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Trabalho análogo ao de escravo: evolução histórica e normativa, formas de combate e “lista suja”

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14/10/2017 às 14:22
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7. Da “lista suja”

Conforme exposto, o cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo foi introduzido no ordenamento jurídico mediante a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 540 de 19 de outubro de 2004.

A inclusão de empregadores nesta lista é informada a diversos órgãos públicos para ciência e tomada de eventuais providências cabíveis. Instituições financeiras também são notificadas, de modo que acaba por dissuadir a concessão de empréstimos a tais empregadores, conforme recomenda a Portaria nº 1.150 do MTE.

O instrumento normativo em análise foi sucedido pela Portaria Interministerial nº 02 de 2011 do Ministério do Trabalho e Emprego e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Em 2014, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5209) visando suspender a eficácia da Portaria nº 540 do MTE e da Portaria Interministerial nº 02 de 2011, tendo por fundamento central a alegaçaõ de ofensa aos princípios da separação dos poderes e devido processo legal. No mesmo ano, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu medida liminar para determinar que a lista não fosse mais divulgada.

Ato contínuo, foi editada a Portaria Interministerial nº 02 de 2015 do Ministério do Trabalho e Emprego e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para normatizar acerca da “lista suja”, que, posteriormente, foi revogada pela Portaria Interministerial nº 04 de 2016, também regulamentadora do tema.

Ante a revogação do ano normativo impugnado, a Ministra Carmem Lúcia julgou prejudicada a ADIADI 5209:

12. A Portaria Interministerial n. 2, de 31.3.2015 não apenas revogou a Portaria Interministerial n. 2, de 12.5.2011, como alterou, substancialmente, o conteúdo das normas ensejadoras do ajuizamento da presente ação, a impor o reconhecimento da perda de seu objeto.

A Portaria Interministerial n. 2/2015 foi posteriormente também revogada pela Portaria Interministerial n. 4, de 11.5.2016.

Embora a Portaria Interministerial n. 4/2016 tenha reproduzido o núcleo essencial da Portaria Interministerial n. 2/2015 e acrescido a possibilidade de celebração de termo de ajuste de conduta ou acordo judicial para reparação do dano causado pelo administrado alvo da fiscalização, o Autor desta ação descuidou de aditar a inicial e de promover o cotejo analítico das normas constantes da Portaria Interministerial n. 2/2011 e dos diplomas normativos supervenientes, a fim de justificar a persistência do objeto da ação.

(...)

13. Pelo exposto, julgo prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade pela perda superveniente do objeto (art. 21, inc. IX, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), cassando-se a medida cautelar antes deferida. Prejudicados, por óbvio, os pedidos de ingresso formulados na presente ação. (BRASIL, 2016).

Desde junho de 2014 não houve publicação do cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo, o que motivou, em 2016, o Ministério Público do Trabalho a ajuizar a ação civil pública nº 0001704-55.2016.5.10.0011, objetivando que seja realizada a divulgação “da lista suja”. Em 19 de dezembro de 2016, o juízo da 11ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, concedeu a liminar, para determinar ao MTE a divulgação da lista.  Lamentavelmente, em 7 de março de 2017, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da Silva Martins Filho suspendeu a publicação da referida lista, decisão que foi, posteriormente, revertida pelo próprio Tribunal Superior.[3]

Atualmente, vigora a divulgação do cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho, constituindo efetiva medida de combate ao trabalho escravo contemporâneo, que pode ser acessada no sítio do Ministério do Trabalho[4].


8. Considerações finais

O trabalho escravo, apesar de ser remontar os primórdios da humanidade, infelizmente ainda faz parte da realidade mundial e brasileira.

Atualmente, há vários diplomas internacionais, das quais o Brasil é signatário, que coíbem tal prática. Dentre estes, destaca-se as importantes Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho - que repele o trabalho forçado ou obrigatório; a Declaração Universal dos Direitos Humanos -  que proíbe a escravidão e o tráfico de pessoas, além do regime de servidão; a Convenção das Nações Unidas sobre a Escravatura foi ampliada pela Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura - que visa abolição da escravidão, do tráfico de escravos e de formas análogas à escravidão; e Convenção Americana sobre Direitos Humanos -  que veda a escravidão e a servidão.

No âmbito nacional, o Código Penal brasileiro expressamente criminaliza tal prática em seu art. 149, ao tipificara restrição da locomoção de alguém, por qualquer meio, em razão de dívida contraída com o empregador ou o preposto.

A repressão do trabalho análogo ao de escravo também é objeto de atuação na seara trabalhista- pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Justiça do Trabalho, tendo várias medidas de combate implementadas e fortalecidas após a solução amistosa do Brasil no caso José Pereira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Como exemplo, cite-se os meios extrajudiciais de titularidade do Ministério Público do Trabalho, como o inquérito civil, procedimento preparatório, termo de ajustamento de conduta, e judiciais, como a ação civil pública e ação civil coletiva, além de intervenção como fiscal de lei.

A Justiça do Trabalho do Trabalho também tem papel determinante no combate da servidão por dívidas, uma vez que, quando da judicialização da lide, somente cabe a ela proferir a decisão definitiva que, a critério do juiz e mediante avaliação das provas do processo, poderá amparar o interesse de inúmeros trabalhadores submetidos à estas condições de trabalho.

Já o Ministério do Trabalho e Emprego, além de atuar mediante fiscalizações e lavratura de autos de infração, tem como um instrumento valioso a chamada “lista suja”, que acrescenta nomes de empregadores que utilizam desta mão de obra ilícita com finalidade de conhecimento da sociedade, dos órgãos governamentais e não governamentais, autoridades, bem como instituições financeiras, sendo que para estas recomenda-se com não seja concedidos empréstimos a tais empregadores.

Conforme demonstrado, após quase 3 anos, cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo voltou a ser publicado no no ano de 2017, consagrando-se como medida efetiva de combate ao trabalho escravo.

Ressalta-se que outros órgãos também atuam na repressão e combate da prática, como o Ministério Público Federal, Justiça Federal, ao julgar os crimes contra a organização do Trabalho, assim como a Polícia Federal.

Apesar deste panorama positivo e da evolução das medidas que coíbem o trabalho escravo, o Brasil ainda conta com iniciativas de retrocesso social no tema do trabalho escravo contemporâneo, como o Projeto de Lei nº 6442/2016, de autoria do Deputado Federal Nilson Leitão, que autoriza a remuneração do trabalhador rural mediante qualquer espécie.


9. Referências bibliográficas

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SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr, 2000.

SILVA, Marcello Ribeiro. Trabalho análogo ao de escravo rural no Brasil do século XXI: novos contornos de um antigo problema. 2010. 280 f. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário). Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO. Disponível em: < https://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/35d284c9-cd7b-4889-81a5-f3823d8e2270/Disserta%C3%A7%C3%A3o%2BTrabalho%2BAn%C3%A1logo%2Bao%2Bde%2Bescravo.pdf?MOD=AJPERES&CONVERT_TO=url&CACHEID=35d284c9-cd7b-4889-81a5-f3823d8e2270 >. Acesso em: 10 out. 2017.

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uma mancha. CD/LTR - Vol. 71, nº 08, Agosto de 2007 – pág . 925. Material da 5ª aula da

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VILLELA, Fábio Goulart. Manual de Direito do Trabalho: teoria e questões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.


Notas

[1] “Em decorrência dessa conexão histórica, material e lógica entre trabalho livre e trabalho subordinado, percebe-se que as relações jurídicas escravistas e servis são incompatíveis com o Direito do Trabalho. É que elas supõem a sujeição pessoal do trabalhador e não a sua subordinação. (DELGADO, 2013, p. 82).

[2] http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/e624f899-6a3d-431b-9c39-36a4ebfc9347/!ut/p/z1/rVNNc5swFPwrXDiqEkhGcCROxsWU1K6d2nBhnoWwac1HQPW0_fWV3PqSaSCdKSd97Fu93bfgDO9x1sClOoKq2gbOep9mXu4sCIvuPpJ4Ea84CddO8hAtHHdOON6NAWI2w9nI9f1UPeVT9Z9xhjPRqE6dcFp3yiYDnMEqpFXVXS-bAWyij62mVZWoYLCJ9FxW-kGAPKAFYtQ5oEDQAFEPmDyUIqCMG9JOVAVO34QeF3E_KmLSRAMw9eSVLyS6PpvyaRxg5jT1SKqb5PnjmkWLuw2JfW-pGTw_jOJgRR43M7wxHLt5kq8inDpmM9_q_Fz9t0nYSxjMXEL1DQS0Ntn2cIDzqbUeBtHDRZ-EopV6QslqayHr5bUhbIZ8tIf8-jwc5btCUo87BBBzyhlizAtQ4PMDItwthSgEcQIfpy5eThmnFVRfnp-zUMesbZT8rvD-KghuguAmSN06ljdBYAQZCrdP5slRhwrUCVVN2eL9SzTe_0aP-sz4H5__IZ3Lqfj9vb83cb_qzn_5C3dTkevqp6fapz8q9PWTT6hezs6XD-9_bst65yu0_gXz8VWl/dz/d5/L3dHQSEvUUtRZy9nQSEh/. Acesso em: 13 out. 2017.

[3]  Informações disponíveis em: http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/8ad011e8-210e-411e-ae69-99de23a21614/!ut/p/z0/jY7NTsMwEAZfJRxytLx2o_wcS1tFJYqAW-oLWpwlNaR2GpsK3h6HI6KI2-6n0Wi44h1XFi9mwGCcxTH-B5U_iRqy_e09NHXzUMD6UbS7fS3kBgp-x9V1oNkWi0HO7aYduJowHJmxL453YcZnHI8uIa9nvMQFtSO_0Ob1fFZrrrSzgT4C705TSAFnQp_0lGB4R40uhZ-KyHwr_ixakn8vKrEHIahkUgCxLJ4MKa9YVfUkVyhFLrLreR5HXOrMaZrJekwhzol1wWiDPoV_2ac3dShD-bkah5svobEyNw!!/. Acesso em: 12 out. 2017.

[4] http://trabalho.gov.br/component/content/article?id=4428. Acesso em: 13 out. 2017.

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ALCANTARA, Amanda Fanini Gomes. Trabalho análogo ao de escravo: evolução histórica e normativa, formas de combate e “lista suja”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5218, 14 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61165. Acesso em: 26 abr. 2024.

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