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A Justiça do Trabalho e a Justiça Comum: o direito que não é direito

26/01/2018 às 18:48
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Discute-se uma questão bastante prática e cotidiana: a contradição entre decisões proferidas pela Justiça do Trabalho e pela Justiça Comum sobre um mesmo direito.

RESUMO: O presente artigo possui o desiderato de discorrer sobre uma questão bastante prática e cotidiana. Trata-se do paradoxo do “direito que não é direito”, entendendo-se como tal a situação de direito em que uma pretensão é procedente na Justiça do Trabalho e improcedente na Justiça Comum, criando verdadeira contradição. O artigo se debruça sobre o caso concreto do reconhecimento de um direito na Justiça do Trabalho que, em muitas oportunidades, acaba sendo rejeitado na Justiça Comum, especialmente no que diz respeito aos seus aspectos previdenciários.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo trazer ao debate uma situação que hodiernamente tem se revelado bastante comum e, infelizmente, contraditória. Trata-se da paradoxal hipótese em que uma mesma parte aufere êxito numa dada pretensão da Justiça do Trabalho ao mesmo tempo em que se vê tolhido da aplicação integral desse direito com o insucesso da pretensão na Justiça Comum no tocante aos reflexos previdenciários.

Num primeiro momento, trabalhar-se-á com alguns aspectos sobre a tomada de decisões e sobre medidas que visam à busca da homogeneidade e uniformidade das soluções dadas pela Justiça.

Após, será abordado um caso prático que exibe de maneira clara o paradoxal tratamento dado para um mesmo objeto entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum, em especial à Justiça Federal.

Por fim, já nas conclusões, será feita uma abordagem crítica sobre tudo o que se afirmou no artigo, fechando com uma sequência de sugestões para o contorno da situação dita problemática.


2. DOIS PESOS, QUANTAS MEDIDAS?

Em sua obra “O que é isto – decido conforme minha consciência?”, Lenio Luiz Streck[1] faz uma forte afirmação a respeito das decisões (ou “escolhas”):

“Para efeito do que estou debatendo neste livro, é preciso deixar claro que existe uma diferença entre Decisão e Escolha. Quero dizer que a decisão – no caso, a decisão jurídica – não pode ser entendida como um ato em que o juiz, diante de várias possibilidades possíveis para a solução de um caso concreto, escolhe aquela que lhe parece mais adequada. Com efeito, decidir não é sinônimo de escolher. Antes disso, há um contexto originário que impõe uma diferença quando nos colocamos diante destes dois fenômenos”

Não há dúvidas de que há uma efetiva e permanente preocupação dos juristas e aplicadores do Direito com as decisões judiciais e a possibilidade de dois casos similares serem resolvidos de maneira distinta.  

Talvez por obra do protagonismo dos princípios contidos na Constituição Federal de 1988, o Direito aplicado pelos magistrados e Tribunais tem gerado certa inconformidade de partes e advogados, haja vista que, não raro, há decisões proferidas com base apenas em princípios, sem um método mais objetivo ou um critério pré-estabelecido. Um prato cheio para os críticos desse certo “subjetivismo”.

Preocupado com isso, o legislador pátrio tratou de inserir dispositivos vinculantes ao novel Código de Processo Civil, em busca da utópica uniformidade das decisões num país de geografia, população e cultura absolutamente complexas e peculiares. Um desafio e tanto.

Para além das questões subjetivas próprias das decisões proferidas sob o ponto individual do julgador, faz-se imperioso discutir e questionar a presença de decisões contraditórias – um mesmo objeto, soluções distintas -, em grau mais amplo.

Nada melhor que um exemplo para ilustrar o que se pretende expor.


3. O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO NA JUSTIÇA DO TRABALHO E SUAS IMPLICAÇÕES NA SEARA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

A reclamação trabalhista, típica demanda da esfera especializada obreira, almeja, dentre diversas outras hipóteses, reconhecer que determinado trabalhador prestou serviços a uma dada empresa, em certo lapso temporal, encerrando todos os requisitos essenciais ao reconhecimento do vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas. Com ela, o reclamante pretende não apenas a obtenção do pagamento das rubricas trabalhistas e indenizatórias decorrentes da relação, mas também o reconhecimento do vínculo de emprego em si, o que redunda em consequências relevantes à esfera previdenciária.

Nesse sentido, o tempo de serviço reconhecido na Justiça Laboral pode – e deve – vir a ser averbado junto ao histórico de tempo de serviço do segurado, implicando evidente reflexo no tocante à obtenção dos benefícios de prestação continuada, a exemplo das aposentadorias. Não se olvide, ademais, que a reclamatória trabalhista pode reconhecer os chamados “pagamentos por fora”, ou seja, verbas camufladas ou ocultas de natureza remuneratória alcançadas ao trabalhador, as quais alterarão a base de cálculo dos salários-de-contribuição e, por conseguinte, do salário de benefício e da renda mensal de benefício.

A respeito do tema, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari[2] firmaram sua posição:

 “Situação deveras comum nas relações laborais brasileiras é o descumprimento da lei pelo empregador, que deixa de pagar verbas trabalhistas devidas ou as paga “extrafolha”, gerando para o empregado a necessidade de ingressar com ação na Justiça do Trabalho para ver reconhecidos tais direitos”

3.1 O CONFLITO APARENTE (OU SERIA REAL?) ENTRE A JUSTIÇA TRABALHISTA E A JUSTIÇA COMUM.                                                                                                     

Imaginemos uma situação hipotética – diga-se, bastante recorrente no cotidiano – em que o trabalhador (já aposentado ou aposentado no decorrer da ação) aufere êxito em reclamatória trabalhista, na qual foram incluídos períodos e verbas remuneratórias decorrentes do exercício laboral. No caso, com o resultado na contenda trabalhista, surge para o obreiro o direito de revisar o seu benefício de aposentadoria, agora defasado em razão do reconhecimento das aludidas importâncias não incluídas em seu período básico de cálculo.

Não pairam dúvidas de que o reconhecimento e a inclusão das novéis parcelas remuneratórias repercutem na seara previdenciária, já que não é crível acatar-se a tese da existência de fatos reconhecidos na Justiça do Trabalho e, por outro lado, inexistentes na Justiça Comum. Essa posição contraditória, contudo, tem ocorrido.

Trata-se “de uma grave contradição do ordenamento jurídico em matéria de Direitos Sociais Fundamentais, pois nem sempre que há o reconhecimento de uma relação de emprego, assegurando-se os direitos da legislação trabalhista por decisão proferida na Justiça do Trabalho, a Previdência Social admite o cômputo do período reconhecido para fins de contagem de tempo de contribuição, negando a condição de segurado obrigatório ao trabalhador que obteve a tutela jurisdicional”[3].

Conforme bem asseverado por Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:

“não haveria sentido lógico se o Estado, ao se pronunciar sobre um caso concreto, no exercício da jurisdição, reconhecesse a relação de emprego, mas negasse as consequências deste mesmo reconhecimento no campo previdenciário – no qual o Estado, por intermédio de uma autarquia da União, é o sujeito passivo da obrigação de prestar benefícios e serviços ao segurado”[4].

E arrematam os mesmos autores, essencialmente a respeito das teses invocadas pela Autarquia Federal, a fim de afastar a promoção das consequências sobre as relações previdenciárias[5]:

 “Com efeito, não há a menor razoabilidade em argumentar que o INSS não fez parte da lide trabalhista. A uma, porque tal raciocínio decorre de um cartesianismo total, já que os sujeitos da relação processual são autor, o réu e o Estado, sendo que o INSS é parcela integrante deste último; segundo, porque a negativa do INSS corresponde, no mínimo, a negar eficácia à dicção do direito, sendo que a atividade jurisdicional, monopolizada pelo Estado, não pode ser negligenciada por ele próprio; em terceiro porque, mesmo se admitindo o raciocínio cartesiano de que o INSS não se confunde com o Estado, ele efetivamente é intimado de todas as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho (art. 832 da CLT) e comparece naquele mesmo juízo como exequente (art. 876, 879 e 884 da CLT), quando da exigência, na própria demanda trabalhista originária, das contribuições previdenciárias incidentes sobre as verbas deferidas pela decisão judicial”.


4. QUANDO O INSTRUMENTO IMPERA SOBRE O OBJETO

O exemplo da reclamatória trabalhista e o seu reflexo – ou a falta dele – sobre as questões de ordem previdenciária é marcante e confere a possibilidade de se chegar a pelo menos uma conclusão: o instrumento impera sobre o objeto.

Veja-se que, ao se acatar que o direito reconhecido numa seara da Justiça – que, em tese, é uma só – é diferente do direito noutra, está-se a afirmar que são os instrumentos, os meios de provas e/ou as ideologias (ou a forma como se enxerga esse mesmo direito) que imperam sobre a matéria, sobre o objeto. Seria como afirmar “vá à Justiça pedir o seu direito, mas a solução vai depender de como o seu direito será analisado”.

 Na Justiça do Trabalho, por exemplo, é possível reconhecer-se direitos do trabalhador sem uma maior amplitude probatória, na medida em que vige o princípio tuitivo – sim, ainda vige mesmo após a “Reforma Trabalhista” –, de proteção ao trabalhador.

Por outro lado, na Justiça Comum – mais comumente na Justiça Federal – o conjunto probatório necessário para o reconhecimento de períodos e remunerações com impacto sobre as relações previdenciárias é mais robusto.

Diante disso, é bastante comum haver casos em que a Justiça do Trabalho reconhece o direito que a Justiça Comum, posteriormente, rejeita. Noutros termos, o direito é reconhecido por um segmento da Justiça, mas a sua efetividade é limitada por outro.

Como explicar ao jurisdicionado, ao leigo ou até mesmo aos operadores do Direito – por que não? – esse aparente paradoxo? Qual análise se encontra correta: a que reconhece o direito ou a que o rejeita? Seria subjetivismo do julgador? Seria o viés ideológico? Seria a falta de uniformidade jurisprudencial?


5. CONCLUSÃO

O trabalhador brasileiro que, em grande monta, sofre abusos de toda ordem provenientes de seus empregadores, conta com uma Justiça Especializada para contê-los. Trata-se de uma evolução da justiça protetiva como um todo, notadamente porque o trabalhador é parte hipossuficiente nas relações trabalhistas no mais das vezes.

Entretanto, percebeu-se que a facilitação da defesa dos direitos trabalhistas, com inquestionáveis implicações no âmbito previdenciário, passou a ser questionada pelo INSS de maneira mais árdua, oportunidade em que se defendeu a tese da incomunicabilidade entre as jurisdições, o que soa contraditório. Como poderia, por exemplo, ser reconhecido o vínculo trabalhista na Justiça Laboral e não se reconhecer os seus efeitos na Justiça Comum? Há provimento jurisdicional declarando que o reclamante manteve vínculo formal de emprego, ao mesmo tempo em que há a declaração inversa de que não foi comprovado o vínculo de emprego para fins previdenciários (?).

Após alguma reflexão acerca desta problemática, senti-me tentado a tecer algumas sugestões:

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a) deve-se cobrar de todo julgador certa coerência, fundamentos objetivos e adequados, não se olvidando para a necessidade de revolvimento do conjunto de provas com o rigorismo necessário: nem tanto que tolha o direito, nem precário a ponto de chancelar o inexistente;

b) deve-se exigir das Instâncias Superiores certa uniformidade em suas decisões, inclusive entre os ramos da Justiça Comum e da Justiça Trabalho, o que demanda maior diálogo entre os operadores do Direito de ambas as searas. O fato de haver Justiças Especializadas não torna o direito incomunicável.

c) dos advogados, assim como dos Juízes, deve-se exigir coerência. A título ilustrativo, cito o caso do causídico que postula o reconhecimento do caráter remuneratório do denominado “auxílio-almoço” na Justiça do Trabalho e, logo depois, este mesmo profissional vai até a Justiça Federal postular o reconhecimento de que esta parcela não remunera, mas indeniza, pugnando pela repetição do imposto de renda sobre ela incidente. Por certo, este tipo de conduta cria situações jurídicas inquestionavelmente contraditórias.

De tudo o que se abordou no presente artigo, a certeza é que a causa da problemática reside nas diversas peças do tabuleiro. A solução, por conseguinte, demanda uma reflexão conjunta e profunda, de todos – e eu reforço que é necessário de que sejam todos! – os operadores do Direito.

Se tais problemas não forem realmente encarados e solucionados pelos operadores do Direito, o título do presente artigo continuará a fazer sentido por muito tempo e em muitos casos: o direito que não é direito, não ao menos em seu sentido de integral efetividade.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil. Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 19/11/2015. 

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n.º 5.869 de 11 de janeiro de 1973. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm> Acesso em: 19/11/2015. 

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto Lei n.º 5.452 de 1º de maio de 1943.<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto lei/Del5452compilado.htm>Acesso em: 19/11/2015. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 19/11/2015.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e outro. Manual de Direito Previdenciário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves e outro. Curso de Direito da Seguridade Social.3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Vol. 01 – Parte Geral. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Editora Livraria do Advogado: Porto Alegre. 2010. Pág. 09.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 19ª Edicao. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2014.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 4ª Edicao. São Paulo: Editora LTR, 2001.

ROCHA, Daniel Machado da e outro. Comentário à Lei de Benefícios da Previdência Social - Lei n.º 8.213/91.12ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Precidenciário: Regime Geral de Previdência Social e Regras Constitucionais dos Regimes Próprios de Previdência Social. 12ª Ed.Niterói-RJ: Editora Ímpetus, 2010.


Notas

[1] STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Editora Livraria do Advogado: Porto Alegre. 2010. Pág. 09.

[2] DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira e outro (JOAO BATISTA LAZZARI). Manual de Direito Previdenciário. 16a Edicao. Editora Forense: Rio de Janeiro. Pág. 549.

[3] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e outro. Manual de Direito Previdenciário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 892.

[4] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e outro. Manual de Direito Previdenciário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 893.

[5] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e outro. Manual de Direito Previdenciário. 16a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Pág. 550.

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Sobre o autor
Vitor Martins Dutra

Servidor Público do TRF4. MBA em Tecnologia. Especialista em Direito Previdenciário (UNIRITTER CANOAS/RS). Graduado em Direito (UNISINOS/RS). Certificado Scrum e Design Thinking. Técnico em Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Vitor Martins. A Justiça do Trabalho e a Justiça Comum: o direito que não é direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5322, 26 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63692. Acesso em: 22 nov. 2024.

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