Os devedores de pensão alimentícia, quando descumprem a obrigação imposta de pagar a verba alimentar estipulada, podem ser compelidos a fazê-la através da medida judicial da execução de alimentos, podendo ser de 02 (duas) maneiras: pelo rito da prisão e pelo rito da penhora.
Vejamos o que diz o Código de Processo Civil sobre o procedimento da prisão:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Já o rito da penhora se dará da seguinte forma:
Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais
Art. 829. O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação.
§ 1o Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado.
§ 2o A penhora recairá sobre os bens indicados pelo exequente, salvo se outros forem indicados pelo executado e aceitos pelo juiz, mediante demonstração de que a constrição proposta lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente.
Art. 830. Se o oficial de justiça não encontrar o executado, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução.
No rito processual da penhora, a execução dos alimentos visa inicialmente obrigar o devedor a pagar ao credor a verba alimentar em atraso, sob pena de serem penhorados seus bens para garantir o pagamento do débito alimentar.
O devedor, após ser intimado da execução, pode reconhecer a dívida e pagá-la; pode apresentar defesa usando dos mais variados argumentos, por exemplo, alegar que o valor da dívida não é aquele apresentado pelo credor ou demonstrar que o débito já foi pago, enfim, as justificativas são variadas e dependem de cada caso concreto. Pode, inclusive, permanecer silente, não apresentando defesa e não justificando o motivo do não pagamento da verba alimentar, como, aliás, é comum ocorrer.
Confirmada a existência da dívida e o não pagamento da pensão alimentícia atrasada, o devedor poderá ter seus bens penhorados para garantir que o credor receba o que lhe é devido. Para isso, deve o credor apresentar ao juízo os bens do devedor passíveis de penhora ou, não os encontrando, solicitar a expedição de ofício ou mandados à determinados órgãos e entidades para que eles informem sobre a existência de bens em nome do devedor e que podem ser constritos para garantir a satisfação da dívida.
O credor pode solicitar, por exemplo, que seja efetuada a busca on-line de dinheiro existente na conta do devedor através do sistema BACENJUD, e, caso positivo, efetua-se a penhora; de igual forma, a penhora on-line via RENAJUD (para verificar a existência de veículos); consulta de bens na Declaração do Imposto de Rendas do devedor pelo sistema INFOJUD; penhora de bens que guarnecem a residência do devedor; penhora do PIS ou da conta do FGTS, enfim, são requerimentos costumeiros feitos ao juiz visando obter a garantia de que o valor devido poderá ser pago com a constrição dos bens do devedor.
O rito processual da penhora de bens do devedor para garantir o pagamento da dívida da pensão alimentícia, muitas vezes, é demorado, frustrando o credor que necessita dos alimentos para sobreviver e também desprestigia o Poder Judiciário quando a medida não é efetivada.
Entretanto, com o advento da Lei 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil Brasileiro, o credor dos alimentos pode solicitar ao Juízo a aplicação do artigo 139, inciso IV, do CPC, assim redigido:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
O inciso IV do artigo 139 do CPC/15 não possui correspondência com o anterior Código de Processo Civil, e a par dessa sistemática adotada pelo novo Código, as partes podem solicitar a prestação jurisdicional de modo que o juízo assegure o cumprimento da ordem através de medidas indutivas ou coercitivas que podem inovar o modo de agir do Poder Judiciário.
Foi o que ocorreu no Agravo de Instrumento (AI) n.º 1.634.787-0 do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em julgamento proferido no dia 14/06/2017.
No caso apreciado por aquele Tribunal, um credor ingressou com a execução de pensão alimentícia pelo rito da penhora, e, após várias tentativas de buscar bens do devedor sem obter êxito no seu intento, requereu ao juiz da primeira instância que determinasse a suspensão da CNH do devedor, bem como a apreensão do seu passaporte e o cancelamento dos seus cartões de crédito.
O pedido foi baseado exatamente no artigo 139, IV, do CPC, cuja regra processual amplia os poderes do juiz e tem a finalidade de dar efetividade às medidas judiciais. No entanto, o juízo de 1º grau naquele processo indeferiu o pedido por entender serem medidas drásticas e sem previsão legal.
O credor recorreu e o Tribunal de Justiça do Paraná reverteu, de maneira unânime, a decisão inicial determinando a suspensão da CNH do executado, a apreensão do seu passaporte e o bloqueio, mas não o cancelamento, do cartão de crédito do devedor.
Eis a ementa do acórdão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.634.787-0, DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA FORO CENTRAL DE LONDRINA 1ª VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES, REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL. AGRAVANTE: T. D. dos S. AGRAVADO: J. V. A. dos S. RELATOR: DES. RUY MUGGIATI REL.CONV.: JUIZ ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELO RITO DA PENHORA DECISÃO QUE INDEFERIU A CONCESSÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS (SUSPENSÃO DA CNH, APREENSÃO DO PASSAPORTE E CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE CRÉDITO DO EXECUTADO) PARA CONSTRANGER O DEVEDOR AO PAGAMENTO IRRESIGNAÇÃO DA EXEQUENTE MEDIDAS ATÍPICAS QUE SE FUNDAM NO DEVER GERAL DE EFETIVAÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS CONTIDO NO ART. 139, IV, DO CPC/15 ESGOTAMENTO DOS MEIOS TRADICIONAIS PARA RECEBIMENTO DO CRÉDITO RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA EXCEPCIONALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE CRÉDITO, TODAVIA, QUE NÃO SE REVELA NECESSÁRIO DIANTE DA POSSIBILIDADE DE SEREM MERAMENTE BLOQUEADOS DECISÃO MODIFICADA RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
A decisão do Egrégio TJ/PR que concedeu as medidas coercitivas atípicas visando dar efetividade às pretensões do exequente é de suma importância porque abre um precedente ímpar para que os credores possam inovar nos seus pedidos, cujo intuito é receber de alguma forma o valor da pensão alimentícia que lhe é devido.
Destoando dos corriqueiros pedidos (BACENJUD, RENAJUD, e etc.), têm agora os credores a possibilidade de requererem aos juízes as medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais, que solucione de uma vez por todas o problema enfrentado.
E não há que se falar que o deferimento das medidas concedidas pelo E. Tribunal de Justiça do Paraná é uma aberração, porque há previsão legal que autoriza a ampliação dos poderes do juiz, que é exatamente o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil.
Diante desta nova permissão legal, quem ganha é o exequente credor dos alimentos que necessita dos mesmos para sobreviver, além do próprio Judiciário, que dá uma resposta efetiva às suas próprias ordens.
Importante destacar que a proporcionalidade deve estar presente nos pedidos criativos a serem formulados, assim como nas decisões tomadas, não podendo extrapolar os limites da razoabilidade.
Transcreve-se trecho do voto do Relator Desembargador, porquanto magistral e esclarecedor.
Vejamos:
Como a doutrina processualista vem pontuando, o Direito processual vem sendo redesenhado pela nova feição que o CPC/15 imprimiu à atividade jurisdicional, que agora passa a ser marcada, no que interessa ao caso, por uma acentuada criatividade judicial, manifestada, a título de exemplo, na presença de importantes cláusulas gerais.
A técnica das “cláusulas gerais” contrapõe-se a técnica casuística: enquanto nessa última o texto normativo é marcado pela especificação ou determinação dos elementos que o compõem, naquela primeira o texto normativo tem sua hipótese fática descrita em termos vagos e seu efeito jurídico é indeterminado. Ou seja, enquanto na técnica casuística o legislador fixa, do modo o mais possível completo, os critérios para aplicar uma certa qualificação aos fatos normados, na técnica das cláusulas gerais o órgão julgador é chamado a interferir mais ativamente na construção do ordenamento jurídico a partir da solução de problemas concretos que lhe são submetidos. (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, 17ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, pgs. 51-52).
(...)
Quanto ao argumento de que tais medidas não possuem previsão legal, sobreleva notar que embora elas não possuam previsão legal explícita (como sói ocorrer quando da adoção da técnica casuística), elas decorrem da cláusula geral de efetivação das medidas judiciais estampada no citado art. 139, inc. IV, do CPC/15, que autoriza o juiz a “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub- rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial” (grifou- se). É claro que, para que se evite o arbítrio judicial, esse poder deve esbarrar em limites, que serão paulatinamente construídos pela comunidade jurídica conforme for amadurecendo a compreensão em torno do CPC/15, mas que desde logo parecem esbarrar nos princípios da excepcionalidade e da proporcionalidade das medidas coercitivas atípicas os quais estão preenchidos na casuística.
Com o passar do tempo, outras medidas judiciais atípicas e criativas surgirão e as possibilidades do credor receber aquilo que lhe é devido certamente será ampliada, como no caso analisado onde foi concedida a suspensão do cartão de crédito do devedor e a suspensão da sua CNH, formas de compelir o devedor a pagar a sua dívida, situações estas outrora não acolhidas pelo Judiciário, mas que agora podem ser perfeitamente deferidas nos termos da lei.
Com isso, quem ganha são os credores de pensões alimentícias, geralmente menores de idade e que necessitam da verba para sobreviver, além do Poder Judiciário que não se frustrará em não ver cumprida uma ordem por si emanada, e a própria sociedade que resgatará a confiança na justiça. Ao devedor, que muitas vezes se utiliza de subterfúgios para não quitar a sua dívida de alimentos, terá diminuída a sua estratégia e será compelido, de forma efetiva, a cumprir com suas obrigações.