Plágio: impressões gerais sobre questões éticas e o prejuízo ao progresso acadêmico

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17/10/2017 às 00:00
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Sumário: 1. Noções introdutórias sobre o tema e a etimologia do plágio e a relação com o Direito Intelectual; 2. O plágio e o direito: prática irregular punível; 3. O CNPq, o plágio e a ética na pesquisa acadêmica; 4. Plágio: desafios e posturas; 5. Referências.


1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O TEMA E A ETIMOLOGIA DO PLÁGIO E A RELAÇÃO COM O DIREITO INTELECTUAL

O plágio é uma das práticas mais rechaçadas no ambiente acadêmico e é considerado causa de estagnação na produção de inovação e no grau de desenvolvimento tecnológico de uma comunidade ou país.

Segundo o site Hr Idiomas (2017), a palavra “plágio” carrega em sua etimologia significados já eivados de conotações pejorativas. Veja:

Plágio do Grego plágos, oblíquo, atravessado, pelo Latim plagium, roubo. Está na origem do vocábulo o significado de desvio, donde o sentido de atravessador para aquele que, não produzindo, nem comprando a mercadoria, apenas intermedia o negócio. Ainda na Roma antiga, porém, cometia plágio quem roubava escravos dos outros ou vendia homens livres como escravos. O étimo de plágio e plagiário remete ao Latim plaga, chaga, ferida, mesma origem da palavra praga, porque houve troca do encontro “pl” por “pr”. (HR IDIOMAS, 2017).

Como se pode ver, na antiguidade, seja na Grécia ou em Roma, a palavra ‘plágio’ recebia significados atrelados às ideias negativas de desvio e furto/roubo, ou seja, práticas senão ilícitas, certamente desprovidas de princípios de retidão ou ética. E certamente, apesar da evolução humana-cultural e de novo significado, nos tempos de hoje, o plágio não perdeu seu peso de prática irregular – moralmente inadequado (principalmente no âmbito acadêmico) e previsto como conduta típica, passível de punição na esfera penal.

O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), através de sua Coordenação de Educação (CEDC), produziu em 2012 uma cartilha amplamente divulgada na internet e também disponibilizada pelo departamento de Ensino à Distância da Universidade Federal de Lavras (UFLA) em seus cursos de Pós-Graduação Ead, intitulada “Plágio Acadêmico: conhecer para combater” (2017), onde um bom conceito atualizado de plágio é apresentado – extraído do conhecido dicionário Houaiss –, e como poderá ser constatado, ainda carregado de sentido negativo, fraudulento, inapropriado, principalmente, como prática em cursos de ensino superior:

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, plágio “é a apresentação feita por alguém, como de sua própria autoria, de trabalho, obra intelectual etc. produzidos por outrem". A palavra provém do termo em latim plagium que quer dizer FURTO. Assim, ocorre plágio nas obras acadêmicas quando alguém apresenta ou assina como seu, em todo ou em parte, texto, representação gráfi­ca, imagem ou qualquer outro tipo de produção intelectual de outra pessoa, sem o devido crédito, mesmo que involuntariamente. (UFLA/INCA_CEDC, 2017).

Na verdade, a própria ideia de utilizar, fruir ou gozar de algo que não é seu, e sem autorização de quem possui a posse legítima sobre específico bem, é uma conduta condenável pelo direito brasileiro, mesmo que este bem seja ‘intelectual’, intangível.

Por sinal, para fins didáticos de composição do presente texto, vale ressaltar que o direito de propriedade (aquele que assegura ao seu detentor o direito de usar, fruir e gozar de seu bem) é protegido constitucionalmente no artigo 5º, XXII, e entre os bens passíveis de tal proteção, estão os bens tangíveis e os intangíveis (desprovidos de forma física tocável). Este texto irá se ater aos bens intangíveis, também chamados de bens intelectuais.

Ser dono de um bem ‘intelectual’ é ter sobre ele “propriedade intelectual”, propriedade esta passível de proteção jurídica chamada de Direito Intelectual – aqui, especificamente, delimitada em sua modalidade denominada “Direito Autoral”, da qual servirá de referência para tratar da repreensão jurídica ante a prática do plágio.


2. O PLÁGIO E O DIREITO: PRÁTICA IRREGULAR PUNÍVEL

Como dito anteriormente, e também presente como temática citada na cartilha referenciada, o plágio é previsto como crime pela legislação penal vigente, ou seja, uma violação do “Direito Autoral” de outrem (artigo 184 e seus parágrafos seguintes), o que por si só já demonstra que esta prática é eticamente repreensível pela sociedade e por seu respectivo ordenamento jurídico. Além disso, a legislação pátria prevê punição na esfera cível para o infrator, praticante de tal conduta, garantindo direito à indenização para o ‘espoliado’ de seu bem intelectual (autoral).


3. O CNPQ, O PLÁGIO E A ÉTICA NA PESQUISA ACADÊMICA

Longe de um devido aprofundamento técnico, já que a proposta do presente texto é o trato objetivo-informativo da temática em voga, o plágio possui várias peculiaridades, como se pode observar, não obstante, existirem duas características das quais não se pode desviar: é prática de ato fraudulento e é mera repetição de algo já existente, não constituindo nenhum tipo de evolução tecnológica para qualquer seara da ciência – trata-se de atraso na produção de conhecimento humano, com reflexos sociais, econômicos, culturais e políticos.

O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), atualmente chamado de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão público classificado como agência vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, preocupado com o aumento da incidência de plágios e fraudes no meio científico e com a necessidade de nortear boas condutas nesta seara, que evitem ou amenizem os malefícios da “cópia desmedida”, instituiu em 2011 uma Comissão com a missão, dentre outras, de produzir relatório específico sobre a “integridade” da pesquisa no Brasil.

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Este citado relatório define modalidades de fraude e más condutas nas publicações (entre elas, o plágio e o autoplágio) e é profícuo em boas observações e contribuições para a pesquisa nacional e respectivo desenvolvimento tecnológico futuro, entretanto, ele se destaca por criar parâmetros éticos (com reflexos no âmbito normativo, claro), no que tange à fraude na pesquisa, recomendando ao CNPq duas linhas de atuação:

a) ações preventivas e pedagógicas – diante da importância de uma boa orientação na seara da pesquisa e produção de conhecimento, o CNPq deve definir para todos, principalmente para os jovens, as boas práticas e as práticas que não são consideradas aceitáveis, deve estimular o oferecimento de disciplinas com conteúdo ético e de integridade de pesquisa nos cursos de pós-graduação e de graduação e qualificar/nortear os professores, devido a importância dos mesmos como orientadores acadêmicos. (CNPq, 2017).

b) ações de desestímulo a más condutas (inclusive, com punições): instituição de uma comissão permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq, constituída de membros de alta respeitabilidade de diferentes áreas do conhecimento, com competência para examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada/publicada (não estimulando denúncias falsas ou infundadas), decidir preliminarmente se há fundamentação que justifique uma investigação específica, a ser realizada por especialistas da área nomeados ad hoc, propor ou não à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados, e, por fim, avaliar a qualidade do material disponível sobre ética e integridade de pesquisa, a ser publicado nas páginas do CNPq. (CNPq, 2017).

Além disso, e talvez como maior contribuição, esse citado relatório cria um conjunto das principais e mais adequadas posturas éticas (‘diretrizes’ é o termo no teor do texto), no que tange a citações, indicações de fonte de consulta, respeito à pesquisa e à produção de conhecimento de outrem, aqui no Brasil – regras morais norteadoras de arcabouço jurídico constituído a partir de então e inspiradas em condutas anteriormente já disciplinadas – a saber:

1: O autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente seu trabalho.

2: Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas.

3: Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado.

4: Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve deixar de fazer as citações adequadas.

5: Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações, conclusões ou dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex. apresentado em conferência, divulgado na internet), o autor deve indicar claramente aos editores e leitores a existência da divulgação prévia da informação.

6: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais.

7: Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e trabalhos anteriores do próprio autor deve ser assinalado, com as devidas referências e citações.

8: O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na bibliografia corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está sendo apresentada.

9: Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em resumo secundário desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do trabalho citado. Sempre que possível consultar a literatura original.

10: Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma revisão) para descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo empírico de um periódico), ele deve certificar-se da sua correção e sempre indicar a fonte original da informação que está sendo relatada.

11: A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a finalidade de manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de aceitação do manuscrito é prática eticamente inaceitável.

12: Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve escrever de tal modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais são oriundas das fontes consultadas.

13: O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem seu ponto de vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em apoio a suas posições devem ser metodologicamente sólidas. Quando for necessário recorrer a estudos que apresentem deficiências metodológicas, estatísticas ou outras, tais defeitos devem ser claramente apontados aos leitores.

14: O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que possam ser importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa.

15: Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de discrepâncias ou o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser claramente descrita junto com uma justificativa racional para o emprego de tais procedimentos.

16: A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a colaboração e deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as do International Committee of Medical Journal Editors.

17: Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho merecem autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se realização de experimentos, participação na elaboração do planejamento experimental, análise de resultados ou elaboração do corpo do manuscrito. Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por si só não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de agradecimento.

18: A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios. Os supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com pequena ou nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente participaram do trabalho. Autoria fantasma em Ciência é eticamente inaceitável.

19: Todos os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e idoneidade do trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente responsabilidade integral, e aos demais autores responsabilidade pelas suas contribuições individuais.

20: Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua contribuição pessoal ao trabalho.

21: Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na sua execução, seja com animais ou com seres humanos. (CNPq, 2017).

Como se pode ver, cada um dos itens elencados acima mereceria uma reflexão profunda e isso seria campo fértil para a produção de um novo texto acadêmico que demonstrasse a importância de uma postura de respeito a tais condutas no processo de criação do conhecimento; contudo, a lista em foco, além de ser parâmetro ético para todos que desenvolvem pesquisa, serve de referencial, devido a uma razoável e sinérgica relação com os ideais de um Estado de Direito, para as regras de padronização para trabalhos científicos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por exemplo – entidade privada, sem fins lucrativos e de grande utilidade pública –, que por sua vez, se apresentam como norteadoras das normas de padronização que cada instituição de ensino superior (IES) disponibiliza para seus discentes! Portanto, vejam a dimensão e o alcance destas presentes ‘diretrizes’.

Em um exercício de raciocínio teleológico, ainda sobre o teor das citadas diretrizes, ele serve de referência para uma outra listagem: a de contrapontos aos ideais éticos de boas práticas na seara da pesquisa, com vasto campo de exemplos praticados no meio acadêmico hoje em dia! E isso é fato! Infelizmente, o aumento da falta de ética no exercício da produção de conhecimento – a execução de plágios, por exemplo – aparece como assunto corriqueiro e reincidente em todas as instituições de ensino do país, em específico, em reuniões de chefias de ensino superior com seus docentes, seja no início, meio e/ou final de semestre (falo isso como docente que sou e gestor educacional que já fui)!

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Sobre o autor
Leonardo Ferreira Vilaça

Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos (FDMC). Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela PUC Minas. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Itaúna (UIT). Especialista em Coordenação Pedagógica pela PUC Minas. Pós-graduando em Gestão Pública pela UFLA. Pós-graduando em Advocacia Empresarial pela PUC Minas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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