Racismo e injúria racial nos estádios e redes sociais. o direito penal como instrumento de repressão ao preconceito

Exibindo página 2 de 3
16/12/2017 às 20:02
Leia nesta página:

4. A LEI DE RACISMO NO BRASIL

Como se percebe, a Constituição de 1988, em seu inciso XLII, determina que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Logo é bom ressaltar que existem dois crimes imprescritíveis no ordenamento jurídico brasileiro. Um deles é justamente o racismo e o outro são as a ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Percebe-se, claramente, que o Constituinte deixou para o legislador ordinário a incumbência de tipificar o crime de racismo, que ingressou no direito brasileiro pouco tempo depois, exatamente 90 dias após, com a publicação da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que entrou em vigor no dia 06 de janeiro de 1989.

O crime de racismo é uma espécie de segregação ou discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Trata-se de crime inafiançável e imprescritível, puníveis com pena de reclusão e todos de ação penal pública incondicionada.

Quer dizer. Na persecução criminal o Estado não fica subordinado a nenhuma condição para que a ação penal seja proposta. As condutas criminosas são taxativas, começando com a definição do artigo 3º até o artigo 20 da referida lei.

Assim, temos as seguintes condutas criminosas:

Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. 

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: 

I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores;  

II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional;  

III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. 

§ 2o  Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. 

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Art. 15.( vetado)

Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

Art. 17. .( vetado)

Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Art. 19. .( vetado)

 Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. 

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: 

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:  

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;

II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;  

III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.   

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. 


5. DOS CRIMES CONTRA A HONRA

A Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, determinada que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O Pacto de San José da Costa Rica, também no seu artigo 5º estatui o Direito à integridade pessoal, assegurando no item 1., que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

Na esfera civil, o Código Civil Brasileiro, artigo 186, aduz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente.

Por sua vez, a Súmula 37 do Egrégio Superior Tribuna de Justiça, adotou a posição de que são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

O Código Penal conhece três crimes contra honra.

I - Calúnia – art. 138 do Código Penal;

II - Difamação – art. 139 do Código Penal;

III- Injúria  – art. 140 do Código Penal

Já o Código Eleitoral, também conhece três crimes contra a honra, a saber:

I - Calúnia eleitoral – art. 324 da Lei nº 4.737/65

II - Difamação eleitoral – art. 325 da Lei nº 4.737/65

III - Injúria eleitoral – art. 326 da Lei nº 4.737/65

A Justiça Militar, por meio do Código Penal Militar, de igual maneira, elenca três crimes contra a honra:

I - Calúnia Castrense - Artigo 214 do Decreto-Lei nº 1001/69.

II - Difamação Castrense - Artigo 215 do Decreto-Lei nº 1001/69.

III - Injúria Castrense - Artigo 216 do Decreto-Lei nº 1001/69.

Segundo ensina o festejado Professor Guilherme de Souza Nucci, honra é  a faculdade de apreciação ou o senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa, consistente na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social, na sua correção moral, enfim, na sua postura calcada nos bons costumes.

A doutrina costuma subdividir em honra objetiva e honra subjetiva.

I - Honra objetiva: É o julgamento que a sociedade faz do indivíduo, vale dizer, é a imagem que a pessoa possui no seio social.

II - Honra subjetiva: É o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo. É um sentimento de autoestima e de autoimagem.

5.1. Calúnia

O crime de calúnia, no direito penal comum, é previsto no art. 138 do CP, a saber:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.        

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Trata-se de crime comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa, não se exigindo qualidade ou condições especiais do sujeito ativo. Sujeito passivo pode ser também qualquer pessoa.

No tocante ao elemento normativo do tipo, é fundamental na calúnia que o fato definido como crime seja falso.

Se o fato for definido como contravenção Penal, não há que se falar em crime de calúnia. A lei fala em crime. Em direito penal adota-se a interpretação restritiva. Se a imputação falsa for contravenção penal, segundo doutrina dominante,  pode caracterizar crime de difamação.

Configura também o crime de calúnia que propala ou divulga o fato falso. No crime de calúnia, existe a possibilidade de o acusado provar o alegado. É a chamada exceção da verdade, um incidente processual, ou questão secundária que reflete sobre o processo principal. Merece solução antes do julgamento da causa principal. Em verdade, é uma forma de defesa indireta.

5.2. Difamação

O crime de difamação, no direito penal comum, vem previsto no artigo 139, a saber:

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando sua reputação. Imputar algo desairoso a alguém.

Imputado de fato: Exige-se a afirmação de acontecimento. Espalhar fatos dando conta que uma pessoa não paga suas dívidas, pois deve José, Juliana, Júlia, Joana, Josely, Juarez, Joaquim, Jomar, Jessica, e o mundo inteiro.

5.3. Injúria

Por sua vez, o crime de injúria é previsto no artigo 140 do Código Penal, in verbis:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Análise do núcleo do tipo:  Injuriar significa ofender ou insultar. É preciso que a ofensa atinja a dignidade ( respeitabilidade ou amor-próprio ) ou o decoro ( correção moral ou compostura) de alguém.

Inimputáveis e mortos. É preciso distinguir a possibilidade de serem sujeitos passivos apenas no caso concreto. Elemento subjetivo do tipo.

Pune-se o crime quando o agente agir dolosamente. Não há que se ventilar o crime em apreço, nos casos de animus criticandi ou até animus corrigendi.

A consumação do crime de injúria ocorre quando a ofensa chega ao conhecimento da vítima. Não é necessário que terceiro tome conhecimento dela.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Direito Penal. Crimes. Princípio da Isonomia. Liberdade de pensamento. Liberdade de expressão. Preconceito. Racismo. Injúria racial. Convenções Internacionais. Evolução constitucional. Lei nº 7.716/89. Lei nº 9.459/97.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos