Acordos de Leniência no âmbito do CADE: competências e possíveis avanços

08/01/2018 às 09:52
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Breve abordagem acerca da figura do acordo de leniência no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, considerando as competências e os possíveis avanços do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.

Atualmente, no contexto brasileiro, o acordo de leniência concorrencial decorre do Programa de Leniência Antitruste do Conselho Administrativo de Defesa Econômica[1], com o intuito de concessão de benefícios às pessoas jurídicas e físicas[2] envolvidas em uma conduta anticoncorrencial – notadamente a cartelista[3] –, mediante o compromisso de confissão e de cessação da prática ilícita, bem como o de cooperação com as investigações, por meio da indicação dos participantes e da apresentação de informações e documentos relevantes para a apuração dos fatos. Essa figura tem lugar em casos de condutas de extrema dificuldade de comprovação, sobretudo quando da possibilidade de paralelismo comportamental[4], de modo que a leniência consistiria em meio de concessão de benefícios diretos, nas searas administrativa e criminal, bem como indiretos, decorrentes do receio de que outra empresa firme um acordo dessa natureza previamente[5], fato este que decorre da própria instabilidade de algumas práticas, como o cartel[6].

Em outras palavras, o acordo de leniência corresponde, para Gesner Oliveira e Grandino Rodas (2013, p. 244-245), a uma transação entre a estrutura estatal e o leniente[7], “que em troca de informações viabilizadoras da instauração, da celeridade e da melhor fundamentação do processo, possibilita um abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também participação na conduta ilegal denunciada”[8]. Assim, o proponente pode solicitar o referido acordo ao Cade, seja na fase pré-processual (antes da investigação pela autarquia), superveniente e atrelado a um único processo (acerca dos fatos apurados no âmbito de um procedimento já instaurado), ou mesmo em um processo com extensão a outro fato a ser investigado pela autarquia, que ensejaria a instauração de novo processo administrativo[9].  

Especificamente quanto às sanções administrativas, a norma legal insculpida no caput do artigo 86, da Lei n. 12.529/2011, prevê a extinção da ação punitiva ou a redução de 1 a 2/3 da penalidade aplicável. Provavelmente, a qualificação do primeiro a celebrar o acordo referido conferirá ao leniente a supressão total das penas de natureza administrativa, razão pela qual o primeiro a se qualificar como tal recebe do Superintendente-Geral um documento denominado de marker – que comprova o seu status e as garantias deste decorrentes[10]. De todo modo, ainda advoga-se que, por consequência da extinção ou da redução supramencionadas, as penalidades acessórias previstas no artigo 38 da legislação pátria devem ser afastadas às pessoas que cumprem regularmente com o quanto disposto no acordo de leniência.

Em relação ao âmbito criminal, deve-se notar que o cumprimento das obrigações firmadas em sede do acordo de leniência implicará na imunidade penal daqueles que assinam o termo em análise. Ocorre que, a exigência de assinatura de todos os lenientes – pessoas jurídicas e pessoas físicas vinculadas às primeiras – pode ensejar, em caso de não inclusão de todos os agentes envolvidos na prática, na condenação de indivíduos relacionados aos beneficiários, porquanto não há o efeito extensivo no ordenamento jurídico brasileiro.

Finalmente, cumpre salientar que, com o advento da Nova Lei Antitruste, nota-se alguns desenvolvimentos do instituto em baila, como a competência para firmar a leniência ser atribuída à Superintendência-Geral do Cade[11], ainda que os benefícios sejam apenas definitivamente concedidos quando do julgamento do processo administrativo pelo Plenário do Tribunal do Cade[12]. Ademais, por meio da nova legislação[13], passou-se a permitir que o líder do cartel proponha o acordo[14], ao tempo que houve a explicitação dos efeitos do instituto no âmbito penal[15]. Para alguns doutrinadores, outros avanços encontram-se na criação da regra de impedimento de nova leniência no prazo de três anos, como “punição” pelo descumprimento de um mesmo acordo já firmado[16], bem como na necessidade de continuidade do costume de solicitação de assinatura do Ministério Público dos acordos[17], mormente em razão dos efeitos na seara criminal.


Referências

BRASIL, República Federativa do. Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.

CECCATO, Marco Aurélio. Carteis em contratações públicas e o direito administrativo. Dissertação de mestrado. São Paulo: USP, 2017.

CORDOVIL, Leonor; CARVALHO, Vinícius Marques de; BAGNOLI, Vicente; ANDERS, Eduardo Caminati. Nova lei de defesa da concorrência comentada: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. São Paulo: RT, 2001.

ECONÔMICA, Conselho Administrativo de Defesa. Guia Programa de Leniência Antitruste do Cade. Brasília: Ministério da Justiça: 2016.

FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste. 6a. ed. São Paulo: RT, 2013.

LESLIE, Christopher R. Trust, Distrust, and Antitrust. Texas Law Review. vol. 82, n. 3. Austin: The University of Texas at Austin, 2004, p. 515-680.

MARRARA, Thiago. Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência: organização, processos e acordos administrativos. São Paulo: Atlas, 2015.

OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. São Paulo: RT, 2013.

STIGLER, George J. A theory of oligopoly. 78 Journal of Political Economy, 1964.

WHISH, Richard; BAILEY, David. Competition Law. 8a. ed. Oxford: Oxford University Press, 2015.


Notas

[1] De acordo com o Cade (2016, p. 09), o referido programa “[...] é um conjunto de iniciativas com vistas a detectar, investigar e punir infrações contra a ordem econômica; informar e orientar permanentemente as empresas e os cidadãos em geral a respeito dos direitos e garantias previstos nos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC) e nos artigos 237 a 251 do RICade; e incentivar, orientar e assistir os proponentes à celebração de Acordo de Leniência Antitruste do Cade (Acordo de Leniência)”.

[2] Leonor Cordovil (2011, p. 192), sobretudo ao tratar acerca da imunidade penal, alerta que “[t]ema polêmico é a extensão dos benefícios da leniência às pessoas físicas (dirigentes, administradores, empregados) tão somente na hipótese em que elas assinarem o acordo”.

[3] Na lição de Paula Forgioni (2013, p. 152, noda de rodapé n. 52), “[o] acordo de leniência pode ter lugar em qualquer hipótese de infração à ordem econômica, mas acaba empregado quase que exclusivamente nos casos de cartéis pelas dificuldades inerentes à investigação desse tipo de infração”.

[4] Paula Forgioni (2013, p. 152) afirma que “[n]ão é fácil provar a existência de um cartel, [...] ainda mais se considerarmos que o comportamento paralelo pode decorrer das próprias características do mercado”.

[5] No dizer de Leslie (2004, p. 641), “[l]eniency creates a direct incentive to confess, but it also creates an indirect incentive that both creates distrust and feeds upon it. If authorities offer one suspect a reward to defect, she may accept the offer simply in order to receive the reward. However, if in addition to offering her the reward, the authorities also inform her that they are offering the same reward to her partner, that is going to increase the probability of her accepting the offer to defect. Now, not only does she have the direct incentive of receiving something valuable (whether money or immunity), but she has to worry that if she does not accept the government’s offer, the alternative is not the status quo ante”.

[6] Ver, para tanto, Stigler (1964).

[7] Quanto à denominação mencionada, Marrara (2015, p. 331-332) alerta sobre a utilização inadequada da expressão “leniente” para os particulares, uma vez que este é o Estado. Contudo, opta-se pela tradição da nomenclatura mais utilizada pela doutrina e jurisprudência pátrias.

[8] Em uma perspectiva administrativista, verificar a conceituação de Ceccato (2017, p. 193), segundo o qual “são instrumentos que possuem caráter integrativo, atrelando-se a um processo administrativo com a finalidade de facilitar a sua instrução e a posterior formação do ato sancionatório final, tendo por alicerces, de um lado, a obrigação de o particular cooperar com a investigação e, de outro lado, a obrigação imposta ao Estado de reduzir as sanções que seriam originalmente aplicadas a esse infrator”.

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[9] Thiago Marrara (2015, p. 335) indica que, “[d]o ponto de vista estrutural, o direito brasileiro continua prevendo três modalidades de leniência, a saber: a pré-processual, a superveniente (que ocorre no curso do processo administrativo) e a leniência plus (que se inicia no âmbito de um processo administrativo, mas se estende a outro)”.

[10] A resposta da proposta ocorre em até 5 (cinco) dias úteis, a teor do disposto no art. 239, §2º, do Regimento Interno do Cade.

[11] Cordovil (2011, p. 190) lembra que “[a] competência para celebrar leniência, antes atribuída à SDE, passa a ser da Superintendência-Geral”. A importância dessa modificação reside no fato de a atual competência ser destinada a um órgão da própria estrutura do Cade, o que permite a redução dos custos de transação e da sobreposição de atuações, como ocorria quando da vigência da Lei n. 8.884/1994.

[12] Vide art. 86, §4º, da Lei nº 12.529/2011. Saliente-se que, para o Cade (2016, p. 11), “[a] celebração de outros Acordos de Leniência com outras instituições (como por exemplo com o Ministério Público ou com a Controladoria Geral da União), não excluem a competência da Superintendência-Geral do Cade na celebração dos Acordos de Leniência Antitruste nos termos da Lei 12.529/2011”.

[13] Seguiu-se o entendimento, mutatis mutandis, de Whish e Bailey (2015,p. 440) de que “the aim [...] is to make those policies more attractive and more transparent to undertakings and individuals considering whether to blow the whistle”.

[14] Cordovil (2011, p. 191) arremata que “[g]rande novidade da Lei 12.529/2011 é permitir que aquele que tenha estado à frente da infração possa celebrar o acordo. Sem dúvida, a possibilidade é um grande incentivo à leniência no Brasil, inaugurando-se a chance de qualquer interessado, sem restrição, assinar um acordo. Contudo, não pode ser negado o risco de uma empresa, de má-fé, liderar, provocar, instigar um conluio, delatá-lo às autoridades concorrenciais e se eximir de penalidade, com o claro intuito de prejudicar a imagem de seus concorrentes e, porque não, eliminá-los do mercado. Obviamente, devem as autoridades concorrenciais se preocupar em descartar esta possibilidade, no caso de o interessado ser o líder da infração”.

[15] Consoante esposado pelo Cade (2016, p. 12) “[...] a Lei nº 12.529/2011 define que a celebração de Acordo de Leniência determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência no que tange aos crimes tipificados na Lei de Crimes Contra a Ordem Econômica (Lei nº 8.137/1990) e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993) e no artigo 288 do Código Penal (associação criminosa). Cumprido o Acordo de Leniência, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes acima, nos termos do artigo 87 da Lei nº 12.529/2011”.

[16] Destacam-se Oliveira e Rodas (2013, p. 247) e Marrara (2015, p. 335), em referência ao § 12º, do artigo 86, da Lei Antitruste Brasileira.

[17] Em razão da anistia penal, Cordovil (2011, p. 192) informa que “[p]ara evitar qualquer discussão futura que possa comprometer o programa de leniência (sendo certo que a insegurança sobre este ponto seria um senão à celebração de leniências), o Ministério Público é frequentemente chamado a assinar os acordos”.

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Sobre o autor
Allan Fuezi Barbosa

Mestrando em Direito da Concorrência e da Regulação pela Universidade de Lisboa, tendo realizado período sanduíche na Alma Mater Studiorum - Università di Bologna. Pós-Graduado em Direito Europeu pelo Instituto de Direito Europeu - Universidade de Lisboa. Pós-Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal) e em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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