RESUMO: Este artigo busca mostrar a maneira como o Código Civil de 2002 entende que a ordem de vocação hereditária na sucessão legítima deve acontecer, bem como demonstrar brevemente as peculiaridades da vocação hereditária na sucessão legítima do descendente, ascendente, cônjuge, colaterais e do recolhimento da herança pelo poder público, bem como da sucessão do companheiro prevista nos dispositivos gerais. Ademais, busca analisar o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à diferença de tratamento na sucessão que o presente Código Civil traz entre cônjuge e companheiro.
1 – INTRODUÇÃO
A sucessão pode ser testamentária, quando o falecido deixa um testamento determinando, nos limites da lei, a maneira como ele deseja que seus patrimônios sejam distribuídos, e legítima, quando o falecido não deixa testamento, e quando deixa, nos casos em que ocorre a caducidade, a invalidade deste, ou até mesmo quando nele há omissão de algum bem, neste caso, a lei determinará seus sucessores.
Nota-se que a sucessão legítima tem um caráter subsidiário em relação a sucessão testamentária, pois só irá agir, se a outra não puder. Isso é determinado pelo artigo 1788 do Código Civil que diz:
“Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrer quando os bens não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo”.
Contudo, apesar da subsidiariedade descrita em lei, merecesse ressalva que segundo Roberto Carlos Gonçalves:
“A existência de testamento não exclui a sucessão legítima. Com efeito, a sucessão testamentária pode com ela conviver, em havendo herdeiro necessário, a quem a lei assegure o direito à legitima, ou quando o testador dispõe apenas de parte de seus bens”. ³
Na sucessão testamentária, o herdeiro testamentário é aquele nomeado em testamento. Na sucessão legítima os herdeiros legítimos são divididos em herdeiros necessários e herdeiros facultativos. Os necessários são aqueles cuja lei protege dando direito a metade do patrimônio do falecido, sendo eles, respectivamente, os descendentes, os ascendentes e os cônjuges. Já os facultativos, são aqueles que só recebem herança se não tiver herdeiro necessário, se o testador não tiver deixado determinado para quem seus bens devem ser concedidos, e se o testamento dispor sobre destino de espólio.
2 – QUANTO À ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA NA SUCESSÃO LEGÍTIMA
Em se tratando de sucessão legítima, e a ordem da vocação hereditária que deve ser respeitada entre os herdeiros, o artigo 1.829 do Código Civil de 2002 determina:
“Art. 1.829 A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens partiCulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
2.1 – SUCESSÃO DOS DESCENDENTES
Os descendentes são os primeiros a suceder de acordo com o código civil vigente, e dentre muitas justificativas apresentas, a principal dela é a continuidade da vida humana e a vontade presumida do autor da herança. [1]
Independente do grau, todos os descendentes serão contemplados pelo direito sucessório, devendo apenas respeitas a ordem para suceder entre eles, devidamente determinada pelo artigo 1.833 do Código Civil, o qual afirma que os descendentes de grau mais próximo excluem os mais distantes, com exceção ao direito de representação.
Na falta dos filhos, serão chamados os netos, e na falta deste, os bisnetos, salvo hipótese de representação.
Após isso, o artigo 1.835 do Código Civil determina que “Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau”.
Isso significa dizer que, por exemplo, primeiro a herança deve ser dividida de maneira igual entre os filhos do morto, mas, se um dos herdeiros do de cujus vier a falecer deixando mais de um filho (netos do de cujus), a parte deste será divida entre seus filhos (sucessão por estirpe).
Em relação à concorrência do cônjuge com os descendentes, o art. 1.829, I do CC nos permite concluir que, em regra, a sucessão legítima dos descendentes deve acontecer em concorrência com o cônjuge do de cujos. Excepcionalmente, o cônjuge não irá concorrer quando: a) casado com o falecido no regime de comunhão universal de bens; b) casado em regime obrigatório de separação total de bens; c) casado no regime de comunhão parcial de bens, e o autor da herança não deixou bens particulares.
Além disso, em respeito ao art. 1.830 d0 CC, o cônjuge só poderá concorrer se no momento da morte do de cujus não estava separada judicialmente, e nem separados de fato há mais de dois anos, neste caso, salvo prova de que a convivência estava impossível sem sua culpa.
Para o cônjuge sobrevivente que não se encaixa em nenhuma das exceções mencionadas, o art. 1.832 do CC afirma a maneira como deve ser determinada a quota devida ao cônjuge em concorrência com os descendentes.
“Art. 1.832 Em concorrência com os descendentes (art. 1829, I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucedem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”.
Em relação a isso, Carlos Roberto Gonçalves exemplifica dizendo:
“Se, por exemplo, o casal tinha três filhos, e falece o marido, a herança será dividida, em partes iguais, entre a viúva e os filhos. Assim, o sobrevivente e cada um dos filhos receberá 25% da herança. Porém, se o falecido deixou quatro filhos ou mais, e tendo de ser reservado um quarto da herança para o cônjuge sobrevivente, este receberá quinhão maior, repartindo-se os três quartos restantes entre os quatro ou mais filhos. A repartição da herança por cabeça não irá, portanto, prevalecer nesse caso.”4
Assim, podemos concluir que dependendo da quantidade de filhos que o cônjuge sobrevivente tiver com o de cujus, poderá se beneficiar mais que os próprios descendentes.
2.2 – SUCESSÃO DOS ASCENDESNTES
Os ascendentes do de cujus, subsidiariamente aos descendentes, são chamados a suceder, inclusive em concorrência com o cônjuge.
Nesta hipótese, o artigo 1836 do Código Civil deixa claro:
Art. 1836 Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.
§2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna”.
Analisando este artigo, podemos afirmar que, havendo genitores vivos, não há o que se falar de avós sucederem em concorrência com o cônjuge sobrevivente, bem como, que se estiverem vivos tanto o pai como a mãe do de cujus, a linha paterna herdará metade e a materna a outra metade.
Quanto ao direito de representação, insta ressaltar que não se aplica quando a vocação hereditária dos ascendentes, ou seja, estando morto um dos ascendentes, os seus sucessores não herdarão, sendo a totalidade da herança transmitida ao que está vivo, no mesmo grau.
Uma observação relevante a se fazer em relação à sucessão legítima do ascendente é que o art. 1.829, II do CC não estabelece exceções para concorrência do cônjuge com os ascendentes como faz no inciso I ao tratar da sucessão legítima dos descendentes. Isso implica em afirmar que o cônjuge sobrevivente sempre poderá concorrer com os ascendentes do de cujus, independente do regime de casamento que possuía.
Além disso, o art. 1.837 do Código Civil ainda afirma que:
“Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.”
Então, por exemplo, se o de cujus era casado em comunhão universal de bens com a cônjuge sobrevivente, e quando falece seu genitor permanece vivo, a cônjuge não só terá direito aos 50% de todo o patrimônio (meação), como também de mais 50% da herança (concorrência). Em outras palavras, ela ficaria com 75% do patrimônio do falecido (50% de meação e 25% de concorrência), enquanto o genitor ficaria com 25%.
Nota-se que novamente, a lei beneficia o cônjuge sobrevivente.
2.3 – SUCESSÃO DO CÔNJUGE
De acordo com o artigo 1.838 do Código Civil, na ausência de descendentes e ascendentes, a sucessão poderá ocorrer, integralmente, ao cônjuge sobrevivente. Porém, não é tão simples assim.
Para que o cônjuge sobrevivente possa suceder integralmente, além da ausência de descendentes e ascendentes do falecido, ele precisa se encaixar em uma das hipóteses previstas no art. 1.830 do CC, segundo o qual:
“Art. 1.830 Somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.
Preenchidos os requisitos supramencionados, poderá o cônjuge sobrevivente, de maneira integral, suceder.
Ademais, a ele ainda existe uma garantia quando ao local que residia com o falecido, garantia esta, prevista no artigo subsequente (art. 1.831 do CC), segundo o qual o cônjuge sobrevivente tem direito de habitação ao imóvel em que residia a família, desde que não haja outros para inventariar.
2.4 – SUCESSÃO DOS COLATERAIS
Os colaterais são os últimos da vocação hereditária na sucessão legítima, para que eles venham a suceder é preciso ter ausência de descendentes, ascendentes, e cônjuges sobrevivente preenchendo os requisitos já mencionados. Assim determina o artigo 1.839 do Código Civil de 2002 conforme segue:
“Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau”.
Em relação à regra já mencionada anteriormente neste artigo que “os mais próximos excluem os mais remotos”, na sucessão legítima dos colaterais abre-se uma exceção quanto a representação concedida aos filhos de irmãos, que neste caso ocorre a sucessão por estirpe.
Em se tratando dos cálculos quanto a sucessão legítima dos colaterais, o art. 1.841 a 1.843, todos do CC, regulamentam esse tema, conforme texto da lei a seguir:
“Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.”
“Art. 1.842. Não concorrendo a herança irmão bilateral, herdarão, em partes iguais, os unilaterais.”
“Art. 1843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes, e não os havendo, os tios.
§1º Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão por cabeça.
§2º Se concorrerem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais, cada um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles.
§3º Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais, herdarão por igual.”
Em relação aos colaterais de até quarto grau, quais sejam os irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós, e sobrinhos-netos, merece atenção o fato de que estes são considerados herdeiros legítimos, mas não são herdeiros necessários, o que significa dizer que eles não possuem parte da herança como direito reservado por lei, podendo o autor da herança excluí-los da sucessão.
2.6 RECOLHIMENTO DA HERANÇA PELO PODER PÚBLICO.
Por fim, se não forem encontrados nenhum dos sucessores legítimos mencionados nos tópicos anteriores, ou se encontrados, renunciarem a herança, esta será recolhida pelo Estado, nos termos do art. 1.844 do CC.
“Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal”.
O ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves ainda ressalta sobre o tema:
“O Poder Público não é herdeiro, não lhe sendo, por isso, reconhecido o direito d saisine. Apenas recolhe a herança na falta de herdeiro. Não adquire o domínio e a posse da herança no momento da abertura da sucessão, pois, na falta de herdeiros, a herança torna-se jacente, transformando-se posteriormente em vacante, e só então os bens passam ao domínio público (CC, art. 1.822; CPC/2015, arts. 738 e s.)”.5
Com isso, pode-se concluir que já que o Estado não é herdeiro, não cabe a ele aceitar ou renunciar a herança, pelo contrário, ele se torna um sucessor obrigatório, independente dos encargos que esta herança trouxer com ela.
3 – SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE
Inicialmente, antes de abordar de maneira específica a maneira como ocorre a sucessão do companheiro sobrevivente, vale a pena mostrar o conceito de união estável de acordo com o art. 1723 do Código Civil de 2002, verbis:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar”.
Nota-se que nada diz sobre o tempo, o importante para ser reconhecido como companheiro do de cujus, é que tenha configurado convivência pública, de maneira contínua e duradoura, bem como que essa relação tenha sido estabelecida com o intuito de formar uma familiar.
Agora, em se tratando da sucessão do companheiro, injustificavelmente esta é abordada nas disposições gerais de sucessão, e não na sucessão legítima, mais especificamente no artigo 1.790 do Código Civil de 2002, o qual dispõe do seguinte texto:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Importante mencionar, que o artigo restringe o direito do companheiro ou companheira aos bens que foram adquiridos de maneira onerosa durante a união estável. Assim, tos os incisos que tratam sobre o calculo da quota que irá ser de direito do companheiro sobrevivente, regem em relação apenas aos bens adquiridos onerosamente no decorrer da união estável, e não em relação a totalidade da herança do de cujus.
Ainda analisando o art. 1.790 do CC, merece ressalva também, o fato de, inexplicavelmente, o companheiro concorrer com os colaterais até o quarto grau, conforme determina o inciso III deste artigo.
Ademais, em se tratando de concorrência do companheiro com o cônjuge, o Código Civil é omisso, e em relação a isso, Carlos Roberto Gonçalves diz:
“Com efeito, a caracterização da união estável pressupõe que os coniventes sejam solteiros ou viúvos, ou, quando casados, já estejam separados judicialmente ou de fato (CC, art. 1.723). E o art. 1.830 exclui o direito sucessório do cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, estava separado judicialmente ou separado de fato há mais de dois anos.
O Código Civil, contudo, não fixou prazo mínimo para a caracterização da união estável. Desse modo, pode suceder que uma pessoa, separada de fato há menos de dois anos, já estivesse vivendo em união estável por ocasião de sua morte. Nesse caso, o direito sucessório do cônjuge ainda não estaria afastado”. 6
O fato do Código Civil ser omisso em relação ao prazo para conceituar união estável, e em como deve ocorrer a concorrência do cônjuge com o companheiro, causa muitas discussões entre renomados juristas, nos fazendo refletir, sobre qual seria a melhor maneira de solucionar tal dilema que nos dias de hoje é tão comum.
Em relação a isso, aduz Mário Luiz Delgado Régis que a solução mais viável seria a seguinte:
“No inciso IV do art. 1790, tido como norma especial em relação ao art. 1830, assegurando-se, assim, ao companheiro, a totalidade da herança no tocante a esses bens, e excluindo, em consequência, quanto aos mesmos, qualquer direito sucessório do cônjuge”.7
Em outras palavras, sugere o ilustre doutrinador, que o companheiro tenha direito a totalidade dos bens adquiridos onerosamente no decorrer da união estável, e em relação a eles, o cônjuge a nada deve ter direito.