Súmula 219 do TST: desvalorização do advogado e a restrição ao acesso a justiça do hipossuficiente

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2. A IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO NA JURISDIÇÃO TRABALHISTA

Tendo em vista que diariamente são ajuizadas centenas de reclamações trabalhistas em face de empregadores desleais que sem hesitar suprimem direitos trabalhistas de operários simples que em regra desconhecem seus direitos, bem como os procedimentos processuais para obtê-los, por esta razão que se discute a ineficácia do jus postulandi e a importância do papel do advogado, principalmente na seara trabalhista.

O artigo 791 da CLT dispõe que “os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”, ou seja, é admitido tanto ao empregador quanto o trabalhador ingressar com uma demanda trabalhista sem a presença de um advogado, o chamado jus postulandi.

Todavia, admitir o Jus postulandi é negar a justiça, tendo em vista que profissionais do direito com técnica e pratica trabalhista por vezes assistem verbas trabalhistas serem suprimidas em sentenças e acordos, sobretudo um simples trabalhador, alvo fácil nesta guerra injusta contra empregadores que por ser a parte forte economicamente em regra, estão cercados de advogados competentes.

É neste contexto que, quando o trabalhador sente-se lesado e prejudicado no seu direito, tem a justiça do trabalho como sua protetora, buscando-a com o intuito de ter reconhecidas suas pretensões. No entanto, sem o devido conhecimento técnico jurídico, pouco poderá fazer a não ser contar com a própria sorte.

Ora, diferente de outras áreas do direito, na justiça trabalhista a maior parte dos que a procuram são hipossuficientes, o que fundamenta o princípio da proteção como o norteador do direito do trabalho. Contudo, como falar em proteção quando a parte mais “fraca” da relação trabalhista está desprotegida? 

Ademais, temos a orientação da súmula 425 do TST, que direciona no sentido de admitir o jus postulandisomente nas Varas do Trabalho e nos Tribunais Regionais, conforme demonstrado abaixo:

JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. Res. 165/2010, DEJT divulgado em 30.04.2010 e 03 e 04.05.2010.

O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho. Grifo nosso

Portanto, admitir que só seja possível ao trabalhador buscar a jurisdição trabalhista até certo limite, é obriga-lo a aceitar a sentença, pois, caso precise interpor um recurso ao Tribunal Superior do Trabalho, ou impetrar mandado de segurança, não o fará sem a intervenção e técnica do advogado,por conseguinte, admitir tal instituto como forma de acesso e igualdade a justiçaé o mesmo que limitar o trabalhador na busca dos seus direitos.      

Se não bastasse o jus postulandi na justiça trabalhista, temos os Juizados Especiais, regido pela Lei n° 9.099/95, popularmente conhecido com “juizados de pequenas causas” onde, ações de até 20 salários mínimos podem ser propostas sem a assistência do advogado, bastando que a parte narre o acontecido e a sua pretensão, o que será reduzido a termo pela secretaria do juizado, e, posteriormente, iniciado a ação.

A grande peculiaridade destes dois institutos, a saber, o jus postulandi e a Lei 9.099/95, é o fato de não poderem as partes em grau recursal dar prosseguimento à ação sem a assistência do advogado, pois, caso não concordem com a sentença lhes cabe se conformar ou contratar um advogado para propor um recurso inominado.

Pois bem, como é possível aceitar que estes institutos sejam benéficos ao hipossuficiente? Haja vista os prejuízos que podem causar, não só às partes, quanto ao judiciário, que, por vezes, abarrotados de processos, geram uma morosidade, prejudicando, de fato, ações relevantes, fazendo com que audiências sejam marcadas com lapso temporal absurdo, prejudicando a celeridade e a efetividade processual.

Nesta esteira legislativa, temos a figura do Habeas Corpus, remédio constitucional que tem por objetivo sanar ilegalidades processuais que tenham cerceado a liberdade de alguém, assegurado pela nossa Constituição de 1988 e declarado não ser ato privativo de advogado, conforme definição do STF;

Descrição do Verbete: (HC) Medida que visa proteger o direito de ir e vir. É concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Quando há apenas ameaça a direito, o Habeas corpus é preventivo.  Partes: Qualquer pessoa física que se achar ameaçada de sofrer lesão a seu direito de locomoção tem direito de fazer um pedido de Habeas corpus. Essa pessoa é chamada de “paciente” no processo. O acusado de ferir seu direito é denominado “coator” [...] (STF, 2016) Grifo nosso.

Temos, ainda, o preceito constitucional que assegura o Habeas Corpus;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; (BRASIL, 1988) Grifo nosso.

Vale ressaltar que, embora a constituição autorize a qualquer pessoa física impetrar habeas corpus, e alguns doutrinadores romantizam ao dizer que pode ser feito até em “papel de pão”, a verdade é que um cidadão comum não se arriscaria, sem conhecimento, fazer uso deste instituto que versa sobre algo tão sério, qual seja, a liberdade. 

Neste sentido, o saudoso Benedito Calheiros Bonfim asseverava que;

Diante dessa pletora de inovações, a desafiarem até jovens menos experientes, sustentar que o trabalhador está apto, possui capacidade técnica para postular e se defender pessoalmente, utilizar os recursos processuais disponíveis, entender os aludidos institutos processuais, atuar em liquidação de sentença, com as implicações jurídicas desta, beira a falta de bom senso, a irracionalidade, o absurdo. Nessas circunstâncias, o jus postulandi, que funcionou originariamente como uma meio prático, eficaz e imediato de o empregado e pequeno e micro empregador defenderem-se, e verem reconhecidos seus direitos, tornou-se, já de algum tempo, inviável, particularmente se exercitado pelo trabalhador [...]( BONFIM, 2008, p. 365) grifo nosso

O artigo 133 da Constituição Federal de 1988 dispõe que: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Negar a essencialidade constitucional do advogado é o mesmo que andar na contra mão da justiça, impondo à parte hipossuficiente enfrentar uma batalha sem armas e fadada ao fracasso, conforme ilustra o saudoso Benedito Calheiros Bonfim,

Admita-se que a persistência da mais alta Corte trabalhista e do Supremo Tribunal na manutenção do jus postulandi, possa não ter viés ou inspiração patronal, mas que favorece o empresariado incentiva a litigiosidade em detrimento do trabalhador e em prejuízo da celeridade processual, disso não resta a menor dúvida (Bomfim, 2008, p. 366).

E continua o causídico;

[...] E, se exercido o jus postulandi, sê-lo-ia em desfavor deste, inclusive porque o empregador excepcionalmente apresenta-se desassistido de advogado, desigualando a situação das partes. É fácil imaginar a incapacidade técnica do empregado, bem como do pequeno e micro empresário, que constituem a grande maioria do patronato, para, pessoalmente, interpor recurso ordinário ou de revista, observar prazos, oferecer contrarrazões, sustentar oralmente o apelo. Em boa fé ou sã consciência, alguém pode achar que qualquer desses litigantes, máxime o empregado, tenha condições técnicas de, ainda que com o mínimo de proveito, se desincumbir de tais encargos processuais? Trata-se de uma prerrogativa que, originariamente destinada a proteger as partes, com o passar do tempo reverteu contra seus interesses, notadamente do trabalhador, ao qual, principalmente, visava a proteger. (BONFIM, 2008, p. 365)

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Como bem dizia o saudoso Ruy Barbosa, em uma de suas obras; “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”, uma sociedade sem advogado é uma sociedade fadada a injustiças, pelo simples fato de ser o advogado o caminho para uma obtenção jurisdicional perfeita e tecnicamente polida.

Nesta esteira, tem-se o posicionamento de Rubens Approbato Machado que discorre a respeito artigo 133 da Nossa Carta Magna;

Essa disposição é autoaplicável, sendo, por si só, necessária e suficiente a que o comando dela derivada se faça presente, para poder permitir que a justiça, em seu sentido aristotélico, concretizando-se os direitos fundamentais dos cidadãos, através de sua ação, dentro ou fora do Poder Judiciário. Só se torna possível o cumprimento dos fundamentos constitucionais de defesa da dignidade humana, do amplo direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como à obediência do princípio do devido processo legal, se for assegurado ao cidadão, o direito de ter em sua defesa alguém devidamente aparelhado de conhecimentos jurídicos, capaz de buscar uma solução justa em suas demandas. (MACHADO, 2010, p. 1)

Para o advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-SP, a indispensabilidade contida neste preceito é muito além de uma simples presença ou até mesmo existência social. Ou seja, para Machado (2010), o advogado tem o condão de levar o cidadão litigante a ter o verdadeiro acesso à justiça, através do conhecimento das leis e das técnicas pertinentes a profissão.

Vale ressaltar que o sacerdócio da advocacia não é uma mera aventura, e sim uma vocação, visto que o advogado, especialmente o trabalhista, tem em suas mãos uma enorme responsabilidade, qual seja, ir em busca da satisfação dos direitos laborais da parte, conforme alerta o constitucionalista Roberto Pugliese, citado por Approbato em seu artigo, que diz;

O Poder Judiciário necessita, para sua atuação jurisdicional, de elementos qualificados que traduzam os interesses dos súditos do Estado aos órgãos jurisdicionais, forma hábil, técnica, científica. São advogados. Sem a presença e atuação desses profissionais do direito, o PJ haveria de sentir o baixo nível das discussões, bem como deixariam as contendas judiciais de se fundarem na legislação material e seguirem os ritos impostos pelas normas adjetivas por faltar conhecimento aos jurisdicionados interessados (PUGLIESE, apud MACHADO, 2010, p. 293-304).

Inegável o fato de o advogado ser o caminho mais seguro para litigar e defender direitos. Conforme exposto pelo grande constitucionalista Roberto Pugliese, não existe uma equiparação de armas, quando não tema presença do profissional forense, haja vista a inigualável bagagem de conhecimento que estes carregam, a fim de exercerem seu papel fundamental na nossa sociedade.

Neste sentido, tem-se o brilhante posicionamento do Advogado e professor Manoel Caetano Ferreira Filho;

De acordo com o texto constitucional, o advogado, pela natureza de suas funções, é “indispensável à administração da justiça” (art. 133, CR), pois sem ele é impossível à realização dos escopos do processo e da própria tutela jurisdicional. Por essa razão, inclusive, é que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil afirma, com razão, que o advogado presta serviço de interesse público e exerce função social (art. 2º, § 1º). (FERREIRA, 2009).

Dispensar a presença e o conhecimento do advogado é o mesmo que fechar as portas do judiciário para os hipossuficientes, dificultando e restringindo o pleno e verdadeiro acesso à justiça; não o acesso puro e simples, mas o acesso onde os direitos questionados sejam verdadeiramente alcançados através do conhecimento e técnica do profissional.

Nos dias atuais, na sociedade, não são poucos os que vivem e presenciam toda sorte de injustiças por parte daqueles que deviam zelar pela boa e justa aplicação das leis: ao contrário, retiram direitos dos menos favorecidos dando-os aos indignos, simplesmente respaldados em interpretações que em nada favorecem quem realmente necessita do braço forte da justiça.

Evidente e cristalino o papel do advogado na sociedade, e os consequentes prejuízos na sua ausência, pois, é o profissional quem tem conhecimento técnico e dever legal de promover a justiça na sua integralidade, buscando o aparato jurisdicional através das leis e princípios do direito, a fim de promover o acesso irrestrito e igualitário á justiça.

É inegável a importância da advocacia nas diversas áreas do direito, contudo é imprescindível o papel do advogado na seara trabalhista que, na busca incansável das verbas trabalhistas do trabalhador, por vezes é desprezados por seus pares e humilhado constantemente por magistrados ao requerer a efetividade e celeridade jurisdicional em prol do seu cliente, na defesa dos direitos suprimidos e da dignidade humana.

Assim, indiscutível e imperiosa a necessidade do advogado atuante e capacitado tecnicamente na jurisdição trabalhista em defesa dos direitos trabalhistas do hipossuficiente, a fim de acabar com a máxima, “quem pode mais chora menos”, ou a contrario senso reconhecer um acesso à justiça manco, desproporcional e injusto, “onde quem mais precisa tem menos”.

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Sobre os autores
Márcio Bezerra

Advogado criminalista, pós graduando em Direito processual penal, militante nas áreas de direito do trabalho e direito penal, membro da comissão de Direitos Humanos da OAB/ES 17 subseção da Serra/ES

Gildazio Klippel

Advogado, Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais Constitucionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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