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Mais uma polêmica sobre o auxílio-moradia

09/10/2017 às 13:00
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O artigo discute concessão de auxílio-moradia retroativo feito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte à magistratura estadual.

O portal "No ar", do Rio Grande do Norte, divulgou notícia com relação à decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte de pagar R$ 40 milhões de auxílio-moradia retroativo feito pelo órgão à magistratura estadual. O valor é referente ao período de 2009 a 2014.

Ainda, o mesmo portal de notícias, no dia 5 de outubro de 2017, divulgou nota sobre o pagamento do valor relativo ao auxílio-moradia de magistrados:

“Sobre o pagamento de dívida relativa à moradia de magistrados, o Poder Judiciário do RN esclarece que:

O Pleno do Tribunal de Justiça do RN aprovou em sessão extraordinária administrativa, realizada no último dia 27 de setembro, o Enunciado Administrativo nº 02 que dispõe que “considerando que a ajuda de custo para moradia representa um direito preexistente aos magistrados do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte, reconhece-se como escorreita sua percepção, retroativa há cinco anos, mediante incidência de correção monetária e juros (inteligência do art. 65, 11, da LC 35/79)”. O Enunciado nº 02 decorre do Processo Administrativo nº 12.474/2014 e foi  publicado na edição do Diário da Justiça Eletrônico dessa quarta-feira (4).

Até o final do mês de outubro, o Portal da Transparência do TJRN será alimentado com todas as especificações obrigatórias sobre os pagamentos realizado pelo Tribunal.

Finalmente, observamos que o pagamento vem sendo implantado em instituições diversas pelo país, tendo como exemplos o TJRS, TJAC, TJGO, MP/MG, MP/SE, MP/TO e TCE-PI.”.

Não há informação de como o TJRN pagará tais valores e qual será a fonte de receita para tal. 

De toda sorte o Estado do Rio Grande do Norte vive momentos de gravidade orçamentária com dados preocupantes quanto à arrecadação. Há um grande número de desempregados e de inadimplentes em sua população. Os servidores do Estado estão recebendo com atraso, sendo isso um fato notório.

Com o devido respeito, em face do princípio da reserva de parlamento, um pagamento como esse deveria ser autorizado por lei, com previsão orçamentária, e não por um ato administrativo. Fere-se o princípio da legalidade. A decisão é, pois, inconstitucional, pois se trata de norma secundária, oriunda de poder diverso do  Legislativo, que não pode avançar em matéria legal. 

Houve extrapolação do poder regulamentador por parte da autoridade administrativa que  emite normas secundárias na matéria.

Ora, as normas típicas chamadas de secundárias, dispõem, em geral, sobre a execução de serviços públicos, ou de normas legais, ou regulamentares. Segundo Carré de Malberg, as instruções só produzem efeito no interior do serviço, porque se originam do serviço e se editam em virtude das relações que o serviço engendra entre chefes e subordinados (Teoria general del Estado, pág. 605), não obrigando, desta forma, os particulares, não criando relações jurídicas ou obrigações, que somente poderiam vir por lei emanada do órgão competente em matéria legislativa. 

Ora, essas normas não se confundem com os regulamentos de execução que emanam do Executivo e se destinam a assegurar à lei a sua execução, pormenorizando-as, mas, sem feri-las.

O regulamento atua dentro do círculo traçado pela lei.

Ora, se o regulamento de execução, editado nos estritos limites do poder regulamentar pelo Presidente da República (artigo 84, IV,  da Constituição Federal),  não pode extrapolar os termos da lei, ainda mais enunciados administrativos, atos tipicamente administrativos, dotados de concretude. 

É certo que se poderia falar numa atividade de densificação da norma, que, na lição de J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional, 4º edição, pág. 1165), significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos.

A norma administrativa, pois, não pode extrapolar os termos da lei, norma típica primária, que cria direitos, em termos abstratos. Ora, ela não pode criar direitos, não pode extrapolar os termos da lei, pois essa não é sua missão. É o princípio da legalidade estrita.

Fala-se na decisão do Ministro Fux que concedeu em caráter universal a aplicação desse benefício do auxílio-moradia.

Depois de determinar o pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais, o ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal, ampliou o benefício para membros da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e para magistrados de nove estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo. O ministro fez questão de ressaltar “que o pagamento do referido auxílio independe de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça”. Com isso, o ministro garante o benefício a toda a magistratura. Os demais estados e o Distrito Federal não foram incluídos na ação porque já pagam o benefício.

Data vênia, o Supremo Tribunal Federal tem um “encontro marcado” com esse assunto, pois a concessão de uma indenização com efeito geral não pode substituir um reajuste de subsídios, que, somente por lei formal e material, emanada do Poder Legislativo competente, poderia ser criada.

Cabe com relação ao ato noticiado a representação ao Conselho Nacional de Justiça. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Mais uma polêmica sobre o auxílio-moradia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5213, 9 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61042. Acesso em: 16 abr. 2024.

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