O processo de contratação na Administração Pública é uma sequência de atos e procedimentos que desencadeia, na maioria dos casos, na assinatura e execução de instrumento contratual.
Basicamente o processo de contratação passa por um ciclo composto por três etapas, o planejamento da contratação, a seleção do fornecedor e a execução do contrato. Além dessas três etapas, podemos elencar várias outras etapas complementares, como as fases de execução do pagamento (empenho, liquidação e pagamento), as fases dos processos internos, como as autorizações das autoridades responsáveis, a apreciação do setor jurídico e a verificação de disponibilidade orçamentária.
Neste momento iremos traçar em linhas gerais como se dá o processo de contratação na administração pública, para que possamos ter uma visão macro e sistêmica do que deve ser controlado quanto à legalidade.
Segundo Renato Mendes[1] a contratação pública é sustentada por um pilar formado por quadrinômio básico composto por problema, solução, terceiro e relação benefício-custo. Assim, podemos afirmar que contratar de forma eficiente é tratar com qualidade observando os seguintes aspectos:
a) existência de uma necessidade a ser satisfeita/problema a ser solucionado;
b) identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de satisfazer a necessidade;
c) seleção de um fornecedor com condições de viabilizar a solução;
d) melhor equivalência entre o encargo (objeto) a ser cumprido e a remuneração a ser paga.
Em suma, a Administração ao se deparar com uma necessidade irá perceber um problema; tal problema deverá ser devidamente identificado e solucionado e, para isto, deverá ser planejada uma solução, com a definição do encargo/objeto para tal; após a identificação do problema, da definição do encargo, deverá ser selecionado quem melhor execute tal encargo pelo melhor custo-benefício; selecionado o fornecedor, deverá ser firmado um contrato e este deverá ser executado com eficiência e eficácia.
O processo administrativo pode ser definido como “uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo”[2]. Essa é uma definição ampla de processo administrativo que é gênero do processo de contratação pública, sendo este definido como “o conjunto de fases, etapas e atos estruturado de forma lógica para permitir que a Administração, a partir da identificação precisa da sua necessidade e demanda, possa definir com precisão o encargo desejado, minimizar seus riscos e selecionar, isonomicamente, se possível, a pessoa capaz de satisfazer a sua necessidade pela melhor relação benefício-custo”[3].
Nesse sentido, no processo de contratação são identificadas duas fases que englobam as três etapas básicas supramencionadas e o quadrinômio básico da contratação ora abordado.
A primeira fase da contratação é a chamada fase interna, que compreende o planejamento, com a identificação do problema e a definição do encargo para a solução, gerando a elaboração de um termo de referência para a contração e finalizando com a elaboração do edital licitatório.
Após a publicação do edital licitatório é iniciada a segunda fase, chamada de fase externa, na qual é realizada a seleção do fornecedor a ser contratado e, após a contratação, é executado o contrato conforme o especificado.
Porém, a doutrina moderna vem tratando as fases da contratação pública, assim como as etapas, em três, a interna, a externa e a contratual, esta última nada mais sendo que um desmembramento da segunda, que apenas se atém ao processo licitatório[4]. Esta visão trifásica do processo de contratação (fases interna, externa e contratual) será a adotada por nós no presente estudo.
Muitas vezes se utiliza, de forma equivocada, o termo “licitação”, como sinônimo de processo de contratação. Pelo que apresentamos, a licitação é apenas uma etapa da fase externa do processo de contratação, sendo iniciada após a publicação do edital licitatório e concluída após a assinatura do contrato. A doutrina justifica que historicamente sempre foi dada atenção apenas à etapa da seleção de fornecedores, e pouco se importou com as etapas de planejamento e execução do contrato, por isso essa confusão entre a licitação e o processo de contratação.
Corroborando com o afirmado acima, a fase de licitação pode nem ser incluída no processo contratação, em casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstos na Lei 8.666/93.
Cada ato do processo de contratação possui necessidade de validade jurídica material, fazendo com que ocorra uma conexão e dependência entre si. A declaração de nulidade material de um dos atos do processo de contratação poderá ocasionar a nulidade de todo processo, nulidade esta “material”, da essência finalística do ato, e não uma nulidade meramente formal. Assim, o erro formal em um despacho ou parecer do processo não ocasionaria sua nulidade. Porém, a falta da previsão de disponibilidade orçamentária ocasionaria a nulidade material. O vício material também tem que ser insanável para que ocorra a nulidade do processo. Havendo a possibilidade de saná-lo, sem que prejudique sua legalidade, o processo não deverá ser anulado[5].
Quanto ao pressuposto e a finalidade do processo de contratação, podemos afirmar que sua finalidade é satisfazer a Administração de acordo com o problema identificado e demanda suscitada. Já o pressuposto é o que antecede a finalidade, assim a finalidade do processo de contratação é a existência da necessidade pela Administração[6].
Apresentamos, por fim, a visão sistêmica do processo de contratação, que é o modo de enxergar o processo como um todo em fases e etapas interligadas, para que se atinja sua finalidade com eficiência, eficácia, efetividade e economicidade, tudo isso dentro da legalidade.
De forma bem elucidativa e exemplificativa, vejamos as fases e etapas do processo de contratação pública, de forma sistêmica, em que é demonstrado um processo com a ocorrência da licitação e outro sem a ocorrência da licitação (dispensa ou inexigibilidade). Vejamos:
a) Fases e etapas do processo de contratação com seleção de fornecedor por Licitação Pública.
FASE INTERNA (Planejamento da contratação)
01 – Identificação do problema/necessidade
02 – Planejamento da contratação/proposta de solução/justificativa da contratação;
03 – Estimativa de Custo;
04 – Verificação de Disponibilidade Orçamentária;
05 – Elaboração do Termo de Referência;
06 – Deflagração da Licitação;
07 – Elaboração da Minuta do Edital (incluindo os anexos como o Termo de Referência e a Minuta do Contrato);
07 – Parecer Jurídico e Aprovação da Minuta do Edital;
08 – Publicação do Edital;
FASE EXTERNA (Seleção dos Fornecedores / Licitação)
09 – Realização da Licitação;
10 – Formalização do Contrato;
FASE CONTRATUAL (Execução do Contrato Administrativo)
11 – Execução do Contrato;
12 – Recebimento do Objeto;
13 – Liquidação da Despesa e Pagamento.
b) Fases e etapas do processo de contratação direta com seleção de fornecedor sem Licitação Pública.
FASE INTERNA (Planejamento da contratação)
01 – Identificação do problema/necessidade
02 – Planejamento da contratação/proposta de solução/justificativa da contratação;
03 – Estimativa de Custo;
04 – Verificação de Disponibilidade Orçamentária;
05 – Elaboração do Termo de Referência;
06 – Parecer Jurídico;
07 – Arquivamento ou decisão pela contratação direta sem licitação;
FASE EXTERNA (Seleção dos Fornecedores / Licitação)
07 – Publicação do ato de ratificação;
08 – Convocação do adjudicatário;
09 – Formalização do Contrato;
FASE CONTRATUAL (Execução do Contrato Administrativo)
10 – Execução do Contrato;
11 – Recebimento do Objeto;
12 – Liquidação da Despesa e Pagamento.
Reiteramos que os atos dentro das etapas de um processo de contratação acima mencionados são meramente exemplificativos, podendo haver ainda um maior detalhamento de tais atos.
Como já explanado, as fases e etapas do processo de contratação são três:
a) fase interna (compreendendo a etapa do planejamento);
b) fase externa (compreendendo a etapa da seleção dos fornecedores/licitação);
c) fase contratual (compreendendo a etapa da execução do contrato administrativo);
A fase interna, que compreende a fase de planejamento da contratação, é a fase que vai se exigir a maior concentração intelectual da Administração. Esta fase desencadeia todo o sucesso da futura contratação, dependerá do devido planejamento.
A fase interna culminará na elaboração dos três principais instrumentos do processo de contratação:
a) O Termo de Referência, que trará todo o detalhamento do encargo a ser cumprido pelo futuro contratado;
b) A Minuta do Contrato, que trará todas as condições contratuais a serem firmadas com o terceiro;
c) O Edital Licitatório, que reunirá todas as condições da disputa para selecionar o fornecedor e conterá como seus anexos os dois documentos supracitados.
Corroborando com o abordado até o momento acerca do planejamento da contratação, o Tribunal de Contas da União, em julgado relatado pelo Min. Ubiratan Aguiar, reforça a necessidade do estudo da contratação como ato prévio à tomada de decisão para a melhor forma de resolução do problema. Vejamos:
Identifica-se a necessidade, motiva-se a contratação, para, então, partir-se para a verificação da melhor forma de sua prestação. Ou seja, a decisão pela contratação direta, por inexigibilidade ou dispensa, é posterior a toda uma etapa preparatória que deve ser a mesma para qualquer caso. A impossibilidade ou a identificação da possibilidade da contratação direta, como a melhor opção para a Administração, só surge após a etapa inicial de estudos[7].
Após a identificação do problema, da demanda necessitada pela Administração, e do planejamento da contratação, como a devida publicação do edital licitatório, ocorrerá o início da fase externa da contratação, que compõe a etapa da seleção dos fornecedores, a licitação em si.
A Licitação Pública possui seus ritos estabelecidos na Lei Geral de Licitações e visa a seleção de fornecedor que traga a proposta mais vantajosa para Administração, respeitando a isonomia dos participantes. Tudo que foi planejado e definido como encargo para execução deverá constar no Edital Licitatório.
O inciso XXI, do art. 37, da Constituição Federal de 1988 determina que, em regra, as contratações deverão ser precedidas de licitação, afirmando que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, somente permitindo as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Como já abordamos, em 1993 foi publicada a Lei Federal nº 8.666, que regulamenta a regra do inciso XII do art. 37 da CF/88. O art. 3º da Lei Geral de Licitações e Contratos explana que a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Em 2002 foi publicada outra norma geral de licitação, a Lei Federal nº 10.520, que cria uma nova modalidade de Licitação, o Pregão, destinado às seleções de fornecedores para fornecerem bens ou serviços comuns.
O Pregão foi criado para suprir algumas necessidades que foram encontradas na Lei 8.666/93. Essa nova modalidade de licitação, que pode ser do tipo presencial ou eletrônico, traz uma maior celeridade ao processo licitatório e traz uma fase oral de lances que permite uma maior possibilidade de alcançar um preço mais vantajoso para a Administração.
Após a adjudicação do vencedor e a homologação do resultado da licitação, a Administração procederá a convocação do licitante para a assinatura do contrato. Finalizado o trâmite de assinatura contratual, seu registro e sua publicação, é encerrada a fase externa do processo de contratação e iniciada a terceira e última fase do processo, a fase contratual, que compreende a etapa de execução do contrato.
A fase contratual é a execução prática do que foi planejado no processo de contratação. O encargo, definido no planejamento, é licitado e imputado ao fornecedor selecionado com a adjudicação da licitação e a assinatura do termo contratual. O contrato vai ser a relação entre o encargo e a remuneração do fornecedor[8]. Este fornecedor, que foi o licitante que disputou de forma isonômica a fase externa da contratação, assume a obrigação planejada e descrita na fase interna do processo, cumprindo fielmente a descrição do encargo, juntamente com o que ele ofertou em sua proposta.
A finalidade da entrega do objeto da contratação pelo fornecedor é de atender à solução do problema encontrado pela Administração no início do planejamento. Assim, se o que foi definido no planejamento não atender à demanda da Administração, provavelmente a execução do contrato será falha. Por isso que chamamos tanta atenção à importância do planejamento das contratações, pois ela irá refletir em todo desencadear do processo de contratação. Um encargo mal definido irá gerar um edital licitatório falho e o um contrato ineficaz, comprometendo toda a execução do contrato administrativo.
A disciplina legal da fase contratual é encontrada na Lei Federal nº 8.666/93. Porém, assim como na fase de planejamento, boas práticas da execução contratual são encontradas em instrumentos infralegais e decisões jurisprudenciais. Mais uma vez recorrendo as instruções normativas nº 05/2017 e 04/2014 do MPOG/SLTI, encontramos boas práticas de gestão da execução contratual.
Os arts. 66 e 67 da Lei 8.666/93 estabelecem que o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas da Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial e que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
Já os dispositivos da IN 05/2017 do MPOG/SLTI estabelece para a execução dos contratos de prestação de serviço que o órgão contratante deverá monitorar constantemente o nível de qualidade dos serviços para evitar a sua degeneração, devendo intervir para corrigir ou aplicar sanções quando verificar um viés contínuo de desconformidade da prestação do serviço à qualidade exigida.
A IN 05/2017 valoriza os mecanismos de controle da execução contratual estabelecendo que a execução dos contratos deverá ser acompanhada e fiscalizada por meio de instrumentos de controle, que compreendam a mensuração dos seguintes aspectos, quando for o caso:
I – os resultados alcançados em relação ao contratado, com a verificação dos prazos de execução e da qualidade demandada;
II - os recursos humanos empregados, em função da quantidade e da formação profissional exigidas;
III - a qualidade e quantidade dos recursos materiais utilizados;
IV - a adequação dos serviços prestados à rotina de execução estabelecida;
V - o cumprimento das demais obrigações decorrentes do contrato; e
VI - a satisfação do público usuário.
A IN 04/2014 do MPOG/SLTI, que trata da contratação de TI para a Administração Pública Federal, elucida que a fase de gerenciamento do Contrato visa acompanhar e garantir a adequada prestação dos serviços e o fornecimento dos bens que compõem a Solução de Tecnologia da Informação durante todo o período de execução do contrato.
Lembramos que as instruções normativas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão são vinculantes juridicamente apenas para a Administração Pública Federal. Para as demais esferas da Federação, as IN’s apenas são sugeridas como boas prática no processo de contratação.
Para finalizar, apresentamos jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que comenta a necessidade da clareza dos termos contratuais para a fiel execução por parte do licitante. Vejamos:
O contrato a ser firmado deve estabelecer com clareza e precisão as condições para a sua execução em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam, inclusive, essa vinculação é cláusula necessária em todo contrato. Dessa forma, o contrato deve ser executado observando estritamente a proposta do licitante vencedor e todas as demais cláusulas pactuadas, nos exatos termos dos arts. 54, §1º, 55, XI e 66 da mencionada lei[9].
O contrato, conforme corrobora a supracitada Jurisprudência do TCU, deve ser claro, bem definido e, por questão sensata, bem planejado.
Notas
[1] MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contração Pública – Fases, etapas e atos. Curitiba. Zênite, 2012, pp. 45-46.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. Res. e atual. Até a EC 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p.480.
[3] MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contração Pública – Fases, etapas e atos. Curitiba. Zênite, 2012, pp. 25.
[4] Idem, Ibidem, pp. 29-30.
[5] MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contração Pública – Fases, etapas e atos. Curitiba. Zênite, 2012, pp. 27-28.
[6] Idem, ibidem, pp. 28-29.
[7] TCU. Acórdão nº 994/2006, Plenário, rel. Min. Ubiratan Aguiar.
[8] MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contração Pública – Fases, etapas e atos. Curitiba. Zênite, 2012, pp. 37.
[9] TCU. Acórdão nº 446/2011, Plenário, rel. Min Ubiratan Aguiar.