Introdução
Não há como falar em Direito à Vida sem tratar de um assunto que é antigo e atual ao mesmo tempo, uma vez que, novamente se torna em debate sua criminalização e ação do estado referente a este tema. Portanto, abordaremos aqui os principais aspectos referentes a este assunto demasiado polêmico.
Este tema que já há algum tempo vem causando acalorados debates no Brasil a “ampla legalização do aborto”, o qual, consente qualquer mulher pela simples vontade interromper voluntariamente a gestação, não podendo elucidar, até o presente momento, o quanto tal direito será benéfico ou prejudicial à sociedade.
Atos promovidos por movimentos feministas e grupos de apoiadores da causa, vêm pressionando o governo pela liberação da prática com argumentos do tipo: “o corpo é meu, eu decido”. Tal movimento, se repete em várias partes do mundo, confrontando diretamente as opiniões de líderes religiosos e da sociedade em geral.
Contrariando tal manifesto, a sociedade opõe-se veementemente, uma vez que, apesar de estar dentro de seu corpo, a mulher não carrega em seu ventre um vírus ou algo que prejudique sua vida, mas um outro corpo, um ser humano. Deste modo, não poderia ela simplesmente decidir acerca do que não lhe pertence, garantindo ao feto o direito à vida, conforme previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal Brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se(...) a inviolabilidade do direito à vida(...)”, inciso III: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano e degradante” e inciso XLI: “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (sem destaques no original).
1. História do aborto
Estudos apontam evidências sugerindo que o aborto vem sendo realizado desde a antiguidade. Na Grécia antiga o aborto, o infanticídio ou o abandono de crianças não eram considerados crime, bastando apenas a permissão do marido ou patrão. O mesmo acontecia em Roma, apesar de alguns se posicionarem contra justificando que era pelo bem comum, ofensa aos deuses, à natureza, em nenhum momento posicionam-se em defesa do feto em si.
O aborto não era um assunto discutido por nenhuma religião da época, pois, era visto como um assunto político, uma vez que o feto era considerado parte do corpo da mulher e a mulher, por sua vez, como propriedade do marido. Assim manteve-se por longo período até que, com o surgimento do cristianismo, a ética passou a ser ligada à moral religiosa.
2. Intervenção da Igreja
Tomás de Aquino era um frade da Ordem dos Dominicanos, cujas obras, exerceram grande influência na teologia e filosofia no século XIII. Segundo descrito pelo filósofo: Do mesmo modo que a alma racional, que não é transmitida pelos pais, é infundida por Deus a medida que o corpo humano está apto para recebê-la (AQUINO, 1265 a 1273, p. 805). Segundo este pensamento, o embrião viria a receber sua alma assim que atingisse 40 dias de gestação, conforme preconizado por Santo Agostinho no século IV.
Ante este conceito, o aborto não seria visto como sendo pecado, portanto, era aceito pela sociedade e pela igreja. Esse conceito durou até o ano de 1588, quando leis e doutrinas medievais passaram a considerar os movimentos no ventre da mãe como parâmetros para justificar quando o aborto deixaria de ser aceitável.
O entendimento de que o embrião seria humano apenas depois do quadragésimo dia de gestação, ou pelos movimentos do feto no ventre, se estendeu até o ano de 1869, quando o então Papa Pio 9º, declarou o aborto como homicídio, cuja inclusão no Direito Canônico se deu apenas em 1917. Assim seguiu a acepção da sociedade em torno do aborto até o fim do século XIX e início do século XX, apenas após este período é que se firmou o conceito de proteção do embrião desde sua concepção, o que é designado de “direito à vida” (LUNA, 2007, p. 219). Em paralelo, movimentos feministas na Europa preconizaram a anticoncepção e já defendendo o direito da mulher ao aborto.
3. Aborto na atualidade
O primeiro país a legalizar o aborto por motivos médicos ou sociais foi a Islândia, em 28 de janeiro de 1935. Conforme sua legislação, falta de renda, planejamento familiar ou simplesmente condições psicológicas, seria o suficiente para permitir a realização do procedimento, desde que a gestação não excedesse 16 semanas.
Seguindo este exemplo, diversos países, sendo a maioria na Europa, também colocaram em pauta este assunto, decidindo assim, por excluir de sua lei penal a prática do aborto.
A Irlanda traz em sua constituição disposto em sua oitava emenda de outubro de 1983, de maneira objetiva: “proibição do aborto”, entretanto, mediante alguns protestos e reivindicações, o governo irlandês em 06 de março de 2002, realizou um referendo, este propunha mudanças na constituição, no qual, a “Lei de Proteção da Vida Humana na Gravidez”[1]. A proposta não foi aprovada. O mesmo se repete em vários países, assim como no Brasil. O fato é que, legalizado ou não, milhares de mulheres, desesperadas, recorrem à prática em clínicas clandestinas que não oferecem o mínimo em higiene e segurança.
4. Primeiros Casos no Brasil
Em abril de 2012 concluía-se um histórico processo, no qual, os ministros do STF decidiram sobre a liberação do aborto em caso de feto anencéfalo[2]. Na ocasião, oito ministros, a exemplo do ministro Marco Aurélio Mello, votaram a favor da causa. Em seu voto, o magistrado destaca que a ADPF 54[3] não discute a descriminalização do aborto: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível”.
A respeito do feto anencéfalo, trata-se de um ser natimorto, devido a possibilidade nula de sobreviver por mais de 24h. O magistrado frisou ainda o caráter Laico do Estado brasileiro:
A questão posta nesse processo – inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual configura crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo – não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas (Notícias do STF, 2012).
Falaremos sobre isso num momento mais oportuno.
Decidir pela permissibilidade do aborto no caso em questão, parece ser um tanto óbvio, uma vez que, sendo um dos princípios fundamentais, o direito à vida, é amplamente sabido os riscos que a evolução de uma gestação sob tais condições oferece à saúde e, até mesmo, à vida da mãe.
Além deste, outro caso que permite a interrupção voluntária, são os casos de gravidez decorrentes de estupro. Essa permissão não significa uma exceção ao ato criminoso, mas sim, uma escusa absolutória[4], conforme disposto no art. 128, inciso II, CP[5].
Essas são as duas situações em que o aborto deixa de ser imputável no Brasil. Quanto a prática clandestina, o Código Penal prevê pena de detenção, que varia de um a dez anos de acordo com os arts. 124, 125 e 126, e tratado como lesão corporal de natureza grave no artigo 129, inciso V.
5. Ampla liberação
Em março deste ano foi protocolado no STF a primeira ação que pede a legalização do aborto por qualquer razão para gestação até 12 semanas. A ação foi impetrada pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) assinada pelas advogadas: Luciana Genro, Luciana Boiteux, Gabriela Rondon e Sinara Gumieri, com assessoria técnica do instituto de bioética Anis. Um dos argumentos usados para justificar tal pedido, é que a imputabilidade induz centenas de mulheres a recorrer por práticas inseguras, que muitas vezes, levam à morte.
Alegam, também, que afeta mais intensamente mulheres pobres e negras, moradoras das periferias, por disporem de menos recursos e conhecimento para evitar a gravidez, tampouco, condições de custear métodos mais seguros, ainda que de forma ilegal e clandestina.
Portugal levantou o tema em 2007 e convocou a população para decidir, através de plebiscito, sobre a legalização do aborto no país. Na ocasião, 8,4 milhões cidadãos portugueses compareceram às urnas que teve maioria a favor. Os 59% dos votos favoráveis, fizeram com que partidos, de esquerda e direita, entendessem que havia uma necessidade de levar adiante um projeto dessa magnitude.
Ficou claro que a maior parte da população pedia pela liberação do aborto e, somente após o voto público, a Assembleia Legislativa portuguesa passou a elaborar as condições e os termos do projeto.
6. Participação religiosa no debate
Estado Laico é um conceito onde o poder do Estado é oficialmente imparcial em relação às questões religiosas, não apoiando, muito menos, se opondo a qualquer religião. Entretanto, apesar de o ministro usar deste argumento para justificar sua decisão, não podemos deixar de atentar a um detalhe fundamental, a Constituição Federal Brasileira que traz em seu Preâmbulo o seguinte texto: Nós, representantes do povo brasileiro(...), destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais(...), de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos(...), sob a proteção de Deus(...), (sem destaque no original).
Ora, observemos que a Carta Magna brasileira se refere à Deus como sendo sua base protetora e de orientação, e não o Cristianismo, ou qualquer outra religião. Além do mais, segundo nos conta o historiador Mircea Eliade[6] em seu livro: O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras, diversas religiões fazem referência a um “Ser Supremo, Criador do Universo e da vida”, considerando assim a possibilidade da existência de um Deus único, apesar das diversas denominações.
Desta forma, o fato de um Estado ser laico não significa que simplesmente deve-se ignorar à Deus ou seus ensinamentos, uma vez que, em qualquer religião conhecida pelo homem, jamais encontrará em seus ensinamentos que a vida, mesmo que ainda em formação, deva ser negada a qualquer ser, portanto, o estado pode ser laico, mas em respeito à vida, deve-se levar em consideração os vários pontos de vista, incluindo, de líderes religiosos. Em poucas palavras, Estado Laico não é o mesmo que Estado Ateu.
7. Comparação Internacional
Diversos países, principalmente europeus, já trazem em sua legislação o aborto como prática permitida, por qualquer motivo, mas com determinadas regras. Sobre alguns desses países, estudaremos agora sob quais perspectivas chegou-se à tal conclusão e particularidades em relação ao Brasil:
Nota-se que, na maioria deles a interrupção voluntária da gravidez, é permitida para até 12 semanas de gestação, salvo alguns que limitam em menos e outros em mais tempo, porém, o que é preciso avaliar nessa pesquisa, não é somente o tempo da gestação, mas também, dados como o PIB, relacionando com a população e com a taxa de analfabetismo de cada país. Comparando os números, percebemos quanto o Brasil é um país “atrasado” no que se refere à desenvolvimento nos últimos anos.
Seu PIB nominal (Produto Interno Bruto) é de pouco mais de 1,5 trilhão para um país com 207 milhões de habitantes, ou seja, 1/3 do PIB da Alemanha, que tem menos da metade da população, 82 milhões. Ainda nessa linha de pensamento, são 14,2 milhões de desempregados no Brasil, contra cerca de 3 milhões desempregados alemães.
O número de desempregados no Brasil, é superior à população de muitos dos países pesquisados que permitem a realização do aborto, como: Áustria com 8,7; Bélgica com 11,5; Bulgária com 7,1; Dinamarca com 5,7; Islândia com pouco mais de 300mil habitantes; Portugal com 10,3; Suécia com 9,9; Suíça com 8,3 e Uruguai com 3,4 milhões de habitantes.
Outro dado que deve ser amplamente avaliado é o PIB per capita, no qual, o Brasil, registra o valor de US$8.649,95, enquanto que, na Suécia, o valor é de US$51.599,87, ou seja, 6x maior que nosso país. Não podemos deixar de lado, nessa pesquisa, o índice de analfabetismo, no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa (IBGE), mostrou que existem cerca de 12,9 milhões de analfabetos, esse número, é maior que a população inteira da Bélgica.
Quanto ao sistema de saúde, de acordo com a proposta apresentada ao STF, os custos pelo procedimento, acompanhamento e demais recursos necessários, deverão ser de responsabilidade do Estado. É inegável que o sistema público de saúde brasileiro é um verdadeiro caos, atendimento precário mesmo em consultas simples; cirurgias demoram anos para acontecer, acrescentar mais esta responsabilidade ao Estado é fazer com que o sistema se torne ainda mais ineficiente, sem considerar a possibilidade de corrupção que tal condição há de favorecer.
Em países como a Áustria, Alemanha, e Uruguai, quem paga as despesas médicas é a mulher que deseja realizar o procedimento. Até mesmo a Islândia, que possui um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo, exige que a interessada custeie todas as despesas relacionadas ao aborto.
8. Organização Mundial da Saúde
Um estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde, entre os anos de 2010 a 2014, levantou dados muito relevantes para qualquer debate relacionado ao aborto, e são números bem expressivos, extraídos de pesquisas realizados em vários países, que mostram o que veremos a seguir:
- 56 milhões de abortos (seguros e inseguros*), em média, anualmente;
- 35 abortos a cada mil mulheres, com idade entre 15 e 44 anos;
- A taxa de aborto é maior em regiões subdesenvolvidas;
- São estimados cerca de 22 milhões de abortos inseguros e, aproximadamente 7 milhões de mulheres, dão entrada em hospitais com complicações por procedimento inseguro. Praticamente todos em países em desenvolvimento[7]
- São gastos em torno de US$680 milhões anualmente com tratamentos de complicações por aborto inseguro
- Quase todos os abortos seriam evitados através de educação sexual e com o uso de métodos contraceptivos eficazes.
*os métodos considerados seguros são aqueles realizados por equipe médica qualificada com estrutura adequada, enquanto que os métodos inseguros, são os realizados em casa ou em clínicas clandestinas.
Segundo a OMS, alguns fatores são responsáveis para que mulheres, principalmente adolescentes recorram à métodos inseguros para realizar o aborto, por exemplo: leis restritivas, imposições religiosas e o alto custo, são alguns dos que mais influenciam na decisão sobre essa escolha. A complicação decorrente desses métodos costumam ser: hemorragia graves, aborto incompleto, infecção, perfuração uterina, além de danos nos tratos genitais e órgãos internos, e a maioria desses casos, são de difícil diagnóstico imediato.
Sabe-se que, mulheres pobres são mais propícias a procurar pelos métodos inseguros, uma vez que, não dispõe de fácil acesso a métodos contraceptivos eficientes, nem tampouco, orientação médica e muito menos, psicológica. Além do fato de o sistema de saúde dos países pouco desenvolvidos não terem capacidade ou recursos para atender as emergências decorrentes dessas complicações, o que acabam por levar a óbito grande parte dessas mulheres.
Por falar em falta de recursos, países onde é permitido a interrupção voluntária da gravidez, possuem excelentes sistemas de saúde pública, e obviamente, com isso, é muito fácil dispor de recursos para realizar a prática, sejam os custos de responsabilidade da mulher, quanto subsidiados pelo Estado.
9. Argumentos favoráveis
Disfrutando de conhecimento com relação ao que engloba a discussão pela aprovação, ou não, da permissibilidade em se realizar o procedimento, devemos conhecer quais são os principais argumentos utilizados pelos defensores do aborto:
- A mulher tem o direito de tomar decisões num assunto que diz respeito à sua vida como o é da maternidade.
- A maternidade não desejada é fonte de problemas futuros para a mulher, para o casal, para as famílias e, sobretudo, para as crianças delas nascidas.
- É uma decisão que afeta não só a vida da mulher, mas a vida do casal envolvido e, caso exista, o contexto familiar.
- Podem ocorrer problemas na futura vinculação afetiva entre a mãe e a criança nascida quando a gravidez é vivida em sofrimento.
- O aborto clandestino é um problema de saúde pública.
- O acesso ao aborto legal permite reduzir progressivamente o recurso ao aborto.
- A defesa ao acesso ao aborto legal está associada à prevenção das gravidezes não desejadas.
- Nenhum sistema de saúde entrou em colapso depois da despenalização da IVG.
- Proibir não elimina o recurso ao aborto. Quando as mulheres sentem que ele é necessário fazem-no, mesmo que não seja em segurança.
- Um aborto mal feito pode ter consequências graves para a saúde da mulher.
- Definir um feto (um embrião ou mesmo um ovo) como uma "pessoa", com direitos iguais ou mesmo superiores aos de uma mulher - uma pessoa que pensa, sente e tem consciência - é um absurdo.
- A proibição do aborto é discriminatória em relação às mulheres de baixo nível socioeconômico, que são levadas ao aborto auto induzido ou clandestino. As mais diferenciadas economicamente podem sempre viajar para obter um aborto seguro.
- O primeiro direito da criança é ser desejada.
*Texto extraído da internet[8]
9.1. Confrontando argumentos favoráveis
O primeiro detalhe que chama a atenção é o tempo limite de gestação, 12 semanas. Um feto nesse período dispõe de todos os órgãos já formados, se alimenta e possui forma humana, portanto, deve ser considerado como vida em potencial, devidamente amparada pela Constituição Federal e sustentado pelo Ministro Marco Aurélio de Mello em seu pronunciamento quanto a decisão da ADPF54[9], dessa forma, realizar um aborto nessas condições é um atentado contra a vida.
Alegar limitações sócio econômicas para convencer pela legalização do aborto não é um argumento realmente válido, já que o Estado disponibiliza, gratuitamente, diversos métodos contraceptivos. Sabe-se claramente que a prevenção custa consideravelmente menos aos cofres públicos que a liberação há de custar, entendendo que não será apenas o procedimento a ser ponderado, mas também, induzirá que as mulheres atentem ainda menos com a proteção de sua saúde, uma vez que os preservativos, principal método disponível, não previne apenas gravidez, mas também, doenças sexualmente transmissíveis.
Ademais, aceitar que tal decisão seja exclusivo da mulher pode ser um erro brutal. O que está sendo gerado em seu ventre não é uma extensão de seu próprio corpo, mas um novo corpo, uma nova vida, e devido a isso, vários outros fatores devem ser avaliados, pois, a decisão sobre o próprio corpo pode ser exclusiva da mulher, mas cabe ao Estado proteger o corpo e a vida da criança, ainda que nascituro.
E por fim, utilizar o aborto para combater a pobreza é o mesmo que que realizar uma limpeza socioeconômica, pois, conforme alegam os favoráveis ao procedimento, quem mais procura pelos métodos inseguros são mulheres de baixa renda, então não se trata de combate à pobreza, mas sim, um genocídio social legalizado.
Não há argumento que triunfe diante da superior eficácia da prevenção. Definitivamente, o investimento em métodos contraceptivos é expressivamente menor que em procedimentos abortivos, os quais, além de recursos médicos, exigirá também recursos humanos, o que causará tamanho aumento nos gastos que provavelmente tornar-se-á mais um problema, em vez de solução.
10. Argumentos Contrários
Entendendo o raciocínio e os argumentos utilizados pelos apoiadores da ampla liberação, nos conduz a necessidade de compreender, também, as razões de quem se apõe a tal. Assim, vejamos em que se apegam para justificarem-se:
- A constituição brasileira, em seu artigo 5º, assegura o direito à vida, o primeiro e mais importante direito;
- A partir da fecundação é criado um novo ser, que tem o DNA do pai e da mãe, um ser diferente de qualquer outro existente no universo, único;
- Sequer os animais são tão desrespeitados. Aliás, defensores dos animais não são tão ridicularizados quanto os que defendem os fetos;
- Uma pessoa não pode ser impedida de nascer só por causa de sua condição social, etnia, origem ou qualquer outra razão, salvo em situação onde a gestação possa oferecer risco à vida da gestante;
- O aumento da expectativa de vida e diminuição da taxa de natalidade, em pouco tempo haverá uma inversão na pirâmide demográfica, fazendo com que haja uma carência de jovens em condições de produzir e sustentar o sistema de previdência e seguridade social;
- O aborto prejudica o corpo da mulher, além dela correr risco de morrer, existe probabilidade da mulher, após o aborto, sofrer de problemas psicológicos;
- Ter um aborto natural em futuras gestações;
- Desenvolver câncer e outras doenças;
- Em alguns casos, os fetos sobrevivem à várias tentativas de aborto, porém, grande maioria desenvolve algum tipo de sequela;
- Apesar do direito da mulher sobre seu corpo, o feto não é uma extensão do seu corpo, mas sim, um novo corpo sendo gerado em seu ventre, portanto, não cabe à mulher decidir sobre um corpo que não é seu;
- O Estado pode ser laico, mas a vida não, já que nenhuma religião benevolente prega a morte em sua filosofia, e o aborto, é morte.
*texto extraído da internet
10.1. Confrontando argumentos contrários
Um estudo realizado pelo Anis Instituto de Bioética da Universidade de Brasília em 2016 (DINIZ, MEDEIROS, & MADEIRO, 2016) com mulheres entre 18 e 39 anos de idade, revelou que cerca de 13% já abortou pelo menos uma vez, além de 29% de casos praticados por jovens entre 12 e 19 anos.
Seguindo estes dados, constatou-se que, em 2015, cerca de 500mil mulheres interromperam a gravidez. De acordo com a pesquisa, as mulheres que abortam são alfabetizadas e de todas as classes socioeconômicas, sendo que a maior parte (48%) completou o ensino fundamental e 26% tinham ensino superior. Do total, 67% já tinha filhos. A pesquisa aponta ainda que a religião professada não é impeditiva para o ato, pois 56% dos casos registrados foram praticados por católicas e 25% por protestantes ou evangélicas.
Entre os anos de 2010 e 2014, hospitais registraram uma média de 200mil internações relacionadas a complicações causados por aborto, já em 2016, os números passaram de 120mil internações. Tal ocorrência custa milhões ao Estado, além de sufocar ainda mais o sistema de saúde já comprometido com outras emergências, isso sem levar em consideração o número de mortes decorrentes do procedimento irregular, o qual, grande parte poderia ser evitada caso o procedimento fosse legalizado e realizado por equipe médica capacitada.
Médicos concordantes com a legalização da interrupção voluntária da gravidez afirmam que, os dados mencionados já seriam razões suficientes para que o governo permitisse o procedimento, independente de outros fatores.
Conclusão
O objeto de estudo do presente artigo remete a um debate extremamente polêmico, devido sua complexidade e consequências demanda de aprofundados estudos sobre as diversas áreas que este tema envolve. Não apenas sobre a opinião pública ou moralidade, mas sim, relacionados ao impacto socioeconômico de tal decisão, caso venha ser favorável ao pedido.
Através deste trabalho pudemos compreender melhor a história do aborto, desde as sociedades mais antigas até os tempos atuais, ora sendo crime, ora pecado, mas predomina o tempo em que era tido como aceitável e permissível tanto pela religião quanto pela sociedade em geral. Ao que parece, mais uma vez a humanidade volta a se questionar sobre quando, afinal, o ser humano pode ser considerado pessoa e conquista seu direito à vida.
Presumindo quanto as condições precárias do sistema de saúde pública brasileira, deve-se atentar com demasiada cautela no que dirá respeito aos encargos relacionados ao pré e pós aborto, pois, tal ato não se resume na simples interrupção de uma gravidez, mas também, com os efeitos colaterais, físicos e psicológicos, decorrentes das consequências afligidas pelas pacientes.
Em suma, este artigo não questiona quanto à liberdade da mulher decidir sobre seu corpo, mas da obrigação do Estado em proteger a vida e garantir a liberdade de viver do feto, tal como estabelece nossa Constituição. Diante de tais incógnitas, deve o Estado investir em programas sociais visando educar sobre a prevenção, haja visto que a prevenção é incontestavelmente o pleno exercício do direito de liberdade da mulher em optar pela gravidez, ou não, tal como menciona o Arcebispo Jerónimo Hamer em sua Declaração Sobre o Aborto Provocado[10].
Por fim, atentando ao questionamento relacionado a este estudo, podemos concluir que definitivamente não cabe ao STF este julgamento, uma vez que, conforme apresentado, tal resolução não se limita diante à permissibilidade da interrupção da gravidez, mas estende-se aos âmbitos sociais, da saúde pública, educação e na defesa da dignidade da pessoa humana, este último, por si só demanda ser amplamente estudado. Portanto, uma decisão tão complexa como o tema em debate, sob qualquer hipótese poderá ser arbitrada sem que haja, primeiramente, um profundo estudo relacionado às condições estruturais, financeiras, psicológicas, culturais, entre outros.
Referências:
ALTMAN, M. (28 de 01 de 2014). Hoje na História: 1935 - Islândia se torna primeiro país a legalizar aborto por motivos médicos e sociais. (UOL). Disponível em UOL: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/33670/hoje+na+historia+1935+-+islandia+se+torna+primeiro+pais+a+legalizar+aborto+por+motivos+medicos+e+sociais.shtml> último acesso em: 28/07/2017
AQUINO, T. d. (1265 a 1273). Em Suma Teológica (p. 805).
DINIZ, D., MEDEIROS, M., & MADEIRO, A. (agosto de 2016). Pesquisa Nacional do Aborto 2016. SciELO - Scientific Electronic Library Online.
ELIADE, M., & Tradução: GOMES, L. L. (1995). O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras. São Paulo: Mercuryo.
Elisabeth AHMAN, I. S. (2004). Unsafe abortion: global and regional estimates of incidence of unsafe abortion. Geneve: World Health Organization. Disponível em <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42976/1/9241591803.pdf?ua=1> último acesso em 29/07/2017
FORMENTI, L. (2016). O Estadão. Disponível em Estadão: <http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,diariamente-4-mulheres-morrem-nos-hospitais-por-complicacoes-do-aborto,10000095281> último acesso em: 08/08/2017
HAMER, G. (15 de fevereiro de 1974). Dichiarazione sull’aborto procurato – Quaestio de abortu. Disponível em La Santa Sede: <http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19741118_declaration-abortion_it.html>: último acesso em 25/09/2017
LUNA, N. (2007). Provetas e clones: uma antropologia das novas tecnologias reprodutivas. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.
Notícias do STF. (abril de 2012). Relator vota pela possibilidade da interrupção de gravidez de feto anencéfalo. Acesso em julho de 2017, disponível em Portal do Supremo Tribunal Federal: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204680> último acesso em: 27/07/2017
Notícias do STF. (2017). Partido questiona no STF artigos do Código Penal que criminalizam aborto. Disponível em Portal do Supremo Tribunal Federal: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=337860> último acesso em 28/07/2017
OMS-Organização Mundial da Saúde. (junho de 2017). Prevenção de Aborto Inseguro. Acesso em julho de 2017. Disponível em OMS - Organização Mundial de Saúde: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs388/en/> último acesso em: 29/07/2017
Referendum Commission. (2002). Twenty-fifth Amendment of the Constitution (Protection of Human Life in Pregnancy) Bill, 2001. Disponível em Refcom.ie: <http://www.refcom.ie/en/past-referendums/protection-of-human-life-in-pregnancy/> último acesso em 27/09/2017
[1] Referendo para saber a opinião pública sobre proposta de alteração da Constituição em relação à lei sobre o aborto
[2] Anencefalia: Uma má formação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.
[3] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - STF
[4] Escusa absolutória é uma expressão jurídica usada no Código Penal Brasileiro para designar uma situação em que houve um crime e o réu foi declarado culpado, mas, por razões de utilidade pública, ele não está sujeito à pena prevista para aquele crime.
[5] Art. 128, CP: Não se pune o aborto praticado por médico, inciso II: se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
[6] Considerado um dos maiores historiadores das religiões do mundo, Mircea Eliade, em seu livro: O conhecimento Sagrado de Todas as Eras, mostra a diversidade das crenças e culturas do ser humano, bem como os fios universais que unem a humanidade. A antologia, originalmente preparada para cursos realizados pelo autor, reúne textos do Japão, Mesopotâmia, Grécia Antiga, Índia, Austrália, Ásia, Américas do Norte e do Sul, entre outros.
[7] Dados fornecidos pelo Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa - Organização Mundial da Saúde.
[8] http://www.aborto.com
[9] “Cf.” - Subitem 2.2 deste artigo: “Tutela-se a vida em potencial”,
[10] Isto, dizia-se, não violaria nenhuma consciência, pois deixaria todos livres para seguir sua própria opinião, impedindo qualquer um de impor seus próprios aos outros. O pluralismo ético é reivindicado como a consequência natural do pluralismo ideológico. Há, no entanto, uma grande diferença entre si, porque a ação afeta os interesses dos outros mais do que a mera opinião e por que você nunca pode apelar para a liberdade de opinião para direitos dos outros, de maneira muito especial o direito à vida. (HAMER, 1974)