A Administração Pública possui, como maior bem, o seu capital humano. Não há que se falar em prestação de serviços públicos de qualidade se não houver servidores capacitados para atender toda a comunidade. Os administrados, por sua vez, entregam na mão desses representantes do Estado a confiança de que realizarão as atividades necessárias para a efetivação dos serviços públicos.
Conforme estabelecido no texto constitucional, no art. 37, inc. II: “[...] a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Assim, além daqueles profissionais que se submeteram ao crivo da seleção por meio dos concursos, a própria Constituição abre espaço na função pública para aqueles profissionais que podem ser livremente nomeados pelos gestores. Essa previsão constitucional diz respeito diretamente àqueles cargos em que é necessária uma relação de confiança entre o gestor e esses profissionais para a efetivação das atividades públicas.
Cumpre observar, porém, se a atividade atribuída a esses profissionais está sendo efetivamente realizada com a qualidade esperada pela sociedade. O Tribunal de Contas da União – TCU não é alheio a esse tema. No ano de 2015, a Corte de Contas iniciou um estudo com o objetivo de avaliar os riscos relativos à escolha e à investidura em funções de confiança – FC e cargos em comissão – CC no âmbito da Administração Pública Federal.
Foram avaliadas, assim, essas funções no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A análise demonstrou, em uma visão geral, que, após a análise de 278 unidades da Administração Pública Federal, identificou-se que esta é composta por 69,07% de servidores não comissionados, 25,51% titulares de funções de confiança e 5,42% investidos em cargos em comissão. Assim, a média geral de servidores que ocupam funções de confiança e cargos em comissão é de 31%.
Essa média, porém, é puxada principalmente pelo Legislativo federal. Lá, 97% dos servidores não possuem vínculo com a Administração Pública, enquanto o Executivo e o Judiciário têm a maioria dos cargos ocupados por servidores do próprio quadro. É certo que esse número diz respeito necessariamente à função política que exercem os parlamentares, mas o número ainda é relevante.
Outro dado relevante apontado no levantamento do TCU diz respeito ao tempo de permanência nos mesmos cargos em comissão ou funções de confiança. Assim detalhou a Corte de Contas:
Constata-se que o tempo médio de permanência nos CC é menor no Poder Legislativo, sendo inferior a um ano. Nos demais Poderes e no MPU, esse tempo encontra-se na faixa de 2 a 3 anos aproximadamente, com exceção dos servidores civis das Forças Armadas, que permanecem quase 7 anos no mesmo CC, em média. No caso das FC, os menores tempos de permanência foram identificados no MPU e no Legislativo, nos quais esses profissionais atuam por aproximadamente um ano e meio. Nos demais Poderes, um titular de FC permanece na função por dois anos e meio aproximadamente, com exceção da Forças Armadas, nas quais a permanência média é de quase seis anos.
Esses dados foram utilizados pelo TCU, inclusive, para avaliar os riscos associados à escolha desses profissionais, considerando a forma de escolha dos ocupantes desses cargos e funções.
Retomando os principais pontos do Relatório de Fiscalização publicado pelo Tribunal de Contas da União – TCU sobre a avaliação dos profissionais que ocupam os cargos em comissão ou funções de confiança na Administração Pública Federal, é importante destacar os apontamentos acerca da qualificação dos ocupantes das posições. Inicialmente, o TCU destacou que, no caso dos comissionados em posição de assessoramento, é comum não haver descrição alguma das suas atribuições e responsabilidades.
De forma geral, não há definição de requisitos de qualificação, como escolaridade e experiência profissional, para acesso a CC ou FC. Quando é necessário suprir uma vaga, a chefia responsável considera as tarefas que precisam ser executadas e, a partir de indicações e com base em critérios subjetivos, realiza a seleção do profissional que considera ter potencial para executá-las.
Os dados apontam uma falta de critérios objetivos na escolha daqueles profissionais que ocuparão uma função de chefia, demonstrando que há um caminho ainda a ser desenvolvido para a busca de critérios mais objetivos para a seleção, pautados na competência profissional e no desempenho apresentado.
O TCU ainda avaliou com mais atenção três órgãos, a fim de identificar riscos associados ao processo de escolha e nomeação. Os órgãos analisados foram: Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Supremo Tribunal Federal. Entre os riscos destacados pela Corte de Contas, ressalta-se: “conflito entre interesses públicos e privados, que pode comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública dos comissionados. O nível do risco é considerado médio a alto”.
Outro ponto de risco apontado pelo TCU diz respeito às atribuições desempenhadas pelos comissionados. Destaca a Corte: “existência de comissionados cujas atribuições não são de direção, chefia e assessoramento, sinalizando inadequação no planejamento da força de trabalho. O nível do risco é considerado médio”.
A fim de dirimir os riscos dessas situações, a Corte de Contas propôs diversas ações a serem implantadas, “devendo ser utilizadas como insumo no planejamento da Sefip para os próximos anos”. Também se recomendam medidas para que a sociedade e outros órgãos possam ter acesso aos dados e às informações geradas no relatório que embasa o estudo.
Após toda a avaliação realizada pelo Tribunal de Contas da União – TCU, a Corte expediu o Acórdão3 nº 1.332/2016 – Plenário, de relatoria do ministro Vital do Rego, em que promove diversas recomendações aos órgãos e entidades da Administração Pública a fim de aperfeiçoar o provimento das funções e cargos de confiança. Em seu voto, o relator destacou os benefícios de um novo modelo de gestão de pessoal:
Há que se considerar que, em regra, estruturas mais enxutas, com menor quantidade de servidores alocados em cargos de chefia, direção e assessoramento, funções típicas dos cargos comissionados (FC/CC), tendem a ser menos burocráticas e mais efetivas, além de possuírem um custo menor. Tal constatação, contudo, não afasta a interferência de outros fatores que possam explicar a melhor produtividade a um custo menor, como, por exemplo, gestão mais eficiente, adoção de processos de trabalho menos redundantes, entre outros, e que não foram analisados no presente trabalho
Vital do Rego, porém, discordou da unidade técnica em relação aos riscos apontados com a contratação de comissionados, embora tenha acompanhado a conclusão do órgão do TCU.
Relativamente ao risco atinente ao conflito de interesses público e privado dos investidos em FC/CC, peço vênia para discordar de parte da análise empreendida pela unidade instrutiva. A meu ver, tal risco é inerente a qualquer função pública, alcançando, inclusive, aqueles detentores de cargos de provimento efetivo, não ficando, portanto, adstrito aos ocupantes de FC/CC.
Com base no voto do ministro, o Acórdão determinou à Secretaria de Fiscalização de Pessoal que considere os resultados do levantamento no planejamento e execução de suas futuras ações de controle em sua área de atuação. Para tanto, determinou a observância de algumas diretrizes:
[...] em trabalhos futuros e específicos junto aos jurisdicionados envolvendo o tema relativo à ocupação de FC/CC, após aprofundar o exame da matéria, avalie a pertinência de recomendar ao órgão auditado que a definição de requisitos para a assunção de FC/CC seja pautada, preferencialmente, em critérios objetivos capazes de mitigar a subjetividade da escolha, considerando as particularidades da atuação daquela unidade jurisdicionada, bem como que tais critérios sejam divulgados e implementados no âmbito da instituição;
avalie a possibilidade de inclusão de críticas para identificação de possíveis casos de nepotismo e impedimentos legais no processo de fiscalização contínua já implementado pela Sefip, a partir de cruzamentos entre as diversas bases de dados disponíveis, relativos aos jurisdicionados, e a base de dados do sistema CPF ou de outros eventuais sistemas que também possuam dados sobre grau de parentesco ou de sanções penais ou administrativas aplicadas, com a notificação dos eventuais achados às respectivas organizações
Ao final, a Corte de Contas determinou a disponibilização dos dados consolidados do levantamento no portal do TCU, em atenção ao princípio da transparência, meio que permitiu a produção desta série de artigos.
Notas
1 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Relatório de Fiscalização nº 222/2015. Processo TC nº 005.233/2015-1. Relator: ministro Vital do Rego. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/levantamento-sobre-cargos-em-comissao-e-funcoes-de-confianca.htm>. Acesso em: 19 dez. 2017.
2 Tribunal de Contas da União. Relatório de Fiscalização nº 222/2015. Processo TC nº 005.233/2015-1. Relator: ministro Vital do Rego. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/levantamento-sobre-cargos-em-comissao-e-funcoes-de-confianca.htm>. Acesso em: 20 dez. 2017.
3 Tribunal de Contas da União. Relatório de Fiscalização nº 222/2015. Processo TC nº 005.233/2015-1. Relator: ministro Vital do Rego. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/levantamento-sobre-cargos-em-comissao-e-funcoes-de-confianca.htm>. Acesso em: 21 dez. 2017.