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O uso da balaclava em operações policiais de alto risco

23/08/2019 às 16:33

Resumo:


  • Em 2017, o uso de balaclavas com caveiras por militares no Rio de Janeiro gerou controvérsia, destacando-se mais do que o próprio conflito com traficantes na Rocinha.

  • A proibição de símbolos intimidadores em fardamentos, como a caveira, foi estabelecida pela Resolução nº 8 de 2012 da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, mas na doutrina de operações especiais, a caveira simboliza vitória sobre a morte, coragem e conhecimento.

  • A balaclava é um equipamento de proteção individual usado em operações policiais especiais para proteger o rosto e pescoço do policial, preservar sua identidade e contribuir para a ação de choque durante incursões táticas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Abordam-se os pormenores doutrinários do uso da balaclava nas operações policiais de alto risco, discorrendo sobre os fundamentos técnicos desse polêmico complemento de vestuário, de modo justificar a legalidade e a regularidade do seu uso.

Em 2017, repercutiu na imprensa brasileira a ação de alguns militares das Forças Armadas no Rio de Janeiro que, durante uma incursão na Rocinha, teriam feito uso de balaclavas com figuras de caveiras estampadas. Por certo, pareceu-se ter dado maior destaque a esse detalhe do que ao conflito armado capitaneado pelos traficantes de drogas, estes sim, os verdadeiros obstáculos à paz dos moradores daquela região.

Nesse particular, não é demais lembrarmos que, em 20 de dezembro de 2012, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos publicou uma resolução, a de n° 8, que em seu inciso XVII vedou o uso, nos fardamentos das Polícias, de símbolos e expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, dispositivo esse, a nosso ver, subliminarmente direcionado aos grupos que envergam a figura da caveira em seus vestuários e estandartes.

Tal se deve, cremos, à fala de um personagem do longa-metragem “Tropa de Elite 2”, o qual, na porta de um presídio, protestava contra a Polícia, cujo símbolo é caveira, como se isso, por si só, a ligasse com a morte. Bem, sinto desapontar os que creem nisso, mas o dístico da caveira, na doutrina de operações especiais, não se refere especificadamente à morte, mas sim, à vitória sobre ela. A caveira, nesse particular, representa a coragem, o destemor, o conhecimento; e jamais a nocividade, esta sim peculiar a outro tipo de crânio, qual seja, aquele que dentro do contexto dos produtos perigosos, repousa sobre dois ossos cruzados e estampam as embalagens das substâncias tóxicas. Ou seja, são focos conceituais totalmente diversos.  

 Mas voltemos à balaclava, que tanta celeuma tem causado entre os fiscais das nossas forças de segurança. Para os leigos, isto é, para os que não conhecem a fundo a doutrina de armas e táticas especiais, ela é uma touca cuja finalidade genérica seria a de esconder o rosto do policial. Em outras palavras, a antítese da transparência. Ledo engano. Tecnicamente, a balaclava de emprego policial é um capuz, geralmente feito de material antichama ou fibra de aramida, que tem por finalidade precípua dar proteção ao rosto e ao pescoço do policial durante determinada missão não convencional. Ela é parte integrante da vestimenta do profissional de operações especiais, que somente a utilizará em situações justificadas ou de alto risco, e não de forma indiscriminada ou para mera ocultação de identidade, como comumente se propaga. Mas o que é um “profissional de operações especiais”? É aquele que faz parte de um grupo tático, de resposta rápida ou de “comandos”, isto é, equipes de assessoramento e execução especial, cuja função básica é emprestar suporte tático à atividade ordinária do corpo convencional da Polícia ou da força militar a qual pertencem. Os diferenciais dessas equipes são o treinamento, o equipamento e os procedimentos de campo. No Estado de São Paulo, como exemplo, podemos citar o Grupo Especial de Reação da Polícia Civil e os Comandos e Operações Especiais da Polícia Militar. E em âmbito nacional, o Comando de Operações Táticas da Polícia Federal.

O emprego da balaclava, bem sabemos, é controverso, tanto que já se tentou disciplinar o seu uso através de um Projeto de Lei Federal (o de n° 1.483, de 23 de outubro de 2000), o qual, ao fim, restou integralmente vetado (mensagem da Presidência da República, n° 1.483, de 23 de outubro de 2000), pois se reconheceu que ela faz parte do equipamento de proteção individual do policial, e deve ser usada apenas em ações táticas e ocorrências de perigo, conforme dissemos. Ademais, a competência da União, no tocante às polícias estaduais, se limita ao plano de normas gerais de organização institucional, sendo vedada a imposição de preceitos que impliquem regras procedimentais, tais quais o modo como operacionalizam os seus protocolos ou vestes.

Desse modo, cabe então destacarmos algumas considerações de natureza técnica sobre esse equipamento quanto ao uso policial, a fim de emprestarmos subsídios aos operadores do Direito que, embora tendo sólida formação jurídica, por vezes desconhecem os princípios doutrinários que norteiam as ações policiais, os quais, por certo, não são aprendidos nas academias de ciências jurídicas e sociais, mas sim, e tão somente, nas de Polícia.

O primeiro foco a ser enfrentado é o alusivo à proteção ao rosto e ao pescoço do usuário. Como visto, uma balaclava adequada para o serviço policial é estruturada em nomex ou em kevlar, ou, ainda, de outros materiais que detenham propriedades protetivas similares. O nomex é uma fibra antichama reforçada e resistente a altas temperaturas. Já o kevlar é uma fibra de resistência mecânica (polímero amido-aromática), que oferece excelente proteção contra cortes e estilhaços.

Assim, no caso de uma ação dinâmica com o emprego de explosivos ou artefatos de distração (hipótese de resgate de reféns ou tomada de ambiente hostil), a balaclava de kevlar protege a cabeça, o pescoço, a face e a jugular do policial contra os efeitos causados pela explosão (pressão, vapor, resíduos de gás, calor etc) e também contra estilhaços provenientes do material onde o explosivo for empregado (farpas de madeira do batente de uma porta, fragmentos de plástico ou borracha sintética etc).

Por outro lado, em ambientes propícios ao fogo, como laboratórios destinados ao refino de entorpecentes e cadeias em revolta, o nomex irá funcionar como excelente instrumento de vedação contra as agressões causadas pelo calor, produtos químicos e detritos em geral.

No caso dos confrontos armados, se os operadores estiverem próximos ou progredindo num ambiente confinado, os estojos ejetados das suas armas de apoio não representariam perigo de contato direto com a epiderme caso atingissem uma área descoberta, pois a balaclava adequada administraria o impacto e principalmente o calor. Sem esse complemento de vestuário, corre-se o risco do estojo penetrar no corpo pela gola da veste e causar reações involuntárias, que podem comprometer a velocidade e a precisão da ação.

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Em resumo, a balaclava de uso policial, respeitadas as devidas proporções, funciona como uma espécie de “luva” da cabeça do operador, pois a protege contra as várias intempéries dos cenários atípicos em que ele atua.

O segundo ponto alude a questão da proteção da identidade e da privacidade do agente. O policial, pela própria natureza das suas missões, não raro estará sujeito a represálias por parte dos seus oponentes. Assim, em algumas operações específicas, como remoções ou escoltas de presos acompanhadas pela mídia, a identidade do policial estará protegida contra a exposição gratuita, deveras prejudicial para quem executa tarefas não convencionais, dada a diversidade de espectadores anônimos que assistem e registram esses eventos.

Convém aqui um parêntese. A balaclava, se corretamente usada, não esconde pura e simplesmente a identidade do policial, mas sim, a preserva, isso porque o chefe da operação, superior dos componentes do grupo, saberá, de antemão, a identidade de cada um dos policiais que estará naquela diligência, algo que não precisa ser compartilhado com a mídia ou com pessoas avessas à ação, mas apenas com a cadeia hierárquica de comando ou de supervisão dos operadores.

O terceiro item se refere a chamada “ação de choque” (a “agressividade controlada”) peculiar às  chamadas “entradas dinâmicas”, onde temos alvos localizados. Toda equipe tática, numa invasão de ambiente hostil, deve ser capaz de manter a superioridade da ação e intimidar psicologicamente os criminosos, a fim de que estes percam o foco de resposta ofensiva. O impacto emocional de um assalto tático deve ser suficiente para que os delinquentes sofram uma sobrecarga negativa nos seus impulsos reativos e, em razão da surpresa, fiquem desestimulados e impossibilitados de contra-atacar. Nesse particular, a balaclava cumpre um importante papel como instrumento de intimidação, já que os indivíduos subjugados pelos operadores apenas verão, se muito, os olhos dos policiais, que terão a expressão facial inteiramente obstada. Dessa forma, sentimentos como a emoção ou o cansaço serão preservados, fazendo com que o perpetrador da salvaguarda de um refém, em razão da latente demonstração de força, segurança e técnica do operador, fique sobrepujado.

Dito isso, entendemos que a balaclava de uso policial, longe do que propalam alguns, é um equipamento indispensável para os cenários de atuação dos grupos de operações especiais, pois ela protege a integridade física do operador, preserva a sua identidade e otimiza a ação de choque necessária para o domínio seguro de um ambiente crítico, sem, com isso, esbarrar em qualquer mandamento legal.

O que se deve combater, isso sim, é a utilização da balaclava (ou touca similar) em flagrante desvio de finalidade, seja em situações comuns, seja em diligências ordinárias, sob pena do equipamento perder a sua razão funcional de ser e, aí sim, angariar críticas justificadas para as instituições policiais ou militares.

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima. O uso da balaclava em operações policiais de alto risco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5896, 23 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61397. Acesso em: 22 dez. 2024.

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