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A prescrição intercorrente no processo de execução fiscal como causa de extinção do crédito tributário

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O que acontece com a contagem de prazo prescricional intercorrente quando a execução fiscal se encontra parada em razão da morosidade do Poder Judiciário?

RESUMO: Este trabalho examinará o instituto da prescrição intercorrente nos processos de execução fiscal, entendendo-a como causa de extinção do crédito tributário. A prescrição é tratada enquanto perda do poder de efetivar o direito material, não sendo possível a cobrança eterna por parte do Estado de seus créditos. Nesse contexto, a inércia do credor em relação aos poderes e deveres inerentes ao exercício do direito de ação é vista como causa central para a decretação da prescrição, tornando-se impossível a contagem de prazo prescricional intercorrente quando o feito se encontra parado em razão da morosidade do Poder Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: Prescrição Intercorrente. Execução Fiscal. Inércia da Fazenda Pública.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Prescrição enquanto perda do poder de efetivar direito material; 2. Inviabilidade da cobrança estatal por tempo indeterminado; 3. Inércia do credor enquanto causa eficiente da prescrição intercorrente; 4. Impossibilidade de contagem de prazo prescricional durante paralisação do processo decorrente da morosidade do Poder Judiciário; Conclusão; Referências.


Introdução

O vocábulo “prescrição”, segundo Câmara Leal[1], deriva do latim praescripto, procedente do verbo praescrebere. Tal verbo é constituído pelos elementos prae e scribere, significando “escrever antes” ou “escrever no começo”. Em sua acepção original, advinda da Roma Antiga, praescripto correspondia à parte preliminar da fórmula estatuída pelo pretor, na qual este determinava ao juiz a absolvição do réu se consumado o prazo de duração de determinada ação temporária, exceção à regra geral da perpetuidade das ações. De tal modo, o termo praescripto não se relacionava propriamente com o conteúdo da determinação pretoriana, mas com o caráter preliminar ou introdutório, escrito antes ou no começo da fórmula.

Diante de tal escorço histórico, surge a necessidade de definição da prescrição e delimitação do seu conteúdo. Essas questões, é de se ressaltar, não são pacíficas na doutrina, havendo uma pluralidade de concepções sobre o fenômeno. Também não é unânime o tratamento conferido ao instituto da prescrição pelo Direito positivo brasileiro. Existem normas diversas abordando o assunto, ao qual diferentes contornos são dados. Como exemplo, citam-se o Código Tributário Nacional (CTN), que, em seu artigo 156, V, prevê que a prescrição extingue o crédito tributário e o Código Civil de 2002, cujo artigo 189, diversamente, estabelece que a prescrição extingue a pretensão do titular do direito violado.

De uma forma ou de outra, o acolhimento da prescrição tolhe o credor da possibilidade de, concretamente, ter satisfeito o seu direito. É nesse contexto que, em um primeiro momento, a prescrição pode parecer injusta, de modo que apenas valores relevantes possam justificar a restrição a direitos reconhecidos.


1. Prescrição enquanto perda do poder de efetivar direito material

Pontes de Miranda define a segurança jurídica como fundamento da prescrição. Ele ensina que “os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica”[2]. Para o referido autor, tais prazos não cancelam as pretensões, mas apenas encobrem a eficácia da pretensão, ou, dito de outro modo, “atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou acionabilidade”[3].

A segurança é pressuposto fundamental da vida humana, necessidade das mais urgentes e primitivas e que resulta da própria natureza do homem. Significa a estabilidade das relações sociais, extremamente necessária para que possa existir vida em sociedade. Caso as normas pudessem ser alteradas a qualquer momento, todos estariam desamparados, inseguros, sem garantias e sem a confiança de poder viver em paz e tranquilamente.

A ideia de segurança aparece na Constituição Federal de 1988 em diversos momentos, com diferentes enfoques. Identifica-se, já no preâmbulo, a segurança como requisito essencial para a existência do Estado Democrático de Direito, também sendo ela prestigiada, ao longo do corpo constitucional, como direito fundamental e como meio necessário à realização dos objetivos da República.

Juntamente com a justiça, a segurança jurídica é entendida como objetivo do Direito. Acerca desses importantes institutos, expõe Rodrigues de Ataíde Jr.:

“segurança e justiça são valores que se completam e se fundamentam reciprocamente. Não pode haver justiça materialmente eficaz se não for assegurado aos cidadãos, concretamente, o direito de ver reconhecido a cada um o que é seu”.[4]

Consoante leciona Oliveira[5], a prescrição sintetiza a convivência possível entre os referidos dois valores fundamentais do direito: justiça e segurança jurídica. Enquanto flui o prazo prescricional, percebe-se a supremacia da justiça, estando assegurado ao prejudicado o exercício de sua pretensão. Por outro lado, se houver inércia, conformação ou descaso, deixando-se vencer o prazo para corrigir a injustiça, a prioridade desloca-se para o valor segurança jurídica. Ficam sepultadas, sem avaliação de conteúdo, as incertezas que poderiam gerar conflitos, de modo a preservar a paz social e a estabilidade nas relações.

Gagliano e Pamplona Filho[6], com propriedade, esclarecem que, à luz do princípio da inafastabilidade, o direito de ação sempre será conferido pela ordem jurídica ao autor. Todavia, será atingida pela prescrição a pretensão que surge do direito material violado, isto é, o poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico. Isso se dá em nome da preservação do sentido de estabilidade social e de segurança jurídica, por não ser razoável o estabelecimento de relações jurídicas perpétuas, que podem obrigar outros sujeitos sem limitação temporal.

Nesse contexto, quando propõe a ação respectiva para satisfação do seu crédito, o credor concretiza a conduta prevista pela lei de modo a afastar o fundamento prescricional e interromper seu curso. Assim, o prazo prescricional, iniciado quando a obrigação se tornou exigível, interrompe-se pela proposição em juízo do direito material violado.


2. Inviabilidade da cobrança estatal por tempo indeterminado

Especificamente no âmbito do direito tributário, o princípio da segurança jurídica ganha enfoque especial. Para o sujeito passivo da obrigação, “pessoa obrigada a pagar o tributo ou penalidade pecuniária”, nos termos do artigo 121 do CTN, “não basta a segurança com relação aos fatos passados (irretroatividade da lei), também se faz necessário um mínimo de previsibilidade quanto ao futuro próximo”, nos termos de Alexandre[7].

O referido caráter especial se acentua ainda mais nas execuções fiscais, ação pela qual a Fazenda Pública requer de contribuinte crédito que lhe é devido. Trata-se de ação exacional própria, dotada de procedimento especial do qual dispõe a Fazenda Pública para cobrança de seus créditos, sejam tributários ou não, desde que inscritos em dívida ativa.

O enfoque especial conferido à segurança nas execuções fiscais se dá pelo fato de a Fazenda Pública buscar bens suficientes para o pagamento do crédito junto ao patrimônio do executado. Na medida em que é bastante nocivo a ele seus bens serem alvo de buscas pela Fazenda, os danos decorrentes de uma cobrança eterna por parte do Estado são incalculáveis. Lembra-se, desde logo, a impossibilidade, nessa situação, de se prever receitas e despesas, o que, indubitavelmente, prejudica ainda mais a saúde financeira do sujeito passivo da obrigação.

Nesse sentido, o Erário não pode cobrar tributos e outros créditos por tempo indeterminado. Conforme expõe Rocha:

“a duração irrazoável do processo vai de encontro a mandamentos constitucionais, que primam pela celeridade inclusive no âmbito judicial, tendo em vista, primordialmente, a necessidade de as empresas, que desenvolvem a atividade econômica, por conseguinte gerando tributos, poderem ter algum controle mínimo entre a receita e as despesas, incluindo nestas os débitos tributários. A exigibilidade indefinida de créditos não se coaduna com a ordem constitucional, tampouco com a sistemática tributária, que tem como princípio a não-surpresa”[8]. 

Outrossim, existindo execuções fiscais em curso, estando exigível o crédito exequendo, o devedor está impossibilitado de obter certidão negativa. Tal certidão é o documento apto a comprovar a inexistência de débito de determinado contribuinte, de determinado tributo ou relativo a determinado período.

Com efeito, considerando ser possível a Fazenda Pública cobrar por tempo incerto seu crédito, ter-se-ia a situação na qual determinado devedor insolvente não poderia obter certidões negativas. Ficaria, pois, impossibilitado de participar, por exemplo, de procedimentos licitatórios em cuja fase de habilitação o interessado precisa apresentar tais certidões sob pena de ser desabilitado.

A execução fiscal, compreendida dentro das execuções em geral, além de garantir o interesse do credor, deve também levar em consideração defesas dos direitos do devedor. Nesse sentido, Marins conclui que, juntamente com a necessidade de satisfação do crédito fazendário, “surge a necessidade de se buscar também o respeito incondicional ao sistema de garantias da relação jurídico tributária. Desse limite, por mais que se propugne pelo interesse público da satisfação do crédito fazendário, não pode passar a execução fiscal”[9]. Conforme explanado, um desses limites é temporal, sendo inviável a cobrança estatal de dívidas por tempo indeterminado.


3. Inércia do credor enquanto causa eficiente da prescrição intercorrente

Segundo Houaiss, inércia é a “resistência que a matéria oferece à modificação do seu estado de movimento”[10]. Como se infere, tal conceito advém da Física.

A Ciência Jurídica, por sua vez, estuda o “princípio da inércia”, de acordo com o qual o Estado-Juiz só atua se for provocado (ne procedat iudex ex officio). Esse princípio foi consagrado no artigo 2º do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Explicam Cintra, Grinover e Dinamarco:

“o exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes”[11].

Objetivando resguardar a imparcialidade na solução dos conflitos, Cintra, Grinover e Dinamarco ensinam que “quando o próprio juiz toma a iniciativa do processo, ele se liga psicologicamente de tal maneira à ideia contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições de julgar imparcialmente”[12]. Assim, é desaconselhável que o Estado inicie de ofício a jurisdição, vez que estaria ensejando instabilidade social onde antes não havia.

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Nesse contexto, tanto a concepção de inércia da Física quanto à do Direito abarcam a ideia de falta de mobilidade, estagnação. Quando o autor mantém-se inerte, ele deixa de buscar seu direito, ou, dito de outro modo, deixa de exercer sua pretensão. Isso cria uma situação de incerteza e insegurança jurídica, combatidas pelo instituto da prescrição. Por outro lado, uma vez proposta determinada ação buscando satisfação do direito material, está interrompido o prazo prescricional, afastada a inércia do credor.

Em matéria tributária, em se tratando de feitos executivos fiscais, opera-se a prescrição quando a Fazenda Pública não propõe, no prazo legalmente estipulado, a ação de execução fiscal para obter a satisfação coativa do seu crédito. Segundo o artigo 174, caput, do Código Tributário Nacional, “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”.

A concepção moderna do Direito de ação, entretanto, entende-o como de atuação contínua das partes, desde a proposição da demanda até a efetivação do direito. Dessa forma entendem Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero, autores que propõem o entendimento da ação como “a síntese de uma série de poderes, faculdades, direitos e deveres e ônus que o ordenamento atribui ao autor no plano processual e ao longo do desenvolvimento do processo, desde o início da demanda até a decisão final fática”[13].

Durante a marcha processual, pois, perdura o dever de diligência, porquanto a ideia de ação engloba a continuidade de atos. Os artigos 267, VIII, e 569, caput, do Código de Processo Civil de 1973, equivalentes, respectivamente, aos artigos 485, VIII, e 775, caput, no Código de Processo Civil de 2015, colaboram com tal entendimento. Isso porque tais dispositivos preveem a possibilidade de o autor desistir da ação e da execução, sendo possível desistir apenas de algo que tenha continuidade.

Assim, se o exercício do direito de ação vai além do momento da propositura da demanda, como visto, e tal propositura afasta a prescrição, esta também não pode restringir-se a ser interrompida com o início do processo, devendo-se pressupor sua continuidade. É de se perceber, portanto, a existência de prescrição endoprocessual, isto é, no curso do processo, denominada prescrição intercorrente.

Ensina Arruda Alvim:

“com o curso normal do processo, a cada ato ‘renova-se’ ou ‘revigora-se’ o estado da prescrição interrompida, porquanto o andamento do processo, com a prática de atos processuais significa, em termos práticos, a manutenção deste estado. É só a partir da inércia, quando ao autor couber a prática de ato, e este não vier a ser praticado, durante prazo superior ao da prescrição, é que ocorrerá a prescrição intercorrente”.[14]

Pelo exposto, a prescrição intercorrente se dá quando o processo permanece paralisado por inércia do exequente, exigindo a legislação pátria em sede de execução fiscal um procedimento específico para sua decretação.

O artigo 40 da lei nº 6830/80, Lei de Execuções Fiscais (LEF), que regula a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, determina que o juiz suspenderá a execução enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, abrindo vistas para a Fazenda logo após a suspensão. O prazo no qual o processo permanece suspenso é de 1 (um) ano findo o qual, nos termos do §2º do referido artigo, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos se não localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis. Após cinco anos da decisão que ordena o arquivamento, segundo o §4º do artigo em comento, o magistrado, depois de ouvida a Fazenda acerca da existência de causas de suspensão ou interrupção, poderá decretar a prescrição intercorrente.

Trata-se a prescrição intercorrente na execução fiscal, portanto, de instituto que impede negligência por parte da Fazenda Pública, a qual fica obrigada, sob pena de perda do manejo do processo executivo e, consequentemente, extinção do feito, a ser sempre diligente e cuidadosa na localização do executado e de seus bens.

Sob o argumento de que prescrição é matéria reservada à lei complementar, segundo o artigo 146, III, b, da Constituição Federal, pode-se pensar ser inconstitucional o mencionado §4º do artigo 40, da lei nº 6830/80. É de se perceber, todavia, que tal §4º, incluído na LEF pela lei nº 11051/04, não tratou de prazo prescricional, não alterando, por exemplo, a sistemática de contagem ou o período quinquenal, mas se limitou a dispor sobre matéria de direito processual civil. Assim considerou o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[15], que, tendo em vista a natureza processual da norma, determinou sua aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso.

Na defesa da constitucionalidade comentada, Marinoni e Arenhart vão além. Para eles, “a prescrição intercorrente não se trata, a rigor, de hipótese de prescrição, mas constitui hipótese de extinção da exigibilidade judicial da prestação, que ocorre pela paralisação injustificada, por culpa do credor, da execução”[16].

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Romero Solano Oliveira. A prescrição intercorrente no processo de execução fiscal como causa de extinção do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5360, 5 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62729. Acesso em: 25 abr. 2024.

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