do processo, aos quais a defesa só terá acesso quando forem próprios do acusado a que se refere. Os mais comuns seriam as declarações fiscais e os extratos bancários. O sigilo fiscal e o sigilo bancário, a princípio, são invioláveis, mas podem ser compartilhados com a comissão de PAD se atendidos os requisitos legais, previstos, respectivamente, nas Leis Complementares nº 104 e nº 105, ambas de 10 de janeiro de 2001.
Após o julgamento, desperta na sociedade o interesse em verificar se a apuração ocorreu de forma regular, quando então o PAD deixa de ser sigiloso. Todavia, as informações constantes dos anexos continuam sigilosas, pelo que deverão ser destacadas dos autos principais e arquivadas.
Em suma, é possível requerer a juntada desses documentos aos autos disciplinares, porém exige um rito próprio. Para o sigilo fiscal, deve ser instaurado o PAD/Sindicância, a fim de que a comissão encaminhe a solicitação dos dados à Receita Federal do Brasil, por autoridade instauradora.
Nos casos que envolvem sigilo bancário, a solicitação deverá ser realizada junto à comissão ao Poder Judiciário, por representante judicial - AGU, para que lhe possam ser repassados os dados sigilosos do acusado.
Se houver apenas um acusado no PAD, a juntada de documentos sigilosos não costuma gerar problemas, uma vez que este terá amplo acesso a toda a prova produzida no processo. Porém, quando há mais de um acusado no PAD e são juntados documentos sigilosos relativos a cada um deles, faz-se necessário maior atenção, para não gerar inconvenientes. Cabe à Comissão, o cuidado de juntar os documentos sigilosos em anexos individualizados (um anexo para cada acusado com dados sigilosos). Quando der vista ou tirar cópia dos autos para entregar à defesa, a comissão deverá fazê-lo apenas com os dados do solicitante.