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Os heróis (quase) anônimos que garantem o sucesso da Operação "Lava Jato"

13/10/2017 às 17:42
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As reportagens que exaltam os protagonistas da operação "lava jato” não fazem justiça aos jornalistas, que passaram a integrar a “força tarefa”, participam da roteirização, fazem reuniões, dão conselhos e orientações aos novos colegas. A arma: as mesmas “fake news” da Internet, reforçadas pelo talento de redatores especializados em “esquentar” notícias e dar verossimilhança a falsidades.

As muitas reportagens que exaltam os protagonistas do fenômeno apelidado de operação "lava jato” não fazem justiça a um herói quase anônimo dessa história: os jornalistas, que deixaram a cômoda posição de meros observadores do fato judicial para se tornar participantes ativos do processo.

Assim como seus colegas dos Estados Unidos, no pós 11 de setembro, os jornalistas brasileiros responsáveis pela cobertura do fenômeno responderam prontamente ao chamado do “Ato Patriótico” nacional. 

O movimento é o de uma gangorra: a notícia alavanca o inquérito, que gera outra notícia, que dá à luz a denúncia que, por sua vez, proporciona manchetes. Não por acaso, a maioria dos relatórios, inquéritos e denúncias têm mais páginas com recortes de jornais e revistas que de resultados de investigação.

Na ausência de outros elementos, a suspeita sobre o alvo é inaugurada com uma notícia da cisma. A suposição se torna convicção quando o inquérito é aberto ou a denúncia é apresentada. O rolo compressor chega ao juiz com força irresistível. O resultado já se sabe qual será.

No futuro, o museu desse período borbulhante exibirá preciosidades como acertos secretos entre repórteres, policiais e procuradores — não necessariamente para fazer notícias; cartas anônimas levadas por repórteres a juízes; falsas estatísticas de morosidade e impunidade; e outras ficções apresentadas ao leitor como verdades absolutas. A Revolução Judicial segue a trilha da Revolução Cultural Chinesa: denuncismo, humilhações, condenações sem julgamento. Falta queimar livros.

Um esboço de nota destinado a um colunista famoso já tem lugar entre as relíquias desse museu: o espantoso rascunho, encontrado na casa de um assessor de Delcídio do Amaral, narra caso cinematográfico. O banqueiro André Esteves, o deputado Eduardo Cunha e outras três pessoas reuniram-se na casa do empresário Milton Lyra para festejar a inclusão de artigo em Medida Provisória que beneficiou o BTG. O jornalista publicou a nota com um acréscimo: existem fotos da festa. Pelo favor, o banqueiro teria pago R$ 45 milhões ao deputado. Uma história incrível, não fosse totalmente inventada. Não existiu a MP, o pagamento, o jantar ou as tais fotos. Mas a divulgação da intriga produzida dentro de uma disputa política, levou André Esteves para a cadeia em um erro judiciário histórico. Mesmo depois de desmontada a fantasia, a notícia falsificada foi mantida. A minuta foi juntada por Rodrigo Janot, antes de deixar o cargo, dois anos depois, a um inquérito contra Renan Calheiros, que não tinha entrado na história.

A onda moralista que os livros de história registram em outros tempos e lugares, sob o nome de macarthismo, inquisição, dulcinismo ou fascismo só avança. Quem é contra e tem coragem de dizer é candidato a ganhar no peito uma estrela de David, como as que distinguiam judeus sob o nazismo. O “crime” agora é querer “abafar a ‘lava jato’”.

O melhor, ou o pior, exemplo é o do ministro Gilmar Mendes. Enquanto manteve o perfil condenador era um dos queridinhos da mídia. Herói nacional. Quase intocável. Foi questionar o atropelamento do Direito, a demagogia e o populismo judicial para tornar-se alvo de toda sorte (ou azar) de acusações. O Gilmar 1.0 tinha a mesma mulher, os mesmos amigos, ia às mesmas festas, a mesma verve e a mesma coragem do Gilmar 2.0. Mas foi mudar de discurso para tornar-se o “inimigo do Brasil”, segundo o público que de Direito entende tanto quanto de física nuclear.

A cegueira voluntária é estarrecedora. No topo da hierarquia das fontes, Rodrigo Janot ousou declarar em rede nacional que uma determinada gravação continha indicações de atos criminosos praticados por ministros do Supremo, uma mentira rasteira. Disse também que o acordo de delação mais famoso da história seria anulado porque o delator omitiu a gravação que ele próprio entregou — quando ainda tinha sessenta dias para complementar as informações que faltaram. E fica por isso mesmo — porque a grande fonte não pode ser contestada. Só aplaudida. Presunção de culpa para uns, presunção de honestidade para outros.

O conúbio espúrio chegou ao nível de comportar entrevistas coletivas em off para vazamentos seletivos — pedaços de história escolhidos a dedo para que os acusados chegassem aos tribunais devidamente condenados pelo tribunal da opinião pública. Zero de checagem. De assessores de imprensa, repórteres tornaram-se operadores das operações. A institucionalização da honestidade do bem. O jornal que divulgou uma coletiva em off, ficou um bom período fora da distribuição de vazamentos seletivos da PGR — que é feito em rodízio para contemplar os aliados.

Um juiz condena executivos de uma empresa por atos praticados por administradores de outra. Dinheiro depositado na conta de uma pessoa, por informações do Coaf, aparece no inquérito do MPF como tendo beneficiado outra — de quem se pede a prisão. E vamos em frente. Radialistas, comentaristas e oportunistas que só trabalham com informação de segunda mão, reproduzem as informações fraudadas cheios de fúria, irados. A catarse está à solta. É um happening descabelado.

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Dentro da carnavalização do combate à corrupção, apontar erros da acusação virou sinônimo de querer defender bandidos. Atender um pedido de Habeas Corpus significa “estar no esquema”. Um mesmo jornalista publicou sete vezes a notícia de que determinado personagem — que sequer era réu — estava fazendo delação premiada, mesmo sabendo que a notícia era e é falsa. O objetivo: assustar o círculo de relações da vítima e forçar um deles a aderir à próxima delação à la carte, truque repetitivo que Janot usou até cansar.

Na tentativa de ressuscitar a malfadada “castelo de areia”, a ousadia não foi menor. Depois de meses tentando sem sucesso comprar um acordo com o Ministério Público, Antonio Palocci topou encenar uma fantasia: a de que o trancamento da “operação” foi comprado. E acusou o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, que sequer participou da decisão. Uma vez mais o dado da vida real é um mero detalhe. Quem pagou, como pagou, onde pagou não importa. Bola pra frente. A vida real que se adapte às notícias.

Com o advento do “petrolão”, o Ministério Público Federal mudou o eixo do poder nas redações. Os profissionais mais valorizados do mercado passaram a ser aqueles com relações privilegiadas com os procuradores. Claro, a lealdade tem que ter mão dupla. Suposições, ilações ou meras suspeitas dos procuradores devem ser apresentadas como verdades absolutas. Na ditadura, quem colaborava com as forças de repressão era apelidado de “cachorro”. Hoje o colaborador e o investigador são apenas bons amigos. E um ajuda o outro a escalar a hierarquia social na vertical. É o novo jornalismo chapa-branca.

Outro papel importante dos operadores da operação é emparedar juízes, desembargadores e ministros. Intimidar com ameaças veladas em notinhas soltas (“vai sair a lista do Judiciário!!!”). Não é por acaso que se somam às centenas as notas, notícias e reportagens que levantam suspeita sobre a honestidade de julgadores. Não houve um único caso, até agora, de confirmação das suposições — ao menos em relação a essas operações. E como sempre, só a acusação reverbera. A constatação de que a imputação não passou de mentira é ignorada.

Os jornalistas que passaram a integrar a “força tarefa” participam da roteirização da “lava jato”, fazem reuniões, dão conselhos e orientações aos novos colegas. Tudo para que na hora do fuzilamento o alvo não tenha qualquer chance de reagir. A arma: as mesmas “fake news” da Internet, mas agora reforçadas pelo talento de redatores especializados em “esquentar” notícias e dar verossimilhança a falsidades.

O constitucionalista gaúcho Lenio Streck analisa a cena. O que ocorre, segundo ele, é que o processo judicial se submete hoje ao crivo do julgamento moral — não à norma jurídica. Assim, fatos meramente constrangedores, como uma foto num bar, um advogado dizer que conhece cinco ministros do Supremo ou, numa conversa bêbada, citar-se bobamente o nome de um juiz, são promovidos à condição de “escândalo”. Talvez um inquérito, uma denúncia ou uma condenação. E notícias. Claro: sempre em nome do bem. Todos querem um país melhor. Livre da praga da corrupção. Assim como diziam os jacobinistas franceses no final do século XVIII e os militares brasileiros em 1964.

Os justiceiros dizem acreditar que esse é um preço baixo a pagar para romper com as esferas de imunidade que sempre protegeram ricos e poderosos. É um engano. O preço é altíssimo. Destruir a superestrutura da Justiça e da Política não é corrigir seus erros.

Ao descrever a chama de um fósforo como se fora a floresta amazônica incendiada, a imprensa leva um general desinformado e voluntarista a dizer que os militares podem tomar o poder para conter tanta corrupção. Se um general de Exército não compreende a ilusão de ótica produzida pelo populismo de jornalistas que fraudam notícias, quem compreenderá?

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Sobre o autor
Márcio Chaer

Diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAER, Márcio. Os heróis (quase) anônimos que garantem o sucesso da Operação "Lava Jato". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5217, 13 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61164. Acesso em: 27 dez. 2024.

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