01. APRESENTAÇÃO
Ficou aprovado, no dia 04 de outubro de 2017, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ, no Senado, o Projeto de Lei (PLS) nº 116/2017, que dispõe sobre a perda do cargo público por insuficiência de desempenho, e se pretende aplicável às entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional de todas as esferas de Poder, tanto da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Trata-se de medida que visa a efetivar os princípios orientadores de uma Administração Pública Gerencial, a qual objetiva, segundo Bresser Pereira : 1) aumentar a eficiência e a efetividade dos órgãos e agências estatais; 2) melhorar a qualidade das decisões estratégicas do governo e de sua burocracia; e 3) assegurar o caráter democrático da administração pública (PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional. São Paulo: 34. Brasília: ENAP, 1998. p. 100-113).
Busca-se, portanto, assegurar a eficiência e a eficácia no funcionalismo público, protegendo, em último plano, o próprio administrado, que, por vezes, é lesado pelo desempenho deficiente das funções públicas.
Na redação atual do texto em tramitação, o desempenho funcional dos servidores deverá ser apurado anualmente por uma comissão avaliadora, nos termos a seguir expostos, podendo resultar em sua exoneração.
02. DOS AVALIADOS
Serão avaliados todos servidores públicos estáveis que tenham exercido suas atribuições no cargo ou função por prazo igual ou superior a 25 % do período avaliativo – ou seja, 3 meses ou mais – , não computadas as ausências ao serviço, sejam elas por motivo de férias, recessos, licenças ou outros afastamentos.
O texto não inclui entre os avaliados os servidores não estáveis, como os comissionados e os contratados pelo Regime Especial de Direito Administrativo – REDA, o que se justifica pela livre exoneração daquele e pelo caráter temporário e excepcional deste. Contudo, deve-se observar o entendimento pretoriano que se firma no sentido de que a exoneração destes servidores também depende de motivação e de processo administrativo no qual se garanta o contraditório e a ampla defesa, a fim de privilegiar-se os direitos fundamentais e a legítima confiança do servidor que se pretende exonerar. Por assim ser, certamente seria pertinente a sua avaliação funcional, pois os resultados podem ser valiosos na instrução de eventuais processos de exoneração. Ademais, a avaliação do desempenho desses servidores também é uma garantia ao cidadão, para que seja verificado se estes funcionários públicos, contratados sem aprovação em concurso público, também estão exercendo suas atividades de forma satisfatória.
De qualquer sorte, talvez mais importante do que a exoneração de servidores seja o feedback a ser recebido por eles, para que tenham conhecimento de quais pontos de sua atuação devem ser melhorados ou reforçados em seu desempenho, para que possam aprimora-se para a próxima avaliação.
03. DA COMISSÃO AVALIADORA
A formação de comissão avaliadora, por sua vez, por ser um grupo colegiado, visa a impedir que subjetividades (preferências ou inimizades) interfiram na avaliação. Deverá ser composta pelo chefe imediato do avaliado e mais dois servidores estáveis, ocupante de cargo de nível igual ou superior ao do avaliado, sendo um escolhido pelo órgão de recursos humanos da instituição e o outro sorteado na mesma unidade do avaliado.
04. DO PERÍODO AVALIATIVO E DOS FATORES DE AVALIAÇÃO
O período avaliativo do funcionalismo será de 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano seguinte, durante o qual as atividades do servidor serão acompanhadas. Para tanto, deverá ser realizado um planejamento de avaliação a ser aprovado pela autoridade máxima da instituição e que deverá compreender, além de fatores fixos de avaliação, fatores avaliativos variáveis.
Os fatores fixos para avaliação do desempenho do servidor estável, ou seja, os indicativos de desempenho que sempre deverão ser considerados nas avaliações, são a produtividade e a qualidade. Por qualidade, entende-se a realização trabalhos de forma adequada à finalidade a que se destinam, observando-se as normas e os procedimentos da instituição, e toma as providências necessárias para evitar a reincidência de erros e contribuir para a melhoria contínua. A produtividade, a seu lado, visa a avaliar se o servidor realiza os trabalhos a ele atribuídos com tempestividade, contribuindo para a obtenção dos resultados da unidade com eficiência e eficácia.
Aos fatores fixos, serão acrescidos cinco fatores variáveis, os quais deverão ser selecionados tomando-se em consideração as principais atividades exercidas pelo servidor no período. O texto do Projeto de Lei Complementar prevê um rol de fatores selecionáveis, que compreende o foco no cidadão, a capacidade de iniciativa, o autodesenvolvimento, entre outros.
Embora o texto não fale, defende-se, aqui, tratar-se de um rol exemplificativo, uma vez que, em outros dispositivos, o projeto refere-se à necessidade de que os padrões a serem adotados sejam passíveis de cumprimento e não destoem dos adotados para atividades semelhantes no setor público e, mesmo, no privado. Assim, desde que sejam compreensíveis, razoáveis, guardem pertinência com o rol exemplificativo estabelecido e sejam adotados na forma prevista, qualquer fator avaliativo possui potencial a ser válido. A mais, há previsão, ainda, de procedimento para que o avaliado possa irresignar-se contra os critérios avaliativos escolhidos.
05. DOS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO
A avaliação resultará na atribuição de uma nota ao desempenho do servidor, a partir da soma dos pontos alcançados em cada fator avaliativo. Aos fatores fixos é atribuído o valor de 25%, cada, ao passo que, para cada fator variável, será atribuído o valor de 10%.
A nota final será atribuída entre zero e dez pontos, a partir da qual o desempenho funcional do servidor será conceituado como: 1 - superação (S), igual ou superior a oito pontos; 2 - atendimento (A), igual ou superior a cinco e inferior a oito pontos; 3 - atendimento parcial (P), igual ou superior a três pontos e inferior a cinco pontos; e 4 - não atendimento (N), inferior a três pontos.
Ao avaliado é dado o direito de recorrer quando considerar o conceito atribuído ao seu desempenho funcional injusto, estando permitida a formulação de pedido de reconsideração ao setor de recurso humanos responsável, num prazo de dez dais, devendo ser respondido no mesmo prazo.
06. DA EXONERAÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE DESEMPENHO
A exoneração, enfim, poderá ocorrer quando identificada insuficiência de desempenho a partir da obtenção de: 1) conceito “N” nas duas últimas avaliações, ou de 2) conceito médio igual ou inferior a “P” nos últimos cinco anos. O desligamento ocorrerá a partir de um processo específico que deverá observar o rito estabelecido para o processo administrativo disciplinar pela legislação do respectivo ente federado, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa.
O texto estabelece, ainda, que, para que haja a exoneração, o órgão de recursos humanos deve abrir prazo de quinze dias para alegações finais do servidor. As últimas manifestações do processado serão encaminhadas, junto ao dossiê completo das avaliações que servirão de base ao futuro ato exonerativo, à autoridade máxima do órgão ou entidade. Segundo costa no PLC, incumbirá à autoridade o controle de legalidade do processo, o que deixa transparecer que a intenção do legislador é a de que a análise deverá ater-se a questões de direito, para avaliar eventual nulidade ou anulabilidade do processo, sem promover, entretanto, nova avaliação dos fatos apresentados.
Em dispositivo polêmico, o texto atual do projeto estabelece que a insuficiência de desempenho relacionada a problemas de saúde e psicossociais não impedirá a exoneração, se a deficiência no desempenho do servidor no cumprimento das ações de melhoria de seu desempenho não decorrer exclusivamente dessas circunstâncias. Trata-se de dispositivo que, se aprovado, certamente trará complicações, sendo certo que, para o delineamento da situação, serão necessárias avaliações médicas de juntas da Administração Pública, que, quase sempre, destoam das avaliações realizadas por médicos particulares. Trata-se de situação, portanto, com relevante potencial de criação de conflitos judicializáveis.
07. OBSERVAÇÕES FINAIS, CRÍTICAS E CONVITE AO DEBATE
O presente texto traz apenas um resumo com breves comentários acerca de projeto de lei que, se aprovado, gerará uma clara quebra com os paradigmas atuais do funcionalismo público.
A intenção declarada do projeto não é de prejudicar servidores públicos, pondo fim à sua estabilidade, mas de trazer aos servidores públicos as exigências de eficiência que há muito têm sido aplicadas aos procedimentos administrativos, às contratações públicas, à atividade regulamentar e empresarial do Estado etc.
Peca, entretanto, o Legislador, ao focar apenas na penalização do servidor com desempenho insuficiente, sem privilegiar a função promocional do direito, tão ou mais importante. Com efeito, o fomento ao bom desempenho das funções públicas vai além da colocação no servidor do medo da demissão, mas envolve também a estipulação de incentivos ao bom desempenho. Da mesma forma que se desincentiva a obtenção de conceitos “P” e “N”, deve-se promover atrativos à obtenção do conceito “S”.
O texto ainda tramita no Congresso Nacional e, se aprovado, dependerá da sanção presidencial. Há, ainda, espaço para alterações. É importante, portanto, a informação e o debate. Assim sendo, impossível a este texto expor conclusões, sendo mais relevante, outrossim, finalizar com um convite ao debate.