É possível habeas corpus para evitar prisão por pensão alimentícia?

02/12/2017 às 21:59
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O presente artigo tecerá breves considerações acerca da possibilidade de promoção de Habeas Corpus em casos de pensão alimentícia para se evitar prisão.

O instituto do habeas corpus tem sido usualmente utilizado com a intenção de liberar o devedor por pensão alimentícia, entretanto, trazemos em breves palavras, numa análise crítica acerca da sua efetividade prática, ou seja, se é possível aplicar referido instituto.

A Constituição Federativa do Brasil, especificamente, no artigo 5°, LXVIII, estabelece que o habeas corpus será cabível sempre que for ameaçada a liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Em se tratando de pensão de alimentos, existe a possibilidade do devedor ser preso se não efetuar o pagamento de pensão alimentícia estipulada por acordo ou decisão judicial, sendo segregado em regime fechado de um a três meses, devido à dívida em atraso.

Pois bem. Ao que parece, existe um entrechoque, se de um lado o devedor que se nega a pagar os alimentos, por outro lado, temos o Habeas Corpus como instrumento processual. No entanto, é possível vislumbrar a ameaça de sua liberdade para aplicação do referido Habeas Corpus pelo simples fato de ser devedor de alimentos? Entendemos que não.

A ameaça de sofrer a segregação forçada somente será considerada quando estiverem presentes outros requisitos, como uma ilegalidade, ou seja, algo fora dos patamares previstos em lei, como também, o abuso de poder.

Neste ponto, é preciso esclarecer que, se o cerne da questão é evidentemente de fato, não se pode aplicar o Habeas Corpus, pois, se houver prazo legal para o Agravo de Instrumento ou outro instrumento processual, deve-se privilegiar estes institutos processuais em relação ao HC, eis que a prisão está de acordo com a previsão estabelecida em lei.

 O mero inadimplemento da obrigação alimentar deverá persistir, tendo em vista que o devedor poderá até mesmo alegar sua impossibilidade financeira para o pagamento de alimentos, mas isso não significa dizer que a sua responsabilidade exonera-se instantaneamente.

É muito improvável vislumbrar um abuso de poder em casos de inadimplemento de pensão alimentícia. Citamos, como exemplo, a dívida já quitada com os devidos comprovantes de pagamento como elementos probatórios.

No tocante à ilegalidade é preciso levar em consideração o que dispõe o artigo art. 648, III, do CPP: "A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; (...)".

É sobre tais incisos do artigo acima que podemos compreender como algumas das situações descritas como ilegais. Vejamos:

I - quando não houver justa causa:

Sob a ótica do processo penal, a justa causa compreende-se como condicionante da ação penal, no qual deverá atender-se para a existência do fundamento jurídico e suporte fático que caracterizam o constrangimento. Trata-se, portanto, a justa causa para a prisão se não houver justo motivo existencial no tocante à ilegalidade da prisão.

Para fins de nosso tema, podemos citar, como exemplo, pessoa que nunca deixou de pagar a pensão alimentícia nos prazos e valores estabelecidos, e houve, entretanto, o mandado de prisão civil. Obviamente, no caso como este deverá provar o seu pagamento da obrigação de forma integral e não parcial. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento por meio da Súmula 309, que: “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo". Assim, decreto de prisão que cumpre esse requisito não constitui constrangimento ilegal.

Há situações que é desnecessário o cumprimento da obrigação alimentar de pessoa que sequer tenha relação, seja em razão da matéria ou mesmo processualmente. Citamos, por exemplo, que o sobrinho requeira judicialmente a pensão alimentícia em face de seu tio, mesmo ciente de que tem todos os familiares, por apenas pensar que seu tio tem melhores condições financeiras que seus pais e avós. Observe-se que, neste caso, o tio não tendo o dever de pagar pensão, entretanto, o magistrado determine que seja paga determinada quantia em dinheiro. Assim, cabível o Habeas Corpus em face da decisão sem justo motivo do juiz.

II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei

Na hipótese acima, pode-se enfrentar numa situação na qual houve o excesso de prazo na prisão, no qual poderá promover o habeas corpus.

É possível afirmar que ninguém poderá ficar em estabelecimento prisional ou mesmo preso numa Delegacia de Policia, além do prazo estabelecido em lei, sob pena de descumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana, razoabilidade e proporcionalidade.

De certo, existe um prazo razoável também para as prisões provenientes de alimentos, conforme prevê o artigo 528, § 3°, do Código de Processo Civil de 2015, “in verbis”:

Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

Neste sentido, escoado o prazo acima especificado em lei, por si só, será considerado constrangimento ilegal, podendo ser concedida a liberdade ao Executado de pensão alimentícia.

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III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo

A questão de competência de quem ordena a prisão por pensão alimentícia é ponto crucial e marcante para saber se há ou não sua ilegalidade. A competência tem por escopo fornecer elemento base previsto na lei, no qual apontará quem é o órgão competente para julgar determinada demanda. Podemos citar, como exemplo, determinado Exequente que entra com pedido de execução em comarca ou foro diverso das partes[1].

Neste sentido, a coação é caracterizada devido a incompetência para realização de qualquer ato processual, seja em relação à pessoa ou mesmo à matéria a ser julgada.

Na prática, as ações de alimentos serão propostas no foro do domicílio do Autor/Exequente, como medida necessária para facilitar quanto ao adimplemento das obrigações por parte do Réu/Executado.


Nota

[1] TJ-MG - Habeas Corpus Cível HC 10000140077322000 MG (TJ-MG)

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Sobre o autor
Luiz Fernando Pereira

Advogado atuante em Internacional, Criminal, Família, Tributário, Empresarial, Administrativo, Civil.

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