INTRODUÇÃO
Este artigo traz como tema o conflito entre o princípio da proteção integral e a aplicabilidade da lei in bonan partem e tem por objetivo avaliar qual princípio vai preponderar diante do conflito existente entres os artigos 89 e 102, do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do Estatuto do Idoso, respectivamente.
Para isso, o trabalho se propõe a comparar os artigos 89 e 102 do estatuto da pessoa com deficiência e o estatuto do idoso; identificar o conflito existente entre as penas dos artigos mencionados anteriormente e compreender o que são os princípios da proteção integral e a disponibilidade da lei in bonam partem.
Assim, para desenvolver o trabalho, será empregada a pesquisa documental indireta, por meio de pesquisa bibliográfica de livros e artigos e pesquisa documental na lei.
Com a entrada em vigor da Lei 13.246, novos crimes foram introduzidos, penas foram majoradas, mas o que chamou a atenção desta autora foi o conflito de normas penais e de princípios constitucionais, no tocante ao art. 89 do novo estatuto e o art. 102 do Estatuto do Idoso.
Para início do estudo, conforme dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que 45,6 milhões de pessoas afirmaram ter algum tipo de deficiência, o que representa 23,9% da população brasileira.
Também no último Censo, realizado pelo IBGE, em 2010, a população de jovens foi reduzida a 24% do total. Por sua vez, os idosos passaram a representar 10,8% do povo brasileiro, ou seja, mais de 20,5 milhões de pessoas possuem mais de 60 anos. Tais dados foram colhidos da Carta Aberta divulgada à população pela Sociedade Brasileira de Giriatria e Gerontologia (SBGG) em 2014. Há, ainda, uma estimativa de que nos próximos 20 anos esse número mais que triplique.
O que também não faltam são matérias veiculadas na imprensa a respeito de pessoas que se aproveitam de deficientes e idosos. Por isso, saber de que forma a legislação deverá ser aplicada no caso concreto é de tamanha importância para a população, uma vez que a pena para o réu pode ser melhor ou pior, com ou sem aumento, o que irá refletir na vida prática das pessoas, tanto dos que serão penalizados, como também das vítimas que aspiram por justiça.
Para melhor aproveitamento da pesquisa, busca-se delimitar o assunto a ser estudado. Desta forma, enfatiza-se que, com a nova lei, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que trouxe à baila alterações importantes, tanto no âmbito civil quanto no criminal, surgiram diversos questionamentos acerca de sua futura aplicação.
Diante das diversas alterações elencadas pela lei em tela, este projeto se dispõe a trabalhar com duas figuras criminais semelhantes, uma trazida pelo art. 89 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, e a outra, pelo art. 102 da Lei 10.741 de outubro de 2003, Estatuto do Idoso. Ambas com a mesma pena prevista, porém a primeira, inovando e trazendo a figura do aumento de pena em dois incisos específicos.
Portanto, será melhor estudada, na sequência deste trabalho, a divergência quanto à aplicação de ambos os artigos no caso de o agente passivo, aquele contra o qual foi cometido o crime, ser, ao mesmo tempo, idoso e deficiente, confrontando assim os princípios da proteção integral e da lei mais benéfica, pois apenas um dos artigos poderá ser aplicado como forma de evitar o princípio bis in idem, não sendo punido, assim, duas vezes pelo mesmo fato o autor. Portanto, o aumento de pena incidiria, ou não, a depender, em tese, de qual artigo estaria sendo aplicado ao caso.
1 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL
Neste primeiro momento, será estudado o princípio da proteção integral, bem como outros princípios que constam no bojo da Carta Magna.
A Constituição da República Federativa do Brasil promove a passagem do Estado brasileiro de um regime autoritário para um Estado Democrático de Direito e se apresenta como uma Constituição revestida de direitos e garantias. Diversas Emendas Constitucionais já foram realizadas para ratificar esses direitos tão fundamentais ao ser humano. Por isso, é vislumbrada, na Carta Magna, a busca pelo desenvolvimento de uma teoria de direitos fundamentais, construída sobre o fundamento da dignidade humana, que é extraído logo no art. 1º, em seu inciso III.
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, CF, 2016).
Conforme Gonçalves disserta em sua obra e, em consonância com o anteriormente citado, segue:
É essencial ao Estado democrático declarar e reconhecer sempre o exercício das liberdades civis, sociais e públicas, e virtualizar a igualdade de condições na disputa de espaços dentro da sociedade ou do poder. Para vitalizar o sistema, importa a organização das forças detentoras dos poderes explícitos e implícitos pelo povo na construção do Estado Democrático e na efetivação dos direitos fundamentais (GONÇALVES, 2002, p.40).
Para dar efetividade a esse fundamento e fazer com que, na prática, o direito seja respeitado em prol do bem da população, a Constituição Federal, além de, explicitamente, tratar dos direitos dos cidadãos, também evidenciou garantias para que esses direitos prosperem. São diversos esses direitos fundamentais garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas aqui vai se enfatizar dois grandes princípios abordados pela legislação, quais sejam: o princípio da proteção integral e o princípio da lei mais benéfica. Desta forma, extrai-se da Constituição Federal de 1988 diversos artigos que propõem essa proteção ao deficiente:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...] XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (BRASIL, CF, 2016).
Mais adiante é possível vislumbrar no Art. 23 do mesmo diploma legal: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”.
Muitos artigos tratam dessa proteção às pessoas com deficiência, e mais uma exemplificação de como isso é tratado pela Constituição federal pode ser conferido no artigo descrito a seguir:
Art. 227. [...] II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação (BRASIL, CF, 2016).
Além desses dispositivos, há muitos outros na Constituição Federal que visam proteger à pessoa com deficiência, além de haver, também, legislação específica sobre o tema.
Houve uma época em que os deficientes eram chamados de portadores de deficiência, nomenclatura já ultrapassada e considerada inadequada, pois não se trata de algo que a pessoa porte e possa deixar de portar a qualquer momento. Essa nomenclatura consta, inclusive, na Constituição Federal conforme citações anteriores.
Além disso, o Decreto 3.298 de 1999, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência aduz em seu artigo Art. 1º que:
A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência. (BRASIL, decreto 3.298, 1999).
Nesta época, a vida das pessoas com deficiência não contava na prática com direitos de fato iguais aos das pessoas sem deficiência. Em 2009, com o Decreto Legislativo 6.949 86 foi promulgada a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem como propósito “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo [sic] de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. ” (BRASIL, Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2016).
Contudo, o que se percebe é que a ideia de proteção ao deficiente se institui no Brasil, mais fortemente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas não parou por aí, pois continua tendo importantes alterações ao longo do tempo. O que comprova isso é a promulgação da Lei 13.146 de julho de 2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência que trouxe ainda mais direitos e garantias, a partir do dia 02 de janeiro de 2016 quando entrou em vigor. Esta lei visa à promoção da autonomia individual, liberdade e acessibilidade desse grupo populacional. Além de toda a atenção dispensada às pessoas com deficiência.
2 DA PROTEÇÃO DO IDOSO
A questão da violência contra a pessoa idosa é um problema que vem ocorrendo no cenário brasileiro, e que pode ser acompanhado por meio da mídia diariamente. Portanto, neste ponto do trabalho será abordado sobre o instituto da proteção do idoso.
Cabe salientar que, assim como as pessoas com deficiência, os idosos têm amplos direitos preservados na Constituição Federal e em outros ordenamentos jurídicos. Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, CF, 2016).
Ainda, se colhe do Art. 230 da Constituição Federal que “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Com os mesmos propósitos, a promulgação da pela Lei nº 8.842/94, Política Nacional do Idoso teve o mesmo objetivo de permitir um envelhecimento saudável, preservar a autonomia, a capacidade funcional e manter a qualidade de vida do idoso. A referida Lei é regida por alguns princípios, os quais estão presentes em seu artigo 3º, nos incisos I e II:
Art. 3º a Política Nacional do Idoso reger-à-pelos seguintes princípios: I – a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida. II – o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos (BRASIL, Lei 8.842, 1994).
Passados mais alguns anos, já em 2003, foi instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos e que trata em seu Art. 2º:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, Lei 10.741, 2003).
Mesmo com essa gama de direitos existentes com o intuito de proteger a pessoa idosa, na prática ainda são poucos os serviços existentes para dar solução aos inúmeros casos de crimes denunciados.
Assim, percebe-se que a violência contra a pessoa idosa exige uma visão multidisciplinar, de forma que envolva todos os setores da sociedade, para que essa rede de proteção possa garantir aos idosos melhores condições de vida, e isso só será possível por meio do fortalecimento das ações entre a família, a sociedade e o Estado.
3 PRINCÍPIO DA LEI MAIS BENÉFICA
Será trabalhado nesta seção outro princípio constitucional, o da retroatividade da lei mais benéfica.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XL a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (BRASIL, CF, 2016).
Não apenas na Carta Magna há a previsão deste princípio, pois no Código Penal ele está inserido em seu artigo 2º, parágrafo único: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado” (BRASIL, CP, 2016).
Então, colhe-se da legislação que a regra é a irretroatividade da lei, pois é um objetivo do Estado em todas as áreas, como forma de garantir o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, previstos no art. 5, XXXVI, da CF.
A previsão se encontra também no artigo 9º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica, 1969):
Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidos, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se, depois da perpetração do delito, a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente [sic] será por ela beneficiado (PACTO SAN JOSÉ DA COSTA RICA, 2016).
Por isso, o ideal seria a pena ser aplicada imediatamente ao delito cometido, como forma de ser consagrada a aplicação correspondente entre crime e pena. No entanto, é sabido que isso é inviável na prática, pois há diversas garantias processuais a serem respeitadas, o que torna o processo moroso.
Desta forma, durante o lapso temporal existente entre a data do fato e a sentença, podem ocorrer alterações na legislação e se estas forem para melhorar a situação do réu deverão retroagir, ou seja, produzirão seus efeitos, como se estivessem vigentes a época dos fatos.
Segundo Nucci, 2010, “Leis benéficas, noutros termos, podem ser editadas após o cometimento da infração penal, pois têm aplicabilidade imediata, retrocedendo no tempo para beneficiar o acusado”.
É bastante claro, portanto, que a lei pode sim retroagir, desde que para beneficiar o réu.
4 CONFLITO DE NORMAS
Neste tópico, será abordado o conflito de normas, para que se busque uma solução ao problema proposto neste artigo.
Uma das formas de solucionar o conflito de normas se dá por meio da interpretação conforme afirma Barroso (2005.):
Quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que não possam fornecer, pelo seu relato, a solução do problema. Nestes casos, a atuação do intérprete criará o Direito aplicável ao caso concreto.
Ora, muito se é ensinado em cursos superiores de direito que ao deparar-se com o conflito de normas, princípios, estes devem ser analisados em forma de ponderação, pois não há hierarquia entre eles nem valor absoluto a ser atribuído.
[...] sua Teoria de Direitos Fundamentais, passando a considerar os princípios como ‘mandados de otimização’, os quais podem ser cumpridos em diferentes graus, de acordo com as possibilidades reais e jurídicas sendo, portanto, possível existir uma ponderação entre princípios, onde um princípio poderá ser aplicado em menor grau do que outro princípio (ALEXY, 2001 apud, SILVA JUNIOR, 2013, p.208).
É importante ressaltar que, ao se determinar a prioridade de um ou de outro princípio, não faz com que aquele que foi recusado deixe de fazer parte do ordenamento jurídico. É apenas um afastamento momentâneo, trata-se da aplicação ao caso concreto e por isso é chamado de ponderação.
Segundo Almeida, 2002:
Quando, entretanto, se acham em posição de confronto duas normas constitucionais opostas, sendo que a implementação de uma exclui a da outra, o problema deve ser resolvido pela técnica de ponderação de valores.
Para corroborar com o entendimento de que a análise do caso concreto é extremamente importante e que a interpretação é parte fundamental da resolução de conflito de normas, Alexandrino e Paulo afirmam que:
Em síntese: na solução de conflito entre direitos fundamentais, deverá o interprete buscar a conciliação entre eles, considerando as circunstâncias do caso concreto, pesando os interesses em jogo, com o objetivo de firmar qual dos valores conflitantes prevalecerá. Não existe um critério para solução de colisão de valores constitucionais que seja válido em termos abstratos; o conflito só pode ser resolvido a partir da análise das peculiaridades do caso concreto, que permitirão decidir qual direito deverá sobrepujar os demais, sem, contudo, anular por completo o conteúdo destes. (ALEXANDRINO, PAULO, 2012)
Alexandrino e Paulo ratificam a ideia de análise do caso concreto, no qual não há fórmula exata para aplicação de qual lei ou qual princípio usar. É bastante complexo, pois muitas vezes essa ponderação de princípios e valores não se dá com base em apenas um fato, pois o julgador ou intérprete da lei já carrega consigo uma compreensão de mundo que engloba aqueles princípios confrontantes.
Esse conflito, ou antinomia de leis apresentam algumas classificações, e quanto a antinomia aparente Diniz afirma que: “O intérprete ou aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas. Tal conciliação se dá por meio da subsunção, mediante simples interpretação, aplicando-se um dos critérios de solução fornecidos pelo próprio sistema normativo (cronológico, hierárquico e da especialidade)”. (DINIZ, 2009).
No entanto, Diniz afirma que se for o caso de antinomia real, aquela quando não houver na norma jurídica qualquer critério normativo para solucioná-la, teria que ser editada uma nova lei. No caso concreto, uma alteração no estatuto do idoso adequando ao novo artigo do estatuto da pessoa com deficiência. Posto todo esse conteúdo tem-se o que aduz o artigo 89 da lei 13.346 de 2015, estatuto da pessoa com deficiência:
Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido:
I - por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou
II - por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão.
Tem-se também o que prevê o artigo 102 do estatuto do idoso:
Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.
O problema aparece na inovação trazida pelo estatuto da pessoa com deficiência, que busca dar ainda mais proteção ao deficiente, o que é salutar, apontando causas de aumento da pena para quem cometer o crime tipificado em seu artigo 89.
No entanto, há uma previsão no estatuto do idoso para o mesmo caso, com a mesma pena, porém sem previsão do aumento de pena. Então, caso alguém cometa o crime tipificado nestes artigos e a vítima seja um idoso e também deficiente, haveria de se aplicar a lei que reflete na proteção integral imprimida pela Constituição Federal e demais legislações, ainda que venha a ferir o princípio da lei mais benéfica ao réu?
Ora, se o autor se apropria de pensão de um idoso, do qual é tutor e esse idoso é deficiente, esse autor deverá ser enquadrado no artigo da lei mais atual, estatuto da pessoa com deficiência, 2015, ainda que prejudique o réu que, de acordo com o estatuto do idoso, pelo mesmo crime teria uma pena aplicada sem nenhum aumento?
Há uma tendência do ser humano, principalmente dos executores das leis penais, como policiais, delegados e promotores de justiça, em querer punir os infratores da pior forma possível. É uma tendência natural não de prejudicar, mas de buscar uma punição exemplar e eficiente ao criminoso. Porém, não é possível deixar de lado, talvez o principal princípio, que é o da legalidade, portanto há que se respeitar e aplicar o que a lei determina.
Mas quando há um conflito de normas e de princípios como no caso apresentado, a “escolha” de qual lei usar, de qual pena aplicar é discricionária ou há critérios objetivos ou subjetivos para sanar o problema?
Em se considerando que ambas as previsões do crime em tela constam de lei e que ambos os princípios são legais, não há que se discutir que cabe, além da legalidade, a interpretação, pois é assim que ocorre a ponderação de valores dos princípios a serem aplicados.
Mas isso nem sempre é fácil, pois dificilmente se chegará a real intenção do legislador, porém mesmo assim compete àquele que vai aplicar a lei decidir e dar uma solução ao caso concreto. Chegar ao interesse pretendido pelo legislador nem sempre é simples, como afirma Gravitol:
No campo da interpretação, não há como trazer à tona a índole finalística ou teleológica, ou seja, o intérprete buscar realizar a finalidade das normas, muitas vezes superando a realidade descrita no texto normativo, para chegar ao real alcance pretendido pelo legislador. (GRAVITOL, 2016)
Tudo passa pelo crivo da interpretação de quem aplica a legislação, pois nem sempre é possível saber qual era a intenção exata do legislador e a letra pura da lei não é por si só o que há de mais correto a ser aplicado.