CAPÍTULO III – O ATIVISMO JUDICIAL
3.1 RESERVA DO POSSÍVEL X MÍNIMO EXISTENCIAL
Com a Constituição Brasileira de 1988, marca o início de uma nova era, inaugurando uma nova forma de Estado Brasileiro, um Estado marcantemente de atividade prestacional, que traz em seu preâmbulo características principiologicas de um Estado influenciado pelos direitos constitucionais de segunda e terceira geração.
O Estado passou por várias fases, chegando ao estágio onde se entende que o poder público, dentre outros deveres, tem o encargo de garantir a promoção dos direitos prestacionais, que estão ligados a prestações materiais perante a sociedade. Em outras palavras, são “direitos ou deveres à medida do financeiramente possível, de realização progressiva, tendo em conta o que é razoável exigir do Estado”, de forma que todo direito a uma ação positiva, ou seja, a uma ação do Estado, é um direito a uma prestação (Lustoza, pág. 71).
Trazendo logo no início da Constituição, como fundamentos da República, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art.1.º, III, CF/88) e como objetivos, dentre vários, construir uma sociedade livre, justa e solidária e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art.3.º I e III, CF/88). E inaugurando novidade em comparação aos textos constitucionais passados, traz os direitos e garantias fundamentais e os direitos sociais, primeiramente que a organização que compõe o Estado, mostrando a relevância do tema abordado, afirmando um Estado prestacional.
Pela leitura do art.6.º da Constituição Federal de 1988, demonstra o motivo de ter sido chama de Constituição Cidadã, por Ulysses Guimarães:
“Art.6.º São direitos sociais e educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Segundo José Afonso da Silva, os direitos sociais “disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto”, sendo que “os direitos econômicos constituirão pressupostos de existência dos direitos sociais, pois sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e dos mais numerosos” (apud Lenza, pág 974).
É evidente que os ideais sedimentados a partir do Estado social promoveram uma desvinculação das finalidades do Estado da economia, enquanto o primeiro deveria estar orientado pelo interesse geral da realização da justiça social, a economia continuaria a ser guiada pelo critério do lucro. Já ficou mais do que demonstrado que a economia do mercado, base do pensamento liberal, foi incapaz de preservar os direitos dos cidadãos, de modo que os ideais neoliberais tornam mais dificultosa a implementação de políticas públicas baseadas em direitos prestacionais (Lustoza, pág. 93)
A abordagem dos direitos fundamentais e sociais mediante análise das condições orçamentárias promove uma aproximação entre o Direito e a economia para o sentido de se reconhecer que o conflito de pretensões positivas seria um conflito ‘quase’ que não jurídico, pois como adverte Gustavo Amaral: “não se nega o direito de todos, apenas não se tem como atender”. (Amaral apud Lustoza, pág. 91-92)
No que se refere ao direito brasileiro não se pode simplesmente aceitar a importação de uma doutrina estrangeira sem verificar se a mesma se ao ordenamento jurídico nacional. Por isso concordamos com Lenio Luiz Streck, quando afirma que não é possível falar em uma teoria geral da constituição idêntica para todos os Estados, de modo que cada nação desenvolverá seu sistema mediante suas peculiaridades e sua tradição histórica, sendo que “afora o núcleo mínimo universal que conforma uma teoria geral da Constituição, que pode ser considerado comum a todos os países que adotaram formas democráticas-constitucionais de governo, há um núcleo específico de cada Constituição, que, inexoravelmente, será diferenciado de Estado para estado”. (Streck apud Lustoza, pág. 93-94).
A reserva do possível não pode ser aplicada no direito brasileiro da forma a qual foi criada, pois o direito alemão é diferente, de forma inquestionável, da realidade constitucional e socioeconômica nacional. Analisando o preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988 para compreender o caráter compromissório que foi para guiar o Estado, sem falar dos extenso rol de normas pragmáticas e diretivas constitucionais sujeitas à jurisdicionalidade.
Tanto é que Ingo Wolfgang Sarlet interpreta a teoria da reserva do possível desenvolvida na jurisprudência Alemã no sentido de que “a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável” (Sarlet apud Lustoza, pág. 94)
Em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais, implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Tais escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõe “escolhas trágicas” pautadas por critérios de justiça social (macro-justiça). É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e eficácia do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados etc. (Mendes, pág. 628)
O Estado tem o encargo de garantir os direitos fundamentais sociais básicos dos cidadãos, assim como dedicou significativo espaço no texto constitucional para as condições materiais ligadas à dignidade da pessoa humana, e na matéria de direitos prestacionais, sendo que é por meio de elaboração de políticas públicas adequadas que as classes minoritárias terão condições de alcançar níveis mais dignos de existência (igualdade de oportunidades).
De toda forma, parece sensato concluir que problemas concretos deverão ser resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação são inevitáveis nesse contexto prenhe de complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos. (Mendes, pág. 629)
O confronto entre a reserva do possível e o mínimo existencial, em um primeiro momento, ocorrerá na definição das políticas públicas. A escolha orçamentária tomada pela autoridade pública será decisiva para se verificar se houve atendimento ao bem jurídico protegido (segurança, saúde, educação, etc), sendo que antes de verificar as circunstâncias ligadas a reserva do possível haverá a necessidade de constatar se os objetivos constitucionais foram satisfeitos. É certo que com a análise da reserva do possível abandona-se a concepção absoluta dos direitos prestacionais, e por outro lado, o mínimo existencial quebra com o dogma da onipotência discricionária do Executivo e do Legislativo na alocação orçamentária.
Mediante a situação popularmente denominada: “entre a cruz e a espada”, que retrata o dilema no momento das escolhas trágicas, há uma espécie de estímulo de atuação responsável dos gestores públicos, pois há o dever de implementar direitos prestacionais sem criar expectativas irrealizáveis na promessa dos direitos absolutos, pois, caso contrário, estar-se-ia promovendo o exercício irresponsável e muitas vezes abusivo dos direitos.
Por isso, no exercício implementador de direitos prestacionais, o Estado deverá avaliar a existência da razoabilidade da concessão do direito juntamente com a disponibilidade financeira estatal, pois na ausência destes elementos estar-se-ia relegando toda construção jurídico-financeira. Mas, diante de situação que ofereça um receio de ofensa ao mínimo existencial ligada aos direitos fundamentais é de se concretizar o respectivo direito, ainda que de forma imediata não exista disponibilidade financeira, até porque, a existência do Estado somente se justifica para garantia da existência digna dos seus cidadãos.(Lustoza, pág. 101-102)
3.2 CONFLITO À LUZ DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Tempos depois da elaboração da teoria da “tripartição de poderes” por Aristóteles, fora “aprimorada” pela visão de Estado liberal burguês desenvolvida por Montesquieu em O espírito das leis.
O grande avanço trazido por Montesquieu não foi a identificação do exercício de três funções estatais. De fato, partindo desse pressuposto aristotélico, o grande pensador francês inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectada a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Cada função correspondia a um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano. Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e Cidadão, em se art. 16.
A referente teoria, apresenta que cada Poder exercia uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independentemente e autonomamente. Assim, cada órgão exercia somente a função que fosse típica, não mais sendo permitido a um único legislar, aplicar a lei e julgar, de modo unilateral, como se percebia no absolutismo. Tais atividades passam a ser realizadas, independentemente, por cada órgão, surgindo, assim, assim, o que se denominou teoria dos freios e contrapesos. (Lenza, pág. 434).
A governabilidade do País exige não somente a existência do princípio da Separação dos Poderes, mas, atualmente, com o dinamismo social, necessita do relacionamento e interação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que dentro dessa convivência tão próxima, ocorre o conflito. Para Bobbio, “o conflito é uma forma de interação entre os indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica choque para o acesso de distribuição de recursos escassos.” (Bobbio apud Sousa, pág. 36)
Já prevendo situações conflituosas, a Constituição Federal estampa em seu art.2.º, ao trazer a regra de que os Poderes são “independentes e harmônicos entre si.”
A Constituição Federal de 1988 tem-se como a maior geradora de conflitos, ao prever muitas exceções à Separação de Poderes e estabelecer uma enorme ingerência entre os Poderes constituídos. O intuito da Carta Magna foi conferir a verdadeira aplicação dos seus preceitos, mas isto gera choques entre os responsáveis pelo Poder. (Souza, pág. 42)
A transformação do Estado liberal-democrático em um Estado social-democrático fez com que se alterasse profundamente o modo de expressão institucional do princípio da separação dos Poderes, tanto no que concerne ao elenco de funções estatais, quanto à configuração dos órgãos que as desempenham, bem como em relação à distribuição das funções entre os órgãos e ao modo de seu exercício. (Ramos, pág. 156)
Assim, uma das formas de conflitos entre os Poderes, é o objeto do presente artigo, o Controle Jurisdicional exercido no caso concreto, invadindo a discricionariedade administrativa, visando a realização dos direitos existências dos cidadãos, conhecido tal fenômeno como Ativismo Judicial, assunto será abordado no próximo tópico.
Diante do conflito entre tais funções, assim como explicitado no tópico anterior, no caso concreto, devendo o magistrado observa a Reserva do Possível X Mínimo existencial, deve optar pelo mínimo existencial, pois o Estado existe para proteger e servir os seus contribuintes, resultante da vontade de seu povo formador.
3.3 APLICAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL NO CASO CONCRETO E O ATIVISMO JUDICIAL
Passado as discussões á respeito da das análises de conflito e do papel do Poder Judiciário, necessário analisar a possibilidade do controle judicial sobre os atos de titularidade do Poder Executivo.
O administrador público, como a própria terminologia denota, trata-se de um gestor de dinheiro público, de modo que sua atuação e seus atos não poderão ficar imunes à apreciação jurisdicional, ainda mais que o controle judicial da Administração Pública constitui uma garantia fundamental (art.5º XXXV da Constituição). Com a construção do Estado democrática de direito e a afirmação do princípio da legalidade como controle da Administração pública, entende Diogo de Figueiredo Moreira Neto que o Estado somente pode agir em função de poderes que lhe são outorgados, sendo que esta outorga somente pode ser exercida em consonância com a legalidade e legitimidade. A legalidade é a conduta estatal legislada, ou seja, prevista expressamente em lei, enquanto a legitimidade se constitui em um raio de atuação mais amplo, poderá ser identificada como aqueles atos que não poderiam ser previstos anteriormente e, estarão pendentes de definições políticas derivadas integrativas que, de alguma forma admitida, deverão ser feitas por quem tenha competência e quando surgir a oportunidade e conveniência de explicitá-las. (Lustoza, pág. 178-179)
A superação do mito da onipotência da legalidade na regulamentação do poder público, promovido em grande parte pelo movimento constitucionalista, possibilitou o alargamento de matérias que não seriam disciplinadas de forma exaustiva pelo Legislativo, isto é, deverá, necessariamente, haver a preservação de espaços que dependerão da função decisória do administrador público.
A valoração de conduta que configura o mérito administrativo pode alterar-se bastando para tanto imaginar a mudança dos fatores de conveniência e oportunidade sopesados pelo administrador, de acordo com o passar do tempo.
O Judiciário, entretanto, não pode imiscuir-se nessa apreciação, sendo-lhe vedado exercer controle judicial sobre o mérito administrativo. Como bem aponta Seabra Fagundes, se pudesse o juiz fazê-lo, “faria obra de administrador, violando, dessarte, o princípio da separação e independência dos poderes”. E está de todo acertado esse fundamento: se ao juiz cabe a função jurisdicional, na qual afere aspectos da legalidade, não se lhe pode permitir que proceda a um tipo de avaliação, peculiar à função administrativa e que, na verdade, decorre da própria lei.(Carvalho Filho, pág. 124)
Assim, já posicionou o Superior Tribunal de Justiça, a respeito do controle exercido pelo Judiciário e a discricionariedade administrativa:
“é defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto de sua legalidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei. Esta solução se funda no princípio da separação dos poderes, de sorte que a verificação das razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa ao controle jurisdicional do Estado.” (ROMC nº 1288/91-SP, 4ª Turma, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, publ. DJ 2.5.1994)
Corrobora tal entendimento o Supremo Tribunal Federal, em hipótese na qual discutia expuldão de estrangeiro, disse a Suprema Corte que se trata de ato discricionário de defesa do Estado, sendo de competência do Presidente da República
“Cabe decretar o Presidente da República, a quem incumbe julga a conveniência ou oportunidade da decretação da medida, ao judiciário compete tão somente a apreciação formal e a constatação da existência ou não de vícios de nulidade do ato expulsório, não ao mérito da decisão presidencial.” (Habeas Corpus nº 73.940, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, publ. DJ 29.11.1996)
A atuação do administrador público estará delimitada por preceitos legais, que lhe outorgarão a competência para materializar a vontade abstrata da lei em situações concretas, do melhor modo que atenda ao fim almejado pelo ordenamento jurídico
Possível notar que o controle judicial dos atos administrativos tem gerado muita polêmica, pois há um forte receio de que o Judiciário esvazie a atuação do administrador público, transformando-o em mero executor, o que poderia representar a usurpação de função e quebra do princípio da separação dos poderes. Em razão deste receio, é que as alternativas administrativas nos atos discricionários e políticos, dentro dos limites legais permitidos, não estavam passíveis de revisão judicial, uma vez que não seria permitido ao judiciário examinar do ângulo da conveniência e oportunidade os atos, comissivos ou omissivos, do Legislativo e Executivo. Onde não se legitima o controle judicial que invada o espaço das escolhas políticas do ato discricionário, na medida em que o juiz estará substituindo indevidamente o administrador público. (Lustoza, pág. 180-181)
No Direito Brasileiro, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro identifica três teorias que buscam explicar a questão do controle dos atos discricionários (2005, pág. 228):
- A primeira é relativa ao desvio de poder, que explica que haverá a nulidade do ato quando a autoridade utilizar-se da liberdade administrativa para prática de fim diferente do que foi fixado em lei;
- A segunda teoria é a dos motivos determinantes, que legitima o Judiciário a apreciar os pressupostos de fato e provas de sua ocorrência;
- E, comenta a autora, que no Brasil está sendo desenvolvida uma terceira linha teórica que legitima a ampliação do controle judicial sobre atos portadores de noções imprecisas, nos quais o legislador utiliza termos genéricos para designar o motivo, tais como: interesse público, moralidade, ordem pública etc.
Reiterando, os elementos do ato administrativo, tanto o motivo quanto objeto devem estar vinculados à finalidade, não podendo contrariá-la, vez que não é aceita a prática de conduta que tome como fundamento o interesse que não seja o público. Quanto aos atos vinculados, não há divergências, tendo em vista que somente a análise externa do ato é suficiente para atestar a sua validade (legalidade e constitucionalidade). A polêmica gira em torno do controle judicial dos atos discricionários e políticos, sendo que há questões atinentes à conveniência e oportunidade administrativa, o que segundo entendimento predominante, somente poderiam ser questionadas judicialmente, se a escolha do administrador público estivesse fora dos limites legais.
Defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde ou à educação, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um dos direitos, exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, não poderia deixar de ser objeto da apreciação judicial. (Mendes, pág. 629).
Diversas divergências ocorreram sobre o assunto, foram discutidas na jurisprudência pátria, sendo que o Superior Tribunal de Justiça, responsável pela guarda da legislação infraconstitucional, decidiu por diversas vezes que não cabe ao Judiciário reavaliar os critérios utilizados pela Administração Pública no exercício da função discricionária, ficando o controle judicial limitado ao exame da legalidade. Assim, possível identificar, a priori, três teorias que buscam fundamentar a questão do controle judicial de atos discricionários. (Lustoza, pág. 184)
- A primeira defende que o Judiciário não possui legitimidade de realizar o controle do mérito administrativo, posicionamento que representa a insindicabilidade das escolhas administrativas, pautadas na oportunidade e conveniência:
“Não cabe ao Judiciário realizar escolhas políticas, decidir maneiras e formas de investimentos dos recursos financeiros, aumentar vencimentos indistintamente sob a motivação da isonomia entre os servidores. Em outras palavras, não pode o Judiciário se atribuir de papel administrativo ou legislativo e, assim, corromper nosso princípio estrutural da separação de poderes.” (Supremo Tribunal Federal. MC-ADPF n. 79/PE. Rel.: Min. Cezar Peluso. Julg. 29/07/2005.)
“A concessão de isenção é ato discricionário , por meio do qual o Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e oportunidade, implementa suas políticas fiscais e econômicas e, portanto, a análise de seu mérito escapa ao controle do Poder Judiciário.” (Supremo Tribunal Federal. RE 344.331/PR. Rel.: Minª. Ellen Gracie. Julg. 11 fev. 2003).
À luz do princípio da separação dos poderes, este entendimento denota que o controle judicial não adentraria no denominado mérito administrativo, pois, caso contrário, o Judiciário estaria se transformando em executor da norma.
- Uma segunda teoria aceita o controle judicial de uma maneira mais elastecida, mas o limita ao mero controle de legalidade. Nesta linha de raciocínio, o controle judicial poderá adentrar numa análise intrínseca do ato discricionário, mas que estaria fundamentada numa análise superficial de atendimento a legalidade, conforme a seguinte decisão:
“É sabido que em tema de controle judicial dos atos administrativos, a razoabilidade, assim como a proporcionalidade, fundadas no devido processo legal, decorrem da legalidade, por isso que podem e devem ser analisadas pelo Poder Judiciário, quando provocado a fazê-lo.” (Superior Tribunal de Justiça. Edcl. No MS 9.526/DF. Rel.: Min. Celson Limongi. 3ª Seção. Julg. 24 jun. 2009.)
- Por fim, a terceira corrente compreende que deve haver o controle judicial do mérito do ato administrativo discricionário quando este preservar a efetividade dos princípios constitucionais. Neste raciocínio o controle judicial poderá adentrar no mérito administrativo com o objetivo de avaliar a obediência dos critérios da oportunidade e conveniência aos postulados constitucionais:
“Embora resida, primariamente, nos poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.” (Supremo Tribunal Federal. RE 410.715/SP. Rel.: Celso de Mello. Julg. 22 nov. 2005.)
Pode-se notar que tanto a doutrina, quanto o Judiciário brasileiro está longe de um ponto pacífico sobre a legitimidade no controle judicial do mérito administrativo das decisões políticas.
Registre-se, v.g., o denominado problema da “judicialização do direito à saúde”. Esse ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. (Mendes, pág. 629)
O fenômeno jurídico do Ativismo Judicial, tem suas origens na Suprema Corte norte-americana quando criou-se o controle judicial de constitucionalidade de leis federais. Resulta em um Poder Judiciário com uma postura proativa interferindo de maneira regular e significativa nas opções políticas dos demais poderes. Ocorre pela vontade do Julgador na análise do caso concreto, ao realizar a interpretação das leis, agindo de forma proativa e aplicando os princípios constitucionais, conforme um processo de aplicação constitucional, de forma à eficácia e garantia de direitos fundamentais básicos.
CONCLUSÃO
A matéria abordada visa reiterar que no presente Brasil torna-se imprescindível o papel de magistrados ativos no exercício de sua jurisdição, haja vista a precariedade em que é deixada a satisfação das políticas públicas, as quais visam beneficiar os cidadãos necessitados.
Assim sendo, no conflito entre reserva do possível, este rotineiramente alegado pela administração pública visando esquivar-se de garantir direitos resguardados constitucionalmente, e o mínimo existencial, direito este elevado ao status de direito fundamental pela magna carta de 1988, o aplicador do Direito deve analisar o case.
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