A execução antecipada da pena e a mitigação da presunção de inocência

09/12/2017 às 00:49
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O texto analisa a violação ao princípio da presunção de inocência na decisão do STF que afastou a exigibilidade do esgotamento de todas as vias recursais para o cumprimento de sentença penal.

Um dos alicerces que sustentam o nosso sistema jurídico hodierno é o princípio no qual considera todos os sujeitos inocentes até que ulterior sentença condenatória passe em julgado. Tal princípio está expressamente consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LVII. Por 28 anos foi assim, embora divergências houvesse no seio acadêmico e jurisprudencial.

O cenário mudou em 17 de fevereiro de 2016, quando o STF, ao julgar o HC 126.292/SP, mitigou a aplicação do inciso LVII do art. 5º da CF/88, decidindo, em síntese, que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que recorrível por REsp ou RE, não compromete o princípio da presunção de inocência (STF. HC 126.292. Relator. Min. Teori Zavascki).

O Código de Processo Penal previa a prisão processual do condenado em 1º grau logo após a sentença penal condenatória, ainda que recorrível. A prisão, nesses casos, decorria da simples sentença condenatória. Com a nova ordem constitucional em 1988, tal previsão passou a ser incabível diante do texto da nova Constituição promulgada. Esta evidente inconstitucionalidade foi, aos poucos, afastada pelos tribunais, que passaram a decidir no sentido de que somente quando presentes os requisitos da prisão cautelar (art. 312 CPP) é que se pode decretar, naquele momento, a prisão processual do condenado por sentença recorrível. Estavam os Tribunais, corretamente, afastando a incidência de uma norma contrária à Constituição.

Vedava-se a execução antecipada da pena, em respeito ao princípio da não culpabilidade antes de formada a coisa julgada. Assim, caso o réu condenado em primeiro grau pretenda apelar, e não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 312 do CPP), pode ele aguardar o acórdão do tribunal ad quem em liberdade, vez que no recurso de apelação incidem os efeitos devolutivo e suspensivo, obstando a execução da pena.

Contudo, após esgotada a instância de apelação, em caso de acórdão mantendo a condenação, os recursos cabíveis para os Tribunais Superiores não possuem efeito suspensivo. Nasce, aí, um claro exemplo de norma infraconstitucional que, aplicada literalmente, afronta um direito fundamental. Evidentemente, o entendimento doutrinário insistia, e a jurisprudência manteve a aplicação da presunção de inocência, tendo o STF concluído, em 2009, no julgamento do HC 84.078/MG, ser inadmissível a execução provisória da pena antes de esgotados todos os meios recursais.

Com o entendimento extraído do HC suso mencionado, o STF pacificou qualquer divergência que havia quanto a aplicação do preceito fundamental que considera inocente o réu até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Mas, em 2016, ao analisar novo HC impetrado por um paciente de SP, o STF mudou o entendimento, revertendo os votos (7 x 4), e, como inicialmente dito, passou-se a considerar a presunção de inocência como impeditivo para o cumprimento imediato de pena somente até o esgotamento do 2º grau (apelação), cujo efeito suspensivo prevalece. Finda essa instância, mesmo que interposto RE ou REsp, os autos poderão ser remetidos ao juízo a quo para que este proceda com a execução antecipada da pena. Isto porque, daí em diante, os recursos não mais serão passíveis de análise de matéria fática, somente de direito.

Desde então, após o acórdão do segundo grau, o réu já pode iniciar o cumprimento provisório da pena, mesmo que haja recurso interposto para o STJ ou STF. Mas, atenção! Caso haja a possibilidade de embargos infringentes, o Tribunal deverá analisar os embargos antes de remeter os autos ao juiz singular para fazer cumprir a pena.

Também é imperioso lembrar que, nos processos originários dos Tribunais (TJ’s TRF’s e STJ), por força do foro por prerrogativa de função, por exemplo, é necessário que haja uma segunda decisão sobre os fatos, as provas e o direito, em uma segunda instância, para fins de execução antecipada da pena (o STJ, em grau de recurso, só analisa matéria de direito). A exceção fica quando o órgão originário é o STF. Havendo condenação pela Suprema Corte, a prisão será logo cumprida, dado que não há instância superior.

A questão prática que se coloca diante de nós é: como, então, na presença de tal afronta a um preceito fundamental, insculpido sob o manto da cláusula pétrea, devemos agir para evitar a prisão do réu “presumidamente inocente”?

A resposta vem do Novo Código de Processo Civil, que, em seu título sobre os recursos, trouxe, no art. 1.029, § 5º, a possibilidade de pedir a concessão de efeito suspensivo nos recursos especial e extraordinário diretamente ao tribunal superior respectivo; ao relator, caso já tenha sido distribuído o recurso ou; ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, caso o recurso tenha sido sobrestado. Como mecanismo legal podemos utilizar o § 5º do art. 1.029 do CPC, aplicando-o subsidiariamente ao diploma penal adjetivo, rogando tal pedido em matéria criminal, a fim de garantir o efeito suspensivo ao recurso especial e extraordinário. Outro meio, caso seja indeferido o efeito suspensivo, é o uso de um Writ, especialmente o Habeas Corpus.

O que o STF fez foi, basicamente, afastar o modelo de presunção de inocência adotado pela Constituição – com a necessidade de esgotamento das vias recursais antes da execução da pena –, fazendo valer o modelo no qual impera que bastam apenas duas decisões em dois graus de jurisdição para que a presunção de inocência seja afastada. Só para efeito de informação, o terceiro modelo existente em sistemas jurídicos alienígenas é aquele para o qual basta a confissão do réu para que a presunção de inocência seja derrubada. Esse é o modelo adotado nos EUA, por exemplo.

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Insta lembrar que dentro em pouco o STF pode modificar o atual entendimento, e voltar a assegurar o princípio da presunção de inocência nos moldes do que manda a Constituoição Federal.

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