Capa da publicação Desjudicialização da execução fiscal
Artigo Destaque dos editores

Desjudicialização da execução fiscal

Exibindo página 3 de 4
15/12/2017 às 12:45
Leia nesta página:

5. Conclusão

O Estado Fiscal, firmado no valor-fonte da dignidade da pessoa humana, deve ser por toda a coletividade suportado, à luz dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade. A justiça fiscal consubstancia o dever fundamental de pagar tributos. Nesse contexto, a inexistência de cobrança efetiva por parte daquele que se encontra inadimplente, além de lesar o Estado, afeta, também, aos demais contribuintes. Daí porque dispor de um mecanismo de recuperação de crédito eficiente para favorecer a repartição da carga tributária, de modo a contribuir para a cidadania fiscal.

Demonstrou-se com o presente estudo que o modelo hodierno de execução fiscal está distante de proporcionar uma tutela jurisdicional satisfativa. Para isso bastaria invocar os incontestes relatórios divulgados, amplamente, pelo Conselho Nacional de Justiça. Há de se buscar, portanto, soluções alternativas a esse quadro de inefetividade.

Nesse ideário, avultou-se fundamental a compreensão de institutos do direito comparado que, sobremaneira, inspiraram a temática a que se propõe, qual seja: a desjudicialização, assim entendida a possibilidade de se tutelar aquilo que se pretende fora da órbita do Poder Judiciário, sem que isso implique, necessariamente, em sua exclusão.

Com visto, muito são os países, mormente europeus, que implementaram o modelo desjudicializado dos atos executórios, em seus variados níveis e arranjos: quer por meio de agentes de execução (público, privado ou híbrido), quer com a ingerência estatal ou sem ela, quer com máxima ou diminuta autonomia.

Ademais, da experiência haurida pelo direito alienígena, é, pois, evidente que a outorga à Administração dos atos executivos desanuviaria o Judiciário ao tempo em que tornaria mais célere a cobrança de crédito público.

Para tanto, não é suficiente o simples traslado das reformas concretizadas, por exemplo, no direito francês ou português. Antes, porém, importa a compatibilização às normas constitucionais. Eis, portanto, a preocupação em evidenciar os permissivos legais que autorizariam a adoção da desjudicialização.

Primeiramente, destaca-se que não há violação à reserva de jurisdição, uma vez que os atos meramente executivos são despidos de natureza jurisdicional, tornando, por conseguinte, factível a atribuição das medidas constritivas aos agentes de execução. Ainda, cumpre salientar que a Administração estará cingida aos atos executórios, de modo que em havendo conflitos de interesse, resguardar-se-á às partes o ingresso ao Poder Judiciário.

Segundamente, em razão da acessibilidade ao Judiciário, permitindo o exercício do controle judicial de atos administrativos intentados pela Administração, não há que se falar em vitupério ao princípio constitucional da separação dos poderes nem tampouco à inafastabilidade do poder jurisdicional.

À luz das evidências, resta confirmada a viabilidade constitucional da desjudicialização. No entanto, incorrer-se-ia em erro se se afirmasse ser a única alternativa para a efetividade. Outras medidas poderiam ser cogitadas, a exemplo da própria arbitragem e/ou conciliação, mediação. Mas não só.

De toda sorte, remanesce como alternativa a ser perquirida o Projeto de Lei 5.080/2009 que, sem implicar larga desjudicialização, prevê a constrição preparatória de bens, também denominada pré-penhora. Só por isso já é louvável, visto que a exequibilidade do executivo fiscal encontra-se umbilicalmente atrelada à qualidade da penhora e, se esta for assegurada, maximizada estará a satisfação do crédito.


Referências:

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 1ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

ASSIS, Araken de. Manual da execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2002.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi.

______. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. Atualização de Misabel Abreu Machado Derzi

______. Uma introdução à ciência das finanças. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

BARSA, Nova Enciclopédia. Ricardo I, Coração de Leão. V.12. ed. Barsa Consultoria Editorial Ltda, 2001.

BOBBIO, Norberto. O significado clássico e moderno de política. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

______. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Edipro, 2011.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2013.

BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. São Paulo: Malheiros, 2013.

BRASIL. Código Civil. Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

______. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributári o aplicáveis à União, Estados e Municípios.

______. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código de Processo  Civil. 2010. p. 7

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

______. Lei de Execução Fiscal. Lei nº. 6.830 de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências.

______. Projeto de Lei nº 5.080/2009. Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública e dá outras providências. Altera a lei 6.080, de 1980.

______. Supremo Tribunal Federal. ADPF 45. Relator: Min. Celso de Mello. Julg. 29 de abril de 2004.

______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 58. 1ª Seção. Julg. 29 de setembro de 1992.

BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2003.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 294.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2008.

CAVALCANTE, Denise Lucena. Execução fiscal administrativa e devido processo legal. Revista Nomos – Ed. Comemorativa dos 30 anos de mestrado em Direito/UFC. 2007.

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. 5ª ed. V. IV. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964.

CHUCRI, Augusto Newton. et al. Execução Fiscal Aplicada. 4ª. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

DELGADO, José Augusto. Arbitragem no Brasil: evolução histórica e conceitual. Disponível em <http://www.tex.pro.br/listagem-de-artigos/318-artigos-mar.-2011/7915-a-arbitragem-no-brasil-evolucao-historica-e-cultural> Acesso em: 05 jun 2017.

DIDIER JÚNIOR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 16ª.ed. Salvador: JusPodivm, 2014.

FRANÇA. Código de Justiça Administrativa. Disponível em <http://www.legifrance.gouv.fr> Acesso em: 06 de junho de 2017.

______. Conselho Constituicional. § 19º da Decisão nº 89-261, de 28 de julho de 1989. Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr> Acesso em: 06 de junho de 2017.

FREITAS, José Lebre de. Agente de execução e poder jurisdicional. Themis: revista de direito. Coimbra: Almedina, ano 4, n. 7, 2003, p. 20.______. A execução executiva – depois da reforma da reforma. 5 ed. Coimbra: Coimbra ed., 2009, p. 27.

______. In A ação executiva depois da reforma. 4. Ed. Coimbra. Coimbra Editora. 2004. n 1.6, p. 27-28. apud JÚNIOR, Humberto Theodoro, RDCPC. n º 43 - set-out/2006 - doutrina, p. 34.

GERAIGE NETO, Zaiden. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

GONÇALVES, Marcelo Barbi. Execução fiscal: um retrato da inoperância, o (bom) exemplo português e as alternativas viáveis. Revista de Processo. Vol. 247, p. 451-471. São Paulo: Revista dos Tribunais, setembro, 2015.

GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

GRINOVER, Ada Pellegrini ; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo ; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

HELENA, Eber Zoehler Santa. O fenômeno da desjudicialização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 922, 11 jan. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7818>. Acesso em: 20 maio 2017.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

IPEA. Custo e tempo do processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da  Fazenda Nacional (PGFN). Nº 127. Ano 2012. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120103_comunicadoipea127.pdf>. Acesso em: 05 jun 2017.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

JELLINEK, Georg. Teoría general del Estado. México: Fondo de Cultura Económica, 2000.

JUSTIÇA EM NÚMEROS 2016: ano-base 2015/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2016.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado: oposições de mérito no processo de execução. São Paulo: M. E. Editora e Distribuidora, 2000. p. 101.

LUMBRALES, Nuno B.M. Sobre a promoção da execução fiscal pelos serviços da finanças. IN: Fiscalidade. Nº 18, abr de 2004, p. 19.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

______. Processo Judicial Tributário. In: Curso de Direito Tributário. 28ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MACIEL, Everardo. Mais sobre desburocratização fiscal. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 3 Janeiro 2011. B2.

MARINHO, Ana Paula Trindade; SALEMKOUR, Samir. Contencioso Administrativo. IN: COSTA, Thales Morais da. Introdução ao Direito Francês. ROUAULT, Marie Christine. Droit Administratif. 2ª ed. Paris: Gualino Éditeur, 2004, p. 45.Curitiba: Juruá, 2009. p. 547.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

MARTINS, Sergio Pinto. Manual de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

______. Direito Administrativo Moderno. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 393.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2ª ed. Coimbra, 1987.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NABAIS, José Casalta. Algumas reflexões sobre o actual estado fiscal. Revista Virtual da Advocacia Geral da União (AGU), n. 9, abril 2001. 12.

______. O dever fundamental de pagar imposto: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009.

PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

PAIVA, Daniela Reetz de. A Desjudicialização dos atos executórios. In. Série Aperfeiçoamento de Magistrados 9. Curso “Fomento Mercantil” – Factoring.

PORTUGAL. Tribunal Constitucional Português. Acórdão nº 80/2003. Processo nº 151/02, 2ª Secção, Relator Benjamin Rodrigues.

ROUAULT, Marie Christine. Droit Administratif. 2ª ed. Paris: Gualino Éditeur, 2004

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

SILVA NETO, Francisco Antônio de Barros e. A execução fiscal administrativa e o devido processo legal. Revista de Processo. Vol. 187, p. 275-283. São Paulo: Revista dos Tribunais, fevereiro, 2011.

SILVA, Paula Costa e. A reforma da acção executiva. Coimbra: Coimbra ed., 2003.

TABOADA, Carlos Paolo. Lançamento tributário e "autolançamento". São Paulo: Dialética, 1997. p. 28.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal: comentários e jurisprudência. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15ª. ed. São Paulo: Renovar, 2008.

______. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

______. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

______. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, v. I, 2009.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997.

WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Parecer. TJSP. Disponivel em: <www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2017.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Daniel Ferreira Santos

Bacharelando em Direito na Universidade Instituto Luterano de Ensino Superior - Ulbra.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Daniel Ferreira. Desjudicialização da execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5280, 15 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62662. Acesso em: 17 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos