3 CORTE DE CABELO: ORIGEM,CUIDADOS COM A AUTOIMAGEM E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Os cabelos são da maior importância para os mais diferentes povos,em diferentes regiões e nas diferentes épocas, são capazes de ser objeto de identificação de determinado grupo e cultura.
Segundo Pereira (2001), desde o início da humanidade o homem tem se preocupado com seus cabelos,inicialmente para proteger o crânio de traumatismos e insolação e posteriormente como adorno, sendo venerado pelas culturas, religiões, classe social, impérios. Logo sua perda afeta diretamente o âmago das pessoas.
De acordo com Oliveira (2007), para muitos povos, o primeiro corte dos cabelos é ocasião de importante cerimônia para proteger contra os maus espíritos. Entre os incas, o primeiro corte de um príncipe herdeiro ocorria quando ele completava dois anos. O futuro rei recebia seu cabelo e se tornava uma pessoa; perdia os cabelos ligados à vida pré-natal, dissociando sua força vital da de sua mãe, o que era confirmado pelo desmame.
Ainda de acordo com o autor citado:
O corte dos cabelos simbolizava a cesura do nascimento psíquico, o rompimento do estado simbiótico da primeira infância, permitindo que se alcançasse a individuação e uma identidade própria.Associada à ideia de cabelos = virilidade, vem a do corte dos cabelos como emasculação, mutilação, humilhação. Isso é encontrado no mito bíblico de Sansão, na China e entre alguns índios da América do Norte. Em todo o mundo a entrada para o estado monástico inclui o corte dos cabelos como sinônimo de renúncia e sacrifício. Uma variante é o uso da tonsura pelos clérigos. No caso de criminosos, cabelos cortados rente marcam a humilhação, publicam o delito e expõem socialmente a pessoa. Criminosos e loucos tinham os cabelos raspados quando recolhidos às instituições, como forma de tirar-lhes a identidade.
O corte e a disposição da cabeleira demarcam a personalidade, a função social ou uma mudança no tipo de vida. É também algo civilizatório: cabelos e crianças não podem crescer desordenadamente, precisam ser “cortados” para que ganhem “forma”. (OLIVEIRA,2007)
Para Marques (2009), o corte de cabelo foi e ainda é praticado como forma de punição e está muitas vezes associado a perda da honra.
Vive-se numa sociedade que privilegia a juventude como sinal de potência e vitalidade;envelhecer é como perder o sentido real da vida, é estar impotente e, dessa forma, não há possibilidade de considerar o amadurecer e a sabedoria alcançados com o “aprender com a experiência” como algo bom.
Na cultura atual imediatista e que nada tem valor, procura-se a todo custo destruir o mundo mental responsável pela percepção e pela consciência da finitude.
Quando os primeiros fios de cabelo branco aparecem indicando que o tempo passou o primeiro passo é tingi-los. É possível perceber a infinidade de produtos para cabelos, tipos de escovas, pentes e técnicas e a era da reafirmação da identidade negra com a estimulação ao uso dos cabelos crespos e enrolados naturalmente.
É grande o número de pessoas que se submetem a tudo isso e o tempo despendido, enorme, medida da importância que os cabelos têm para a economia psíquica.
Dentro desse quadro, seja numa situação narcísica de exagerado culto à vaidade, seja de cuidados com a vida, os cabelos têm posição de destaque. (Oliveira,2007)
4. PRESÍDIOS BRASILEIROS: REGRAS E ORDENAMENTOS
Nessa seção são apresentados os presídios brasileiros,suas regras e ordenamentos ditadas por leis e decretos de cada estado baseadas na Lei de Execução Penal de 1994.
A subseção traz a explanação da compulsoriedade e padronização do corte de cabelo dentro do sistema penitenciário com base no dever de higiene pessoal, sua inconstitucionalidade à luz dos direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, bem como o tratamento desigual dispensado para aqueles de sexo oposto e os declaradamente de gênero diverso, mas em situação de equiparação.
O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 38, diz que: “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito a sua integridade física e moral.”
A Lei de Execução Penal, em seu artigo 1º, traz o seu objetivo que, além de efetivar a decisão criminal, deve proporcionar condições para a integração social do condenado.
Visando a essa integração, é garantida ao preso assistência material à saúde, jurídica,educacional,social e religiosa, com grandes dimensões e finalidade para preservação da dignidade e da moral. O capítulo IV trata dos deveres, direitos e disciplina,estando elencado no artigo 39 inciso IX a higiene pessoal e aceio da sela ou alojamento como dever.
A Lei nº 11.404, de 25 de janeiro de 1994 assegura que:
Art. 118 – Aos sentenciados serão destinadas celas individuais
Art. 122 – O sentenciado poderá usar o vestuário próprio ou o fornecido pela administração, adaptado às condições climáticas e que não afete sua dignidade.
Art. 123 – O sentenciado disporá de roupa necessária para a sua cama e de móvel para guardar seus pertences.
Art. 124 – A higiene pessoal é exigida de todos os sentenciados.
Parágrafo único – A administração do estabelecimento fixará horário para os cuidados de higiene pessoal dos sentenciados e colocará à sua disposição o material necessário.
O Regulamento de Normas e Procedimentos do Sistema Prisional do estado de Minas Gerais (ReNP) que tem como objetivo regular as atividades desenvolvidas nas unidades de forma padronizada quanto ao atendimento ao preso, aborda tanto as ações que devem ser realizadas pelo setor administrativo,como o operacional, no caso dos agentes de segurança penitenciária, envolvendo comportamento quanto ao preso, organização, medidas e procedimentos no ambiente em geral.
De acordo com o Relatório sobre a situação do Sistema Penitenciário emitido pelo Ministério da Justiça, no Brasil não existe um estatuto ou regimento interno único e padronizado aplicável a todas as unidades prisionais.
Cada estado e, em alguns casos, cada unidade, possui seu estatuto ou regimento próprio com base na lei aprovada por seu estado.
No caso do estado de Minas Gerais ora citado, o Sistema Penitenciário possui regimento único, regido pela Lei nº 11.404, de 25 de janeiro de 1994, dado pela Resolução nº 776, de 03 de março de 2005, da Secretaria de Estado de Defesa Social.
O Regulamento do Sistema Penal do estado do Rio de Janeiro,dado pelo Decreto estadual nº 8.897 de 1986, em seu capítulo IV, seção I, dos direitos e da disciplina dos direitos fundamentais indisponíveis, dispõe que:
Art. 55 – São direitos fundamentais e indisponíveis do condenado:
I - ver respeitada sua condição de ser humano;
II - estar imune a exigências que possam degradá-lo de tal condição, especialmente quanto a procedimentos incompatíveis com a dignidade dela;
III - estar ao abrigo de que a aplicação dos dispositivos legais referentes aos seus deveres (Lei de Execução Penal, art. 39) resultem em constrangimento à personalidade ou violação à capacidade de autovolição.
IV - isentar-se da aplicação de técnicas de condicionamento psicológico, que visem a alterações de comportamento.
Parágrafo único – Aplica-se ao preso provisório no que couber, ao internado, o disposto neste artigo.
Destaca-se que o Brasil é signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, confirmado pelo Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992, que entrou em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992, na forma de seu art. 49, § 2°.
Prevê o artigo 10 do referido Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos:
1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.
2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoa não-condenada.
b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível.
3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação normal dos prisioneiros. Os delinquentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.(BRASIL, 1992)
O artigo citado faz menção ao respeito e dignidade com que os presos devem ser tratados dentro do Sistema Prisional, inerentes à pessoa humana. O que não pode ser constatado em um âmbito geral, em que, ao se comparar a realidade dos presídios e os direitos fundamentais, nota-se a total negligência, descaso e desumanidade.
A Resolução número 14, de 11 de novembro de 1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no uso de suas atribuições legais e regimentais estabelece as regras mínimas para tratamento de presos no Brasil, considerando a recomendação, dada pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o Brasil é Membro,dispõe em seu artigo 3º que: “é assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.”
“A pena de prisão no Brasil possui uma excelente base teórica, entretanto, a mesma ao ser aplicada, torna-se uma “arma maléfica” contra os detentos e a própria sociedade, não contribuindo para a paz social e a devida ressocialização.” (PACI,2014)
4.1 O corte de cabelo nos presídios brasileiros e sua inconstitucionalidade
Como já discorrido em todos os capítulos deste trabalho, a lei brasileira é evidentemente bem desenhada e estruturada. Buscou o legislador abordar todos os itens relevantes ao bem estar social e preservação do homem acima de qualquer coisa. Porém o Estado não tem efetivamente assumido a responsabilidade em cumprir essa lei,negligenciando a essência humana em si através do direito que resguarda sua dignidade.
O corte de cabelo na maioria dos presídios brasileiros segue uma padronização, trazida pelo regimento interno administrativo ou por portaria,tendo como justificativa a higiene pessoal.
O artigo 378 do Regulamento de Normas e Procedimentos do Sistema Prisional do estado de Minas Gerais (ReNP), traz o texto a seguir:
§ 1º O corte de cabelo será realizado por preso, previamente autorizado, o qual utilizará máquina pente número 03 (três) ou equivalente quando o corte for realizado com tesoura.
§ 2º O corte de cabelo não será obrigatório para mulheres e para as pessoas de orientação sexual prevista na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014.
§ 3º O preso que desejar raspar o cabelo deverá assinar um termo de responsabilidade.
Nos presídios federais, o corte de cabelo é realizado de acordo com o parágrafo 2º, inciso VIII, da portaria nº 1.191 de 19 de junho de 2008, do Ministério da Justiça, que dispõe:
Art. 2º Compete ao Chefe da Divisão de Segurança e Disciplina, e, na sua ausência e de seu substituto legal, ao Chefe da Equipe de Plantão, coordenar a realização dos seguintes procedimentos, durante a inclusão de presos:
VIII - realizar o processo de higienização pessoal, incluindo:
a) cortar cabelo, utilizando-se como padrão o pente número “2” (dois) da máquina de corte;
b) raspar barba;
c) aparar bigodes.
O parágrafo 4º da mesma portaria diz que: “o preso cuja custódia cautelar decorrer de Mandado de Prisão Temporário não está sujeito ao disposto no inciso VIII e suas alíneas, enquanto permanecer nessa condição.”
A Resolução SEAP 558 de 29 de maio 2017, estabelece diretrizes e normativas para o tratamento da população LGBT no sistema penitenciário do estado do Rio de Janeiro.
Considerando o art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o art. 50.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas (1989) e seu Protocolo Facultativo (2006), as Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos das Nações Unidas (1955), as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (2010), e todos os outros instrumentos internacionais aplicáveis à matéria, bem como os Princípios de Yogyakarta (2006) sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero; garante-se ao preso quanto ao corte de cabelo:
Art. 5º - À pessoa travesti ou mulher transexual e homem transexual em privação de liberdade será facultado o uso de roupas íntimas femininas ou masculinas, bem como a manutenção de cabelos compridos,se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero.
Parágrafo Único - Deverá ser respeitado a manutenção de cabelos femininos das pessoas travestis e das mulheres transexuais na porta de entrada, nas transferências e durante a sua permanência no sistema penitenciário. (RESOLUÇÃO SEAP 558,2017)
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º diz que todos são iguais perante a lei sem nenhuma distinção. Vale ressaltar que de acordo com a Resolução Conjunta de 15 de abril de 2014, e a 558 de 29 de maio de 2017, já há diferenciação quanto ao corte de cabelo,pois as presas femininas e aqueles que escolheram outro gênero não são submetidos ao corte havendo então tratamento diferenciado para os iguais, nesse caso,presidiários, que em cumprimento de pena pertecem à mesma classe dos apenados, mas quanto às regras, não.
É fato que o Sistema Prisional Brasileiro precisa ser reanalisado, por não cumprir o propósito para o qual foi inicialmente criado: “cumprimento da pena e ressocialização.”( Lei de Execução Penal,1984).
A forma desumana e degradante com que os presos estão sendo tratados há anos, é apenas um dos itens negligenciados pelo Estado dentre tantos outros. A ressocialização a que objetiva a Lei de Execução Penal passa a ser uma utopia; o cárcere que deveria dignificar os detentos passa a ter critérios apenas punitivos proliferando ainda mais a criminalidade. (PACI,2014)
Os condenados ao cumprirem sua pena cujo castigo é duplamente aplicado, a jurídica por meio da condenação e a social por meio da segregação é desumana e fere os direitos à dignidade e personalidade. Os erros dos apenados devem ser corrigidos e a possibilidade de se integrarem à sociedade deve ser dada. A proibição de que os presos fossem identificados por números foi uma conquista, porém continuam sendo estigmatizados pelas padronizações existentes, uma vez que cada ser humano é único e deve ser tratado como tal.
Como retrata Gonçalves:
Mostra-se necessário que o Brasil, enquanto país em processo de desenvolvimento, garanta a seus cidadãos a possibilidade de superarem a pobreza e a miséria sendo que, para tanto, devem ser promovidos mecanismos de concretização dos direitos fundamentais, sendo esta uma das principais estratégias no combate ao vertiginoso aumento da criminalidade, uma vez que, afastado o estado de penúria, o cidadão deixará de encontrar tantos estímulos para a prática de delitos.(GONÇALVES,2013)
Além das regras estabelecidas na publicação do Centro de Direito do Homem das Nações Unidas, elaborado pela ONU, destaca-se, também, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o qual estabelece que toda a pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.
Bitencourt (2004) afirma que: “a prisão, em vez de frear a delinquência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado; mas possibilita degradações.”
Sob essa ótica, Brizzi (2008) compartilha:
A partir do momento em que ocorre o abandono dos ideais de reabilitação, estes passam a ser substituídos por fatores de retribuição,até porque a sociedade clama por uma resposta frente à crescente onda violência e,o sistema,da forma como está estruturado,não tem respondido satisfatoriamente.(BRIZZI,2008)
Quanto à inconstitucionalidade,a literatura jurídica trata como falta de conformidade com a norma vigente,neste caso,com a Constituição Federal de 1988. O tema em questão divide opiniões com pontos de vista jurídico diferentes.
“Concernente aos presídios brasileiros há um “estado de coisas inconstitucional”, termo esse importado da Corte Constitucional da Colômbia, e que reconhece a incostitucionalidade como fenômeno multidimensional.”(PEREIRA,2015)
Considerando o panorama da realidade situacional dos presídios brasileiros, existe uma recente decisão da ADPF nº 347, que postula a intervenção do Judiciário no calamitoso e flagelante sistema carcerário brasileiro.
No que se refere especificamente ao corte de cabelo, além de ferir os direitos de personalidade e dignidade inerentes a todo ser humano e, portanto, também do preso, retira a identidade própria inerente à individualidade. A compulsoriedade e padronização do corte de cabelo traz segregação ao reportar sua imagem ao presídio.
Macedo (2004), com base na Teoria das Instituições Totais de Goffman, diz que: “o corte de cabelo dos presos constitui violação do próprio corpo, pois constitui ato de agressão mesmo sem uso de violência, fazendo com que não disponham do uso da própria imagem.”
No Distrito Federal, a magistrada Leila Cury, decidiu em 29 de setembro de 2017 que travestis e transexuais não poderão ter seus cabelos naturais cortados pelo fato de deixar de reconhecer a própria identidade de gênero ou de não se dar tratamento digno. O presidente do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos Michel Platini, corrobora com a decisão da juíza, pois para ele, “a dignidade que até então subexistia,passa a existir de fato.”(Vide G1)
O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro obteve em nove de novembro de 2011, em caráter liminar,junto à 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a decisão que proíbe a submissão dos presos sob custódia da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Segurança Pública ao corte de cabelo e barba de forma compulsória. Até então, todo preso, obrigatoriamente, tem cabelo e barba raspados ao entrar na penitenciária, o que, para a Defensoria, viola um direito fundamental de preservação da identidade e da individualidade.
A decisão dá aos presos a opção de raspar ou não os cabelos, e determina ao Estado que forneça material necessário à higiene pessoal. A decisão, no entanto, foi revertida por dois votos contra um a favor. Os desembargadores da 5ª Câmara Cível decidiram que a medida do corte de cabelo deve continuar por questões de saúde e higiene, principalmente, para impedir a proliferação de pragas e manutenção da disciplina nas unidades prisionais.
A Defensoria Pública, entretanto, interpôs dois recursos contra a decisão,um destinado ao Superior Tribunal de Justiça e outro ao Supremo Tribunal Federal. Ambos ainda estão sendo analisados pela 3ª Vice-Presidência da Corte, para só então serem encaminhados ou vetados aos tribunais superiores.
No ano de 2003, a Bulgária foi considerada violadora de normas internacionais que proíbem a prática de tortura e tratamento degradante e desumano aos presos, pela Corte Europeia de Direitos Humanos, porquanto determinou que o senhor, Todor Antimov Yankov, tivesse o seu cabelo cortado compulsoriamente (caso Yankov vs. Bulgária), dentre outras ações de cunho degradante que culminaram em sua punição.
Caso semelhante ao que ocorre no sistema prisional brasileiro. Seguem trechos da decisão que pode ser aplicado ao Brasil por aderir a Pactos Internacionais que seguem a mesma linha.
113. Além disso, há pelo menos um determinado período de tempo um prisioneiro cujo cabelo foi raspado carrega uma marca do tratamento que ele sofreu. A marca é imediatamente visível para os outros, incluindo o pessoal da prisão, co-detentos e visitantes ou do público, se o prisioneiro é libertado ou levado para um local público logo depois. A pessoa em causa é muito provável que se sinta ferido em sua dignidade pelo fato de que ele carrega uma marca física visível.
114. O Tribunal considera, assim, que o barbear forçado dos cabelos é, em princípio, um ato que pode ter o efeito de diminuir a sua dignidade humana ou pode despertar neles sentimentos de inferioridade capazes de humilhar e rebaixá-los. Quer ou não o limiar mínimo de gravidade é atingido e, consequentemente, se ou não o tratamento impugnado constitui degradante contrária ao artigo 3 da Convenção dependerá dos fatos particulares do caso, incluindo a vítima circunstâncias pessoais,o contexto no qual o ato denunciado foi levada a cabo e o seu objetivo.
117. O Tribunal considera, portanto, que mesmo que não tinha a intenção de humilhar, a remoção do requerente “cabelos” sem justificação específica contida em si um elemento punitivo arbitrária e, portanto, suscetíveis de aparecer em seus olhos para ser destinado a rebaixar e / ou subjugar.
A Convenção Americana de Direitos Humanos 1969, mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de que o Brasil é signatário, traz em seu artigo 5º o direito à integridade pessoal e segue:
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.
Tal artigo corrobora com a decisão dada pela Corte Europeia de Direitos Humanos quanto à violação da dignidade e o tratamento humilhante destinado ao apenado em questão.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do estado do Espírito Santo, Homero Junger Mafra, lamenta sobre o corte de cabelo forçado em muitos presídios da Federação e considera como uma afronta à dignidade da pessoa humana, pois segundo ele, trata-se de uma intervenção corpórea, não resguardando a integridade física do preso.
A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, Nara Borgo, diz que a escolha do corte de cabelo é uma da poucas formas de o preso manter sua individualidade, é algo pessoal, que não há necessidade de intervenção. A alegação de que é uma questão da higiene não é verdadeira porque senão teriam que raspar os cabelos das mulheres também.