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Tribunal do júri: análise dos avanços e retrocessos promovidos pela reforma processual

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24/10/2017 às 08:26
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4 COTEJO ENTRE A FORMA ANTERIOR À REFORMA E A ATUAL

            No segundo capítulo do presente trabalho foram abordados alguns aspectos do procedimento do Tribunal do Júri na forma aplicável precedentemente ao advento da vigência da Lei n° 11.689/2008. Prosseguindo, no terceiro, elaborou-se a análise dos tópicos referidos no anterior, porém, sob o viés da reforma processual. Nesse sentido, de bom alvitre, a necessária comparação entre os aspectos mencionados, visando pesquisar, dentre as mudanças, se houve preponderância de aspectos positivos ou negativos.

4.1 Jurados

            Em abordagem sobre o tópico “jurados”, no que tange às alterações, Gomes, Cunha e Pinto, veem como algo positivo o aumento do número daqueles que comporão a lista anual, já que se achava um tanto desatualizado, levava em conta época distante, quando a realidade social era outra e os julgamentos pelo Tribunal do Júri eram menos frequentes do que na atualidade.[52]

            Em relação à forma como o sorteio dos jurados que iriam compor o Tribunal do Júri, o qual era feito por um menor de 18 anos, referem que era esdrúxula e anacrônica, já que, o sorteio era (e continua sendo) realizado a portas abertas, e que não haveria sentido atribuir a um menor tal responsabilidade, já que, em se tratando do Conselho de Sentença, era (é) o juiz-presidente que sorteava (sorteia) os sete jurados que o compunham (compõem). Também revelam como algo positivo e que irá garantir mais transparência a adoção da intimação do Ministério Público, Defensoria Pública e representante da Ordem dos Advogados do Brasil para acompanhar o sorteio dos jurados.

            No que tange ao aumento do número de jurados de vinte e um para vinte e cinco, nos termos da lição de Edilson Mougenot Bonfim:

A alteração legislativa trará benefícios ao processo do júri. Isto porque, aumentando-se o número de jurados notificados para comparecerem à sessão de julgamento, maior a probabilidade de se fazerem presentes os quinze jurados que a lei exige como quorum mínimo, para a instalação dos trabalhos. Busca-se, assim, evitar o adiamento do julgamento por falta de quórum, postergando o deslinde do feito.[53]

            Por outro lado, quando se trata de discutir quanto à redução de idade para ser jurado, o doutrinador antes referido vê com reserva tal modificação, porque haveria a possibilidade de se constituírem Conselhos de Sentença com pessoas demasiadamente jovens, “sem maior vivência nos problemas da vida e do mundo, que, conquanto estudem, trabalhem e sejam honestas, ainda não adquiriram uma gama mínima de tirocínio que tal sorte de serviço exige.”.[54]

            No mesmo sentido do alinhado acima, Guilherme de Souza Nucci destaca que é preciso maior maturidade para atingir a posição de magistrado. Registra, inclusive, que, após a Emenda Constitucional n° 45/2004, passou-se a exigir dos candidatos à carreira da magistratura o tempo mínimo de três anos de atividade jurídica, obtidos após a colação de grau. E complementa no sentido de que, até mesmo por se tratar de voto secreto e sem fundamentação, o mais adequado seria exigir-se razoável experiência de vida.[55]

            Ainda referente à idade mínima para ser jurado, entretanto sob outro viés, Gomes, Cunha e Pinto, entendem que a possibilidade de a pessoa maior de 18 anos exercer tal função é algo salutar, já que a Lei n° 10.406/2002, denominada “Novo Código Civil”, conferiu capacidade plena a tais pessoas, e que, como estão aptas a votar em eleições municipais, estaduais e federais, bem como podem conduzir veículos automotores, também teriam a capacidade quanto ao serviço de jurado.[56]

            Sobre o tema isenção do serviço, ainda referente à idade, ter aumentado de 60 para 70 anos (se pedir dispensa), Nucci vê como algo positivo “permitir que o maior de 60 anos continue ligado aos interesses da sua comunidade, valendo-se da sua experiência de vida para julgar o semelhante [...]”, também destacando a importância de a isenção ocorrer se postulada.[57]

            Em relação à disposição contida no § 4º do artigo 426 do Código de Processo Penal, no sentido de que “o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído.”, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, aduzem ter o legislador ter se preocupado em coibir a presença do “jurado profissional”, e, também, sensibilidade com algo que é comum acontecer nas comarcas pequenas, ou seja, que reiteradamente determinados jurados tenham que deixar de lado o desenvolvimento de suas atividades profissionais para exercer aquele serviço.[58]

4.2 Rito Processual da Primeira Fase do Procedimento do Júri

Conforme referido alhures, as mudanças foram significativas. Quanto às fases do procedimento, segundo lição de Edilson Mougenot Bonfim:[59]

Nos termos do Decreto-Lei n° 3.689/41, em sua redação primitiva, a primeira fase do procedimento do júri era regulada, quase que na totalidade, pelas normas procedimentais previstas para o procedimento dos crimes punidos com reclusão sujeitos ao Juiz singular. O iudicium accusationis era regido em parte pelos arts. 394 a 405 do Código de Processo Penal, disposições comuns ao procedimento dos processos de crimes apenados com reclusão.

Esse panorama foi amplamente alterado pela Lei n° 11.689/2008, que emprestou novos contornos ao rito do Júri. Tanto a primeira quanto a segunda fase sofreram profundas alterações pela novel legislação [...].

            Como destaque da reforma, acrescenta, ainda, que se insere expressamente na produção da prova a obrigatoriedade da oitiva da vítima, nos casos em que for possível, além da disposição no sentido de que as alegações finais sejam orais.[60]

4.3 Alegações Finais

            Com a reforma processual operada no ano de 2008, no que concerne ao tema objeto do presente trabalho, vê-se que há disposição expressa no artigo 411, §§ 4°, 5°, 6° e 9°, as alegações passaram a ser orais, na própria audiência de instrução.

            A questão é quanto à possibilidade de apresentação de memoriais por escrito. Gomes, Cunha e Batista lecionam no sentido da possibilidade, se necessário. Veja-se:[61]

[...] a oferta de memoriais, se não configurar qualquer prejuízo para as partes, enseja um maior aprofundamento na análise da prova, na medida em que permite o manuseio dos autos, propiciando um estudo mais apurado de seu teor. Tal conclusão é reforçada nos procedimentos do Júri, quase sempre complexos, a não permitir que as partes exerçam seus direitos de acusação e defesa na plenitude, caso obrigadas a, oralmente, se manifestarem sobre prova que acabou de ser colhida.

            Por outro lado, Nucci, cujas considerações, são interessantes, refere que o importante é de fato implementar o princípio da oralidade no procedimento, e que sequer as partes deveriam ditar suas alegações finais ao serventuário da justiça que elabora o termo de audiência, com redução a escrito, mas, sim, “dirigir-se ao magistrado e, efetivamente, tecer considerações em alto e bom som a respeito da sua versão quanto às provas colhidas.” Nesse sentido, seria reduzido a termo somente a síntese do que foi pleiteado pelas partes, possibilitada, também, a gravação.[62]

4.4 Impronúncia e Absolvição Sumária – Recursos Cabíveis

            Terminada a instrução, poderá o juiz: 1) pronunciar o acusado; 2) impronunciá-lo; 3) absolver sumariamente; 4) desclassificar a infração penal para outra que não seja de competência do Júri.

            Conforme referido alhures, importa para o presente trabalho os recursos cabíveis em relação às situações descritas acima nos itens “2” e “3”.

            A alteração mais significativa foi no sentido de que, ao invés do recurso em sentido estrito que era o que cabia antes da reforma, passou a existir, para as hipóteses, em substituição àquele, o recurso de apelação, considerando-se que, nos termos do artigo 416, impronúncia e absolvição sumária são consideradas sentença. Vejamos a lição de Renato Brasileiro de Lima.[63]

Recurso adequado contra a impronúncia e contra a absolvição sumária: antes da reforma processual de 2008, o recurso cabível contra a impronúncia era o RESE, tal qual disposto na antiga redação do inciso IV do art. 581 do CPP. O RESE também era cabível contra a absolvição sumária (CPP, art. 581, revogado inciso VI). Com a entrada em vigor da Lei n. 11.689/08 no dia 09 de agosto de 2008, o recurso adequado contra a impronúncia e contra a absolvição sumária passou a ser o de apelação. De fato, segundo a nova redação do art. 416 do CPP, “contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação”. [Grifos constantes no original]

            Não há olvidar quanto ao recurso de ofício, antes cabível no caso de absolvição sumária. Nesse particular, Nucci ensina de forma clara:[64]

Somos levados a reconhecer não mais subsistir tal hipótese. Entretanto, sempre fomos partidários da utilidade do duplo grau de jurisdição obrigatório, anteriormente previsto pelo art. 411 do CPP. [...]. No entanto, não mais se pode considerá-lo [...]. A atual redação do art. 415 do CPP, tratando da absolvição sumária, omitiu, por completo, qualquer referência ao dever do juiz de remeter ao tribunal, para reavaliação, a sua decisão. Ao contrário, inseriu-se, no art. 416 do CPP, expressamente, caber apelação contra a sentença de absolvição sumária. Ora, apelação é um recurso voluntário da parte.

Poder-se-ia dizer que o recurso de ofício permaneceria por força do disposto pelo art. 574, II, do CPP. É evidente que o legislador deveria ter expressamente revogado seu dispositivo. Sem tal previsão, torna-se imperiosa uma interpretação lógico-sistemática do sistema recursal.

O mencionado inciso II do art. 574 dispõe caber recurso de ofício da decisão “que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411”. Ora, em primeiro lugar, não mais subsiste o conteúdo do antigo art. 411, substituído que foi pelo art. 415. Observando-se a redação deste último, inexiste qualquer referência ao recurso de ofício. Logo, a remissão feita pelo art. 574, II, do CPP, para dar sustentação ao mencionado recurso de ofício perdeu o sentido. [...]

Enfim, não mais existe o recurso de ofício no contexto da absolvição sumária no procedimento do júri.

            Bonfim[65] e Gomes, Cunha e Batista,[66] sinalizam com entendimento nos mesmos moldes daqueles defendidos por Nucci, transcritos acima.

4.5 Rito Processual da Primeira Fase do Procedimento do Júri

            Em relação à segunda fase do procedimento do Júri, temos como principais mudanças a supressão do libelo acusatório, alterações quanto à possibilidade de desaforamento do julgamento, no que tange aos debates em plenário, quesitação, votação, e, a extinção do protesto por novo Júri.

            Na sequência, far-se-á o cotejo em relação a tais mudanças, comparando-se a maneira como se procedia anteriormente à Lei n° 11.689/2008 com a forma atual.

4.5.1 Supressão do libelo

            Conforme abordado nos capítulos anteriores, o libelo, que era o fundamento para a acusação em plenário e se baseava na pronúncia, foi suprimido da legislação.

            Na lição de Guilherme de Souza Nucci “a extinção do libelo somente seria útil, caso o juiz fosse obrigado a tornar a pronúncia específica o suficiente para não gerar à defesa qualquer surpresa em plenário.” Prosseguindo, conforme ensina, a reforma propiciou o oposto, ou seja, eliminou aquela peça, mas, ao mesmo tempo, procurou limitar, ao máximo a fundamentação da decisão de pronúncia. Segundo referido doutrinador, tal binômio pode representar afronta ao princípio da plenitude da defesa, tornando-se indispensável, com efeito, que a decisão respectiva seja bem especificada.[67]

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            Por outro lado, para Estefam, o legislador se saiu bem em tal empreitada, aduzindo que referida peça, além de ser desnecessária, constituía uma fonte potencial de nulidades processuais. Refere, também, que com a retirada, destacam-se outros benefícios, tais como a desnecessidade de algumas providências, a exemplo do recebimento do libelo, a entrega de cópia ao réu e a notificação da defesa para contrariedade.[68]

            No mesmo sentido, nos termos de entendimento de Bonfim, a alteração referida é bem-vinda, já que a necessidade de entrega de cópia da peça acusatória ao acusado “muitas vezes atravancava o procedimento penal, suspendendo-se o trâmite processual enquanto não localizado o acusado.”.[69]

            Questão que se destaca, seria em relação aos delitos cometidos antes do advento da Lei n° 11.689/2008, ou seja, se em tais processos haveria a manutenção da peça em comento. Quanto a isso, Gomes, Cunha e Pinto aduzem não ser possível ”identificar nenhum conteúdo de Direito Penal na extinção do libelo, capaz de configurar uma norma processual penal material, que justifique [...]”. Prosseguindo, trazem à baila a discussão sobre eventual alegação de que a extinção traria prejuízo para o réu, em relação ao direito de defesa, firmando posicionamento no sentido de que não há, já que se a parte se sentir prejudicada, pode recorrer da decisão de pronúncia.[70]

4.5.2 Desaforamento

            Nos termos dos capítulos anteriores, o instituto do desaforamento para julgamento de delitos sob competência do Tribunal do Júri também foi objeto de destaque com a reforma processual de 2008.

            No que tange à demora para realização do julgamento, caso não se dê após seis meses, contados do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, constituir razão para pleito de desaforamento, Guilherme de Souza Nucci disserta no sentido de ser indispensável, mas somente para a hipótese de réu preso, já que, por outro lado, se em liberdade, poderia aguardar por mais tempo a ocorrência do julgamento, abrindo-se, entretanto, tal possibilidade, em situação excepcional, tal como para o caso de o réu querer se livrar logo de tal pendência.[71]

            Para Bonfim,[72] tal instituto não viola o princípio do juiz natural, já que se trata de medida excepcional, que visa “resguardar direitos e garantias fundamentais do acusado, como a imparcialidade do órgão julgador e o direito a uma rápida prestação jurisdicional.” Ademais, conforme referido doutrinador, para tanto, deve haver circunstâncias excepcionais reconhecidas pelo Tribunal de Justiça.

            O autor citado anteriormente, destaca outra inovação advinda com a Lei n° 11.689/2008, qual seja, a possibilidade da antecipação do julgamento, mediante solicitação do réu no sentido de que se determine a imediata realização, nos casos em que haja impossibilidade de realização do julgamento dentro do prazo de seis meses, contados da preclusão decisão da pronúncia, se não houver “excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício.”.[73]

            Gomes, Cunha e Pinto reputam ser “pouco provável que o Júri se realize no prazo de seis meses”, entretanto, veem a mudança como algo positivo, já que preocupada com a celeridade, do processo, porquanto reduziu de um ano para o tempo antes referido o prazo para o julgamento.[74] Como quer que seja, adiante, revelam preocupação no sentido de que “o desaforamento com base no serviço, poderá acarretar uma mera transferência do problema”, já que as outras Comarcas também podem apresentar excesso de serviço em tal área.[75]

4.5.3 Os debates em plenário

            De acordo com a lição de Edilson Mougenot Bomfin, na forma anterior à Lei n° 11.689/2008, privilegiava-se o denominado “sistema presidencialista”, através do qual, em termos de instrução processual, o juiz iniciava a inquirição das testemunhas. Tudo indica que o objetivo da lei era “evitar que as partes fizessem perguntas demasiado argumentativas, inconvenientes ou mesmo capciosas às testemunhas”, bem como de eventuais pressões advindas do contato direto.[76]

            Para tal doutrinador, passou-se, com a reforma processual, do sistema presidencialista para o de inquirição direta, bastante similar ao “sistema adversarial” do direito americano, com o que, no Brasil, iniciada a inquirição pelo juiz, seguem-se as perguntas da parte que arrolou a testemunha, e, por fim, com a intervenção da parte contrária, o contato direto das partes com aqueles a serem inquiridos é necessário, entretanto, com cautela e sob atenção do magistrado.[77]

            Sob outro giro, há de mencionar, a alteração quanto à leitura de peças, “desde que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis (como o laudo relativo a eventual interceptação telefônica).”.[78] Para André Estefam, da forma precedente à Lei n° 11.689/2008, podia-se requerer a leitura de toda e qualquer peça do processo, com o que havia “constantes e costumeiros abusos por parte de advogados e promotores, com uma interminável e enfadonha leitura dos autos, que às vezes se arrastava por dias, cansando a todos, sobretudo aos jurados.”.[79]

            Da forma atual, o interrogatório do réu, diferente da forma anterior, vislumbrado como um meio de defesa, passou a ser realizado por último, “após a produção das demais provas (testemunhal, oitiva da vítima etc.), conforme Gomes, Cunha e Pinto.”[80]

            Os doutrinadores citados no parágrafo anterior destacam o fato de que, atento ao princípio da plenitude da defesa, que “se refere tanto à autodefesa, verificada no interrogatório do réu, como à defesa técnica, realizada por seu advogado [...]”, se houver contradição entre uma e outra, ambas as teses devem ser objeto de questionário quando da votação.[81]

            Prosseguindo quanto às alterações relativas aos debates, Estefam menciona que:[82]

A acusação deverá ser limitar ao fato reconhecido como admissível na pronúncia e nas decisões que a confirmaram, inclusive no tocante a qualificadoras e causas de aumento de pena. Poderá ampliar a acusação somente no que tange a agravantes, v.g., a reincidência (art. 476, caput). Note que, no caso de agravantes objetivas, é preciso que estejam descritas na denúncia

As partes não poderão, durante os debates e sob pena de nulidade (relativa), fazer referência à pronúncia e às decisões que a confirmaram (lembre-se que os jurados já receberam cópias dessas peças processuais). Proíbe-se, ainda, a menção ao uso de algemas como argumento de autoridade, seja para beneficiar ou prejudicar o réu (art. 478, I), e ao silêncio do acusado ou à falta de interrogatório por requerimento, como argumento em seu prejuízo (art. 478, II).

            Não há olvidar quanto aos apartes, sobre cujo tema, nos termos do aduzido por Amaury Silva, no artigo “Novo júri e o aparte consentido ou autorizado”, disserta que:[83]

A nova roupagem do júri trouxe no art. 497, XII, do CPP a atribuição ao juiz presidente de regular os apartes, com a possibilidade de concessão de prazo para a intervenção, que será necessariamente compensado. [...].

Ora, a exclusividade para a admissão do aparte não pode ser conferida ao presidente do júri, mesmo que realizada com olhos postos no cronômetro, a fim de se garantir a isonomia, restaurando-se o tempo interrompido do debatedor que está fazendo uso da palavra.

Se for isso a tônica, o aparte perde em espontaneidade e na riqueza da sua capacidade de oferecer aos jurados dados para o entendimento da causa, quando determinado ponto relevante for posto em cotejo com argumentos contrários.

[...]. O importante é que fique ao talante do próprio orador a possibilidade de realizar ou não o aparte e do seu adversário, a deliberação de concordar ou não em ser aparteado. [...] não podendo haver uma regra rígida, que venha a bitolar a engrenagem e a dinâmica da discussão oral no júri.

[...]. Havendo a recusa do debatedor que usa a palavra, aí sim, surgiria a possibilidade de pleitear o adversário junto à presidência do júri, a aplicação do art. 497, XII, CPP. Dessas maneira, o juiz presidente analisaria, em cada hipótese concreta, a pertinência da medida, sobretudo para a não utilização indiscriminada do expediente, posto que, assim feito, poderia comprometer a seqüência do orador. Admitida a intervenção pelo aparte, o tempo limite seria de 3 (três) minutos, a ser acrescido no cômputo destinado àquele orador interrompido.

[...]. Acredita-se, assim, que o aparte na estrutura do júri no processo penal brasileiro conta agora com uma classificação que deve reputa-lo como consentido ou autorizado, no primeiro caso quando admitido pelo próprio orador que sofrerá a intervenção, e na segunda hipótese, se deferido conforme disposto no art. 497, XII, CPP. A aplicação exclusiva do dispositivo em questão é engessar o instituto do aparte com faixas escuras.

            Encerrando o presente tópico, há registrar quanto à duração dos debates, cujo tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cata parte, com direito à réplica e tréplica de uma hora. Referidas alterações encontram-se estampadas no artigo 477, “caput”, do Código de Processo Penal, com o que, ante o cotejo, denota-se ter sido reduzido o tempo da acusação e da defesa em meia hora, entretanto, por outro lado, aumentando o tempo da réplica e da tréplica para uma hora.

            Importante ressaltar, também, quanto à possibilidade de se efetuar o julgamento sem a presença do acusado, nos termos do artigo 457, § 2°, do Código de Processo Penal, ou seja, não se adia mais julgamento sob esses aspectos, e, por último, o fato de que os depoimentos e interrogatório deverão ser colhidos de forma magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, com o objetivo de se auferir mais celeridade e fidelidade.

4.5.4 Formulação dos quesitos e votação

            Nos segundo e terceiros capítulos abordou-se como eram formulados os quesitos e realizada a votação, precedente ao advento da Lei n° 11.689/2008 e da forma atual, respectivamente. Nesse sentido, a seguir, importa efetuar-se o cotejo.

            Explicou-se que, da forma anterior à reforma, havia uma infinidade de questionamentos, e que, após, simplificou-se, com a previsão de três quesitos básicos, nos termos dos atuais incisos I, II, e III, do artigo 483 do Código de Processo Penal, ou seja, sobre a materialidade do fato, autoria ou participação e se o acusado deve ser absolvido.

            Por força do parágrafo único do artigo 482 da norma citada, “os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas [...].”, e, considerando a supressão do libelo acusatório, que servia de base para a formulação dos quesitos, o juiz-presidente levará em conta os dados constantes na decisão de pronúncia ou decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sem olvidar quanto ao alegado pelo réu no interrogatório e as alegações das partes, ou seja, “todas as teses apresentadas em plenário pelo acusado, sponte sua, e pela defesa técnica, deverão ser incluídas no questionário, sob pena de nulidade.”.[84]

            Em termos de formulação dos quesitos e votação, as causas que suscitam maiores debates são o questionamento sobre se “o jurado absolve o acusado” e o encerramento da votação em relação a determinado quesito quando se atingir maioria absoluta.

            Para Estefam, a inclusão, pelo legislador, de tal questionário, servirá para tornar desnecessária a elaboração de um quesito para cada tese defensiva, caso sustentada mais de uma, tanto pela defesa quanto pelo acusado, sendo englobadas na mesma pergunta no sentido de se “o jurado absolve o acusado?”.[85]

            Quanto à votação, Gomes, Cunha e Pinto ensinam que “não haverá mais decisão por unanimidade. Todas as decisões serão por maioria, porque o juiz, depois do quarto voto num determinado sentido interrompe o processo de apuração (não se sabendo o resultado dos demais votos).”.[86]

            Guilherme de Souza Nucci leciona no sentido de sempre ter visto com reservas a revelação do exato quórum de julgamento, e nos ensina que:[87]

se as decisões do Conselho de Sentença são tomadas por maioria de votos (art. 489, CPP) e busca-se assegurar, durante todo o procedimento do julgamento, a incomunicabilidade dos jurados e o sigilo das votações, não se deveria saber como cada um votou ao final.

É natural supor que, havendo maioria de votos, não se saiba ao certo o voto dado, porém, em situação de unanimidade, é lógico que o voto era desvendado. O ideal agora foi atingido, interrompendo-se a contagem no exato instante em que o juiz constate ter atingido a maioria, ou seja, quatro votos pelo “sim” ou pelo “não”.

O método é correto, pois preserva a opinião do jurado, protegendo-o contra qualquer tipo de pressão ou represália.

[...]. Ademais, jurados mudam de idéia durante toda a votação; aquele que estava em vias de absolver, pode, vendo-se em minoria, alterar o voto e pretender condenar, ou vice-versa.

            A respeito do encerramento da votação quanto a determinado quesito assim que chegar ao escore quatro a favor de uma tese, Bonfim traz exemplo interessante, veja-se:

Em Alagoas, narraram-me, certo “coronel” do interior teria um seu jagunço sendo julgado e, antecipadamente, dera ordens aos integrantes do Júri para que absolvessem seu preposto. O Promotor, novo na comarca, idealista, bom orador, bravamente vencia a resistência do Júri e cobrava o voto correto, em nome do civismo. Cada um dos jurados, cientes de que a ordem de absolvição fora dada a todos, pensou individualmente: “o voto é secreto... os demais vão absolver, vou condenar e assim fico em paz com minha consciência”. Os sete pensaram identicamente, e o réu foi condenado por unanimidade.

[...] No dia seguinte, todos os jurados, com medo, mudaram da cidade.[88]

            Tal doutrinador refere, ainda, que a tese da maioria de votos é sedutora, entretanto, da forma anterior à reforma, permitia-se uma maior possibilidade de a instância superior averiguar eventual prejuízo às partes, citando como exemplo que “em um julgamento ocorrido em São Paulo, o Júri foi anulado porque, tendo siso a votação por quatro votos a três, comprovou-se que um dos jurados dormira durante a sessão.”.[89]

            Não há olvidar, porquanto interessante, observação feita por André Estefam, no sentido de que, a par de destacar a simplificação do questionário, agora, as agravantes e atenuantes, “passam a ser matéria de competência privativa do Juiz Presidente [...]”.[90]

3.5.5 O fim do protesto por novo júri

            Quanto ao instituto de que se trata, hipóteses de cabimento e consequências já houve explicões nos capítulos anteriores.

            Questão que se põe, com a revogação do instituto em tela, é a do direito intertemporal, ou seja, nos casos em que os crimes cujos julgamentos sejam submetidos ao Tribunal do Júri, terem sido praticados antes da entrada em vigor da Lei antes referida, com julgamento já sob a égide dessa, seria viável o protesto por novo Júri? Para André Estefam, “cuida-se da aplicação do princípio tempus regit actum. [...], deve-se observar a lei vigente ao tempo da prolação da sentença”.[91] Nesse sentido, somente seriam admissíveis a interposição do recurso referido até a data em que entrou em vigor a Lei citada no parágrafo anterior.

            De forma cristalina, Nucci ensina:[92]

Segue-se o disposto no art. 2° d Código de Processo Penal: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”.

Significa, pois, que todo réu que estiver respondendo a processo, no contexto do júri, ao atingir a sentença condenatória, proferida em plenário, com pena fixada em 20 anos ou mais, já não terá direito de invocar o protesto por novo júri. Afinal, no momento processual em que alcançou a decisão condenatória e, portanto, poderia, em tese, fazer uso de um recurso colocado à sua disposição pela legislação, em autêntica expectativa de direito, o mencionado recurso deixou de existir.

Normas processuais aplicam-se de imediato, sem qualquer retroatividade. Essa é a regra.

[...]. O protesto por novo júri não passava de uma segunda chance, concedida ao acusado, porque se entendia que a pena fora fixada em patamar elevado. Para a época, talvez fosse mesmo, o que já não se coaduna com a realidade, pois inúmeras penas são mais severas do que 20 anos. E nem por isso os condenados obtêm um novo julgamento.

            Em sentido contrário ao asseverado acima, Gomes, Cunha e Pinto, discorrem no sentido de que, se o crime foi efetuado até a data da entrada em vigor da Lei n° 11.689/2008, ainda admitirão o protesto por novo júri, sem embargo do artigo 2° da legislação processual penal.[93]

            Da mesma forma que em relação a outras alterações, também em relação à extinção do recurso em tela há controvérsias sobre ter sido oportuna ou não. As respostas virão com o tempo, ante as soluções dos mais variados casos concretos.

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Sobre o autor
Jorge Adrovaldo Maciel

Especialista em Direito Público e em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Educacional Dom Alberto. Bacharel em Direito pelo IESA (Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo/RS). Servidor Público no Estado do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Jorge Adrovaldo. Tribunal do júri: análise dos avanços e retrocessos promovidos pela reforma processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5228, 24 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61105. Acesso em: 22 nov. 2024.

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