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Racismo institucional: o ato silencioso que distingue as raças

30/09/2017 às 16:38
Leia nesta página:

Neste estudo trazemos a distinção entre racismo institucional, preconceito racial e injúria racial, diante da análise da recente polêmica da casa noturna Villa Mix.

Em razão das muitas notícias que despontaram nos últimos dias atreladas ao racismo, a exemplo do ocorrido na casa noturna Villa Mix e no Ministério Público de Santa Catarina, faz-se uma breve abordagem sobre a temática, principalmente na sua forma institucional.

O racismo institucional, nesta nomenclatura, é, por vezes, desconhecido e outras confundido com a injúria racial ou com o preconceito racial ‘genérico’, até mesmo por operadores do direito, que, no desconhecimento da matéria, utilizam-se dos termos como se o mesmo conceito tivessem.

Afastando de certa forma o viés jurídico formal, nesta oportunidade faz-se uma abordagem de maior facilidade de compreensão.

Racismo institucional é basicamente o tratamento diferenciado entre raças no interior de organizações, empresas, grupos, associações e instituições congêneres. Em resumo, e de forma coloquial, considerando a problemática singular entre negros e brancos, é você tratar o negro de uma forma e o branco de outra. É você optar por um em prejuízo do outro, ou mesmo preferir, ou até, de forma indireta, ofertar tratamentos diferenciados, de modo a privilegiar um em detrimento do outro, sem qualquer respaldo legal.

É exatamente o que se alega ter acontecido na casa noturna ‘Villa Mix’, uma vez que, supostamente, os responsáveis pelo estabelecimento coibiam o acesso de negros, inclusive com imposições diretas e incisivas, sem mesmo utilizarem-se de sutilezas.

Para que não se tire conclusões antes mesmo de apresentar-se a conceituação formal, cita-se definição extraída do Programa de Combate ao Racismo Institucional incorporado no país no ano de 2005:

O fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. (Projeto de uma parceria que contou com: a SEPPIR, o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), e o Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), como agente financiador, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e teve como foco principal a saúde (CRI, pg 22, 2006).

Ao contrário do que a própria imprensa divulga aos seus leitores/ouvintes, a ofensa em razão da raça não tipifica o crime de racismo - caso apenas a ofensa seja o objeto da ação -, mas sim o crime de injúria racial, previsto no Código Penal, em seu Art. 140, §3º, com pena mais branda do que grande parte das tipificações atreladas ao crime de racismo.

Já o crime de racismo está previsto na Lei n. 7.716/1989, sendo inafiançável e imprescritível, com penas de reclusão e de maior rigor, a depender de cada caso - conta com disposições taxativas e pontuais para cada forma e caso concreto de racismo.

A título de exemplo, caso restasse comprovado o crime praticado pela Villa Mix, a pena a ser imposta, de reclusão, partiria de 01 ano podendo chegar a 03 anos, nos termos do Art. 5º, da Lei n. 7.716/89.

Partindo para o final deste breve artigo, vale sempre relembrar alguns números que comprovam de forma inconteste o racismo institucional presente na vida dos brasileiros:

  • “Segundo a PNAD de 2008, 40,9% das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos de idade jamais haviam realizado mamografia em suas vidas, frente a 26,4% das brancas na mesma situação.

  • Ainda segundo a PNAD 2008, das mulheres acima de 25 anos de idade, 18,1% das mulheres negras e 13,2% das brancas jamais havia realizado o exame de papanicolau.

  • A taxa de mortalidade materna entre as mulheres negras, em 2007, era 65,1% superior a das mulheres brancas.

  • De acordo com a PNAD 2009, a taxa de distorção idade-série no ensino fundamental atingia a 22,7% da população negra, contra 12,4% da população branca.

  • No ensino médio, a taxa de distorção era de 36,6% para a população negra e de 24% para a população branca.

  • “Considerando o país como um todo, o número de homicídios brancos caiu de 18.867 em 2002, para 14.047 em 2010, o que representa uma queda de 25,5% nesses oito anos. Já os homicídios negros tiveram um forte incremento: passam de 26.952 para 34.983: aumento de 29,8%” (Weisenfisz, 2012: 14)”[1].

E mais, “a pesquisa O Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, realizada pelo Instituto Ethos e IBGE em 2010, revela que nos quadros funcionais e de chefias intermediárias os negros ocupam, respectivamente, 31,1% e 25,6% dos cargos. Na gerência são13,2% e na diretoria, 5,3%. A situação da mulher negra é pior: ela fica com 9,3% dos cargos da base e de 0,5% do topo. Em números absolutos significa que, no universo que as empresas informaram, de 119 diretoras e 1.162 diretores de ambos os sexos, negros e não negros, apenas seis são mulheres negras”.

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Relembra-se que, outrossim, mesmo o Brasil contando com números extremamente prejudiciais aos negros, sua população majoritária é justamente composta por negros (brancos são minoria), o que mais ainda evidencia que o racismo ultrapassa os atos imperativos de preconceituosos, para que seja incrustado na raiz das instituições nacionais.

Os números retratados não resultam de coincidência ou ‘sorte’, mas do racismo silencioso e discreto, aquele que não desponta na mídia, que não gera notícia nem polêmica, mas que, no fim, interfere diretamente na vida e nas escolhas da população negra. Daí porque, apesar de todos terem o livre arbítrio, este será inevitavelmente mais dificultoso aos negros.

Por isso que o enfrentamento do racismo institucional, que se revela como prova inconteste do preconceito difundido, é o caminho de acesso à igualdade entre as populações; não a igualmente meramente formal, mas aquela material, com negros e brancos dividindo os mesmos espaços sem absolutamente qualquer distinção.


Nota

[1] http://racismoinstitucional.geledes.org.br/alguns-indicadores-do-racismo-institucional/

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Sobre o autor
Vinícius Uberti Pellizzaro

Advogado Sócio da banca "Leandro Bernardino Rachadel Advogados", onde é responsável pela Arbitragem. Presidente da CMACIP (Câmara de Mediação e Arbitragem ACIP). Membro da Comissão Estadual de Arbitragem da OAB/SC e do Comitê de Arbitragem do CESA/SC (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados). Conselheiro da OAB, Subseção Palhoça, para a gestão 2019/2021. Ex-Presidente da Comissão OAB Jovem, Subseção Palhoça, na gestão 2016/2018. Membro efetivo do IASC (Instituto dos Advogados de Santa Catarina). Bacharel em Direito pela Universidade do Contestado - UnC. Pós-Graduado em Direito Constitucional. Pós-Graduado em Mediação, Conciliação e Arbitragem. Participou e ocupou cargos de diretoria em diversas instituições, organizações e comissões relacionadas à Advocacia e à sociedade civil. Possui materiais jurídicos publicados e participa como palestrante, debatedor ou membro da comissão organizadora de eventos em geral relacionados a sua atividade profissional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PELLIZZARO, Vinícius Uberti. Racismo institucional: o ato silencioso que distingue as raças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5204, 30 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60893. Acesso em: 21 nov. 2024.

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