Capa da publicação Estatutos do Idoso e da Pessoa com Deficiência: princípio da proteção integral ou aplicação da lei in bonan partem?
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Conflito aparente de normas:

divergência entre o princípio da proteção integral e a aplicabilidade da lei in bonan partem entre os estatutos do idoso (Lei 10.741) e da pessoa com deficiência (Lei. 13.146)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o estudos e apontamentos elencados neste artigo, percebe-se que o conflito de normas precisa ser resolvido para que seja solucionada uma lide, ou seja, o Estado precisa dar a solução ao caso concreto.

No caso estudado, sendo o autor condenado em razão do crime previsto no Art. 102 do Estatuto do Idoso: Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade, mas sendo este autor tutor da vítima, por exemplo, e considerando que esse idoso seja também um deficiente, paira a dúvida sobre qual pena aplicar.

Pois a pena prevista no estatuto do Idoso é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, no entanto o estatuto da pessoa com deficiência trouxe, em seu artigo 89, uma tipificação praticamente igual para o caso de o agente passivo ser um deficiente; ou seja, que incrimina aquele que apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência, inclusive com a mesma pena prevista.

Contudo, esse recente estatuto prevê aumento de dois terços da pena em dois incisos do artigo citado no parágrafo anterior. Que são os casos de o autor ser tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou ter se apropriado em razão de ofício ou de profissão.

Considerando que uma pessoa pode ser tutora de um idoso e que cometa o crime previsto no artigo 102 do estatuto do idoso, mas que esse idoso também seja deficiente, deve-se aplicar ou não o aumento de pena?

Ora, depois de estudados o princípio da proteção integral, o princípio da aplicação da lei mais benéfica, da proteção do idoso e o conflito de normas, constata-se que tal fato só será passível de solução de acordo com a interpretação daquele que aplica a legislação, o juiz.

Não se aplicando o aumento de pena, preserva-se o princípio da aplicação da lei mais benéfica e a prioridade é o réu. Em se aplicando o aumento de pena, coloca-se em evidência a vítima, que terá seus direitos mais valorizados e preservados.

Em uma atual realidade, em que a inversão de valores é uma constante e que todos estão, a todo o tempo, sendo colocados à prova, o juiz, diga-se Estado, têm a “obrigação” de dar mais que uma resposta à sociedade. Precisa dar uma resposta ágil, legal e eficaz, porém, como respeitar esses fatores se ficará à mercê da interpretação do juiz?

No caso, em comento, e diante da pesquisa realizada, sendo permitida, por lei, a interpretação do caso concreto e a ponderação de valores, inclina-se à conclusão de que deve ser aplicado o aumento de pena, uma vez que ambos os artigos poderiam ser aplicados, e assim, valorando mais o direito da vítima.

Tal fato se dá também por considerar que, assim como o deficiente que está em uma situação mais vulnerável, que necessita de cuidados especiais e uma legislação que proteja seus direitos, e por isso é punido mais severamente aquele que deveria cuidar dele, o idoso também se encontra na mesma situação e merece a mesma proteção e severidade contra aqueles que se aproveitam deste estado de vulnerabilidade.

No entanto, apenas se forem levadas em consideração essas duas como únicas hipóteses, pois, estima-se que o mais correto e justo para o caso, e na verdade deixaria de ser aplicado apenas a um caso e sim a todos, seria a alteração do estatuto do idoso com o respectivo aumento de pena nos mesmos moldes do previsto no estatuto da pessoa com deficiência, com o objetivo de dar mais proteção aos idosos, gerando ao menos mais temor àqueles que cometerem o crime tratado neste presente artigo.

Em consonância com esse entendimento, segue o que Diniz disserta:

[...] esse conflito permanece latente dentro do sistema até que o legislador o solucione. Portanto, a antinomia não é um problema que se coloca no nível da decisão judicial, porque o magistrado não a resolve, apesar de solucionar o caso sub judice (DINIZ, 2014, p.29).

E, assim, além da certeza da pena haverá também o temor pela sua severidade, se assim pode-se dizer diante da atitude de um criminoso, pois considera-se talvez uma pena mais ajustada ao comportamento adotado, pois assim deve entender o atual legislador, que, em 2015, elencou as causas de aumento de pena no artigo 89 do estatuto da pessoa com deficiência.

Afinal, apenas a certeza da punição não será suficientemente capaz de intimidar ou inibir a prática do ilícito se a pena não for minimamente ajustada de acordo com a conduta do criminoso.


REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Liliam dos Santos Costa Leandro

Licenciada em Letras Port/Inglês pela Unisul de Araranguá/SC,2007; pós-graduada em Port/Inglês pela Faculdade Guilhereme Guimbala, 2008; Bacharela em Direito pela Unisul de Araranguá, 2015; pós-graduada em Direito Público com Ênfase na área Criminal, parceria Univali e ABVO, 2016; pós-graduanda em Polícia Judiciária Militar pelo Instituo Venturo. Policial Militar desde Julho de 2008.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEANDRO, Liliam Santos Costa. Conflito aparente de normas:: divergência entre o princípio da proteção integral e a aplicabilidade da lei in bonan partem entre os estatutos do idoso (Lei 10.741) e da pessoa com deficiência (Lei. 13.146). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5324, 28 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63290. Acesso em: 25 abr. 2024.

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