Benefício de prestação continuada da assistência social

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2 - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

O BPC é uma política social que foi conquistada após diversas reclamações ao longo do tempo pela sociedade brasileira, se tornando um instrumento essencial na busca ao combate à pobreza e redução da desigualdade social. Dessa forma, a expressão constitucional do benefício se deu em um momento em que os direitos sociais ganharam uma abordagem inédita na Constituição do país.

Segundo NETO (2009), o BPC não pretende somente combater à pobreza, mas procura estabelecer um sistema de proteção social às pessoas com deficiência e idosas incapazes de manter sua autonomia.

Antes de o preceito constitucional que daria origem ao BPC, na LOAS de 1993, dois benefícios podem ser considerados como os embriões desse benefício, ou que no mínimo subsidiaram ideias para a formulação de um benefício assistencial aos deficientes e idosos, porém, que pudesse ser mais abrangente e universal do que os já existentes, eram eles: a Renda Mensal Vitalícia (RMV) da Lei n.º 6.179 de 1974, e a pensão assistencial para excepcionais do estado de Santa Catarina de 1982 (NÉRIS, 1989; SANTA CATARINA, 1982).

Nesse sentido, LEIVAS (2008), afirma que o BPC é um benefício assistencial que garante a renda de um salário mínimo a idosos e pessoas deficientes, como garantia dos mínimos sociais, uma das principais políticas de proteção social para deficientes e tem sido, nos últimos anos, importante instrumento de combate à pobreza e de redução das desigualdades sociais no país.

Assim, o BPC, trata-se de um benefício que não precisa de contribuição, isto é, que não requer uma contraprestação de seus destinatários, disposto na Constituição Federal de 1988, regulamentado pela LOAS, com intuito de auxiliar na manutenção da vida do idoso e deficiente.

2.1 – BENEFICIÁRIOS

2.1.1– Idosos

No que se refere especificamente ao idoso, à política pública de Assistência Social, atua em áreas estratégicas que cobre todas as unidades tanto no âmbito federal quanto estadual, para assegurar aos idosos seus direitos na sociedade.

Segundo PEREIRA (2012), no âmbito Federal, existe a transferência continuada de renda a idosos impossibilitados de prover a sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família; e proteção social básica e especial à pessoa idosa.

E no âmbito estadual, municipal e no Distrito Federal existem ações desenvolvidas pelos governos que, em companhia com o governo federal ou instituições privadas, podem realizar convênios para prestação de serviços especiais; distribuição de benefícios eventuais; criação e regulamentação de atendimentos asilares; realização de programas educativos e culturais; isenções fiscais de entidades particulares, dentre outros. (PEREIRA, 2012)

Nesse sentido, o amparo da assistência social à pessoa idosa é composta e financiada no âmbito federal, os seus serviços, programas e projetos são efetuados por governos de Estados, Municípios e Distrito Federal, bem como por entidades sociais, visando o acolhimento de pessoas idosas pobres, a partir dos 60 anos de idade.

Outro amparo social básica desenvolvido pela política de Assistência Social que de forma indireta beneficia os idosos é o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), efetivado nos Municípios, em unidades locais de Assistência Social, denominadas Casa das Famílias, com vistas ao acolhimento, convivência, socialização e estímulo à participação social das famílias e seus membros. (PEREIRA, 2012)

Em suma, a assistência social compõe uma área estratégica para a manutenção de uma ampla rede de proteção para as pessoas idosas que, para além do benefício de prestação continuada, previsto na Constituição, inclui centros de convivência, casas lares, abrigos, centros de cuidados diurnos, atendimento domiciliares, dentre outros, em articulação com as demais políticas públicas (CARVALHO et all., 1998).

E estas medidas são realizadas por meio de firmação de convênio; repasses de benefícios, doações, concessões e auxílios; criação e regulamentação de entidades asilares e não asilares, programas e eventos; isenção de algumas taxas, tributos, impostos; e declarações de utilidade pública de algumas instituições

Portanto, tudo isso contribui para que a assistência social forneça para a pessoa idosa melhoria do bem-estar, contribuir para a promoção da autonomia, integração e participação do idoso na sociedade fortalecendo seus vínculos familiares, proporcionando aos idosos, possibilidades de usufruto de bens, serviços e direitos.

2.1.2 - Deficientes

Os movimentos sociais dos deficientes têm uma história atual em que sua formação e fortalecimento foram instituídos com a democratização do Brasil a partir dos anos da constituição de 1988.

Com a constituição de 1988 a educação, o trabalho, acessibilidade e assistência social passaram a contar como base que favoreceram o surgimento de diversas políticas públicas para atender as reclamações por inclusão e cidadania das pessoas com deficiência.

Como regra geral, a deficiência pressupõe a existência de variações de algumas habilidades que sejam qualificadas como restrições ou lesões. O que inexiste, no entanto, é um consenso sobre quais variações de habilidades e funcionalidades caracterizariam deficiências. (VASCONCELOS, 2005).

A definição de deficiência na legislação do BPC é tida como limitativa pela dominação do discurso biomédico nos parâmetros utilizados para eleger as características para que o solicitante seja considerado deficiente para a proteção social (BARBOSA, 2009).

De acordo com FIGUEIRA (2008), a Constituição não possuía um conceito de deficiência quando da criação da LOAS, cenário que se altera apenas com a ratificação da Convenção da ONU pelo Brasil em 2008. E essa ausência fez, inclusive, que o próprio BPC mudasse cinco vezes a forma de avaliar a deficiência para o benefício assistencial entre 1995 e 2008.

Na tentativa de utilizar um conceito de deficiência mais relacionado aos objetivos da política de assistência social, a legislação do BPC, em 2007, adotou os parâmetros da CIF para avaliação das condições bio-psico-sociais relacionados aos estados de saúde das pessoas deficientes solicitantes do benefício assistencial. (FIGUEIRA 2008).

Diversas formas de abordagem aos direitos podem discutir sobre a questão da deficiência em diferentes aspectos, apesar de que o enfoque dos direitos dos deficientes serem uma das principais ferramentas de organização social.

No auge das lutas e articulações políticas dos anos 1980 no Brasil, os movimentos sociais dos deficientes compreenderam essa concepção e foram responsáveis pela reivindicação de diversos direitos assegurados na Constituição e direcionados às pessoas deficientes (FIGUEIRA, 2008; SASSAKI, 1990)

Além disso, de forma incipiente no Brasil a partir dos anos 1980, a questão da deficiência assumiu nova trajetória aproximando as demandas das pessoas deficientes às reivindicações por justiça social e direitos de cidadania, sobretudo, pela influência das ideias do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unida (ONU) declarado em 1981 e comemorado no Brasil e em vários outros países no mundo (SILVA, 1989; FIGUEIRA, 2008).

Segundo FIGUEIRA (2008) a articulação de vários movimentos sociais e a pressão social exercida durante o período da criação da Constituição Federal deixou o tema da deficiência em foco, o que resultou em um texto constitucional avançado no tocante aos direitos das pessoas deficientes.

Apenas no passar dos últimos anos foi possível à estruturação de uma união de vários instrumentos jurídicos e de políticas públicas para estabelecer de forma material os direitos abordados pela Constituição da República.

Assim, tal cenário apresenta muitos avanços ao lado de uma série de desafios, como pode ser verificada nas políticas de educação e ações para inclusão no mundo do trabalho, remoção de barreiras arquitetônicas, sensibilidade nos transportes públicos para a diversidade corporal, entre outras políticas para os deficientes (NERI, 2003).

MEDEIROS (2005) afirma que duas das principais alterações que ocorreram posteriormente à Constituição com os princípios estabelecidos no texto constitucional foram à criação da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, aprovada em 1999 e a denominada lei de Acessibilidade, sancionada em 2004 pelo Decreto 5.296.

A Política Nacional estabelece ser de responsabilidade dos órgãos e entidades do poder público garantir possibilidades às pessoas com deficiência para o pleno exercício de seus direitos básicos decorrentes da Constituição e de outras leis, sobretudo, para o objetivo de promover o bem-estar pessoal, social e econômico dessa parcela da população (BRASIL, 1999).

Nesse sentido, a deficiência passaria a ser não mais tema de responsabilidade individual, mas de matéria de competência da justiça social que deriva do esforço das sociedades em garantir os direitos de todas as pessoas.

A diretriz ensejada pela Política Nacional foi reforçada com a Lei de Acessibilidade, aprovada cinco anos depois, em 2004 sendo que os objetivos da Lei de Acessibilidade foi o de propor alterações e questionamentos sobre as mais diversas disposições das estruturas, valores e práticas sociais no sentido de tornar possível a participação plena de todas as pessoas no ordenamento social, independentemente de quais diversidades corporais possam apresentar (VASCONCELOS, 2005).

Pode-se afirmar que deficiência, se não receber tratamento equitativo da sociedade, e a pobreza, são duas esferas de desigualdade e opressão social que apenas recentemente, no país, passou a contar com políticas públicas institucionalizadas para o enfrentamento. O fato de o Brasil ser considerado um país rico, mas com muitos pobres (MEDEIROS, 2005).

DINIZ (2007) relata que o BPC para deficientes passou a simbolizar uma resposta vigorosa para a situação de privação das pessoas com deficiência na pobreza. O BPC tem cobertura relativamente extensa por alcançar mais de três milhões de pessoas em setembro de 2009, das quais mais de 1,5 milhões são deficientes.

Todavia, o gerenciamento, a execução e o perfil do alcance do Benefício de Prestação Continuada mostra a amplitude dos desafios da implantação de uma política de proteção social para os deficientes.

Em relação às pessoas deficientes para o BPC, a principal alteração foi sobre o critério de deficiência para fins de concessão do benefício. Antes da aprovação da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência em 1999, era considerado para fins de concessão do benefício.

a pessoa portadora de deficiência que a incapacitava para a vida independente e para o trabalho em razões de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho (BRASIL, 1995). 

Esse conceito de deficiência era considerado restritivo, sobretudo, por ser de difícil avaliação pericial, ocasionando até mesmo avaliações discricionárias na concessão do BPC (DINIZ 2007).

A partir de 1999, devido à aprovação da Política Nacional, o conceito utilizado de deficiência passou a ser “a perda ou anormalidade de uma estrutural ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere incapacidade para o desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (Decreto n. 3.298, 1999).

Apesar de ter recebido críticas após sua criação, o novo conceito já avança em alguns pontos. Assim, o conceito de deficiência ainda foi alterado pelo Decreto n. º 5.296 de 2 de dezembro de 2004, com advento da denominada Lei de Acessibilidade, tornando mais objetivo o conceito de deficiência para fins de concessão do benefício assistencial.

2.1.3 – Indígenas

No que diz respeito aos povos indígenas, as ressalvas se dão tanto de forma cultural relacionado à comunicação, uma vez que possuem formas próprias de se comunicar, quanto social, relativo à adaptação ao mundo social fora da aldeia.

Segundo JASSOUD (2012), o indeferimento na concessão do BPC pode deixar o indígena excluído da assistência social e da previdência social, ferindo os princípios de consideração das especificidades da cultura indígena.

De acordo com a Convenção sobre Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações Unidas (CDPD), “pessoas com a mesma deficiência podem enfrentar tipos e graus de restrição muito diferentes, dependendo do contexto”.

Nesse sentido, a partir desse conceito, os órgãos deve fazer uma avaliação mais profunda quando se trata de indígenas com deficiência. Pois, qualquer indivíduo está exposto aos fatores que possam causar algum tipo de deficiência, temporária ou permanente.

A constatação e o registro dos casos de pessoas com deficiências motoras (física, mental e sensorial) ganham cada vez mais visibilidade nas comunidades indígenas (Venere, 2005). Segundo PEREIRA (2007, p. 18): “a quantidade de deficientes físicos é enorme para os padrões Kaiwoá” e que isto pode estar relacionado a fatores como carência alimentar e alto consumo de bebidas alcoólicas.

Deve‑se considerar que são vários os fatores que podem causar ou agravar a deficiência para os povos indígenas, tanto internos quanto externos. Aos fatores internos atribuem‑se ocorrências por causas naturais, picadas de insetos e animais peçonhentos, queda de galhos árvores, raios etc., riscos com que eles sempre lidaram. (JACCOUD, 2012)

JACCOUD (2012) relata que quanto aos fatores externos são ocorrências ligadas à entrada nas aldeias de materiais produzidos por não indígenas como faca, facões, motosserra, arma de fogo e veículos utilitários. São instrumentos que causam a deficiência e deixam muitas pessoas sem condições de se locomoverem nas aldeias.

Segundo VENERE (2005), houve um grande aumento de indígenas que passaram a utilizar cadeiras de rodas, muletas, próteses nos membros inferiores e superiores, próteses nos ouvidos.

O processo de produção agrícola também tem contribuído para aumentar o quadro de incapacitações e até mortes. A alta quantidade de agrotóxicos usados nas plantações aumenta os índices de aborto e de nascimentos de crianças com diferentes defeitos físicos, além da morte de animais domésticos, silvestres e da fauna aquática, (VENERE 2005).

O mesmo autor também observou casos de anencefalia:

A alta incidência de câncer, sobretudo de leucemia, entre agricultores e indígenas aculturados que lidam com os venenos acima mencionados, é fato rotineiro na Amazônia. Provavelmente, o número de vítimas anônimas que morrem sem chegar aos hospitais é maior do que dizem as estatísticas. Os agrotóxicos das empresas multinacionais matam mais do que os condenados e indesejáveis conflitos originados por disputas de terras ou invasão de terras indígenas.

Nesse sentido, existe uma probabilidade maior de casos referentes a problemas de incapacidade para o trabalho ou deficiências em povos que vivem próximos ao agronegócio. Esse fato pode estar ligado com o aumento dos beneficiários da assistência social, bem como da previdência social.

          Considerando que os indígenas possuem, em média, maior vulnerabilidade social, em vista do percentual elevado de famílias que se enquadram na pobreza e na extrema pobreza, o agravante da deficiência é outro fator que pode contribuir para a piora nas condições de vida. JACCOUD (2012).

VENERE (2005) afirma que a concessão do BPC para os indígenas com deficiência é importante na medida em que a garantia de renda por parte do trabalho assalariado se torna distante devido ao preconceito por parte da sociedade com relação à etnia e à deficiência.

Ademais, o número de crianças e adolescentes deficientes tem se mostrado cada vez maior, o que implica a necessidade de cuidados por parte da família, fazendo com que outro membro familiar fique impossibilitado de trabalhar para desempenhar a função de “cuidador”. JACCOUD (2012)

De acordo com SANTOS (2011), o BPC é um instrumento capaz de proteger os beneficiários e suas famílias da situação de vulnerabilidade, embora muitas vezes as mães de crianças deficientes saiam do mercado de trabalho para exercer a função de cuidadoras e não recebem nenhuma proteção social por parte do Estado.

VENERE (2005) ressaltou o fato de que, no momento em que essas pessoas com deficiência passam receber recursos financeiros assistenciais ou previdenciários, elas se tornam sujeitos participativos na comunidade indígena, uma vez que tais recursos às colocam em destaque diante do processo econômico do grupo.

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O benefício de prestação continuada tem a capacidade de reduzir a vulnerabilidade social a que a família indígena está exposta, tendo em vista que a pessoa com deficiência geralmente é excluída do mercado de trabalho.

A exclusão atinge principalmente os indivíduos com deficiência totalmente incapacitantes, sobretudo física mental. O acesso ao benefício fica comprometido por uma série de fatores como a falta de conhecimento por parte dos indígenas e o desconhecimento dos critérios de concessão por parte dos profissionais. (JACCOUD, 2012)

Os programas da assistência social têm se tornado importantes medidas na luta contra a pobreza e desigualdade social. No caso dos povos indígenas, a inclusão nas políticas assistenciais, faz‑se necessário, pois é uma forma de compensa‑los pela perda de seus territórios.

Para tanto, JACCOUD (2012) expõe que é crucial que haja um maior controle nas concessões no sentido de tornar efetivo o acesso, bem como avaliar de forma mais aprofundada os impactos desses benefícios sobre os beneficiários e suas famílias.

Nesse sentido, objetivo da LOAS é de “contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando bens e serviços socioassistenciais em áreas urbanas e rurais”. JACCOUD (2012).

Assim, a falta de direção e a ausência de orientação aos povos indígenas acabam resultando na maioria das vezes no indeferimento do benefício, tudo isso por falha na comunicação ou falta de documentação, levando os indígenas a buscarem o poder judiciário para sua obtenção.

Portanto, fica claro a relevância sobre do desempenho da assistência social junto aos povos indígenas. Mesmo existindo vários fatores que causam e agravam a vulnerabilidade destes povos, requerendo assim, a articulação de outras políticas públicas, não limitando a apenas a intervenção da assistência social.

2.1.4 – Estrangeiros.

Como exposto anteriormente, a Lei Orgânica de Assistência Social 8.742/93 (LOAS) em conjunto com a Lei n. 10.741/2003 instituem a garantia do BPC a pessoa portadora de deficiência ou idosa que comprove situação de miserabilidade econômica.

Nesse mesmo sentido, o art. 203 da Constituição Federal de 1988 garante a assistência social “a quem dela necessitar”, não fazendo, portanto, distinção entre brasileiros e estrangeiros.

Percebe-se que a solidariedade é um princípio constitucional, que dispõe a necessidade de uma responsabilidade social, no qual toda a sociedade é responsável pelo bem comum, sem levar em consideração a nacionalidade dos integrantes da sociedade. (PACHECO, 2010)

BONAVIDES (2002, p. 342) explica:

O Estado social no Brasil aí está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. Não há para tanto outro caminho senão reconhecer o estado atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem liberdade.

A LOAS, no Artigo 1º, dispõe que a Assistência Social é um direito do cidadão. O Decreto nº 1.744, que regulamenta o BPC, dispõe sobre estrangeiros, que serão considerados como beneficiários do BPC, os idosos e as pessoas portadoras de deficiência, estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do país de origem. (PACHECO, 2010)

O Decreto nº 6.564, de 2008, torna mais claro o critério estabelecido para a concessão do BPC aos estrangeiros.

Art. 7ª – O brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil, idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos neste Regulamento, que não perceba qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza indenizatória, observado o disposto no inciso VI do art. 4ª, é também o beneficiário do BPC.

Segundo (PACHECO, 2010), a questão do estrangeiro é importante e merece destaque, por causa do caráter de universalidade da Assistência Social e também o princípio à dignidade humana e de não distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação.

Portanto, o assunto sobre o ingresso do estrangeiro não naturalizado ao BPC requer mais atenção, tendo em vista a ocorrência da violação de seus direitos por se encontrarem muita das vezes em situação de pobreza e exploração.

BALERA (2010) fez um estudo sobre a emigração com um fundamento econômico, onde o desfavorecido economicamente sai do seu país de origem em busca de condições de oportunidades de trabalho, todavia, encontra no Brasil a situação de desqualificado para o trabalho estando sujeitos a ocupações indignas.

Os estrangeiros que não conseguem se regularizar no país, devido a restrições legais, ficam sujeitos à deportação. Como afirma BALERA (2010, p.42) que “o tratamento legal dispensado ao estrangeiro é mais rigoroso que o deferido aos criminosos. A solidariedade devida a todo o ser humano é substituída pelo valor econômico que pode ingressar no país”.

Assim, concessão de BPC aos estrangeiros, nos termos do caput do art. 5º da Constituição Federal, é assegura ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional.

Nesse sentido:

ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. IGUALDADE DE CONDIÇÕES. ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. 1. Para a concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993). 2. A condição de estrangeiro da parte Autora não a impede de usufruir os benefícios previstos pela Seguridade Social, desde que preenchidos os requisitos para tanto. Isto, pois, de acordo com o caput do art. 5º da Constituição Federal, é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional. 3. Sendo a assistência social um direito fundamental, os estrangeiros, residentes no país, e que preenchem os requisitos, também devem ser amparados com o benefício assistencial, pois qualquer distinção fulminaria a universalidade deste direito. 4. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício. 5. Agravo Legal a que se nega provimento.(TRF-3 - AC: 12072 SP 0012072-19.2013.4.03.9999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 09/09/2013, SÉTIMA TURMA)

O poder judiciário brasileiro tem dado relevância ao tema, pois a questão não é só Direito Constitucional é de Direito previdenciário, como também envolve Direito Internacional e tem decidido a favor da concessão do benefício assistencial ao estrangeiro residente no Brasil que esteja necessitado, quer por idade ou por moléstia incapacitante ao trabalho (PACHECO, 2010).

Portanto, o direito do estrangeiro, no que diz respeito ao seu acolhimento pelo benefício de prestação continuada, é um assunto importante para ser debatido, seja em nível nacional ou internacional, destaca-se que o principal foco é assegurar o tratamento digno do ser humano independente da sua origem.

2.1.5 Morador de Rua.

As pessoas que vivem na rua passam por vários tipos de necessidade e encontram-se num nível de vulnerabilidade extrema, pois, sobrevivem em condições de total desigualdade na sociedade e com muita dificuldade em ter acesso a assistência social.

Desde o surgimento do BPC, o morador de rua encontra muitas dificuldades no acesso ao benefício, principalmente para apresentar os documentos exigidos para o requerimento inicial, comprovar seu endereço e a sua composição familiar.

Assim, pessoas que estão nas ruas, vivem numa situação tão vulnerável que carecem de um acompanhamento mais próximo pelo Estado, no sentido de fazer com que as pessoas que vivem na rua transponham a dificuldade de buscar seus direitos, para obter um tratamento digno e igualitário. (PACHECO 2010).

Em alguns estados brasileiros existem normas que protegem moradores de rua, ressaltando a Lei nº 12.316 de 16.04.1997. Tal lei estabelece em seu artigo 1ª que:

O poder público municipal deve manter na Cidade de São Paulo serviços e programas de atenção à população de rua garantindo padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais e dos direitos de cidadania a esse segmento social de acordo com a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município de São Paulo e a Lei Orgânica de Assistência Social.

A Lei vigente para o BPC permite aos moradores de rua que, ao pleitear o beneficio, apresente como endereço aquele referente ao serviço público ao qual mantém um vínculo de atendimento e que declare como pessoas com relação de proximidade aquelas com as quais o homem de rua mantém o seu ciclo de convívio e que poderão facilmente localizá-lo, (PACHECO 2010).

Existe um grande avanço na regulamentação no sentido de facilitar o acesso ao BPC para os moradores de rua. Todavia, ainda permanece presente uma grande dificuldade de acesso ao requerimento do benefício de prestação continuada.

MARQUES (2008) relata que tal dificuldade incide na situação de invisibilidade em que se encontram as pessoas que vivem nas ruas, para as quais, é necessário uma atenção especial da sociedade e, em especial, do poder público, no sentido de realizar um trabalho social intenso, sistemático e muito próximo à população de rua.

Nesse sentido, é necessário um investimento no sentido de fazer com que os moradores de rua adquiram a autonomia no sentido de buscar pelos seus direitos, como exemplo, o acesso ao BPC.

Assim, PACHECO (2010) ensina que as grandes barreiras são armadas pela própria sociedade ao demonstrar o preconceito, e a falta de respeito à dignidade humana das pessoas que se encontram em situação de rua.

MARQUES (2008, p.160) relata sobre algumas atitudes arbitrárias tomadas com relação aos moradores de rua, como:

uma conseqüência direta do predomínio dos interesses privados sobre tudo o que é coletivo. Trata-se da negação dos sentimentos de solidariedade e de respeito. Na sua forma absoluta, constitui a eliminação total do outro e de tudo o que ele contém de diferente, utilizando-se, inclusive da violência como recurso. É a negativa do reconhecimento da existência de direitos daqueles que não se amoldam aos parâmetros da sociedade.

Essas diversas situações apresentadas, sobre as restrições de acesso ao Benefício de Prestação Continuada, mostram as principais imperfeições existentes na legislação que regula o benéfico de prestação continuada, que na prática poderão causar algumas controvérsias na busca de efetivar o direito do cidadão de bem.

2.4 - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E O PODER JUDICIÁRIO.

 Após um longo período de insatisfação popular, o Brasil vivenciou um movimento de redemocratização do país, impulsionado pela busca do reconhecimento dos direitos fundamentais e anseio por uma sociedade menos desigual.

A Constituição Federal foi promulgada em 1988 e pode ser considerada o auge da estabilização do benefício de prestação continuada. Dentre muitas novidades, a Constituição deu um novo papel ao Judiciário brasileiro, pois teve seus desígnios ampliados.

Esse entendimento é trazido por VIANNA (2008), ao considerar que é, após aquele ano, com a ampliação dos instrumentos de proteção judicial, que o país passou a vivenciar um processo de judicialização da política pública, principalmente na área da assistência social.

A expansão e a ampliação das funções do Poder Judiciário trouxeram mudanças significativas no campo dos direitos, seja pelos novos atributos exigidos de seus operacionalizadores, aos quais passou‑se a requisitar sensibilização ante as manifestações da questão social, ou ainda pelo significado diferenciado atribuído a esse poder pela sociedade, que começou a notar e a utilizar esse mecanismo como um mediador estratégico junto aos poderes Executivo e Legislativo, na resolução de assuntos controversos. (SILVA, 2012)

De acordo com Maciel e Koerner (2002, p. 114),

Judicializar a política, segundo esses autores, é valer‑se dos métodos típicos da decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas arenas políticas em dois contextos. O primeiro resultaria da ampliação das áreas da atuação dos tribunais pela via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na constitucionalização

Ao longo dos anos, a expressão “judicialização de políticas” tem ganhado diversos outros significados. Aqui o sentido da judicialização é atribuído à influência própria dos sistemas democráticos exercida pelo Poder Judiciário ao interferir em funções que em tese seriam atribuições dos poderes Executivo e Legislativo. DINIZ (2009)

Todavia, ao se analisar as questões orçamentárias em que está submetido o desenvolvimento das políticas públicas, SILVA (2012) argumenta que este é finito e que muitas vezes, por meio de determinações judiciais, é gasto muito dinheiro público a favor de poucos, o que pode ser considerado uma atuação injusta.

Outro ponto que deve ser analisado refere‑se ao acesso à justiça, que ainda é bastante restrito, já que a maioria da população, com pouca informação ou sem condições financeiras para arcar com custas advocatícias.

Segundo SILVA (2012), existem ainda estudos que questionam o poder dos juízes em decisões políticas, já que esses não seriam legitimados pelo povo. O argumento é sustentado sob a defesa de que essa seria uma “justiça injusta”.

Cabe ressaltar a particularidade da judicialização no âmbito da Assistência Social, pois esta política que começou a se concretizar, a partir da Carta de 1988, com a instituição de um Sistema de Seguridade Social, nunca teve seu público bem definido como a Saúde e a Previdência Social. (SILVA, 2012)

Por causa da desigualdade e falta de provimento de serviços públicos, o Poder Judiciário tornou‑se um instrumento para a busca dos direitos. Pelo que se conclui que no Brasil é inevitável o desenvolvimento da judicialização da política de assistência social.  

Todavia, nos dias de hoje, o público da assistência social é muito grande, tendo em vista que a legislação fala que todo aquele que necessitar de assistência, e cada programa ou serviço determina os critérios de elegibilidade para o benefício, podendo gerar diversas discussões e futuros processos judiciais.

De acordo com Vianna, Burgos e Salles (2007, p. 41)

A invasão do direito sobre o social avança na regulação dos setores mais vulneráveis, em um claro processo de substituição do Estado e dos recursos institucionais classicamente republicanos pelo Judiciário, visando a dar cobertura a criança e ao adolescente, ao idoso e aos portadores de deficiência física. O juiz torna‑se protagonista direto da questão social.

De acordo com a Constituição de 1988, a Justiça Federal atua em lides que envolvam a União e seus órgãos, sejam como réu ou impetrante. Nesse sentindo, é justamente nessa esfera que o cidadão recorre quando sente que foi lesado de seu direito ao BPC.

A Justiça Federal brasileira é dividida em cinco regiões, que não coincidem com as grandes regiões, esse motivo pelo qual a análise foi realizada com base nas unidades da federação para identificação de sua correspondência nas regiões brasileiras. (SILVA, 2012).

De acordo com GARGARELLA (2008), o surgimento de conflitos na interação social, na convivência comunitária, na determinação dos direitos ou, mais especificamente, na área da execução de alguma ação pública, fornece o direito à parte lesada a possibilidade de reclamar seu prejuízo, desvantagem ou discriminação nas instâncias judiciárias.

Nesse sentido o Judiciário pode assumir o papel de guardião da efetivação tanto dos direitos individuais quanto dos sociais, e, portanto, do direito à assistência social (LEIVAS, 2008; PULIDO,2008).

GARGARELLA (2008) ensina que o controle judicial está em posição privilegiada para favorecer a deliberação democrática ao aperfeiçoar uma política pública, mas também “o controle judicial pode ser um instrumento crucial para enriquecer a deliberação pública a respeito dos direitos sociais”.

Principalmente, no caso do Brasil que possui uma experiência democrática jovem após um longo período de ditadura militar, além de ter firmado tardiamente, em relação a outros países, o conjunto de direitos sociais articulados aos princípios democráticos do Estado de direito (BUCCI, 2006)

Todavia, o papel do Judiciário não se restringe a apenas rever os casos de indeferimento de acesso ao BPC. O Poder Judiciário atualmente tem sido um meio responsável para questionar os critérios de acesso ao benefício assistencial.

O fenômeno da judicialização de política pública é crescente nos últimos anos no país, após as primeiras ações terem ocorrido por solicitação de medicamentos para tratamento do HIV (BORGES; UGÁ, 2009; MESSEDER et. al, 2005; VIANNA et. al, 2009; VIEIRA; ZUCHI, 2007).

Hoje, o crescente número de ações judiciais propostas por usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) para garantir o fornecimento de medicamentos tem sido apontado como motivo de alerta pelos gestores públicos, políticos e para especialistas na área de saúde. (BORGES; UGÁ, 2009).

Segundo BORGES e UGÁ (2009), os atuais processos judiciais dos usuários do SUS são de solicitação, principalmente, de medicamentos e o volume das ações judiciais tem crescido não apenas nos Tribunais Estaduais, mas ocupa espaço relevante também nos Tribunais Superiores do país.

Em audiência pública realizada em maio de 2009, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 566.471, o Supremo Tribunal Federal examinou a atribuição da judicialização de medicamentos com valores altos, e buscou responder, entre outras questões, se a judicialização da saúde ocorria por omissão ou por descumprimento da política pública (DINIZ 2009).

A busca de respostas para a pergunta se o processo de judicialização do BPC é decorrência de omissão, ou se pelo descumprimento da política social na fase de execução, é o ponto de partida para análise do controle judicial do benefício assistencial.

De acordo com DINIZ (2009), nos últimos anos do BPC, a legislação busca criar condições para a efetivação do direito das pessoas com deficiência e idosos ao benefício de proteção social. No entanto, podem acontecer momentos em que a efetivação do benefício sofre impedimentos de alguma ordem, levando o requerente do benefício recorrer ao Poder Judiciário para solicitar o benefício.

A implantação do BPC conta com as instâncias recursais do INSS para caso de necessidade de revisão de pedido quando um solicitante desejar. Esse desenho é A possibilidade de avaliação recursal no nível executivo da política pode ter impactos no número de abertura de processos judiciais de solicitantes do BPC que, tendo o pedido do benefício negado no INSS, recorre ao Judiciário para sua avaliação.

No entanto, essa importante fase de recursos ainda na execução da política social não impede que individualmente algum solicitante se sinta no direito de recorrer às cortes judiciais para avaliação do seu caso (DINIZ 2009).

O controle judicial tenta buscar aperfeiçoar ou corrigir alguma falha nessa engrenagem que permite que algum direito individual previamente estabelecido esteja sendo descumprido ou negligenciado ou a objeção às decisões administrativas que não concederam a política pública, por exemplo, o BPC não concedido no INSS, leva o indivíduo ao Poder Judiciário em uma tentativa de buscar outras matrizes de julgamento para estabelecer o direito individual ao benefício assistencial (PULIDO, 2008).

Nesse caso, o controle judicial pode favorecer tanto o cumprimento das demandas individuais, quanto à materialização dos direitos sociais no sentido da realização dos objetivos sociais sob os quais os direitos foram criados. (PULIDO, 2008; SARMENTO, 2008).

O Supremo Tribunal Federal, no Brasil, funciona como um instrumento democrático que busca interpretar em caso de conflito jurídico quais são os direitos individuais que as pessoas têm, por meio de critérios previamente acordados e legitimamente reconhecidos (DWORKIN, 2005).

A concessão do BPC acontece em todo o país nas agências do INSS. Mas também podem ocorrer às concessões pelo Judiciário, quando o benefício é negado nas autarquias federais e, inclusive, foram negados por suas instâncias recursais.

Segundo GARGARELLA (2008), os processos de pedido do BPC chegam ao Poder Judiciário, basicamente, por três motivos. Por uma tentativa dos requerentes do benefício de burlar o sistema de execução da política social, após terem o pedido negado em uma das autarquias federais do INSS.

Em segundo lugar, podem ocorrer casos quando há omissão ou descumprimento administrativo na execução do benefício no nível do INSS. Ou seja, por algum motivo, uma pessoa com deficiência atende aos critérios de elegibilidade do benefício, mas pela coleta de informações do histórico do solicitante ou no momento pericial acaba não sendo concedido o BPC para essas pessoas.

Outro motivo diz respeito àqueles casos em que a pessoa deficiente não cumpre algum ou todos os critérios de acesso, mas na tentativa de buscar no Poder Judiciário outras matrizes de julgamento sobre sua elegibilidade tentam o possível reconhecimento de seu direito para inclusão na proteção social.

O controle de constitucionalidade sobre o BPC pode ser analisado, entre outros momentos judiciais, pela avaliação da atuação dos juízes federais em processos judiciais de primeira instância, ou seja, o Poder Judiciário pode acompanhar o BPC no momento de sua execução por meio de instrumentos legítimos de controle de efetividade constitucional pela atuação dos juízes federais (GARGARELLA, 2008; TAVARES, 2008; SARMENTO, 2008).

Esse movimento pode fortalecer a atuação judicial e a implantação da política de assistência social, em particular, pois amadurece a ideia da assistência como direito social fundamental (TAVARES, 2008). Além de ter a capacidade de fortalecer os princípios democráticos bem como seu aperfeiçoamento.

Nesse sentido, pode se falar que o Poder Judiciário pode atuar nas ocasiões em que as decisões políticas, no que se refere à apropriada execução do benefício de prestação continuada, ameaçar ou fragilizar os princípios democráticos, principalmente, das minorias.

É papel do Poder Judiciário invalidar, por meio de instrumentos legítimos, as normas que desafiam a autoridade da Constituição Federal, principalmente, quando um marco legislativo é resultado de um processo político em que as decisões públicas e coletivas teriam pouco contribuído para endossar os valores da deliberação democrática, participativa e imparcial (GARGARELLA, 2008).

Para DWORKIN, (2005) o judiciário confere forma especial para as controvérsias políticas, pois as decisões devem ser baseadas em princípios tendo um modo de abordagem das questões que, pela sua complexidade social e abrangência das partes envolvidas facilitadas no Judiciário, a prática legislativa não tem mostrado tendência em favorecer.

Enquanto o que pode caracterizar o Poder Judiciário é a capacidade de atuar em casos de conflitos subjetivos em casos concretos, tornando o direito definitivo aplicado no caso analisado (FERRAZ, 2008; GARGARELLA, 2008),

Na maioria dos processos em que houve a concessão do BPC, a sentença favorável ao solicitante foi possível porque os juízes federais utilizaram um conceito de deficiência diferente do conceito utilizado pela perícia médica do INSS.

De acordo com DINIZ (2007), os juízes federais levam em consideração o contexto social em que a pessoa vive, buscando a experiência da deficiência como resultado da interação do corpo com condições de saúde e limitações funcionais em contato com ambientes sociais hostis, pouco inclusivos e na pobreza.

Tal alargamento do conceito de deficiência no judiciário pode ser resultado do enfrentamento do caso concreto por juízes em que há solicitação de uma política pública de reparação de desigualdade, na qual exige a demonstração da complexidade social das situações apresentadas pelos solicitantes, principalmente, como meios de gerar provas para fundamentar as decisões judiciais, e das perícias sociais realizadas durante o processo judicial – já que no INSS, na época do andamento dos processos, não havia perícias sociais, apenas médicas (DINIZ 2007).

Esse alargamento do conceito de deficiência se dá por uma aproximação com a ideia que reconhece que a deficiência não está inscrita primariamente no impedimento corporal, mas na interação entre o corpo com restrição de habilidades e ambientes sociais hostis à diversidade corporal (DINIZ, 2007; DINIZ et. al, 2009).

Nesse sentido, o processo judicial promove uma compreensão da deficiência mais próxima a do modelo social da deficiência a ideia de deficiência como uma interação existente entre o corpo com impedimentos corporais e um ambiente social pouco adequado às restrições de habilidades torna o conceito de deficiência algo além da simples desigualdade causada pela diferença corporal (DINIZ, 2007)

Observa‑se que os principais assuntos em que o Judiciário é chamado a se manifestar dizem respeito ao critério de renda e ao conceito de deficiência adotado pela política.

Essa análise aponta para um importante aspecto na judicialização do BPC, a identificação de lacunas das políticas públicas, por meio do diagnóstico propiciado pela observação das diversas ações individuais, nesse caso, a ineficiência do modelo de perícia médica que era utilizada para avaliação do benefício. Santos (2009, p. 20), afirma que:

a atuação do Judiciário em julgamento de casos de omissão ou inadequação da execução política não apenas cumpre o seu papel na manutenção dos princípios democráticos que regem a sociedade, mas pode ser capaz de interferir no desenho, funcionamento e no próprio escopo do BPC. Ao indiciar resoluções por análises de casos concretos, os operadores do direito, como os juízes e procuradores, acabam por redirecionar as diretrizes gerais que garantem o funcionamento das políticas públicas.

Assim, é inegável a importância da atuação do Poder Judiciário para a concretização do BPC como direito social. Em muitos momentos, a justiça brasileira protagonizou a busca pelo aprimoramento do BPC, especialmente ao atuar em ações coletivas.

No entanto, é importante analisar se os objetivos propostos pela constituição ao instituir um benefício a pessoas com deficiência e em idade avançada, sem condições de provimento de necessidades básicas, têm sido alcançados.

Um benefício com esse cunho só pode objetivar a diminuição da pobreza e da desigualdade social. Contudo, considerando o estudo empreendido e as desigualdades regionais do Brasil, o Poder Judiciário conforme está estabelecido não pode ser considerado como plena possibilidade de justiça social, já que por muitas vezes ele acaba por reforçar a desigualdade, quando se trata da judicialização do BPC. (SILVA, 2012).

Vale ressaltar que se o acesso à justiça é dificultado a população pobre, vê‑se que o público do BPC dificilmente será alcançável, já que se trata da população em situação de extrema pobreza, que tem ainda aliada a sua carência material e a falta de acesso aos bens públicos, suas limitações físicas e/ou mentais, muitas vezes desconhecendo seus direitos e principalmente os mecanismos para buscá‑los.

Ao entender essa lógica, torna‑se fundamental afirmar que, para além da demanda identificada pela pesquisa existe um público que sequer tem “direito a ter direitos” e está completamente alijado da justiça e da sociedade. (SILVA, 2012).

Por fim, é fundamental reafirmar que a justiça brasileira precisa superar as desigualdades regionais para constituir‑se como instância garantidora dos direitos sociais e se concretizar como um instrumento efetivo para a consolidação da cidadania e de reforço da democracia.

2.5 MUDANÇAS NO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

 Mesmo após a implantação, é comum a qualquer sistema receber mudanças na estrutura ou alcance no sentido de aperfeiçoá-lo. A legislação que dá suporte ao BPC nos últimos anos sofreu algumas mudanças que merecem uma análise detalhada.

As alterações têm vários determinantes e conteúdos, nesse sentido, FREITAS (2007) ensina que elas podem ser agrupadas em três tipos principais: (a) alterações nos critérios de elegibilidade e avaliações periciais, (b) alterações no gerenciamento, implementação e acompanhamento do benefício e (c) rearticulação do benefício assistencial com outras políticas públicas.

O primeiro grupo de mudanças é caracterizado mais pela relação com o público que se quer atingir, como irá atingir determinada população e por que irá atingir tal grupo e excluir outro.

O segundo conjunto de modificações é caracterizado pela relação com as instituições responsáveis pela execução do benefício assistencial em um nível mais administrativo e gerencial.

Enquanto que o terceiro grupo de mudanças verificáveis no desenho atual do BPC pode ser caracterizado pelas modificações nos princípios e objetivos esperados pela política pública na garantia dos direitos sociais.

Nesse sentido, as mudanças nos últimos anos do Benefício de Prestação Continuada foram provocadas, principalmente, pelo desempenho em conjunto de várias instituições em na esfera dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Na formulação da legislação que fornece o arcabouço legal ao BPC ou na execução administrativa e nas constantes avaliações judiciais a respeito da executabilidade do benefício (ACRE, 2007; PENALVA et. al, 2009; SANTOS, 2006; SQUINCA, 2007), a atuação dos três poderes foi fundamental para resultar nas alterações no perfil do benefício assistencial.

Para se ter uma ideia relacionada as mudanças do BPC desde a sua criação, é possível destacar as seguintes mudanças: o conceito de deficiência para fins de concessão do benefício foi alterado cinco vezes, o critério de idade para a concessão do BPC para idosos foi alterado duas vezes e houve três mudanças na composição do modo como as avaliações periciais dos solicitantes com deficiência deveriam ocorrer (BRASIL, 2007a; DINIZ et. al, 2007; GIONGO, 2007; MEDEIROS et. al, 2006; MEDEIROS et. al, 2007; SANTOS, 2006; VAITSMAN et. al, 2007).

O Poder Judiciário também foi responsável por constantes sugestões e questionamentos para alteração na forma de atuação do programa, sobretudo, no que diz respeito aos critérios de elegibilidade de renda e de incapacidade para o trabalho e vida independente para a concessão do benefício (ACRE, 2007; PENALVA et. al, 2009; SANTOS, 2006; SQUINCA, 2007).

Segundo GIONGO (2007), os principais conteúdos dos projetos de lei sobre o benefício assistencial podem ser agrupados em três tipos que se destacam: (a) aqueles que propõem alterar os critérios de renda e incapacidade para o trabalho, (b) os que visam alterações no valor da transferência repassada aos beneficiários e (c) aqueles que procuram propor a extensão do benefício também aos cuidadores de deficientes ou idosos.

Outro aspecto que tem influenciado as mudanças nas regras de funcionamento do benefício assistencial pelo Legislativo tem sido a aprovação de Estatutos e Políticas Nacionais direcionados a grupos específicos, como o Estatuto do Idoso, sancionado pela Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 e a já mencionada Política Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, instituída pelo Decreto n.º 3.289 de 1999. (GIONGO, 2007).

Com a aprovação do Estatuto do Idoso foi reduzida a idade das pessoas idosas para acessarem o benefício. Antes da aprovação do Estatuto, a idade para ser considerado elegível era de 67 anos o que foi alterado para 65 anos (BRASIL, 2003).

Essa mudança teve impactos significativos a respeito do alcance do benefício, modificando tanto o número de beneficiários quanto o tipo de proteção social pretendida com o benefício assistencial (BRASIL, 2007a; GIONGO, 2007).

Uma instituição que mudou a forma de atuação do BPC tem sido o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). O MDS foi criado em 2004 tendo o objetivo de, além da coordenação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), supervisionar, controlar e avaliar a execução dos programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, bem como aprovar os orçamentos gerais do Serviço Social da Indústria (SESI), do Serviço Social do Comércio (SESC) e do Serviço Social do Transporte (SEST) (BRASIL, 2009).

O MDS, ao longo do tempo, foi ganhando lugar dentro das demais políticas públicas ligadas à assistência social, dentre elas o gerenciamento, acompanhamento e avaliação do BPC.

Além disso, a partir da aprovação da PNAS em 2004, teve início a execução do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) em 2005. Nesse sentido, a conjuntura política após 2002 passou a dar maior ênfase em políticas de desenvolvimento social e de combate à fome, pobreza e à desigualdade socioeconômica. (IPEA, 2006).

Foram criadas condições para emergência e concretização de distintas ações públicas tanto governamentais, como o Bolsa-Família e o Fome Zero, quanto a aprovação de políticas consideradas de responsabilidade do Estado, como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição em 1999 (PINHEIRO; CARVALHO, 2008), e a PNAS e a implantação do SUAS.

A partir dos anos 2000, uma abrangente estrutura de políticas públicas e sociais passou a orientar a rede de proteção social em todo o território nacional, com o objetivo de garantir às pessoas o acesso a bens sociais essenciais que garantissem às necessidades humanas básicas (IPEA, 2006; MENDONÇA, 2008; VAITSMAN et. al, 2009).

Antes mesmo da formulação da PNAS aprovada em 2004, responsável por organizar a disponibilização das políticas, programas e benefícios da assistência de forma hierarquizada e descentralizada nas diferentes esferas do governo, desde 1998 com respaldo da Lei Federal nº 9.533, criou-se a possibilidade do Estado brasileiro conceder apoio financeiro aos municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas para crianças e adolescentes (BRASIL, 1997).

 A assistência passou a ser estruturada de modo a articular com as políticas de segurança alimentar e nutricional, ao sistema educacional e ao combate à violação de direitos básicos no caso de crianças e adolescentes (IPEA, 2006; VAITSMAN et. al, 2009).

O sistema de proteção social brasileiro que, desde os anos 1930 vincula-se ao trabalho, sobretudo, como medidas securitárias garantidas aos trabalhadores do regime formal de trabalho (BOSCHETTI, 2006; DRAIBE, 1989; SANTOS, 1987), passou a ter os objetivos e alcances ampliados nos últimos vinte anos, principalmente, pelas novas diretrizes demarcadas na Constituição e pela execução da PNAS a partir de 2004.

Portanto, nos últimos anos é possível verificar que a efetivação da assistência social recebeu novos contornos no Brasil, principalmente pelo aumento considerável do número de pessoas atendidas pela assistência social.

Assim, as mudanças que o BPC passou a comportar descritas acima, podem ser explicadas, principalmente, pelo amadurecimento da ideia da assistência social como política de seguridade social. 

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Sobre o autor
Francineto Silva

Experiências Profissionais: Monitor de Direito Civil. Local: Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) 3º Vara dos Feitos da Fazenda e Registros Públicos. Local: Fórum da Comarca de Palmas. Central de Execuções Fiscais. Local: Fórum da Comarca de Palmas. Juizado Especial Federal. Local: Justiça Federal do Tocantins. Ministério Público Federal. Local: Procuradoria da República no Tocantins. Escritório de Advocacia. Local: D' Freire Advocacia e Consultoria.

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