CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE A DINÂMICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
Percebem-se, no ordenamento jurídico brasileiro, equívocos acerca dos procedimentos adequados para a realização da dinâmica dos precedentes judiciais. Desta forma, verifica-se uma confusão entre os conceitos e aplicações das técnicas de confronto, distinção e superação destes precedentes.
Este entendimento é importante, haja vista que os precedentes representam, na atual sistemática dos processos judiciais, um elemento central e essencial para que se possa compreender e interpretar de maneira arrazoada uma decisão judicial.
Desta forma, o presente artigo visa realizar a conceituação de institutos fundamentais sobre a temática. Nesta perspectiva, serão determinados os conceitos de: Precedente Judicial, Súmula, Enunciado de Súmula, Ementa, Costume, Decisão Judicial, Sentença, Acórdão, Jurisprudência, Ratio Decidendi e Obter Dictum. Percebe-se a existência de uma “confusão” conceitual sobre estes institutos necessários para o possível entendimento do tema da dinâmica dos precedentes judiciais.
Nota-se, por vezes, uma utilização indevida destes conceitos fundamentais, haja vista que acabam sendo utilizados indiscriminadamente como se tivessem o mesmo sentido e mesma finalidade. Apesar dos institutos supracitados terem definições e utilizações muito próximas, estas não se confundem. Esta confusão teórica pode atrapalhar no correto entendimento do tema ou, ainda, limitar, demasiadamente, o uso destes institutos.
Desta forma, é fundamental que se estabeleça um suporte conceitual sólido sobre o tema com a finalidade de que se possa evitar o uso equivocado dos institutos. Neste sentido, como objetivo do artigo, existe a necessidade de realizar a adequada e oportuna determinação, em linhas gerais, dos conceitos fundamentais sobre o tema.
O primeiro objetivo deste artigo será realizar a conceituação de Precedente Judicial. Após, como segundo objetivo, tem-se a diferenciação entre Precedente Judicial e os institutos da Súmula, Enunciado de Súmula, Ementa e Costume. No tocante ao terceiro objetivo, tem-se a diferenciação entre Precedente Judicial e os institutos da Decisão Judicial, Sentença, Acórdão e Jurisprudência. Por fim, como último objetivo, tem-se a diferenciação entre Precedente Judicial e os institutos da Ratio Decidendi e Obter Dictum.
Desta forma, a partir desta introdução apresentada, o presente artigo visa delimitar quais os conceitos fundamentais para que se utilize corretamente as técnicas de superação e distinção dos Precedentes Judiciais no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente, a partir da vigência Código de Processo Civil de 2015.
PRECEDENTES JUDICIAIS
Desde o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015, promoveu-se uma restruturação da construção e interpretação das decisões judiciais. Um dos grandes pontos do CPC de 2015 foi o dimensionamento das técnicas de superação e distinção de Precedentes Judiciais.
Entretanto, para que se realize o correto entendimento sobre estas técnicas, urge necessário, em um primeiro momento, realizar a correta definição do instituto dos Precedentes Judiciais. De acordo com o dicionário de Ferreira (2004, p. 124) precedente é o: “1.que precede, antecedente; 2. procedimento que serve de critério ou pretexto a práticas posteriores semelhantes”.
Trazendo o conceito para a seara jurídica, verifica-se que, de uma maneira genérica, precedente pode ser estabelecido como um critério a ser seguido. Nos dizeres de Cruz e Tucci (2004, p. 11):
Seja como for, é certo que em ambas as experiências jurídicas os órgãos judicantes, no exercício regular de pacificar cidadãos, descortinam-se como celeiro inesgotável de atos decisórios. Assim, núcleo de cada um destes pronunciamentos constitui, em princípio, um precedente judicial. O alcance deste somente pode ser depreendido aos poucos, depois de decisões posteriores. O precedente nasce então como uma regra e, em seguida, terá ou não o destino de tornar-se a regra de uma série de casos análogos.
Um dos conceitos mais elucidativos sobre os Precedentes Judiciais é dado por Didier Jr. (2012, p. 385) que o define como sendo: “Decisão judicial tomada à luz do caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior”. Já nos dizeres de Oliveira (2012, p. 169): “o chamado precedente, utilizado no modelo judicialista, é o caso já examinado e julgado, cuja decisão primeira sobre o tema atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados”.
Interessante referenciar o conceito dado por Camargo (2012, p. 152): “No sistema romano-germânico (civil law), ordinariamente, precedente é um pronunciamento judicial, monocrático ou colegiado, sobre questão jurídica determinada, cujas razões determinantes, de regra, apenas orientam (mas não vinculam) o pedido ou o julgamento de casos posteriores sobre a mesma matéria”. Por este conceito dado pelo autor, percebe-se que o precedente também tem sua importância nos países do civil law.
Sobre a finalidade dos precedentes judiciais, Medina (2015, p. 54) afirma que se trata de: “uma consequência jurídica específica, passando, então, a ser considerado como algo que fornece a regra para a determinação de um caso subsequente envolvendo fatos materiais idênticos ou semelhantes que surgem no mesmo tribunal ou em juízo inferior na hierarquia judicial”.
Sobre o tema, o doutrinador Marinoni (2013, p. 214) assevera:
Para constituir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. Portanto, uma decisão pode não ter os caracteres necessários à configuração de precedente, por não tratar de questão de direito ou se limitar a afirmar a letra da lei, como pode estar apenas reafirmando o precedente.
Assim, notam-se diferenças e similitudes entre os conceitos encontrados para o instituto dos Precedentes Judicais. De acordo com o que foi exposto, nota-se que o Precedente Judicial, em sentido amplo, é composto por três elementos essenciais. O primeiro destes elementos é a circunstância de fato objeto do litígio. Ou seja, é o próprio caso concreto. O próximo elemento é o dispositivo legal, tese, princípio que serviu de embasamento para a resolução da controvérsia. Este elemento está presente na motivação – ratio decidendi – da decisão. O terceiro elemento é a própria argumentação.
Entretanto, em linhas gerais, pode-se afirmar, no que se refere ao precedente judicial, a junção destes conceitos expostos indica que a definição do instituto pode ser desenvolvida como sendo uma diretriz, orientação ou pretexto para um julgamento posterior a partir de uma regra estabelecida em casos análogos. Ou seja, pode-se o conceituar como sendo qualquer decisão passada que é evocada por um magistrado para justificar um caso posterior.
1.2 SÚMULA, ENUNCIADO DE SÚMULA, EMENTA E COSTUMES
Surge de importância realizar a conceituação dos institutos da Súmula e de suas derivações: Enunciado de Súmula e Ementa. A Súmula é o enunciado normativo do precedente que se formou por meio da sua constante aplicação. Buzaid (1985, p. 214) a conceitua como sendo: “A súmula, ao contrário, é juízo de valor. A súmula não julga uma causa. Seu objetivo é definir o exato entendimento da norma jurídica, a cujo respeito surgiram divergências”.
A Súmula tem sua origem, na década de 1950, na reforma ocorrida no Código de Processo Civil de 1939. Esta reforma teve a finalidade de criar um mecanismo de uniformização de jurisprudência. Nesta época, já possuía as características de enunciados breves, que visavam expressar as razões determinadas em reiteradas decisões em um mesmo sentido.
Verifica-se, assim, que já ocorria, à época, a tentativa de realizar, a partir do uso das súmulas, uma norma geral verificada no caso concreto. Esta norma geral, abstrata e genérica, feita a partir da complementação e interpretação da lei é reproduzida em casos futuros. Desta forma, nestes casos futuros, ocorre a adequação da súmula ao caso concreto.
A respeito das súmulas, Bueno (2011, p. 413) esclarece que: “são a cristalização de entendimentos jurisprudenciais que predominam nos Tribunais em certo tempo e espaço. A palavra quer indicar as decisões reiteradamente proferidas e, determinar o sentido pelos Tribunais”.
Sifuentes (2005, p. 237 - 238) define a súmula como sendo: “No âmbito jurídico, a súmula de jurisprudência refere-se a teses jurídicas solidamente assentes em decisões jurisprudenciais das quais se retira um enunciado, que é o preceito doutrinário que extrapola os casos concretos que lhe deram origem e pode ser utilizado para orientar o julgamento de outros casos”.
Sobre a função da súmula, Pinheiro (2017, p. 02) afirma que: “expressar a orientação dominante do Tribunal acerca de tema controvertido na jurisprudência e eliminar divergências, objetivando cumprir com eficiência a divulgação da jurisprudência e a celeridade processual, a súmula”.
A definição de súmula pode ser assim construída, a partir da análise de dados realizada das citações desenvolvidas neste trabalho, como sendo a tese sintetizadora de um entendimento, por meio de uma norma cristalizada, a partir de julgados em comum.
Verifica-se que, por este conceito, a total diferenciação entre este instituto e o Precedente Judicial. O Precedente orienta o caso futuro. A súmula, pelo contrário, está assente no caso presente. Os precedentes, assim, são criados visando a solução de casos concretos podendo, eventualmente, influenciar decisões futuras. Enquanto as súmulas são textos gerais e abstratos – a semelhança das características de uma lei – formadas com a finalidade de solucionar casos futuros.
Percebe-se a imprescindibilidade da interpretação do precedente que deu origem ao surgimento da súmula para a correta aplicação em um caso concreto. Um antecedente lógico do uso de qualquer súmula, é realizar a correta interpretação do casos concretos do precedente judicial que embasou o seu surgimento.
Assim, é necessário o entendimento de que a súmula deve ser utilizada à luz dos casos que lhe deram origem, perfazendo o seu contexto. Não se deve interpretá-la como sendo um texto genérico e abstrato, tal como as produções legislativas.
Já no tocante ao Enunciado de Súmula, este é definido por Rosas (2005, p. 81) da seguinte maneira: “reflete a jurisprudência de um tribunal ou de uma seção especialmente autorizada a emitir a consolidação”. A Súmula se difere do Enunciado de Súmula, apesar de, na prática forense atual, convergirem para a mesma finalidade.
Neste sentido, Sifuentes (2005, p. 237-238) ensina: “As palavras súmula e enunciado, embora tenham significados diferentes, acabaram por serem usadas, indistintamente, de modo que, por súmula, atualmente entende-se comumente o próprio enunciado, ou seja, o preceito genérico tirado do resumo da questão de direito julgada”.
Portanto, o enunciado de súmula configura-se em uma mera tentativa de sistematizar os julgados. Neste sentido, Didier Jr. (2015, p. 489) assevera:
O enunciado da súmula, em sua simplicidade, se distancia do manancial fático das decisões cuja difusão conduziu à sua edição. Mas a aplicação dos enunciados de súmula não pode ignorar o imperativo de observância dos fatos subjacentes à causa e confrontá-los com os precedentes que geraram o enunciado sumular; isso, porém, costuma ser ignorado.
Nesta temática, a Ratio Decidendi (que será também objeto de estudo neste capítulo) presente nos precedentes difere-se do Enunciado de Súmula, haja vista que se deve procurar as razões da decisão em que foi proferida, em vez de aplicar indiscriminadamente a súmula como se lei fosse.
Nesse sentido, Marinoni (2013, p. 218) explica: “Trata-se, em outras palavras, de buscar a ratio decidendi da súmula, que não se confunde com o seu enunciado”. A partir deste entendimento ocorre a diferenciação entre o Precedente Judicial e Enunciado de Súmula, haja vista que o enunciado, como sistematizado neste estudo, é a mera orientação do julgamento que reflete a jurisprudência adotada.
Esta tentativa de sistematização dos julgados é mais evidente na elaboração da “ementa”. A ementa é mera afirmação da interpretação da norma ao caso, reproduzida em alguns parágrafos. Pelo mesmo entendimento adotado para o enunciado de súmula, percebe-se a diferenciação entre os precedentes judiciais e a ementa.
Assim, em linhas gerais, verifica-se que a Súmula, Enunciado de Súmula e Ementa, apesar de institutos distintos, diferem-se dos Precedentes Judiciais pela mesma fundamentação – distinção temporal – porquanto o Precedente Judicial dá a diretriz para o caso futuro. Por outro lado, estes três outros institutos refletem o entendimento adotado no caso presente.
Por fim, há a definição do instituto do Costume. O doutrinador Ferrara (1989, p. 47) o conceitua como sendo: “é um ordenamento de fatos que as necessidades e as condições sociais desenvolvem e que, tornando-se geral e duradouro acaba impondo-se psicologicamente aos indivíduos”. De acordo com a definição do autor, verifica-se que as práticas reiteradas na sociedade podem se tranformar em costumes.
O conceito norteador de Costume pode ser construído como sendo a imposição psicológica, geral e duradoura, em uma determinada sociedade. Verifica-se que, de plano, a total diferenciação entre o instituto e o Precedente Judicial. O Precedente orienta, traça a diretriz jurídica. Por outro lado, costume é norma de fato, construída materialmente por uma sociedade.
Assim, a diferenciação ocorre na executoriedade. Para os Precedentes Judiciais, a executoriedade é material ou formal, a depender tratar-se de um Precedente persuasivo ou vinculante. Por outro lado, os Costumes possuem uma executoriedade psicológica, a partir do entendimento majoritário de uma determinada sociedade em relação a standards de comportamento.
Neste sentido, o Precedente Judicial não pode ser confundido ao Costume. Esses elementos se diferem. Entretanto, se uma regra consuetudinária passa a ser aplicada pelos tribunais, pode vir a ser transformada futuramente em precedente.
1.3 DECISÃO JUDICIAL, SENTENÇA, ACÓRDÃO E JURISPRUDÊNCIA
Outra conceituação que surge é sobre o instituto da Decisão judicial. Esta é conceituada, de forma implícita, no artigo 203 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) ao descrever que: “os pronunciamentos do juiz se constituem em sentenças, decisões interlocutórias e despachos”. Assim, nota-se que o seu conceito é construído como sendo os pronunciamentos do juiz – Sentença, Decisão Interlocutória e Despachos – que decidem ou alavancam o processo.
Nesta perspectiva, não se deve confundir os conceitos de Decisão Judicial e Precedente Judicial. Em linhas gerais, tem-se que todo precedente deriva de uma Decisão Judicial, entretanto, em nem toda decisão ocorre, necessariamente, a presença do Precedente.
Neste sentido, as Decisões Judiciais possuem duas acepções. Elas podem decidir uma questão no processo ou meramente alavancar as fases deste. Neste segundo caso, não há conteúdo decisório na manifestação judicial, dando-se o nome de despacho. No primeiro caso, ocorrendo conteúdo decisório, gera-se uma decisão lato sensu. Se esta decisão é proferida em um juízo singular, dá-se o nome de sentença ou decisão interlocutória. Se proferida em um órgão colegiado, é denominado acórdão.
Assim, a Sentença Judicial é espécie do gênero Decisão Judicial, sendo um ato tipicamente jurisdicional. Neste ato, percebe-se, segundo Taruffo (2010, p. 332): “a máxima expressão da função jurisdicional”. Wambier (2004, p. 30) descreve sentença como sendo: “é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as distingue dos demais pronunciamentos do juiz”.
A definição de Sentença é conferida pelo artigo 203, §1º, do Código de Processo Civil. De acordo com o dispositivo (BRASIL, 2015): “é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim a fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Se estas situações ocorrerem em um órgão colegiado, o pronunciamento judicial é denominado de acórdão final.
No preciso ensinamento de Dinamarco (2002, p. 497): “os acórdãos constituem projeção, nos graus superiores, da jurisdição, do que são as diversas espécies de decisões do juiz inferior (decisões interlocutórias ou sentenças). Embora não o diga a lei, há os que extinguem o processo sem julgamento do mérito e os que extinguem sem este julgamento”.
Por outro lado, a decisão interlocutória possui uma definição residual, haja vista que o artigo 203, §2º, CPC, a define como sendo toda manifestação judicial com conteúdo decisório que não se enquadra na definição de sentença. Se a situação ocorre em um órgão colegiado, é conceituado como sendo acórdão interlocutório.
Pelo exposto, a Sentença deve ser entendida como uma norma jurídica individual. Dessa forma, verifica-se que, a partir da definição da norma, formulação abstrata dos preceitos normativos no caso concreto, ocorre a subsunção do fato, gerando a execução de uma norma individualizada. Assim, percebe-se que a sentença é um ato jurídico que, por meio de uma norma individualizada, torna-se imutável devido ao instituto da coisa julgada.
A Sentença, a partir da convergência de entendimentos semelhantes dispostos neste capítulo, pode ter seu conceito norteador como sendo a totalização da expressão jurisdicional manifestada ao se extinguir a fase cognitiva do procedimento comum ou se terminar a execução. Nota-se que, por este conceito, este instituto distingue-se dos Precedentes Judiciais.
A orientação dada pelo Precedente pode estar contida na Sentença. Esta é a materialização da decisão obtida no caso concreto. Abstrativamente, dentro desta Sentença, pode ocorrer a presença de um precedente. Assim, apesar de próximos os conceitos, os institutos divergem-se.
Neste sentido, Sentença e Precedente Judicial diferem-se. Este não possui a característica da coisa julgada, nem tem o condão de delimitar a norma individual do caso concreto. O Precedente Judicial visa a determinar uma diretriz para a solução de casos semelhantes futuros. Pelo contrário, a Sentença procura restabelecer o status quo das partes em conflito.
Este entendimento também é valido ao se comparar Acórdão com Precedente Judicial, haja vista que aquele é mera semelhança da Sentença, só se distinguindo quanto ao aspecto da colegialidade no tocante a decisão emitida. Assim, tanto o Acórdão como a Sentença, são espécies de Decisão Judicial. Nesta lógica, na distinção desta, estão contidas a diferenciação daquelas.
Neste ponto, assevera-se que, no presente estudo, a distinção é meramente formal. Enquanto as Decisões Judiciais – e suas espécies – são formas de materializar a resolução do conflito, os Precedentes Judiciais podem estar inclusos nestas, sendo – facultativamente – um dos seus elementos. Assim, todos os pontos supracitados sobre as distinções entre Precedente e Sentença servem, também, para fundamentar a diferenciação que existe entre Precedente e Decisão Judicial.
A jurisprudência, em linhas gerais, pode ser conceituada como a aplicação reiterada de um precedente. Mancuso (2001, p. 137) a define como sendo: “totalização do resultado final da função jurisdicional do Estado”. Neste mesmo sentido, Ferro (1990, p. 90) conceitua o instituto como sendo: “o complexo de decisões reiteradas, acerca de determinada matéria, pronunciadas por órgãos colegiados do Poder Judiciário, no efetivo exercício da atividade jurisdicional”.
Sobre a jurisprudência, Reale (2013, p. 76) afirma que: “palavra 'jurisprudência' (stricto sensu) devemos entender a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais”. Nesta perspectiva, Lourenço (2011, p. 128) a define:
A jurisprudência é a reiterada aplicação de um precedente, podendo virar, inclusive, uma jurisprudência dominante que, como o próprio adjetivo já informa, é a orientação que prevalece. É o conceito utilizado, por exemplo, pelos artigos 557 e 557 §1º-A do CPC, para, respectivamente, negar ou dar provimento ao recurso, bem como mencionado nos arts. 120, parágrafo único, 543-A §3º, 543-C §2º, 544 §4º, II, “b” e “c”, todos do CPC. Nos sistemas que se baseiam tradicionalmente e tipicamente no precedente, geralmente a decisão que assume caráter de precedente é uma só, contudo, em sistemas como o nosso, faz-se referência a muitas decisões.
Sobre a importância do instituto, Cruz e Tucci (2004, p. 296) observam:
A jurisprudência consolidada garante a certeza e a previsibilidade do direito e, portanto, evita posteriores oscilações e discussões no que se refere à interpretação da lei. Os cidadãos baseiam as suas opções não apenas nos textos legais vigentes, mas, também, na tendência dos precedentes dos tribunais, que proporcionam àqueles, na medida do possível, o conhecimento de seus respectivos direitos.
O conceito de Jurisprudência, por vezes, é usado com certa atecnia. Neste sentido, Souza (2007, p. 41) assevera:
O termo jurisprudência é usado, no linguajar jurídico, em, pelo menos, quatro sentidos: a) como sinônimo de filosofia ou ciência do direito; b) significando uma série de decisões judiciais uniformes sobre uma mesma questão jurídica; c) representando, de modo menos preciso, o conjunto de decisões judiciais de um país como um todo; d) referindo-se, impropriamente, a uma decisão judicial “isolada”.
No presente estudo, forma-se o conceito norteador de jurisprudência como sendo o complexo de decisões reiteradas, a partir de uma série de pluralidade de decisões uniformes. Em linhas gerais, pode ser formada na utilização de determinado precedente por diversas vezes.
Para o professor Taruffo (2010, p. 142-143), a distinção entre os institutos da Jurisprudência e do Precedente Judicial é caracterizada como sendo:
Quando se fala em precedente se faz normalmente referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala da jurisprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante ampla relativa a vários e diversos casos concretos [...] em regra a decisão que se assume como precedente é uma só, de modo que fica fácil identificar qual decisão faz precedente. Ao contrário nos sistemas nos quais se alude à jurisprudência, se faz referência normalmente a muitas decisões: às vezes são dúzias até mesmo centenas.
Assim, nota-se uma distinção quantitativa entre Precedente Judicial e Jurisprudência. De um único caso, pode-se surgir um Precedente. Por outro lado, para a construção de uma Jurisprudência, existe o requisito da pluralidade de decisões em um mesmo sentido. Ou seja, apesar de, em abstrato, constituírem orientações futuras para casos análogos, a Jurisprudência carece de uma quantidade razoável de decisões uniformes para se configurar.
Pode-se concluir, ao final deste tópico, que, primeiramente, de uma decisão judicial (que pode ser constituída de uma sentença ou acórdão) surge um precedente judicial. Após, da aplicação constante de um precedente, cria-se uma jurisprudência. Destes institutos, desenvolve-se a súmula, haja vista que esta é a própria norma em que se baseou um precedente judicial e que, consequentemente, gerou um jurisprudência.