6. AS CONSEQUENCIAS DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
Não é difícil discernir, frente ao exposto e até o momento, que a possibilidade de suspensão do fornecimento de energia pelo fato do inadimplemento, acarrete diversas consequências jurídicas.
A princípio, conforme incessantemente debatido, o termo “serviço público essencial” é a atividade que confere ao indivíduo o básico para sua sobrevivência. Entretanto, a Lei nº 7783/89, que dispõe sobre o direito de greve, discrimina quais seriam esses serviços essenciais. Segundo o artigo 10 :
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária. (GRIFO NOSSO)
Logo, fica claro que o fornecimento de energia elétrica é considerado e expresso em lei como um serviço essencial, apesar da discordância de uma boa parte da doutrina. Não fica difícil imaginar porque, refletindo os detalhes da vida cotidiana, percebemos o quão importante é a utilização deste serviço, seja para higiene pessoal, conservação de alimentos, lazer, etc. Este é o mínimo, mas indispensável no dia a dia.
Sendo, portanto, o fornecimento de energia um serviço público essencial, a sua prestação estará sujeita aos princípios que regem os serviços públicos e suas normas, ao Código de Defesa do Consumidor e principalmente a Constituição Federal.
A característica de serviço público, denota que sua finalidade será de atender as demandas da coletividade e sendo assim, ficará o Estado com o encargo de fiscalizar e regular os serviços, para que possa garantir uma prestação adequada e segura.
Desta forma, a suspensão do fornecimento de energia, viola vários princípios consagrados pela legislação, a começar pelo princípio da dignidade da pessoa humana, pois tira do indivíduo o direito de ter acesso a um serviço essencial para sua sobrevivência, impedindo-lhe de ter uma existência digna. Assim, traduz a inconstitucionalidade da norma que permite a suspensão desse serviço.
Além disso, o corte do fornecimento da energia, constrange e humilha o indivíduo, ferindo o exposto no Código de Defesa do Consumidor, que junto ao ordenamento jurídico, busca a defesa da dignidade humana.
A interrupção do serviço de energia, acarreta em dificultar que o indivíduo transforme esta situação, pois, desta forma, fica inviável melhorar sua condição econômica e evitar novos cortes de energia por falta de pagamento, já que sem energia não tem as mínimas condições de uma vida digna.
Portanto, a Lei nº 8987/95 em seu artigo 6º, §3º, bem como a Resolução nº 414 da ANEEL, não têm amparo Constitucional, pois a dignidade da pessoa humana está acima de qualquer outro princípio que beneficie o interesse pecuniário.
Infringindo as condições básicas de sobrevivência do indivíduo, outros princípios também serão afetados. Como visto no início desse trabalho, o princípio da supremacia do interesse público, obriga o Estado a administrar de forma a cumprir suas atividades em favor do interesse coletivo. Portanto, se o Estado não preserva a dignidade humana , que deve ser interesse público, logo, não estará cumprindo com o principio da supremacia do interesse público.
Outro princípio afetado será o princípio da legalidade. Para que haja uma devida interpretação da lei, é preciso que sua hermenêutica considere o contexto ao qual ela esteja inserida. Quando uma empresa concessionária suspende o fornecimento da energia, mesmo que baseada em lei especial, não estará de acordo com a Constituição e violará vários princípios, principalmente o princípio da dignidade humana.
A livre suspensão do fornecimento de energia, também impede que o usuário conteste a sua dívida judicialmente e exerça o seu direito de inversão do ônus da prova. Fica claro que desta forma não é possível garantir o direito ao princípio do contraditório e ampla defesa.
Como não poderia deixar de ser, ocorrendo a interrupção do fornecimento de energia, considerando que este serviço é essencial e o Código de Defesa do Consumidor estabelece que sua prestação deve ser contínua, haverá violação ao princípio da continuidade e portanto, ilegalidade.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma crescente abordagem conceitual e principiológica, foi demonstrado no presente estudo que, o serviço de fornecimento de energia elétrica está inserido no campo dos serviços públicos essenciais, bem como a sua importância para a concretização de uma vida digna e a problemática acerca da sua suspensão por falta de adimplemento.
Longe de ter a pretensão de esgotar-se o assunto neste trabalho, é possível concluir que, conforme categoricamente explanado e fundamentado, sendo o fornecimento de energia um serviço essencial, está intrínseco ao princípio da continuidade. Logo, sua interrupção viola princípios Constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, dentre tantos outros citados. Frente a esta ilegalidade é possível concluir que, as empresas concessionárias prestadoras deste serviço, façam valer de outros meios para requerer que os débitos sejam quitados.
Diversas são as soluções que podem ser adotadas a fim de evitar o corte do fornecimento de energia. A princípio, vale ressaltar que diversas são as famílias brasileiras que vivem em condições de desfavorecimento econômico, impedidas de utilizar este recurso tão importante para a sobrevivência. Desta forma, algumas sequer tem o fornecimento de energia na sua região, o que deveria ser interesse do Estado em resolver, mas segue ignorado.
Assim, inicialmente, entende-se que o Estado que tem a obrigação de resguardar os anseios da coletividade, deve não apenas criar programas para que o serviço de energia chegue ao máximo de famílias. A curto prazo, seria possível mudar este quadro, através de programas assistenciais que por meio de classificação econômica e social, detectaria famílias de baixa renda para que tivessem acesso a energia com taxas diferenciadas. Outra solução a longo prazo, seria o incentivo à pesquisa, para que novas fontes de energia, a custos mais acessíveis fossem distribuídas. Além do mais, diversos são os estudos que alertam sobre a escassez de água que piora a cada dia. O investimento em captação de energia sustentável, além de ser uma solução com a possibilidade de ser menos onerosa, ainda beneficiaria o meio ambiente.
Quanto à cobrança dos débitos pelas concessionárias aos usuários inadimplentes, é possível penalizá-los através da inserção do usuário aos serviços de proteção ao crédito. Além disso, os débitos pretéritos podem ser reivindicados por via judicial. Isso porque, o Código de Defesa do Consumidor protege o usuário porque este é considerado vulnerável em relação à empresa concessionária de fornecimento de energia, devido a seu grande poder econômico que a torna superior em face do usuário.
Portanto, conclui-se que a suspensão da energia elétrica configura desrespeito a princípios inerentes aos serviços públicos, como por exemplo, o principio da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, da supremacia do interesse público; aos que fundamentam a proteção e defesa do consumidor, como da continuidade, da boa fé, da vulnerabilidade e, por fim, ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Em suma, ocorrendo a suspensão da energia face o inadimplemento, todos os princípios e fundamentos aqui apresentados são violados, o que torna esta prática inconstitucional e ilegal.
DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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