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Dos poderes especiais implícitos para recebimento de citação em processos judiciais

08/08/2018 às 10:35

Resumo:


  • O mandato "ad judicia" permite ao advogado representar o cliente em juízo, mas atos como dar quitação ou receber citação exigem poderes específicos conforme o artigo 105 do CPC.

  • Procuradores com amplos poderes de administração, mesmo sem poderes específicos para receber citação, podem ser considerados administradores e, portanto, aptos a receber citações judiciais.

  • A jurisprudência tem validado citações realizadas em procuradores com amplos poderes de administração, aplicando o artigo 242, § 1º, do CPC, que permite a citação na pessoa do administrador na ausência do citando.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisa-se a situação em que o devedor desaparece e deixa procurador com amplos poderes, exceto para receber citação. Verifica-se a possibilidade da realização da citação se este poder estiver implícito.

É sabido que o instrumento de mandato outorgado pelo cliente ao advogado com a cláusula “ad judicia” habilita o mandatário a representar o mandante em Juízo, perante qualquer Instância, inclusive. Todavia, para que o mandatário causídico pratique atos que vão além daqueles necessários ao bom andamento do processo, como: dar quitação, receber citação, reconhecer a procedência do pedido, dentre outros, necessário se faz que tenha recebido também esses poderes, conforme preconiza o artigo 105 do Código de Processo Civil[1].

A importância da discriminação dos poderes no mandato judicial é de grande relevo, na medida em que o advogado mandatário, geralmente, não exerce a função de administrador do mandante, mas é contratado para cuidar das questões processuais específicas daquele mandato, cuja função está relacionada à área jurídica.

Por outro lado, existem situações do cotidiano em que se percebe a má-fé em algumas condutas humanas, como nos casos em que determinada pessoa constitui procurador extrajudicial, com amplos poderes de administração e disposição de bens, inclusive para constituir advogados, mas não outorgam poderes específicos para recebimento de citação.

Ora, orientando-se pela antiga máxima “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode o mais, pode o menos) é possível afirmar que seria um total contrassenso um mandatário ter poder para constituir advogado por outrem, transigir em processo judicial, reconhecer a procedência de um pedido, mas não ter poder para receber a citação neste mesmo processo.

Ao que parece, esta é mais uma das situações decorrentes da ideia de esperteza[2] de alguns indivíduos que tentam se furtar de suas responsabilidades em detrimento da estabilidade de um negócio, de um pagamento e da economia.

Infelizmente, esse tipo de situação é comum de ser encontrada, e, se você não acredita nas minhas palavras, basta que faça uma pesquisa na jurisprudência do Tribunal de Justiça de qualquer estado do país para perceber a quantidade de situações desse jaez que já foram enfrentadas pelo Poder Judiciário.

Não bastassem os poderes de administração irrestritos, inclusive para contratar advogados com a cláusula “ad judicia”, na maioria das vezes, o mandante outorga poderes mais amplos do que o de receber a citação ao mandatário, como a possibilidade de representação em Juízo, tanto nas ações que o mandante seja autor, reconhecer a procedência do pedido, dar quitação firmar compromissos e transações, responsabilizar-se, renunciar direitos, etc.

Pois bem, a leitura que deve ser feita para esse tipo de situação não pode estar restrita ao disposto no artigo 105, mas, muito além, deve ser analisado o dispositivo específico que trata da citação na pessoa do procurador, no mesmo Código de Processo Civil.

O artigo 242, § 1º, do Código de Processo Civil[3] estabelece que, na ausência do réu, a citação poderá se efetuar na pessoa de seu administrador.

Nos casos em que o instrumento de mandato foi lavrado sem poderes específicos para recebimento de citação, mas dá amplos poderes para administração de bens, como é muito comum (poderes para representação do mandante no mercado de ações, perante instituições financeiras, órgãos públicos, Poder Judiciário, Detran, operadoras de telefonia, além de dispor livremente sobre bens imóveis), não há qualquer dúvida de que o mandatário é um administrador e se enquadra na hipótese tratada no artigo 242, § 1º, do Código de Processo Civil.

Aliás, a jurisprudência é pacífica no sentido da validade da citação do procurador com poderes para administração, conforme ementas abaixo transcritas:

“Condomínio. Cobrança de despesas. Citação na pessoa de procurador com poderes especiais. Alegação de ausência de poderes para receber citação. Inadmissibilidade. Procurador, a quem se concedem amplos poderes, incluindo aqueles para vender imóvel, administrar, pagar e receber preços, recebe de modo implícito, poder para receber citação judicial. Mera ação de cobrança de despesa de condomínio de apartamento cuja administração toca ao mandatário. Prova suficiente para a propositura da ação. Desnecessidade de instrução. Litigância de má-fé reconhecida. Indenização fixada e multa aplicada. Recurso improvido.” (TJSP;  Apelação Sem Revisão 9216230-78.2003.8.26.0000; Relator (a): Ruy Coppola; Órgão Julgador: 8a. Câmara do Quarto Grupo (Extinto 2° TAC); Foro Central Cível - 6ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 12/02/2004; Data de Registro: 19/02/2004)

“... válida a citação realizada na pessoa de procurador sem poder específico para recebê-la, mas com amplos poderes para representar o citando no Brasil". (TJSP;  Agravo de Instrumento 0000771-76.2003.8.26.0000; Relator (a): Francisco Thomaz; Órgão Julgador: 5a. Câmara do Terceiro Grupo (Extinto 2° TAC); Foro de Taubaté - 3ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 26/03/2003; Data de Registro: 01/04/2003)

TJ-MG - Apelação Cível 10518120112835001. Data de publicação: 30/05/2014

APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE ALIMENTOS. PARTE RESIDENTE NO EXTERIOR. PROCURAÇÃO OUTORGADA COM AMPLOS PODERES. REGULARIDADE. SENTENÇA TERMINATIVA INVIÁVEL. RECURSO PROVIDO. 1. O direito aos alimentos é personalíssimo. Todavia, não pode o instituto ser confundido com representação judicial. 2. O brasileiro residente no Exterior pode outorgar procuração com amplos poderes para se fazer representar judicialmente na defesa de seus direitos, inclusive propor ação revisional de alimentos contra o filho menor residente no país. 3. Assim, revela-se insustentável a sentença terminativa lastreada em suposta ilegitimidade da parte ativa somente porque é representada por terceiro detentor de mandato regular. 3. Apelação cível conhecida e provida para cassar a sentença terminativa.

TJ-PR - Agravo de Instrumento 0309773-0. Data de publicação: 27/01/2006

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - CITAÇÃO PARTE RESIDENTE NO EXTERIOR - PROCURADOR SEM PODERES ESPECÍFICOS, MAS COM AMPLOS PODERES DE ADMINSITRAÇÃO, A PONTO DE OFERECER BEM EM GARANTIA HIPOTECÁRIA - PODERES DOS QUAIS DECORRE IMPLICITAMENTE O DE RECEBER CITAÇÃO - RECURSO PROVIDO. Os poderes devem ser explícitos, o que não exclui a possibilidade de serem considerados implícitos, tidos como existentes em razão do teor do mandato ou dos termos da representação. Encontrando-se a outorgante ausente do país, deixando mandatário com poderes amplos e gerais de administração e defesa de seus interesses, tendo este inclusive oferecido bem em garantia hipotecária, impõe-se a citação pessoal na pessoa do mandatário, cuja amplitude de poderes autoriza o recebimento de citação.

TJ-PR - Embargos de Declaração Cível 0164896-2/01. Data de publicação: 20/04/2001

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CITAÇÃO. PARTE RESIDENTE NO EXTERIOR. PROCURADOR. PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. OMISSÃO INEXISTENTE. FINS INFRINGENTES. EMBARGOS REJEITADOS.

TJ-PR - Agravo de Instrumento 0119481-6. Data de publicação: 08/10/1999

VALIDADE - MANDATO - PROCURACAO POR INSTRUMENTO PÚBLICO - PARTE RESIDENTE NO EXTERIOR - ATO REALIZADO NA PESSOA DE PROCURADOR SEM PODER ESPECIFICO (ESPECIAL) PARA RECEBER CITACAO, MAS COM AMPLOS PODERES PARA REPRESENTAR O MANDATARIO NO BRASIL, INCLUSIVE EM JUÍZO - CITACAO VALIDA - CPC , ART. 215 , CAPUT. I - "O PODER DE RECEBER A CITACAO PODE ESTAR IMPLICITO", CONFORME ASSIM RESULTAR DO EXAME CASUISTICO DA SITUACAO CONCRETA. II - NESSA LINHA, SE O REU, QUE PASSOU A RESIDIR NO EXTERIOR, DEIXA NOBRASIL PROCURADOR A QUEM CONFERE AMPLOS PODERES PARA AQUI REPRESENTA-LO, INCLUSIVE EM JUÍZO, TEM-SE QUE AI ESTA IMPLICITO O PODER DE RECEBER CITACAO. III - AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNANIME.

TJ-PR - Agravo de Instrumento - 0119481-6. Data de publicação: 08/10/1999

Dessa maneira, verifica-se a possibilidade de se praticar o ato de citação judicial na pessoa do procurador sem poderes expressos para tal mister, quando estes forem implícitos, ou seja, quando o procurador receber amplos poderes de administração e disposição, figurando como um verdadeiro administrador, o que passa a ser possível com a aplicação do artigo 242, § 1º, do Código de Processo Civil.


Notas

[1] “Art. 105.  A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.” (grifei)

[2] Desculpe-me caro leitor pela redundância, mas no sentido de desonestidade mesmo.

[3] “Art. 242.  A citação será pessoal, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessado.

§ 1o Na ausência do citando, a citação será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados.”

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Sobre o autor
Wellington Ferreira de Amorim

Graduado em DIREITO pela Universidade Cruzeiro do Sul (2001). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2004). Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES (2014). Advogado inscrito na OAB/SP sob n. 196.388. Atualmente é professor no curso de graduação em Direito da Universidade Cruzeiro do Sul. Foi professor do R2 Learning – curso preparatório para exame de ordem e concursos públicos. Foi professor e sócio do WA Cursos Preparatórios. Foi Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul. Coordenador Adjunto do Curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul. Membro da Comissão de Ética de Uso de Animais em Pesquisas da Universidade Cruzeiro do Sul. Professor Homenageado com a Láurea do Mérito Docente promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil. Lecionou no curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da UNICSUL em 2008. Lecionou no curso preparatório WA as disciplinas direito civil, prática civil e processo civil. Foi membro efetivo da Comissão de Desenvolvimento Acadêmico da OAB/SP e Coordenador da Coordenadoria de Direito Civil ligada à referida Comissão. Autor do Livro “Aspectos Práticos da Alienação Fiduciária de Imóveis – Lei 9.514/97”, que será publicado pela editora CRV, em agosto/2016. Autor de artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Wellington Ferreira. Dos poderes especiais implícitos para recebimento de citação em processos judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5516, 8 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61607. Acesso em: 22 dez. 2024.

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