Justifica-se ainda hoje o Tribunal do Júri?

18/10/2017 às 22:02
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O debate, sempre renovado, sobre a necessidade e importância da instituição centenária do Tribunal do Júri no Brasil contemporâneo.

Introdução

Não olvidamos da presente divergência que permeia o tema em estudo. Aqueles que buscam afastar a atual necessidade de se manter a instituição do Júri, afirmam que o mesmo não se adequa às necessidades da justiça contemporânea, baseada em postulados de celeridade e economia processual, bem como na segurança jurídica das decisões.

Sendo o Tribunal do Júri formado por 25 (vinte e cinco) jurados leigos (juízes de fato) e por um Juiz Presidente, nos termos do art. 433, CPP, e sendo que a efetiva função de julgar o fato em litígio cabe ao jurado (arts. 482 e ss, CPP), restando ao Juiz Presidente a dosimetria da pena e funções outras de caráter administrativo (art. 492 e ss, CPP), a doutrina desfavorável afirma, ainda, a possibilidade de julgamento contrário ao teor dos fatos carreados aos autos, advindo de tal evento a injustiça da decisão aplicada ao caso[1].

Parcela significativa da doutrina pátria, contudo, posiciona-se pela necessária manutenção do Tribunal do Júri, como postulado democrático no desenvolvimento processual que apura delitos de grande significância para a ordem jurídica e para a sociedade[2].

Rui Barbosa foi um dos maiores defensores da instituição. Conhecido pelo apreço destinado aos Estados Unidos da América do Norte, cuja common law exige especial participação da sociedade nas questões processuais, Águia de Haia não verificava qualquer incompatibilidade entre a instituição do Júri com o sistema jurídico romano-germânico adotado pelo Direito de língua portuguesa.

É evidente, contudo, mesmo que nosso sistema jurídico seja baseado na positivação, na tipificação de condutas, a participação de cidadãos dotados de conhecida probidade, inteligência e boa fama (art. 24, Decreto de 12 de Julho de 1821) no desenvolvimento e julgamento de processos que visem apurar a responsabilidade criminal em crimes de inequívoca gravidade, que, atualmente no Direito brasileiro, destina-se aos crimes dolosos contra a vida. A participação de juizes leigos no julgamento de tais casos atribui à sociedade um dever de reflexão. Um momento em que se apurará não apenas a responsabilidade penal de um agente delituoso, mas o próprio valor de determinada sociedade em face da justiça e do criminoso.

Como forma de prestigiar aqueles que admitem a necessidade contemporânea da instituição do Tribunal do Júri, devemos recordar dois atributos deveras significativos, quais sejam, a condição de direito humano fundamental e imbuído de historicidade, tanto no ordenamento jurídico pátrio quanto ocidental.

No atual Texto Constitucional, encontramos a instituição do Júri no art. 5.º, XXXVIII, sendo-lhe, ainda, atribuída as garantias mínimas de plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para julgamento dos crimes dolosos contra à vida. Como direito fundamental do indivíduo, sua existência não pode ser abolida nem mesmo por meio de Emenda à Constituição (art. 60, §4.º, IV, CF/88). Do mesmo modo, seus limites elementares, tais como previstos nas alíneas do inc. XXXVIII, não poderão conhecer de supressão.

O constituinte pátrio de 1988 manteve a lógica histórica dos demais textos.


Histórico do Tribunal do Júri no direito brasileiro

Historicamente, podemos apontar a origem da instituição do Júri brasileiro em 1821, de acordo com o proposto pelo Decreto de 12 de Julho, quando o Brasil ainda se revelava como colônia portuguesa. El-Rei de Portugal decretou, como forma de legitimar a repressão à imprensa, um órgão judiciário composto por 48 (quarenta e oito) homens bons, com respectivos 12 (treze) substitutos, cuja função foi a de conhecer e julgar os crimes cometidos por abuso da liberdade de imprensa. Os crimes estavam previstos nos arts. 8.º a 21, sendo que a instituição do Júri se verifica a partir do art. 22. O procedimento, do art. 30 até 59.

Interessante se revela o estudo acerca da presença do instituto nas várias Constituições brasileiras. A Carta de 1824, por exemplo, em seu art. 152, afirma que os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei.

A presença do Júri, pois, impele o pensamento do estudioso à mais antiga das normas fundamentais do país e, pois, impõe-lhe paulatino estudo sobre a evolução do mesmo durante e após as rupturas com o modelo constitucional anterior.

A Constituição de 1891, a primeira do período republicano, informava a manutenção da instituição do Júri, em seu art. 72, § 31. No decreto n.º 848/90, que criou a justiça federal brasileira, no art. 40, ss, apresenta-se a sistemática do jury federal, sendo categórico ao afirmar que os crimes sujeitos à jurisdição federal serão julgados pelo Jury. O referido diploma, portanto, foi ampliativo com relação à incidência da instituição do Júri na esfera criminal. Em verdade, é de se observar que a adoção do tribunal do Júri naquele dado momento histórico, para o julgamento de todos os crimes federais, deve-se ao fato da recente criação da justiça federal. O mesmo ocorreu na França revolucionária. Para que fossem julgados os inimigos da revolução, distanciando-se do ancien regime, os revolucionários adotaram a instituição do Júri como forma de legitimar a vontade da revolução.

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Durante a vigência do Texto de 1891, em vista da divisão da justiça em federal e estadual, os Estados-Membros deveriam realizar seus próprios códigos de processo, sendo que a matéria federal dispôs acerca do jury federal, salvo a premissa genérica do art. 72, § 31, da Constituição Federal, sendo que os Estados deveria dispor sobre a instituição do Júri.

A Constituição de 1934 seguiu as demais, sendo que, em seu art. 72, reafirma a manutenção do Tribunal do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei.

Estranha, contudo, foi a ausência da referida instituição na Carta de 1937. De qualquer sorte, em 5 de janeiro de 1938, após maciço pronunciamento de eminentes juristas, o Decreto-Lei n.º 167 regulamentou a instituição do Júri.

Mantido nas Constituições de 1946, 1967 e Emenda constitucional n.º 1, de 1969, além do próprio Texto de 1988.

Não é de se afastar, portanto, o caráter histórico da instituição no ordenamento jurídico pátrio, bem como questionar as raízes que já se fincaram na cultura jurídica e social do Brasil no correr de quase 2 (dois) séculos.


Conclusão

Diante do que foi exposto, conclui-se que, a instituição do Tribunal do Júri não se verifica como procedimento vetusto, mas de indelével necessidade para a democracia, para a reafirmação dos demais valores que norteiam à República, bem como propicia o julgamento de um crime que é verdadeira mácula no coração da sociedade pelos membros da mesma.


Bibliografia

NUCCI, Guilherme de Souza: Júri princípios constitucionais. São Paulo. Juarez de Oliveira. 1999.


Notas

[1] Pesquisas realizadas em diversos lugares e, na maioria delas, verifica-se que a maior parte das decisões do júri tem sido equivocadas. A Universidade de Chicago afirma que a cada quatro decisões do tribunal popular, uma está flagrantemente errada. (...) No tribunal popular, há muito mais chance de ocorrer o malfadado erro judiciário, pois o jurado pode afastar-se das provas dos autos e decidir como bem quiser (NUCCI, Guilherme de Souza: Júri princípios constitucionais. São Paulo. Juarez de Oliveira. 1999, p. 184).

[2] O Tribunal do Júri tem um caráter educacional sobre o povo, obrigando-o a manter-se atualizado e consciente dos seus direitos. Assim também se manifesta Dário Martins de Almeida: “Com todas as fraquezas e lacunas, o Júri pode e deve constituir, ao longo do tempo, uma pedagogia da liberdade e do civismo, em ordem a alimentar uma ‘consciência jurídica’, traduzida por uma sensibilização maior aos valores da justiça e do direito. Em democracia, a liberdade não é coisa para se domesticar de fora, pela força: cultiva-se dia a dia e engrandece-se pela formação do caráter (NUCCI, Guilherme de Souza: Júri princípios constitucionais. São Paulo. Juarez de Oliveira. 1999, p. 181).

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Sobre o autor
Ricardo Cesar Franco

Defensor Público do Estado de São Paulo, nível IV, que atua perante o E. Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Coletivo. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Professor de Filosofia do Direito Penal e de Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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