4 O devedor de prestar os alimentos
No Direito Romano, o devedor em descumprimento com a obrigação respondia com o próprio corpo (vida e liberdade), podendo ser reduzido a escravo. A escravidão e a violência eram destinadas aos maus pagadores como garantia das dívidas contratadas estando explicita na terceira tábua da Lei das XII Tábuas[26], na Tábua Terceira como constrição resguardada aos inadimplementos.
Art. 9 Se são muitos credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quanto sejam os credores, não importando o cortar mais ou menos, se os credores preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.
Deve-se lembrar que, naquela época, a população comum, sem os direitos e privilégios da elite dominante, não tinha como se contrapor à mesma, nem contrair dívidas e empréstimos, por não possuir nenhum meio de dar algo em garantia. Nessa situação, o costume era entregar a única coisa que possuíam, ou seja, o seu próprio corpo.
Tal solução, além de brutal e inimaginável nos dias atuais, mormente aos povos civilizados em verdade não extinguia a dívida, era apenas um castigo àquele que, por um motivo ou outro, inadimplia uma obrigação pecuniária. E, quase se pode garantir, não era por falta de “incentivo”.
A escravidão consistia na perda de liberdade, equiparando-se a um objeto de propriedade do credor, podendo ser vendido ou destruído. Por se considerada uma grande humilhação e desonra, o devedor que era punido com a privação de liberdade, só deveria ser vendido fora dos limites da cidade, com o passar do tempo esse recurso fora mitigando. A coerção pessoal do inadimplemento continuou possível, porém não mais pagando com a própria vida, mas em serviços ao credor distinto do trabalho escravo[27]:
Privativamente, era o próprio corpo do devedor quem respondia pelo débito; mais tarde, a responsabilidade se deslocou para o patrimônio do devedor, este fato ocorre pela influencia que o cristianismo exerceu sobre o Direito Romano, consequentemente a situação do escravo melhora.
Com o passar dos anos, a Constituição Federal[28], em seu artigo 5°, inciso LXVII, ressuscita a previsão do castigo corporal no caso de pensão alimentícia ao estabelecer que “não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo adimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Assim, atualmente é permitida apenas a prisão civil do devedor de alimentos.
Desde a promulgação da Carta Maior, no ano de 1988, a sociedade brasileira tem buscado cada vez mais o estabelecimento de um estado democrático de direito e o reconhecimento dos direitos fundamentais previstos no preâmbulo, tais como a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, sejam cada vez mais respeitados.
Adverte Washington de Barros Monteiro[29] que:
Só se decreta a prisão se o alimentante, embora solvente, frustra, ou procura frustra, a prestação. Se ele se acha, no entanto, impossibilitado de fornecê-la, não se legitima a decretação da pena detentiva. Assim, instituída como uma das exceções constitucionais à proibição de coerção pessoal por dívida, a prisão por débito alimentar reclama acurado e criterioso exame dos fatos, para vir a ser decretada, em consonância com o princípio de hermenêutica, que recomenda exegese estrita na compreensão das normas de caráter excepcional.
Não podemos esquecer que a Constituição Federal de 1988[30] também adverte a prisão civil do depositário infiel, porém o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, não admite sua prisão. Existe então um conflito entre normas: mas, os Estados signatários desta convenção se “comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição, sem qualquer discriminação”.
O pacto foi assinado em 22 de novembro de 1969, sendo ratificado no Brasil em setembro de 1992, baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que compreende o ideal do ser livre, isento do temor e da miséria, e sob condições que lhe permitam gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos. Com isso, foi abolido nesse sistema, a prisão do depositário infiel. O tema da legitimidade da prisão civil do depositário infiel foi pacificado pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, que considera ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do deposito.
A prisão civil, diferente da penal, não tem o caráter apenatório e é um meio de coerção utilizado na jurisdição civil como forma de forçar o devedor a cumprir a obrigação pecuniária, sendo a única permitida nos dias atuais. Devemos analisar que existem propostas e métodos sendo discutidos, pois é um tema que gera bastante polemica no nosso ordenamento jurídico[31].
Em seguida teceremos comentários sobre a defesa que pode ser utilizada pelo prestador dos alimentos.
5 A defesa do devedor da prestação alimentícia
No processo de execução, o devedor é citado para cumprir a obrigação devida. No entanto, na prisão civil do devedor, ocorre uma exceção em relação à defesa do adimplemento da prestação alimentícia. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos, o juiz mandará citar o devedor para, em 03 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, conforme artigo 528, do Código de Processo Civil[32].
Ressalta-se que a defesa do devedor é requisito de validade para a prisão civil. As expressões inadimplemento voluntário e inescusável, constam no corpo do artigo 50, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988[33], garantindo, desde logo, o contraditório e a ampla defesa. Assim sendo, permitem ao devedor justificar o seu atraso, descaracterizando a voluntariedade e buscando a escusa, sem o que seria inconstitucional a prisão. Cumpre ao devedor o ônus de prova dessas circunstancia excludentes da prisão.
O descumprimento da previsão normativa enseja a possibilidade de interpor o recurso de agravo com pedido liminar, ou impetrar a ação de habeas corpus, salientando que nesta, sendo discutido o procedimento adotado, verifica-se a possibilidade ou a existência de prisão legal, sob o aspecto do “erro in procedendo”.
Constata-se ainda que, em face da norma, a expedição de mandato citatório ao demandado deve conter o prazo e a advertência para efetuar o pagamento. Considera-se então, que o alimentante, ao ser intimado da sentença, é sabedor do dever a cumprir e se, por motivo injusto, deixar de satisfazer a sua obrigação, será compelido a realizá-la.
Com caráter de urgência da verba alimentar e a possibilidade do devedor, ao tomar conhecimento da ação, saldar a dívida ou expor motivo justo para que não tenha feito ou posso fazê-lo, encontra-se na prisão, o meio mais propício e eficaz para compelir o executado ao pagamento do débito, após realizadas as demais tentativas previstas legalmente para saldar a dívida[34].
Realizadas estas considerações, passaremos a demonstrar as alternativas para o cumprimento da determinação.
6 As alternativas à prisão civil do devedor de alimentos
A falta de pagamento da pensão alimentícia não justifica, por si, a prisão do devedor, medida excepcional que somente deve ser empregada em casos extremos de contumácias, que, embora possua meios necessários para saldar a dívida, procura todos os meios de protelar o pagamento judicialmente homologado.
A Constituição Federal permite a prisão civil do devedor de alimentos apenas em casos da dívida voluntária e inescusável do devedor de alimentos. A proposta é a busca por meios mais céleres, através de mecanismo mais eficaz para cumprimento da obrigação alimentícia. O judiciário deverá se utilizar de outros mecanismos processuais para a efetivação do dever alimentar, inclusive a própria possibilidade de tutela especifica, à luz do que estabelecem os artigos 497 e 498, ambos do Código de Processo Civil[35].
O Código de Processo Civil vigente trouxe, expressamente, algumas medidas coercitivas de adimplemento da dívida alimentar, tais como a possibilidade de protesto (artigo 528, §1°), desconto em folha de pagamento do alimentante (artigo 529) e, enfim, a prisão desde devedor de alimentos, sendo este limitado à execução do crédito alimentar compreendido das últimas três prestações anteriores ao ajuizamento da ação[36].
Porém, além das medidas já mencionadas de coerção do devedor de alimentos, outras medidas podem ser empregadas pelo juiz, se a legislação possibilita a medida extrema da prisão civil, havendo outras medidas tão eficazes quanto e menos gravosas ao devedor, devem estas, preferencialmente, serem adotadas pelo magistrado.
A utilização da desconsideração inversa de personalidade jurídica, quando haja ocultação de patrimônio do devedor em pessoa jurídica, como uma forma de coerção; a perda do poder familiar, caso o devedor ainda o exerça, e, principalmente, a aplicação de medidas restritivas de direitos, também poderiam ser empregadas, a exemplo do que ocorre no Direito Penal. Porém, aqui, unicamente com intuito de incentivar o devedor a adimplir o débito alimentar[37].
Foi em boa hora que o atual Código de Processo Civil[38] chegou, pois em seu artigo 139, inciso IV, dispõe:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Com isso, no lugar da medida extrema da prisão do devedor dos alimentos, o juiz poderá se socorrer de outras medidas menos gravosas ao devedor, mas também eficazes ao credor, como a suspensão da licença para dirigir; suspensão dos direitos políticos; suspensão do exercício da profissão; apreensão de passaporte, e o bloqueio de cartões de crédito, entre outras.
Poderia o legislador ter inserido nas reformas ente especial que conjugasse os procedimentos de penhora seguida de adjudicação de bens moveis e imóveis do executado, por meio dos qual seriam expropriados bens do patrimônio do executado, já penhorados anteriormente.
De posse desses bens, poderia o credor os alienar de acordo com as suas necessidades, transformando-os em espécie. Vale salientar que a adjudicação, já inserida no ordenamento pátrio, é um ato executivo, em que o Estado expropria bens do patrimônio do executado, os quais já haviam sido objetos de penhora.
Um meio eficiente é a penhora “online”. Neste meio de expropriação, que possibilita a penhora de dinheiro em depósitos ou aplicações financeiras, o juiz, a pedido do exequente, requisitará eletronicamente à autoridade do sistema bancário, informações a cerca de ativos em nome do executado e poderá, no mesmo, determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução[39]. Com certeza este é o um meio idôneo e que dará efetividade à tutela do direito do credito alimentar.
É sabido que tais medidas já são acionadas, porém, para que as alternativas acima sejam consideradas, deverá também o legislador mudar as regras para que o credor da pensão possa acionar o Judiciário. Poderia ele, o credor, buscando a celeridade, ir de encontro ao apoio do Estado-Juiz logo depois de caracterizada a inadimplência do primeiro mês de pensão alimentícia.
Isso, comparativamente ao procedimento atual, que determina que só é possível o meio de coerção pessoal após comprovada a inadimplência de pagamento de pensão por três meses, tornaria o processo muito mais eficaz, pois, com certeza o prazo decorrido desde o acionamento do judiciário, após inadimplência do primeiro mês, até a expropriação de bens do devedor, seria com certeza inferior aos noventa dias estabelecidos pela norma atual.
Maria Helena Diniz[40] traz uma posição bastante interessante para outra questão que envolve o tema, sugerindo que, ante a resistência do devedor em se deixar citar, que se proceda à interceptação telefônica do mesmo para conseguir localizá-lo. Esta com certeza é uma medida drástica, mas cabível e necessária ante a resistência do credor em assumir sua divida e dada a importância que se estabelece ao credito alimentar.
Um outro mecanismo que poderia ser utilizado para se garantir o credito alimentar é a imposição de astreintes, que tem como objetivo induzir o devedor ao cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa. E, portanto, o meio imposto pelo juiz para coagir o devedor a satisfazer a obrigação decorrente da decisão judicial.
Comparecendo o devedor à presença do juiz após a citação, deverá o mesmo pagar o débito, e, caso não o faça no tempo determinado, fixará o juiz, consubstanciado no que estabelece o artigo 461, do Código de Processo Civil[41], as astrientes, multa diária com natureza inibitória, com objetivo de atuar psicologicamente sobre o devedor e obriga-lo a cumprir a obrigação inadimplida.
Em alguns casos o devedor de alimentos tem a intenção de adimplir a prestação pecuniária, mas não consegue, por conta de estar muitas vezes desempregado e, com isso, não ter nem mesmo condições de manter sua própria subsistência.
O Poder Judiciário, que representa o Estado, poderia, analisando o enquandramento nesse caso, fazer convênios através de Parcerias Público Privadas, por meio das quais esse devedor prestaria serviço e o valor seria repassado direto para o credor.
Como já afirmado, os exemplos de alternativas capazes de aumentar o índice de adimplência ou reduzir a inadimplência dos creditos de pensão alimentícia, temperando a sanção prisional, não se esgotam nos citados acima.
Há notícia de várias alternativas adotadas por diversos países que caminham na direção de buscar atingir o objetivo principal da execução do credito alimentar, a satisfação do credito, sem que, para isso, se lance mão de um expediente tão cruel para a dignidade da pessoa humana que é a perda de sua liberdade.
O direito processual civil, a exemplo do direito penal brasileiro, deverá caminhar na direção de reconhece que o encarceramento de um ser humano não deverá se a única forma de fazer respeitar a lei.
Transcorrida esta etapa, enfrentaremos o tema da prisão civil do devedor de alimentos.