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Relativização do princípio da presunção de inocência

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24/11/2017 às 11:10
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4  DOUTRINA

Sabemos que a doutrina entende tal princípio como um direito fundamental que está relacionado à segurança jurídica penal e processual penal. Todavia, na forma em que o princípio foi positivado na Constituição Federal acabou trazendo divergências acerca da significação do princípio e uma relação com a não culpabilidade, mas, na prática jurídica de nosso país a aplicação dos princípios não se diferencia. Assim, utilizam as expressões “princípio da presunção de inocência” e “princípio da não culpabilidade” como se fossem sinônimos.

A grande divergência surge ao falar do trânsito em julgado, convém, primeiramente, conceituar tal instituto, assim, para o professor Saulo José Casali Bahia (2010. p. 4) “na qualidade da decisão ou sentença da qual não cabe mais recurso, tem-se que a mesma pode se formar, nos mais variados graus de jurisdição, no Brasil.”. Dessa forma, a presunção de inocência terá fim quando não houver mais possibilidade de interposição de recurso.

Essa diferença sobre o momento da existência de culpa é resultado de dois sistemas utilizados no mundo para o início do cumprimento de pena, ocorrendo com o trânsito em julgado ou com o duplo grau de jurisdição, conforme ensina Gomes (2016. p. 2):

No primeiro sistema, somente depois de esgotados ‘todos os recursos’ (ordinários e extraordinários) é que a pena pode ser executada (salvo o caso de prisão preventiva, que ocorreria teoricamente em situações excepcionalíssimas). No segundo sistema a execução da pena exige dois julgamentos condenatórios feitos normalmente pelas instâncias ordinárias (1º e 2º graus). Nele há uma análise dupla dos fatos, das provas e do direito, leia-se, condenação imposta por uma instância e confirmada por outra.

No primeiro sistema a presunção de inocência se finda com o trânsito em julgado e no segundo sistema com dois julgamentos condenatórios de instâncias ordinárias. Nesse momento instala-se a divergência.

A doutrina majoritária entende que por tal princípio, o acusado não pode iniciar o cumprimento da pena antes de ser condenado definitivamente, ou seja, com o trânsito em julgado, conforme Tourinho Filho (2013. p. 92):

Aí está o ponto nevrálgico da questão devidamente solucionado: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Sendo este presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória apenas poderá ser admitida a título de cautela.

Segundo ele a prisão antes do trânsito em julgado deve ser admitida apenas à título de cautela, já que a Constituição declara de forma clara que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado, devendo as normas infraconstitucionais e as decisões dos tribunais serem compatíveis a ela.

Também entende dessa forma Carvalho (2004, p. 151-152):

A Constituição proibiu terminantemente que o acusado fosse considerado culpado antes da sentença judicial transitada em julgado. De outro lado, previu e manteve as medidas cautelares de prisão, como o flagrante e a prisão preventiva, como não poderia deixar de fazer, porque instrumentos indispensáveis à legítima defesa da sociedade.

Não previu a Constituição qualquer outro fundamento para a prisão que estes: a cautelaridade e a pena. Ora, se o acusado não pode ser considerado culpado antes de assim declarado judicialmente, com que título se justifica encarcerá-lo antes da prolação da sentença final, fora dos dois casos permitidos, cautelaridade e pena?

Trata-se de prisão cautelar?

Não, não estão presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Trata-se de pena?

Não, pois não há pena sem o trânsito em julgado da sentença. Então, essas modalidades de prisão - decorrente da sentença condenatória recorrível e decorrente da sentença de pronúncia - não são constitucionalmente admitidas; não se enquadram nas modalidades de prisão aceitas pela Constituição como exceções necessárias ao direito natural de liberdade.

Na mesma esteira, a Convenção Americana de Direito Humanos e o Pacto de São José da Costa Rica não exigem o trânsito em julgado da condenação do processo penal, de forma que exigem apenas a comprovação legal da culpa, conforme ensina Lima (2015. p. 44):

A par dessa distinção terminológica, percebe-se que o texto constitucional é mais amplo, na medida em que estende referida presunção até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8º, nº2) o faz tão somente até a comprovação legal da culpa. Com efeito, em virtude do texto expresso do texto do Pacto de São José da Costa Rica, poder-se-ia pensar que a presunção de inocência deixaria de ser aplicada antes do trânsito em julgado, desde que já estivesse comprovada a culpa, o que poderia ocorrer, por exemplo, com a prolação do acórdão condenatório no julgamento de um recurso, na medida em que a mesma Convenção Americana também assegura o direito ao duplo grau de jurisdição (art. 8º, §2º, “h”).

A Constituição Federal, todavia, é claríssima ao estabelecer que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória poderá afastar o estado inicial de inocência de que todos gozam. Seu caráter mais amplo deve prevalecer, portanto, sobre o teor da Convenção Americana de Direitos Humanos. De fato, a própria Convenção Americana prevê que os direitos nela estabelecidos não poderão ser interpretados no sentido de restringir ou limitar a aplicação de normas mais amplas que existam no direito interno dos países signatários (art. 29, b). Em consequência, deverá sempre prevalecer a disposição mais favorável.

Todavia, tais convenções preveem que os direitos estabelecidos nelas não poderão ser interpretados restringindo ou limitando a aplicação das normas. Assim, existindo normas mais amplas no direito interno dos países signatários, deverão sempre prevalecer estas, portanto, entende que a Constituição exigindo o trânsito em julgado da condenção, deve ela prevalecer.

Nesse sentido também entendem Moraes (2016. p. 125) e Nucci (2015. p. 35 e 36), respectivamente:

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.

Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções sem o devido processo legal e a decisão definitiva do órgão competente.

Conhecido, igualmente, como princípio do estado de inocência (ou da não culpabilidade), significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado. Encontra-se previsto no art. 5.º, LVII, da Constituição.

Segundo eles a Constituição Federal exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, caso contrário o acusado ainda será presumido inocente.

Na doutrina Constitucional, entende Cretella Jr. (1990. p. 537):

Somente a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão de que não mais cabe recurso, é a razão jurídica suficiente para que alguém seja considerado culpado. (...) Não mais sujeita a recurso, a sentença penal condenatória tem força de lei e, assim, o acusado passa ao status de culpado, até que cumpra a pena, a não ser que revisão criminal nulifique o processo, fundamento da condenação.

Lopes Jr. e Badaró também partilham dessa ideia, conforme parecer jurídico (2016. p. 14):

Do ponto de vista dinâmico, importa definir que que momentos ou etapas da persecução penal, incide a presunção de inocência. Ou: até quando o acusado é presumido inocente?

A Constituição é clara ao estabelecer o marco temporal final da presunção de inocência: “Ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5.º, caput, LVII).

A presunção de inocência é uma garantia de todo acusado “até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Não se trata de uma garantia que se aplica somente até a sentença penal recorrível, ou mesmo até o julgamento em segundo grau de jurisdição.

Entendem que a Constituição Federal claramente exige o trânsito em julgado, não havendo o que se discutir sobre o tema.


5  INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO

5.1  TRÂNSITO EM JULGADO COMO MARCO TEMPORAL

Percebemos que a presunção de inocência na Constituição Federal Brasileira, em se tratando do marco temporal para a aplicabilidade da presunção de inocência, vai além das leis internacionais sobre direitos humanos. Consagra que o acusado é presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, enquanto aquelas não utilizam explicitamente este marco.

Tal interpretação não é vedada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, pelo contrário, esta veda apenas a interpretação que restringir ou limitar a aplicação das normas dos países signatários que sejam mais amplas do que a norma internacional. Conforme art. 29, b da supracitada convenção.

“Artigo 29.  Normas de interpretação:

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de   acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;”

Dessa forma, caso o país signatário tenha uma norma que amplie os direitos consagrados na Convenção, esta não poderá restringí-los, isso ocorre em nosso país, como já salientado em vários momentos, a Constituição Federal em seu artigo 5, inciso LVII, e o Código de Processo Penal em seu artigo 283, exigem o trânsito em julgado. Ainda, o artigo 105 da lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal, também determina como marco temporal o trânsito em julgado.

“Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”

Na mesma esteira, até mesmo as penas restritivas de direitos, que são em tese menos gravosas do que as penas restritivas de liberdade do indivíduo, só podem iniciar seu cumprimento após o trânsito em julgado, conforme artigo 147 da lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal.

“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.”

Entendendo também dessa forma o Superior Tribunal de Justiça em conforme decisão.

“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 147 DA LEP EM VIGÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 126.292/SP, ficou assente que, esgotadas as instâncias ordinárias, a interposição de recurso especial não obsta a execução da decisão penal condenatória. E, ainda, em julgamento colegiado do pedido de liminar das ADCs 43 e 44, o referido entendimento foi confirmado.

2. A Suprema Corte, ao tempo em que vigorava o entendimento de ser possível a execução provisória da pena, como agora, não a autorizava para as penas restritivas de direito. Precedentes.

3. Encontra-se em pleno vigor, o disposto no art. 147 da Lei das Execuções Penais (Lei n. 7.210, de 11.07.1984). Não há notícia de que o STF ou a Corte Especial do STJ, no âmbito de suas respectivas competências, tenham declarado a inconstitucionalidade de aludida norma. Nem mesmo no já referido HC 126.292/SP fez-se menção a tal possibilidade. Por conseguinte, este órgão turmário não poderia recusar a aplicação do art. 147 da LEP sem ferir a CF ou desconsiderar a orientação da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ - AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 998.641 - SP, Relator: Min. RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 28/03/2017, Data de Publicação: DJe 05-04-2017 Documento: 1584954).”

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O Supremo Tribunal Federal, sabidamente é o guardião da Constituição Federal e a Corte mais alta de nosso país, todavia, não pode alterar conceitos construídos ao longo do tempo como o conceito do trânsito em julgado, consistindo na sentença que sai da condição de mutável para a de imutável. Marcando o início de uma nova situação jurídica, fazendo coisa julgada formal ou material.

Na norma Constitucional não há margem para interpretações, mesmo sendo pela Suprema Corte, entendendo que o acusado seja presumido inocente apenas até a condenação em segunda instância, mesmo que possa recorrer. Portanto, não se pode aceitar esse entendimento que claramente confronta a Constituição Federal.

5.2  RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO

a)    IMPORTÂNCIA PARA ALTERAR A SENTENÇA

Os recursos ordinários servem para proteger o direito subjetivo das partes contra os vícios da decisão, em contrapartida, os recursos extraordinários possuem o objetivo de tutelar o direito objetivo, protegendo a Constituição, a lei federal e os tratados, não assegurando o duplo grau de jurisdição, tendo uma função de controlar a aplicação e interpretação correta da Constituição e da lei federal, uniformizando a aplicação dessas normas.

Contudo, é muito simplista afirmar que os recusos especial e extraordinário não possuem preocupação nenhuma com o direito concreto, para alguns, existem dois modelos de Cortes que controlam a legalidade. No primeiro, a interpretação da lei seria apenas uma forma de resolução de uma controvérsia, no segundo, o caso concreto é apenas uma forma de garantir a legalidade do ordenamento, pensando mais nas consequências do que no caso concreto. As Cortes Brasileiras se enquadram no primeiro modelo, de forma que possuem um grande vínculo com o caso concreto.

Diante disso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não decidem os recursos extraordinário e especial de forma abstrata, mas aplicam o direito aos fatos, negando ou dando provimento ao recurso. Vemos ainda, muitas vezes em que se cuida mais do direito subjetivo das partes e em segundo plano a tutela da Constituição ou da lei federal, sendo este o direito objetivo.

É preciso diferenciar a presunção de inocência como regra probatória, encontrada principalmente no princípio do in dubio pro reo, que trata de resolver a dúvida sobre fatos, e a presunção de inocência como regra de tratamento do acusado, impedindo que o acusado que está no curso do processo, seja tratado como culpado, sendo possível ser alterada a decisão e ser absolvido.

Feita essa diferenciação, de maneira hipotética, não havendo nenhuma controvérsia de fatos, nos recursos especial e extraordinário, seria incabível a presunção de inocência, como regra probatória, mas, seria claramente cabível a presunção de inocência como regra de tratamento, pois este deve ser tratado como inocente até o trânsito em julgado de sua condenação.

Ademais, existem várias questões predominantemente de direito que são passíveis de recursos especial e extraordinário, que podem ensejar uma alteração de uma condenação, podendo absolver, reduzir a pena imposta, alterar a espécie de pena, ainda ocorrer a prescrição e extinguir a punibilidade, podendo ser provido por violação de regra constitucional processual ou de lei federal, anulando a decisão.

Pode-se ainda interpor tais recursos para questionar critérios de apreciação de provas, utilização de provas ilícitas, nulidade das provas, valor legal das provas, a distribuição do ônus de provar, sendo essas questões de direito. Podendo questionar a qualificação jurídica dada a um determinado fato, não decorrendo de dúvida sobre algum dos elementos que integram o tipo penal, pois seria questão fática, mas em alguns casos, sendo considerados os fatos verdadeiros, poderiam existir dúvidas sobre a correta subsunção dos fatos ao tipo penal, sendo questão de direito.

Diante disso, precebemos que mesmo não podendo tratar de questões de fato e não podendo se valorar as provas em tais recursos, existem muitas outras formas de se alterar a decisão das instâncias inferiores. Não podendo deixar de lado a presunção de inocência como regra de tratamento. Dessa forma, o caráter desses recursos não é fundamento plausível para a antecipação da execução de pena, isso só pode ocorrer com o trânsito em julgado da condenção penal.

b)    EFEITO SUSPENSIVO

Uma das teses para tal decisão, é que os recursos extraordinário e especial não teriam efeito suspensivo, justificando a execução antecipada da pena.

Contudo, o art. 27, § 2º da Lei nº 8038/1990, já revogado, e o art. 995, caput do novo Código de Processo Civil, não são aplicáveis ao processo penal, pois trata-se de direitos tutelados totalmente diferentes. Não se refere apenas de efeitos recursais, mas sim da liberdade de alguém, tratando assim de direitos e liberdades individuais, destacando a presunção de inocência.

Percebemos ainda que uma execução antecipada da pena, os seus efeitos são totalmente irreversíveis e irremediáveis, não ocorrendo isso no processo civil. Não é possível devolver ao condenado o tempo que ficou preso, se ao final do processo o seu recurso especial ou extraordinário for provido, sendo absolvido,  reduzindo sua pena ou alterando o regime de cumprimento. Assim, não há que se comparar o processo penal e o processo civil, e o trânsito em julgado não possui relação com o efeito dos recursos.

c)    QUANTIDADE DE RECURSOS ADMITIDOS

Outro argumento utilizado na venerada decisão seria o número ínfimo de recursos especial e extraordinário que seriam admitidos ou providos, porém não tem cabimento, pois mesmo que isso fosse verdadeiro, não se trata de quantidade para a legitimação de tais recursos.

O princípio da Presunção de Inocência também não depende da quantidade de sentenças absolutórias, deve-se respeitar a Constituição Federal e seus princípios e garantias, se entendermos dessa maneira dentro do direito, não vamos respeitar as regras e virará uma insegurança jurídica. Caso a grande maioria dos recursos de apelações penais fossem improvidos, o princípio em questão também não deveria vigorar nesse período, ainda, caso as sentenças de primeira instância sejam, em sua grande maioria, condenatórias, o princípio também não iria vigorar e todos os acusados cumpririam suas penas antecipadamente, não existe lógica em tal argumento.

Além disso, segundo o Ministro Celso de Mello em seu voto no julgamento do habeas corpus nº 126.292/SP, foram levantados alguns dados estatísticos, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, a partir de informações veiculadas no portal de informações gerenciais da Secretaria de Tecnologia de Informação do Supremo Tribunal Federal. A partir do ano de 2006 até outubro de 2009, 25,2% recursos extraordinários criminais foram providos, 3,3% foram providos parcialmente, somando-se os recursos providos e os pacialmente providos chegamos a 28,5%. Assim, quase um terço dos recursos extraordinários criminais foram providos, sendo um número bastante considerável.

Em pesquisa realizada, foram encontrados dados em relatório estatístico de 2016 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse ano foram julgados 83.763 Recursos Especiais, a 32,05% foi dado provimento, a 41,24% negado, 13,79% não foram conhecidos, 11,78% incluem-se na categoria “outros” e 1,14% sem teor, são números bastante elevados de provimentos.

Os recursos extraordinários e especiais providos são em quantidade considerável, aquele quase chega a um terço e este ultrapassa esse número. Portanto, se esses condenados estiverem cumprindo pena antecipadamente e após sejam absolvidos ou tenham sua punibilidade extinta, terão ficado presos sem que no final do processo fossem condenados e obrigados a cumprir pena.

5.3  PRÉVIA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Podemos perceber, que de forma lógica, sendo alterado o entendimento e a presunção de inocência sendo respeitada apenas até a condenação em segunda instância, mesmo que possa haver a condição de interposição de recursos especial e extraordinário, poderia ser expedido o mandado de prisão nesse momento. Em consequência, isso implicaria necessariamente no reconhecimento de inconstitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, porém, na venerada decisão, não encontramos uma fundamentação para declarar sua inconstitucionalidade, nem mesmo foi citado, escondendo-se sua total incompatibilidade com a decisão.

Entende também dessa forma Caleffi (2017, p. 124):

Diante de tal impasse, Lenio Streck frisava que a Suprema Corte se encontrava em uma “sinuca de bico” em face de procedimento (não) adotado em relação à declaração formal de inconstitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. Ou seja, para que o Supremo Tribunal Federal mantivesse a sua decisão, teria, necessariamente, que declarar as razões pelas quais o referido dispositivo processual violaria a Constituição.

Após foram propostas as ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44, protocoladas nos dias 18 e 19 de maio de 2016, respectivamente, pedindo que o referido artigo fosse declarado constitucional, para que os cumprimentos de pena iniciem apenas após o trânsito em julgado, porém ainda está em andamento. Foi indeferida no dia 05 de outubro de 2016 a cautelar requerida.

DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE. ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO DA PENA APÓS JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. INDEFERIMENTO DOS PEDIDOS DE MEDIDA CAUTELAR.” (STF - ADC: 43 e 44, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 05/10/2016).

Entendemos que não se pode negar a aplicação de norma federal, sem que antes seja declarada formalmente sua inconstitucionalidade, cumprindo ainda os requisitos do artigo 97 da Constituição Federal.

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

Sendo apenas por voto de maioria absoluta dos membros de órgão especial que poderá ser declarada inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Ademais, o próprio relator Ministro Teori Zavascki, assentou esse entendimento em decisão proferia na Rcl 2645/SP, no Superior Tribunal de Justiça, segundo ele, não deve se admitir que se negue aplicação a preceito normativo, “sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade”. Assim, entende-se que deve ser declarada formalmente a inconstitucionalidade da lei para negá-la.

Na mesma esteira, não é cabível a tese da utilização do controle difuso, pois nesse caso, não houve nenhuma declaração de inconstitucionalidade. Podemos entender que se os tribunais resolvessem aplicar o texto do artigo 283 do Código de Processo Penal, não estariam contrariando a decisão da Suprema Corte, já que tal dispositivo não foi declarado inconstitucional. Portanto, não pode as duas vigorar ao mesmo tempo em nosso sistema jurídico.

1.1  A LENTIDÃO JURISDICIONAL E O SENTIMENTO DE IMPUNIDADE

Na venerada decisão, a Suprema Corte Brasileira argumentou que a lentidão jurisdicional para o julgamento dos recursos especial e extraordinário gera um sentimento de impunidade na social, assim, a sociedade não estaria satisfeita com essa demora na prestação jurisdicional.

Percebemos claramente que o Poder Judiciário de nosso país está sobrecarregado. Não sendo diferente na área criminal e também no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, principalmente naquele, há a necessidade de se aumentar o número de Ministros e também das turmas criminais, a demanda é muito grande e o sistema não está dando conta.

A afirmação é verdadeira, porém, deve-se encontrar uma alternativa para a resolução do problema. Se o Estado é ineficiente para pretar a jurisdição no tempo que a sociedade necessita, sendo responsabilidade esta do próprio Estado, conforme explica Lopes Jr. (2009. p. 69):

trata-se, sem dúvida, de responsabilidade do Estado perante o cidadão. Cumpre ao Estado prover o órgão judiciário e estruturar eficientemente sua organização judiciária para que o processo possa se desenvolver sem retardos indevidos.

Não é justo diminuir os direitos individuais para o bem estar da sociedade, para que seja diminuído o sentimento de “impunidade” desta. Para alguns, isso deve ocorrer para que os indivíduos que transgridam as regras sejam punidos. Porém, esta atitude pode ser muito perigosa para a própria sociedade, pois não se percebe que a defesa das garantias constitucionais individuais é o que traz o bem estar dos cidadãos, é defendendo cada cidadão que se defende o coletivo.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Marcos Roberto. Relativização do princípio da presunção de inocência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5259, 24 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62075. Acesso em: 22 dez. 2024.

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