Após a Lei Complementar 118, que alterou o art. 185 do CTN, a fraude à execução ganhou novos contornos, aumentando a dificuldade de desfazimento patrimonial. Ganha credor, ganha o Poder Judiciário (na medida em que consegue entregar uma efetiva prestação jurisdicional), ganha também a sociedade, com maior segurança jurídica. Perde, logicamente, o mau pagador na medida em que resta engessado o seu patrimônio, sendo pressionado a buscar uma solução para o débito. Contudo, existem algumas situações que precisam ser aclaradas, mormente no que toca aos tributos lançados por homologação.
Conforme dicção normativa (art. 185 do CTN): “Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005). Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)”.
Em um primeiro momento, dada a objetividade da norma, bastaria analisar a data da inscrição em dívida ativa do débito e, tendo-a como marco, apontar se a transação é fraudulenta ou não. Todavia, como apontado acima, há nuances que precisam ser analisadas, pois são fatores a definir a (in)eficácia do negócio jurídico.
Para melhor compreensão, seccionam-se as inúmeras hipóteses entrelaçando-se as situações apontadas acima, focando-se nos tributos lançados por homologação, tendo na figura do contribuinte uma pessoa jurídica e na figura do responsável tributário uma pessoa física. Esse é o caso mais corriqueiro.
Abdica-se aqui de maiores digressões sobre o que vem a ser dívida ativa, contribuinte, responsável tributário e outros, sendo o conhecimento prévio de tais institutos requisito à compreensão do tema. Demais disso não é trabalho monográfico, cujo enxerto teórico almeja, no mais das vezes, mero somatório de páginas. Em suma, buscam os apontamentos responder uma única questão: o tratamento do contribuinte e do responsável tributário, nos tributos lançados por homologação, deve ser o mesmo em caso de venda de bem por redirecionado?
Havendo lançamento por homologação (ex. ICMS) e, devidamente inscrito em dívida ativa, haverá fraude à execução caso o bem vendido seja de propriedade do contribuinte (empresa). É a essência do art. 185 acima indicado, desmerecendo maiores interpretações além da gramatical. Em um segundo momento, contudo, havendo redirecionamento da execução em face de pessoa física a solução pode ser alterada. Para melhor compreensão, analisa-se o caso mais corriqueiro, qual seja, o de redirecionamento por dissolução irregular da empresa e venda de bem de sócio-gerente/administrador, incluído no polo passivo da demanda fiscal.
Tratando-se de pessoa jurídica o débito é inscrito em dívida ativa em desfavor dessa, na qualidade de contribuinte. Posteriormente, ocorrendo o redirecionamento da demanda surge a figura do responsável tributário, cujos efeitos compartam 03 (três) interpretações possíveis, a saber:
1ª. O redirecionamento, para todos os efeitos, retroage à data da inscrição em dívida ativa, ou seja, a figura do contribuinte (no nosso exemplo a pessoa jurídica) se equipara ao responsável tributário (pessoa física representada pelo sócio-gerente e/ou administrador). De forma exemplificativa. O débito é inscrito em dívida ativa, em face da empresa, em 01/01/2006. A venda do bem ocorre em 01/01/2007 e o redirecionamento ocorre em 01/01/2008. Haveria fraude pois, ao tempo da transação, o débito já se encontrava inscrito. Na espécie, o redirecionamento retroage à data da inscrição. Equipara-se, temporalmente, contribuinte e responsável tributário.
2ª. A data do redirecionamento é o marco temporal a definir a fraude. A decisão que determina a inclusão no polo passivo dos feitos executivos é considerada como inscrição em dívida ativa em desfavor do redirecionado (pessoa física). No nosso exemplo, considerando que o débito restou inscrito em dívida ativa em 01/01/2006 em desfavor da empresa; que a venda do bem ocorreu em 01/01/2007 e o redirecionamento ocorreu em 01/01/2008 não haveria fraude tendo em conta que, para todos os efeitos, a inscrição em dívida ativa em face do responsável (pessoa física) ainda não havia se concretizado.
3ª. A data da citação determina o marco temporal da fraude. Redirecionada a demanda há a necessidade de citar o redirecionado para configurar a fraude à execução. Seguindo nosso exemplo, considerando um débito inscrito em dívida ativa em 01/01/2006, com venda em 01/01/2007, redirecionamento em 01/01/2008 e citação do redirecionado em 01/01/2009, somente a partir desta última data é que se teria operada eventual fraude, dado que o ato citatório serviria como marco temporal a definir a fraude.
Dito isso, diante das 03 (três) possibilidades apontadas, qual seria a mais apropriada? Dado que o legislador não aponta o caminho cabe ao intérprete fazê-lo. A primeira hipótese seria o sonho de todas as Fazendas Públicas, o mesmo se processando com a terceira situação, agora sob o ponto de vista do vendedor (responsável tributário, pessoa física) e, de forma indireta, do comprador. Cremos que ambas possuem impropriedades, de modo que devem ser afastadas razão pela qual a segunda hipótese nos parece a mais acertada.
Considerar como marco temporal para a fraude, unicamente, a data da inscrição em dívida ativa (1ª hipótese) pode provocar algumas injustiças, em especial frente ao comprador na medida que, judicialmente, não há indicação de responsabilidade do vendedor (redirecionado). Um eventual adquirente poderia ver tolhido seu direito, ainda que tenha sido prudente em suas pesquisas na pessoa do vendedor (pessoa física). Não se emite, aqui, juízo de valor sobre o ato do vendedor que, no mais das vezes, age de má-fé.
Na mesma toada a citação, como apontado na terceira hipótese, não nos parece apropriada, dado que o ato de inscrição em dívida ativa, na esfera administrativa, não necessita de qualquer notificação ao contribuinte para se perfectibilizar. De todas as hipóteses parece ser a que mais destoa da realidade dos fatos, não havendo qualquer normativo que possa servir de parâmetro.
À semelhança do que ocorre na esfera administrava (inscrição em dívida ativa em face do contribuinte, pessoa jurídica), a decisão que determina o redirecionamento é o ato mais similar ao administrativo, dado que determina a inclusão no polo passivo do responsável tributário (pessoa física). É uma nova relação de obrigação que nasce neste momento. Nem retroage à data da inscrição em dívida ativa, nem condiciona o nascimento da obrigação à citação do redirecionado.
Na mesma linha do que predica o art. 174 do CTN, em seu parágrafo único: "A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal", cremos que a decisão que defere o redirecionamento e, no mesmo ato, determina a citação do responsável tributário, deve ser aplicada nestes casos. Nasce ali a obrigação, pari passu, ao que emerge com a inscrição em dívida ativa do contribuinte.
Ainda que assim não fosse, o novo Código de Processo Civil, sem correspondente no Estatuto anterior, buscou disciplinar o tema para as demandas cíveis, de modo que, por analogia, bem como pela aplicação subsidiária da norma adjetiva às execuções fiscais, cremos por sua total aplicabilidade.
Na dicção do art. 792, “A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução (...) § 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”.
Para empresas em atividade, o preceito supra deixa pouca margem de dúvida, podendo ser considerada fraudulenta a partir da citação da parte cuja personalidade jurídica se almeje desconsiderar (logicamente não desconhecendo a diferença entre desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes do art. 50 do Código Civil, e o redirecionamento das demandas fiscais esteado no art. 135 do CTN). Contudo, no mais das vezes, a execução fiscal é promovida, inicialmente, em desfavor de empresas já dissolvidas, razão pela qual o ato citatório não acontece pela impossibilidade fática, não havendo como citar alguém que não mais existe.
Aliás, a condição primeira para o redirecionamento é a dissolução da empresa. Logo, adaptando-se a norma do novo CPC, aplicado de forma subsidiária aos feitos executivos, cremos que a decisão que reconhece a dissolução da empresa é o marco a definir se um negócio é fraudulento ou não. Nesse particular, não se aplicaria a literalidade da norma, até porque não previu a figura do responsável tributário, detendo-se somente na figura do contribuinte, nem impõe como marco a citação do responsável para caracterizar a fraude à execução.
Repisando. Como a decisão que defere o redirecionamento é o ato que mais se assemelha à inscrição em dívida ativa, esta (a data da decisão) deve ser o marco a definir uma venda como fraudulenta ou não.