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A competência dos municípios para proporcionar acessibilidade em calçadas e logradores públicos

23/08/2019 às 17:00

Resumo:


  • O poder público municipal tem a responsabilidade de construir e manter calçadas acessíveis de acordo com normas de acessibilidade.

  • A Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência estabelece que os Estados devem garantir os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, incluindo a acessibilidade.

  • O Estatuto das Pessoas com Deficiência determina que o poder público é responsável por promover a acessibilidade em calçadas, conforme normas de desenho universal, visando a igualdade de oportunidades para todos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É dever do poder público municipal a construção e manutenção das calçadas de maneira a proporcionar acessibilidade ampla e irrestrita para todos, inclusive idosos, gestantes e pessoas com deficiência.

A responsabilidade ou a competência do ente público municipal para a feitura ou a implantação de calçadas com acessibilidade se faz extremamente importante nos dias atuais. 

Através da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, sancionada através do Dec. nº 6.949/2009, o Brasil se obrigou a garantir os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, nos termos dos seu artigo 4, item 1.

“Artigo 4

Obrigações gerais

1. Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;

b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;

c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência;

d) Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com a presente Convenção;

e) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada;

f) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes;

g) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível;

h) Propiciar informação acessível para as pessoas com deficiência a respeito de ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, incluindo novas tecnologias bem como outras formas de assistência, serviços de apoio e instalações;

i) Promover a capacitação em relação aos direitos reconhecidos pela presente Convenção dos profissionais e equipes que trabalham com pessoas com deficiência, de forma a melhorar a prestação de assistência e serviços garantidos por esses direitos.

(...)”1

E vai ainda mais longe, ao se obrigar, expressamente, a tomar medidas para assegurar às pessoas com deficiência a acessibilidade com igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

A norma internacional determina que, dentre as medidas que os Estados ratificantes se comprometem a tomar inclui-se a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade em edifícios, rodovias, ou outras instalações de uso público (e as calçadas são de uso público) e outras instalações, incluindo-se residências.

Ora, se até mesmo em residências, os Estados ratificantes comprometem-se a tomar medidas para proporcionar acessibilidade, sendo propriedades particulares, com muito mais propriedade há a obrigação em relação às calçadas.

Ademais, convém lembrar que o direito de ir e vir (liberdade de locomoção) é um dos direitos fundamentais do cidadão garantido pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XV2, vejamos o que dita a norma constitucional:

“XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”

Dessa forma, cabe ao Estado empreender esforços no sentido de proporcionar a mais irrestrita mobilidade no território nacional a todos os seus cidadãos e estrangeiros residentes no país.

Por sua vez, o Estatuto das Pessoas com Deficiência – Lei nº 13.146/2015, que veio regulamentar a norma constitucional da Convenção Internacional de Direitos Humanos sobre Pessoas com Deficiência (Dec. Mº 6.949/2009), veio a definir como obrigação do poder público o dever de promover acessibilidade em calçadas, na medida em que alterou o parágrafo único do artigo 2º do Código Brasileiro de Trânsito, que passou a ter seguinte redação:

“Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais.

Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública, as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas e as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo.”3 (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Esta mudança não foi por acaso, pois, no Brasil, em áreas particulares de uso comum, como estacionamento de shoppings, condomínios etc,, muitas pessoas usavam o fato da propriedade ser particular na tentativa de impor limites ao poder de polícia que detém a Administração Pública de fiscalizar os direitos das pessoas com deficiência nessas áreas, de maneira que, a partir de agora, com a nova redação deste dispositivo legal, já não é mais possível a dúvida sobre a possibilidade do poder público com sua longa manus exigir o cumprimento da lei em tais áreas.

Com efeito, a referida alteração legal trazida pelo Estatuto das Pessoas com Deficiência ao Código Nacional de Trânsito lança nova luz a clarear a celeuma sobre a obrigação do poder público em proporcionar acessibilidade em calçadas, mesmo que, a nosso entendimento, nunca foi duvidosa essa obrigação, até mesmo porque, o próprio Código Nacional de Trânsito, em seu artigo 1º, traz o conceito de trânsito para fins da incidência do Código, vejamos:

“Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.

§ 4º (VETADO)

§ 5º Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente.”4

Desse modo, o Código de Trânsito Nacional afirma, “o trânsito nas vias terrestres em todo o território nacional rege-se pelo referido Código”, considerando-se trânsito “a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.”. Só esta definição legal seria suficiente para tornar inquestionável o dever público de planejar, construir e manter as calçadas de acordo com os padrões estabelecidos para o trânsito nas vias terrestres, o Compêndio de Trânsito foi ainda mais claro ao estabelecer, em seu artigo 24, a competência textualmente, vejamos:

“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (Redação dada pela Lei nº 13.154, de 2015)

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

III - implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;

(...)

VI - executar a fiscalização de trânsito em vias terrestres, edificações de uso público e edificações privadas de uso coletivo, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis e as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do poder de polícia de trânsito, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar, exercendo iguais atribuições no âmbito de edificações privadas de uso coletivo, somente para infrações de uso de vagas reservadas em estacionamentos;”5 (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)

Percebe-se que, compete à municipalidade, dentre outras obrigações; planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veiculos e pedestres, observe-se que a lei dizclaramente, “o planejar e projetar o trânsito de veiculos e pedestres, não só de veículos, mas também de pedestres, dilimindo assim, toda e qualquer dúvida existente sobre o tema.

Demais disso, o Estatuto das Pessoas com Deficiência, alterou também o Estatuto das Cidades para fazer neste constar também a obrigação da União em conjunto com os demais ente públicos a obrigação de instituir programas visando a aplicação das normas de acessibilidade em calçadas, in verbis:

“Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:

I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;

II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;

III - promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico, das calçadas, dos passeios públicos, do mobiliário urbano e dos demais espaços de uso público;  (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)     (Vigência)

IV - instituir diretrizes para desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, que incluam regras de acessibilidade aos locais de uso público; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)   (Vigência)

V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

Constata-se, pois, que não cabe mais qualquer dúvida sobre a obrigação do poder público, neste caso, representado pelos municípios, em vias urbanas, o dever de projetar, construir e manter as calçadas, como via de trânsito de pedestres, de acordo com as normas de acessibilidade, igualmente, como lhe cabe projetar, construir e mantes as vias destinadas ao trânsito de veículos.

Ademais, as calçadas podem ser incluídas como bem público, pois, o artigo 99 do Código Civil determina que as ruas e praças são bens de uso comum, consequentemente, as calçadas também se incluem como tal, tanto é que o particular não pode dispor de sua calçada, podendo apenas usá-la de acordo com a autorização do poder público.

Eis a letra do art. 99 do Código Civil:

“Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.”6

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Observe que calçada se assimila aos bens previstos no inciso I do Compêndio Civil, enquanto área que todo imóvel possui destinada a circulação de transeuntes.

De outra banda, trazemos a análise, o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, em seu artigo 2º, que determina que os logradouros, as passagens, as estradas e as rodovias terão seu uso regulamentado por órgão ou entidade pública, ou seja, apenas o uso pode ser concedido ao particular, a propriedade jamais.

Por sua vez, o Estatuto das Pessoas com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, que regulamenta a Convenção Internacional, ao tratar da acessibilidade diz que é direito que permite às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida (incluindo-se idosos e gestantes) viver de forma independente (artigo 53.), vejamos:

“Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social.”7

Nesse desiderato, o artigo 55 do mesmo Estatuto, com clareza solar, determina que;

“Art. 55. A concepção e a implantação de projetos que tratem do meio físico, de transporte, de informação e comunicação, inclusive de sistemas e tecnologias da informação e comunicação, e de outros serviços, equipamentos e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, devem atender aos princípios do desenho universal, tendo como referência as normas de acessibilidade.”8

O texto legal, literalmente, estabelece que; “A concepção e a implantação de projetos que tratem do meio físico, (...) e de outros serviços, equipamentos e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, devem atender (...) às normas de acessibilidade”.

Isto prova que, as calçadas entendidas como passagens destinadas ao tráfego de pedestres são bens públicos e como tal, devem ser instituídas e mantidas pelo poder público, que nas cidades, é competência do ente municipal sua construção e manutenção.

Essa obrigação é mesma que ocorre, por exemplo, com as ruas, é o poder público que as constrói dentro das normas regulamentares das leis de trânsito, somente atribuindo aos particulares as obras através de processo licitatório para contratação de empresas do ramo de engenharia e construção civil, não deixando a cargo de cada proprietário de imóveis da localidade. Vamos imaginar cada proprietário tendo de construir uma parte da via pública, obviamente, que quase que impossível implementar as normas regulatórias de transito nas vias, pois bem, é o mesmo que ocorre em relação às calçadas serem construídas dentro das normas de acessibilidade, cabendo, por isso mesmo, ao poder público. Aliás o Código de Trânsito regula não só trafego de veículos, mas também o de pessoas.

E para arrematar o novel Estatuto das Pessoas com Deficiência define que estão sujeitas a incidência das normas nele previsto, inclusive quanto a execução de obras para atender às nNormas de acessibilidade, vejamos os ditames do artigo 54, I:

“Art. 54. São sujeitas ao cumprimento das disposições desta Lei e de outras normas relativas à acessibilidade, sempre que houver interação com a matéria nela regulada:

I - a aprovação de projeto arquitetônico e urbanístico ou de comunicação e informação, a fabricação de veículos de transporte coletivo, a prestação do respectivo serviço e a execução de qualquer tipo de obra, quando tenham destinação pública ou coletiva;”9

Ora, tendo a lei previsto que a execução de qualquer tipo de obra estará sujeita à incidência das normas previstas no próprio Estatuto das Pessoas com Deficiência, não resta quaisquer dúvidas de que o poder público ao realizar qualquer obra destinada ao uso como e geral deve obedecer às normas de acessibilidade, sendo que, em vias urbanas a competência é exclusiva do poder público municipal.

Portanto, é dever do poder público municipal a construção e manutenção das calçadas de maneira a proporcionar acessibilidade ampla e irrestrita para todos, inclusive idosos, gestantes e pessoas com deficiência.


Notas

1 Dec. Nº 6.949/2009. Art. 4, item 1.

2 XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

3 Código Nacional de Trânsito, artigo 2º.

4 CNT, artigo 1º.

5 CNT, artigo 24, incisos I, II, III e VI.

6 Código Civil, artigo 99.

7 Estatuto dasPessoas com Deficiência – Lei nº 13.146/2015, artigo 53.

8 Idem, artigo 55, Caput.

9 Estatuto das Pessoas com Deficiência, arrtigo 54, inciso I.

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Sobre o autor
Ricardo Mesquita Barbosa

Advogado com 09 anos de carreria sendo 07 como Procurador Público, Conselheiro Seccional da OAB/SE, Presdente da Comissão de Acessibilidade, ex membro da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da OAB e Advogado militante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Ricardo Mesquita. A competência dos municípios para proporcionar acessibilidade em calçadas e logradores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5896, 23 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61355. Acesso em: 22 dez. 2024.

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