1. REGULAÇÃO ESTATAL EM MATÉRIA DE GÁS NATURAL
1.1. Inserção do Poder Regulador: evolução no plano internacional
A indústria do gás natural é baseada, sobretudo, na infra-estrutura de sua rede, desde o poço, passando pela Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), pelo gasoduto, chegando ao city gate, onde se efetua a distribuição. Trata-se de uma cadeia dependente de custos vultuosos, conseqüentemente, uma indústria que desde o início foi marcada por um oligopólio de poucos agentes, com capital para grandes investimentos, ou até mesmo um monopólio natural, com contratos de fornecimento de longo prazo e exclusivos e preços regulados, para que houvesse um retorno dos investimentos.
Podemos observar tais características no modelo americano de regulação do setor, no qual predominava a integração (vertical) da cadeia: produção – transporte – distribuição, com o predomínio de algumas empresas privadas dominando todos os elos da cadeia.
Após a Segunda Guerra, a regulação foi direcionada para o controle de preços na boca do poço e à tentativa de inserir novos agentes na rede de transporte com o intuito de inserir a concorrência no mercado ainda não-competitivo. Entre 1977 e 1984, após os dois grandes choques do Petróleo, as empresas estaduais reduziram a procura gás natural devido aos preços praticados pelos produtores, gerando o que ficou conhecido nos EUA como "bolha de gás", ou seja, muita oferta do produto, mas queda na demanda.
Instaurada a crise no início dos anos 80, a indústria gasífera norte-americana viu-se obrigada a reestruturar sua política. Foram introduzidas novas medidas, tais como a separação contábil e jurídica das atividades do gás natural e a aplicação do livre acesso (open acess) a terceiros aos dutos de transporte, gerando concorrência num mercado antes monopolizado.
Assim, o mercado de gás natural nos EUA, antes dominado por algumas empresas privadas, passou a ser uma indústria competitiva, claramente regulada por uma Agência estatal, a FERC (Federal Energy Regulatory Commission), e eficiente já que seus agentes podem identificar cada elemento da cadeia produtiva.
Já o modelo europeu é marcado pela forte intervenção estatal, pois há um oligopólio de empresas públicas, e pelo alto grau de interconexão dos mercados nacionais, sustentado por uma rede de gasodutos bastante desenvolvida.
Na maioria dos países da União Européia, a introdução da concorrência foi bastante lenta, já que são dependentes de gás importado, preferindo, com isso, a manutenção de monopólios estatais com a finalidade de manter a eficiência na distribuição deste energético de utilidade pública.
A exceção na Europa é o Reino Unido, onde a British Gas (BG), empresa estatal, era detentora do monopólio da indústria do gás natural. Em 1986, contudo, já auto-suficiente, a BG foi privatizada e criada uma agência específica para a regulação do mercado de gás - a OFGAS - que implementou o livre acesso aos dutos de gás; porém, a BG continuou exercendo um monopólio de fato. Somente em 1995, com a separação contábil da BG, e o conseqüente desmembramento da empresa, foram criadas condições para a entrada de novos atores no mercado.
Ante a exposição da evolução dos modelos americano e europeu, é flagrante que para facilitar e tornar mais transparente a atuação das agências reguladoras são necessárias basicamente duas medidas: separação contábil e jurídica das empresa detentoras dos monopólios, responsáveis pela verticalização da cadeia, e a instituição do livre acesso.
1.2. Doutrina regulatória nacional: definição e aplicação
A indústria de infra-estrutura no Brasil, similarmente ao modelo europeu, foi introduzida pelo Estado, principalmente, nas décadas de 50, 60 e 70 (época do milagre econômico). A partir dos anos 80, influenciado pelas crises do petróleo advindas da instabilidade do Oriente Médio, o Estado começa a sentir o peso das dívidas adquiridas para manter a política energética nacional.
Diante da conjuntura política trazida pela Carta Cidadã de 1988, fez-se inserir a Emenda Constitucional nº 9/95, responsável pela flexibilização do monopólio da União sobre as atividades da indústria do petróleo e gás natural. Neste arcabouço, surge o Poder Regulador, um dever-poder atribuído institucionalmente pelo sistema legal a uma autarquia denominada agência reguladora, quando da aprovação da lei que a instituiu. A agência é investida de poder normativo infralegal e secundário com legitimidade e eficiência nos limites outorgados pela lei; os instrumentos de que se valem as agências podem afetar diretamente o mercado, regulando preços, qualidade dos produtos e a própria produção. É a partir do posicionamento da agência que o empresário definirá sua estratégia de mercado.
Em 1997, foi promulgada a lei nº 9.478, que instituiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP), com a finalidade de promover a regulação, contratação e fiscalização das atividades da indústria do petróleo, atribuições estas definidas no art.2º da referida lei.
Em matéria de gás natural, há uma carência de um marco regulatório específico, já que na Lei do Petróleo, as atribuições de competência da ANP e a identificação das atividades específicas da cadeia de produção não estão bem definidas. Ademais, a regulação econômica do setor gasífero não é responsabilidade exclusiva da ANP, visto que a própria Constituição Federal no seu art.25, §2º atribui aos Estados a exploração exclusiva dos serviços locais de gás canalizado. Portanto, é mister o reconhecimento dos limites de competência da ANP e das Agências Estaduais ou Secretarias Estaduais de Energia em matéria de gás natural.
Após décadas de exercício do monopólio pela Petrobrás, a Emenda nº 9/95 determinou o fim dessa concentração. Assim, outros agentes foram introduzidos no mercado de exploração, produção e comercialização. Não obstante, no que tange ao transporte de gás, a estatal permanece com o monopólio de fato, mas devido à imposição do livre acesso, disposto no art.58 da lei nº 9.478/97, somado ao fato de a empresa transportadora não poder comercializar o gás, nasceu a TRANSPETRO, subsidiária da Petrobrás, com a finalidade de inserir novas forças de mercado (concorrência).
Muitos doutrinadores, cuja opinião nós compartilhamos, defendem que devido à escassa infra-estrutura de gasodutos, acham um erro introduzir o livre acesso, pois os "terceiros" estão interessados apenas em ter acesso aos dutos já existentes, pois não terão custo algum com a construção de um novo gasoduto; já se o livre acesso fosse instituído progressivamente, visando expandir a rede, seria mais vantajoso tanto ao empresário como ao consumidor, pois com estabilização de uma rede expansiva, seria mais fácil a inserção de novos atores dispostos a investir na construção de novos dutos e a natural concorrência geraria um enorme benefício ao consumidor que poderia escolher a quem comprar.
O mercado de gás natural ainda é muito restrito, corresponde a 2,5% da matriz energética. No entanto, é um mercado em expansão, mais incentivado com a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, que aumentou a oferta deste commodity, e mais recentemente com as descobertas na Bacia de Santos, o que praticamente triplicou as reservas do país. Destarte, é preponderante a fixação de uma política de gás efetiva que traga segurança aos investidores, os quais só depositam seu capital na certeza dos limites de sua atuação.
1.3. Atuação da ANP e Agências estaduais: abordagem geral
O art.4º da lei nº 9.478/97 dispõe sobre as competências da ANP. Dentre elas destacamos o inciso I, que expressamente atribui a ANP a competência para implementar a Política Nacional de Petróleo e Gás Natural, dando ênfase à proteção do consumidor e à garantia de suprimento de derivados de petróleo no território nacional, e o inciso XIV, o qual disciplina o dever da agência em articular-se com outros órgãos reguladores do setor energético sobre matérias de interesse comum. Este último inciso demonstra a preocupação do legislador em harmonizar a atuação das agências responsáveis pela regulação no campo energético.
Já as atribuições da ANP quanto ao gás natural estão dispostos no art.8º da retrocitada lei: proteger os consumidores quanto ao preço, qualidade e oferta de produtos; estabelecer blocos a serem licitados; autorizar o exercício das atividades de cadeia, excetuando-se a exploração e a distribuição; e fiscalizar as atividades de cadeia.
A regulação das atividades de exploração e produção (E&P), seja na esfera federal ou estadual, cabe à ANP, através da licitação de blocos; a atividade de processamento, com a construção de UPGNs não necessita de licitação, basta uma autorização concedida pela ANP; e os que desejam atuar no transporte devem seguir o mesmo procedimento. O setor de comercialização é livre, ausente de regulação por órgãos do Poder Público. Entretanto, o segmento de distribuição é de competência exclusiva dos Estados Federados e é realizado a partir do city gate por empresas concessionárias (de serviço público), as quais têm o dever de garantir o suprimento do energético aos consumidores finais.
Isto posto, temos que a regulação do gás natural das atividades de E&P, processamento, transporte e importação estão sob a órbita de competência da ANP; e a distribuição é um monopólio natural dos estados e invariavelmente são atribuição das agências estaduais.
1.4. Reestruturação da indústria gasífera quanto a sua regulação: introdução da concorrência e a atuação do CADE.
A cadeia de produção e fornecimento do gás é formada por atividades potencialmente competitivas (E&P e comercialização) integradas verticalmente com atividades que apresentam características de monopólio natural (transporte e distribuição). Para atingir os consumidores finais, os produtores e comerciantes dependem de atividades não-competitivas. Neste ponto, é essencial a introdução da concorrência, pois a mesma estimulará a inovação tecnológica e eficiência econômica nas atividades de produção e comercialização, visto que os empresários disputarão novos clientes, procurando, assim, oferecer melhores produtos. Destarte, haverá um maior leque de opções junto ao consumidor, facilitando o trabalho do órgão regulador ao possibilitar uma regulação mais eficiente e focada.
Contudo, a inserção de novas forças de mercado apenas se torna interessante para o setor de gás quando a regulação se destina ao acesso de terceiros à rede física de transporte e para a criação de mecanismos que permitam ao consumidor escolher seu fornecedor, sem ter que, obrigatoriamente, comprar o gás das concessionárias do serviço de distribuição. Pouco adianta, por exemplo, a introdução da concorrência na atividade de produção se a escolha sobre o produto é feita unicamente pela empresa distribuidora.
É sabido, no entanto, que a regulação da concorrência gira em torno de um conflito de interesses: de um lado temos a ANP querendo tornar o mercado mais competitivo e do outro, as empresas detentoras do monopólio (natural) usando de atos de concentração, através de fusões e incorporações de empresas, ou principalmente, formando cartéis.
Dentro deste conflito é imprescindível a atuação do Conselho de Defesa da Concorrência (CADE), a quem cabe apreciar os atos que possam limitar ou prejudicar a concorrência, resultando com isso, na dominação de mercados de bens e de serviços, consoante prevê o art. 54 da Lei 8.884/94. Ademais, é papel exclusivo do CADE apreciar e julgar as infrações à ordem econômica, nos termos dos arts. 20 e 21 da referida lei.
2. DO DIREITO CONCORRENCIAL: INSERÇÃO NO DIREITO POSITIVO
No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a trazer princípios e normas sobre a ordem econômica, sob influência da Constituição alemã de Weimar, com o seu célebre capítulo sobre a Vida Econômica, e da ideologia do Estado intervencionista do pós-primeira guerra. Até então, o Estado brasileiro não havia ainda demonstrado preocupação em regulamentar a concorrência.
O primeiro texto infraconstitucional a tratar da concorrência, no Brasil, foi o Decreto-Lei 896 de 1938, o qual tipificava como crimes condutas tendentes a afrontar a economia popular. Todavia, faltava, um órgão específico de controle e julgamento administrativo de casos, o que foi decisivo para a reduzida aplicabilidade do Decreto-Lei 869/38.
Essa deficiência legislativa foi solucionada com o advento do Decreto-Lei 7.666/45, que criou o CADE (na época, significando Comissão Administrativa de Defesa Econômica). Apesar de toda importância do citado decreto, este foi revogado três meses depois com a queda do Presidente Getúlio Vargas.
A Constituição de 1946 traz em seu Título V a disciplina constitucional da Ordem Econômica e Social, consagrando em seus arts. 145 e 148 o princípio da livre iniciativa, delimitando-o com a vedação de toda e qualquer forma de abuso de poder econômico, inclusive no que tange às uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, quem tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.
Além disto, é sob a égide desta Carta Constitucional, de forma a regulamentar o artigo 148, que se editou a Lei nº 4.137/62, que conceitua as formas de abuso, ressuscita o CADE, trata de seu processo administrativo, o processo judicial, e ainda estabelece a possibilidade de intervenção judicial na empresa, com fulcro no artigo 146, CF/42.
A Constituição de 1988 passou a dispor em um capítulo próprio os princípios da atividade econômica. Com o disposto no art. 170, vemos a consagração da livre concorrência, e da proteção do consumidor, convivendo harmonicamente como objetivos da legislação concorrencial pátria; para alguns doutrinadores clássicos, isto é um paradoxo.
O ilustre jurista José Afonso da Silva (2002) argumenta que: "a livre concorrência está configurada no art. 170, IV, como um dos princípios da ordem econômica. Ele é uma manifestação da liberdade de iniciativa e, para garanti-la, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência contra a tendência da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado coibir este abuso".
Em 1990, por meio do Decreto 99.2444, foi criada a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SDE), a qual compete zelar pelos direitos do consumidor, apurar, prevenir e reprimir abusos do poder econômico por meio do CADE, dentre outras. Ainda em 1990, novamente foram criminalmente tipificadas condutas contrárias à ordem econômica, por meio da Lei 8.137/90. Logo a seguir a Lei 8.158/91 que instituiu normas para a defesa da concorrência, que revigorou expressamente a Lei 4.137/62, gerando grande controvérsia na aplicação de tais normas, nem sempre harmônicas.
Finalmente, em 1994, foi promulgada a atual legislação antitruste nacional, a Lei 8.884/94, que dentre outras disposições, vem delimitando conceitos, atos que afrontam a livre concorrência, remodelando e estabelecendo competências administrativas ao CADE, bem como a SDE e a SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Justiça), órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC. Como mandatários da coletividade atuam em esferas distintas, de modo integrado, considerando que as instâncias de investigação e julgamento são separadas.
Tal lei também transforma o CADE, um dos órgãos que compõe o SBDC, em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça.
Vale salientar, ainda, o importante papel que outros órgãos da estrutura administrativa estatal brasileira vem desempenhando no cenário da concorrência, como as agências reguladoras.
Diante do panorama legislativo atual no Brasil, percebemos que a proteção da concorrência, em cotejo com a livre iniciativa, combate dois espectros diversos, quais sejam: a concorrência desleal e o abuso de poder econômico (infração à ordem econômica). A primeira se dá, em âmbito civil e penal, envolvendo, senão somente, preponderantemente o interesse do empresário. Já na segunda hipótese, que além do âmbito civil e penal envolve a seara administrativa, há o interesse da sociedade em geral, extrapolando o interesse específico do empresário.
3. DA ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS REGULADORES: CADE, ANP E AGÊNCIAS ESTADUAIS
3.1. A ANP e o seu papel tutelar da concorrência
Dentre as principais missões de regulação da ANP, em matéria concorrencial, destaca-se supervisionar o poder de mercado dos operadores e evitar práticas anticompetitivas; organizar a entrada de novos agentes e promover a competição, em setores anteriormente sob regime de monopólio estatal.
No âmbito da indústria do gás natural, alguns dos seus segmentos são passíveis de concorrência, tais como as atividades de exploração e produção (E&P) e a de comercialização. Já os setores de rede, transporte e distribuição são naturalmente monopólicos. Nesse contexto, uma das metas da ANP é garantir o livre acesso não discriminatório à infra-estrutura de transporte, a fim de permitir a concorrência nas etapas potencialmente competitivas e, assim, possibilitar a modicidade dos preços e a qualidade do energético ao consumidor.
O artigo 58 da Lei 9.478/97 introduziu o princípio do acesso de terceiros aos dutos e terminais marítimos destinados à movimentação de petróleo, seus derivados e gás natural. No que se refere ao transporte de gás natural por dutos, este princípio esteve regulado pela Portaria ANP nº 169/98 durante o período de novembro de 1998 a abril de 2001. Atualmente está em estudo uma nova regulamentação do livre acesso, pois a Portaria nº 098/01, que deveria albergar a matéria tratada na Portaria nº 169/98, apenas introduziu uma parte.
Ainda quanto ao papel da ANP em matéria de concorrência, acrescenta a ilustre Menezello que: "No cumprimento de suas competências de zelar pelas regras de um mercado concorrencial, a ANP, por meio da portaria nº 42, de 16/03/1999, criou o Comitê de Política da Concorrência (CPC), com a finalidade de assessorar a diretoria em suas decisões no campo de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica. Mais adiante, em 05/04/2000, portaria nº 60, da ANP, cria a Comissão de Defesa da Concorrência (CDC), com a finalidade de dar cumprimento às obrigações assumidas pela ANP no Acordo de Cooperação Técnica, celebrado com o CADE e a SDE". (Menezello, 2000, p.90). Destaca-se que a Portaria nº 42 foi, posteriormente, revogada pela Portaria ANP nº 121, de 23.7.1999.
Por outro lado, é importante frisar o que aduz o artigo 10 da Lei n.º 9.478/97, in verbis:
Art.10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente.
Parágrafo único. Independentemente da comunicação prevista no caput deste artigo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE notificará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção por infração da ordem econômica cometida por empresas ou pessoas físicas no exercício de atividades relacionadas ao abastecimento nacional de combustíveis, no prazo máximo de vinte e quatro horas após a publicação do respectivo acórdão, para que esta adote as providências legais de sua alçada (1).
Isto posto, verifica-se o papel subsidiário da ANP frente aos demais órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, a saber, CADE e SDE. Comungamos, então, a tese de que a única atitude possível de ser tomada pela ANP dentro do espaço sancionador de infrações cometidas pela indústria do petróleo contra a ordem econômica restringe-se a dar conhecimento ao CADE do ilícito cometido e agir dentro de sua alçada legal no caso do parágrafo único do artigo 10 da Lei n.º 9.478/97.
Em se tratando do setor de transporte, devemos pensar no papel tutelar da ANP dentro do contexto fático proveniente da época de atuação de atividades monopolísticas por parte da PETROBRÁS. Sendo esta empresa detentora de praticamente toda a malha construída de transporte de petróleo e gás natural existente no Brasil, cabe a ANP valer-se de sua função reguladora e impedir que a retrocitada empresa utilize-se de seu privilegiado status no aludido segmento da indústria e obste a política estatal de implementação da livre concorrência.
Desse modo, o papel da ANP, no caso do transporte por meio de dutos, gasodutos e terminais marítimos, efetiva-se mediante atuação direta no atinente a proteção da livre concorrência em sede da indústria do petróleo e gás natural; não se limitando ao mero papel de informante do CADE e SDE. È o que se pode depreender do artigo 58 e parágrafos da Lei nº 9.478/97.
3. 2. A participação das Agências Estaduais
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 25, § 2º, atribuiu exclusivamente aos Estados a exploração, direta ou mediante concessão, dos serviços locais de gás canalizado. Este segmento de distribuição do gás se caracteriza por ser um monopólio natural, e tem sido regulado pelas Agências Estaduais ou pelas Secretarias Estaduais de Energia.
De fato, a inexistência de outros concorrentes neste ramo da cadeia do gás natural faz com que o consumidor seja obrigado a consumir da única operadora, estando sujeita às condições impostas por esta firma. Destarte, os usuários ficam restritos a utilizar o serviço de distribuição disponibilizado por certa empresa e, em razão do regime de concessão em que há delimitação da área de atuação de cada distribuidora pelas agências estaduais, inexiste, pois, mercado livre e, portanto, não há que se falar em livre concorrência.
Focando a região do RN, temos a concessionária Potigás, que controla (monopólio natural) a distribuição do gás natural nesta região, estando sob fiscalização regional da agência estadual - ARSEP.
3. 3. A atuação do CADE
Analisando o voto do Conselheiro Nestor Duarte proferido nos autos do Processo SC-GB nº 675/64, citado por FRANCESCHINI (1996, p.25), nos é ofertada uma noção genérica a respeito do CADE. Assim se posiciona o Conselheiro: "Este Conselho, o CADE, é órgão ou agência do poder público. Singulariza-se dentro da ordem pública por ter um caráter, uma missão, um fim jurídico-administrativo de executor e fiscal de uma lei de repressão e punição a abusos e crimes que possam ocorrer na ordem econômica. É órgão único, autônomo, criado por autorização e determinação constitucional para cuidar e reprimir um novo ilícito penal. É um tribunal claro que não judicial (sic), mas um tribunal que funciona até como primeiro grau do Judiciário, aonde chegará para requerer e obter a chancela judicial nas hipóteses que sua lei indica" (sic).
Constata-se, assim, que dentro da estrutura jurídica pátria, o CADE possui uma certa peculiaridade, pois a ele cabe julgar as infrações cometidas contra a ordem econômica, de forma fundamentada e por maioria absoluta, retirando da órbita do Poder Judiciário tal atribuição, valendo-se deste somente para executar as penalidades impostas aos infratores. Decisão que, no âmbito administrativo, terá caráter definitivo, não comportando revisão; mas sem auto-executoriedade, face o caráter penal do julgamento.