Juros moratórios: qual a taxa máxima legal?

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Uma das divergências de nosso ordenamento jurídico se refere aos juros moratórios e seu limite máximo permitido legalmente. Muitos defendem que é de 1% (um por cento) ao mês, entretanto, não é o que a jurisprudência vem entendendo.

Desde os primórdios da sociedade, o negócio jurídico como um todo (lato sensu) é uma das ferramentas que mais movimentam e, consequentemente, fomentam a economia de nosso país, de modo que a sua confecção necessita de cuidados tamanhos, visto que um deslize praticado por quaisquer das partes contratantes poderá acarretar graves prejuízos financeiros a quem o cometeu.

A começar do contrato de compra e venda, o mais usual e conhecido, até um “simples” contrato de empréstimo, são inúmeros os cuidados que devem ser observados, desde a sua constituição até a sua execução.

À vista disso, irei expor neste artigo as principais características, bem como cuidados, que devem ser observados quando da confecção de um contrato (independentemente da natureza) no que se refere a seus juros moratórios, isto é, pagamentos devidos em decorrência da inadimplência contratual, ou, como o próprio nome já indica, moral contratual. Além disso, demonstrarei que, não obstante muitos propagarem a ideia de que quando não for convencionado a taxa de juros moratórios no contrato, dever-se-á aplicar a taxa de 1% (um por cento) a.m (ao mês), pois, segundos estes, é assim que a lei civil determina (art. 406 do CC/2002), o que, data venia, é um ledo engano.

Pois bem.

De início, por bem salutar que existem dois tipos de juros, quais sejam: juros moratórios e juros compensatórios ou remuneratórios.

Os juros moratórios, como já alegado em linhas passadas, são os devidos em caso de inadimplemento, por parte de um dos contratantes, de uma obrigação assumida no contrato. Assim, quando um dos contratantes, findo o prazo cujo o qual se dispôs a cumprir referida obrigação, se mantem inerte, estará este, automaticamente, constituído em mora. A partir de então, os juros moratórios começarão a fluir (mora ex re). Entretanto, há casos em que, a depender do acordado em contrato, não existe uma data pré-definida para que um dos contratantes cumpra a obrigação. Neste caso, os juros moratórios serão devidos a partir do momento em que o contratante inadimplente seja constituído em mora, que poderá ser através de notificação extrajudicial, interpelação, protesto e etc (mora ex persona). Caso contrário, se este contratante não for constituído em mora, não há que se falar em juros moratórios.

Por outro lado, existem os denominados juros compensatórios, ou, como muitos dizem, juros remuneratórios, cujos quais têm o mesmo significado. Referidos juros são uma contraprestação devida ao credor, pelo fato de este ter se privado de usar alguma coisa, emprestando-a ao devedor.

Entretanto, o presente trabalho irá se ater ao que acontece quando não há juros moratórios convencionados no contrato, ou, se há, não existe taxa estipulada.

O atual Código Civil, em seus artigos 406 e 407 regulamentam os juros legais moratórios. Assim preconiza o artigo 406, verbis:

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Percebe-se, num primeiro momento, que referida regra é supletiva, pois somente será aplicada caso as partes sejam omissas neste sentido. Assim, quando as partes forem omissas, os juros serão fixados segundo a “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” É partir deste ponto que surgem inúmeras controvérsias, pois qual é a taxa em vigor para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Pública?!

As divergências doutrinárias e jurisprudenciais surgiram a partir do momento em que o atual Código Civil entrou em vigor, visto que, seu antecessor (CC/1916), era preciso neste ponto! Seu artigo 1.062 preconizava que, não sendo convencionada a porcentagem da taxa, os juros moratórios deviam ser fixados em 6% (seis por cento) ao ano, ou, sendo estipulado os juros moratórios mas não convencionado a taxa, também seria de 6% (seis por cento) ao ano, conforme assim previa o artigo 1.063 do mesmo caderno. Portanto, não havia qualquer dúvida, tendo em vista que referidos artigos eram claros neste sentido, isto é, quando não convencionados, a taxa seria de 6% ao ano.

Mas, e atualmente? Sendo o contrato firmado na vigência do atual Código Civil, e as partes não convencionarem os juros moratórios, qual a taxa a ser aplicada? Como já descrito, o artigo 406 nos remete a taxa em vigor para a mora de pagamento de impostos devidos à Fazenda Pública. Mas qual é essa taxa?

Dessa forma, surgiu a primeira corrente doutrinária, cuja qual defendia que referido artigo 406 do CC/2002 nos remete ao artigo 161, §1° do Código Tributário Nacional, verbis:

Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

 § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

Referido artigo pertence ao capítulo relativo ao pagamento de tributos de um modo geral. Portanto, a par disso, não há que se falar em vinculação do artigo 406 do CC/2002 com o §1° do artigo 161 do CTN, eis que, como já dito, este se refere a tributos de um modo geral, sendo que aquele se refere a espécie de tributos, qual seja: impostos.

Não obstante, foram inúmeros os doutrinadores, inclusive com supedâneo nos Tribunais Superiores, que defenderam veementemente a aplicação do artigo 161, §1° do CTN quando não houvesse taxa de juros moratórios estipulados. Inclusive, na I Jornada de Direito Civil, houve a aprovação do enunciado n° 20, que amparava a ligação entre o artigo 406 do CC e o artigo 161, §1° do CTN, vejamos:

“Enunciado 20: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do CTN 161, §1°, ou seja, um por cento ao mês. [...]”

Como exemplo de julgados nos Tribunais Superiores que defendiam a vinculação destes dois artigos, vale menção ao de relatoria do Min. Humberto Gomes de Barros, AgRG no REsp 727.842/SP, onde declarou que “não é ela” Selic – que se refere o art. 406 do Código Civil, mas ao percentual previsto no art. 161, §1°, do CTN”.

No entanto, referidos posicionamentos foram superados e, atualmente, é majoritário o entendimento de que a taxa encontrada no artigo 406 do Código Civil se refere a SELIC e não ao 1% a.m encontrado no §1° do artigo 161 do CTN.

São vários os julgados neste sentido:

EXECUÇÃO DE SENTENÇA. TAXA DE JUROS. NOVO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. TAXA SELIC. 1. Não há violação à coisa julgada e à norma do art. 406 do novo Código Civil, quando o título judicial exequendo, exarado em momento anterior ao CC/2002, fixa os juros de mora em 0,5% ao mês e, na execução do julgado, determina-se a incidência de juros previstos nos termos da lei nova. 2. Atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [ art. 406 do CC/2002 ] é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)' (EREsp 727.842, DJ de 20/11/08)" (REsp 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pendente de publicação). Todavia, não houve recurso da parte interessada para prevalecer tal entendimento. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1111117/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/06/2010, DJe 02/09/2010). [g.n]

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - PRELIMINAR - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - MÉRITO - ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO FEITO - NÃO-OCORRÊNCIA - PROCESSO DEVIDAMENTE REGULARIZADO PERANTE AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, COM INTERVENÇÃO DO PARQUET - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - FORMAÇÃO - REGULARIDADE - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ÓBICE DOS ENUNCIADOS NS. 5 E 7 DA SÚMULA/STJ - CITAÇÃO DO ESPÓLIO DENTRO DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NO CC/1916 - PRESCRIÇÃO - NÃO-OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - TEORIA DA CAUSA MADURA - ART. 515, § 3º, DO CPC - APLICAÇÃO - LEGALIDADE - JUROS MORATÓRIOS - FIXAÇÃO COM BASE NA TAXA SELIC, A PARTIR DA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - ENTENDIMENTO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. I - OMISSIS; II – OMISSIS; III - OMISSIS; IV OMISSIS; V - OMISSIS; VII - Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 do CC), correspondendo esta taxa à SELIC; VIII - Recurso especial improvido. (REsp 963.984/SC, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2010, DJe 23/08/2010). [g.m]

Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 do CC), correspondendo esta à Selic.” (REsp 963.984/SC – Resp 2007/0136404-6”. [g.m]

A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei 10.406/2001) os juros moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406). Taxa esta que, como de sabença, é a Selic, nos expressos termos da Lei 9.250/1995. Precedentes: REsp 688.536/PA, DJ 18.12.2006; REsp 830.189/PR, DJ 07.12.2006; REsp 813.056/PE, rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp 947.523/PE, DJ 17.09.2007; REsp 856.296/SP, DJ 04.12.2006; AgRg no Ag 766.853/MG, DJ 16.10.2016.” (REsp 963.984/SC – Resp 2007/0136404-6). [g.m]

Referidos posicionamentos se sufragam na Lei Federal n° 8.981/95, cuja qual disciplina os juros dos impostos devidos à Fazenda Pública, em seu artigo 84, inciso I, que assim prevê: “

Art. 84. Os tributos e contribuições sociais arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores vierem a ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1995, não pagos nos prazos previstos na legislação tributária serão acrescidos de:

I - juros de mora [...]

Assim, referido inciso dever-se-á ser interpretado de forma sistemática junto ao artigo 13, caput, da Lei n° 9.065/95, que assim preconiza:

Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente. [g.m]

Percebe-se, portanto, que a taxa utilizada para pagamento de juros moratórios de impostos devidos à Fazenda Pública é justamente a taxa Selic, sendo que, por conta da redação do artigo 406 CC/2002 c/c a Lei Federal n° 8.981/95, art. 84, inc. I c/c a Lei n° 9.095/95, art. 13, caput, dever-se-á aplicar, de igual forma, referida taxa quando ausente a estipulação em contratos paritários, no que concerne aos juros moratórios.

Mas qual o fundamento utilizado pela a primeira corrente para a não aplicação da taxa Selic quando não houver estipulado os juros moratórios? Segundo estes, pelo fato de o Código Tributário Nacional ter sido acolhido em nosso ordenamento jurídico como Lei Complementar, em respeito a princípio da hierarquia, lei ordinária não poderia, jamais, sobrepor a lei complementar. Portanto, frente ao fato de as Leis Federais n.os 8.981/95 e 9.095/95 serem leis ordinárias, estas mitigam em favor do CTN, Lei Complementar, devendo esta ser aplicada em detrimento daquela.

Inclusive, Luiz Antônio Scavone Júnior, em sua monografia referente a juros no direito pátrio, defende pela aplicação do artigo 161, §1° do CTN, afirmando que:

“a teor do que dispõe o art. 34 do ADCT é, materialmente, Lei Complementar. Se assim o é, em respeito ao princípio da hierarquia, tendo estipulado juros máximos de 1% ao mês, lei ordinária jamais poderia estipular aplicação de juros superiores, como tem ocorrido com a taxa Selic pela Lei 8.891/95 e, também, pela Lei 9.779/99. Demais disso, o art. 5°, do Decreto 22.626/33, é lei especial, que trata de juros nos contratos, de tal sorte que mantém sua vigência mesmo diante do Código Civil de 2002.” Ainda, aduz referido autor que havendo interpretação contrária “pode ser considerada teratológica, vez que afronta cediça regra de hermenêutica: lei geral posterior não revoga a lei especial anterior (lex posterior generalis non derogat priori speciali). Assim, o Código Civil de 2002, de caráter geral, não revoga o Decreto 22.626/33 (especial), nem expressa, nem tacitamente, porque não regula toda a matéria, nem é com ele incompatível (Lei de Introdução ao Código Civil hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 2°, §1°).” (Juros no direito brasileiro, pág. 108.) [g.m]

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De toda forma, como já exposto, atualmente o posicionamento é pacificado no sentido de que inexistindo a taxa de juros moratórios, aplicar-se-á, a taxa Selic.

Mas atenção: importante ressaltar a impossibilidade de cumulação entre taxa Selic e correção monetária, conforme entendimento pacificando perante os Tribunais Superiores. Tal impossibilidade é devida ante o fato de que quando há a estipulação da taxa Selic, já existe embutida a correção monetária, portanto, não podendo haver sua cumulação a posteriori, sob pena de bis in idem. Eis alguns excertos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES. BRASIL TELECOM. CONVERSÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER EM PERDAS E DANOS. JUROS MORATÓRIOS DESDE A CITAÇÃO. SELIC. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. NOVA CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA CONVERSÃO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS. 3. A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002, segundo precedente da Corte Especial (EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008), é a SELIC, não sendo possível comulá-la com correção monetária, porquanto já embutida em sua formação. (REsp nº 1025298 / RS (2008/0009812-7). [g.m]

incidência da taxa SELIC a título de juros moratórios, a partir da entrada em vigor do atual Código Civil, em janeiro de 2003, exclui a incidência cumulativo de correção monetária, sob pena de bis in idem.” (STJ, EDcl no REsp 717.433-PR, 3ª T., rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJRS), DJE, 24/11/2009). [g.m]

Destarte, ficou evidente, portanto, que quando não for convencionado os juros moratórios, a taxa Selic deverá ser aplica, cuja qual, hoje (23/01/2018), está em 6,9% ao ano, ou, aproximadamente, meio por cento ao mês.  

Mas, frisa-se, referido artigo 406 tem caráter supletivo, isto é, somente será aplicável se as partes não estipularem a taxa de juros, prezando, portanto, pelo princípio da autonomia privada. E qual seria então o limite máximo permitido a título de juros moratórios convencionais, isto é, até que limite as partes poderiam estipular juros moratórios? A legislação não supre esse questionamento. Seria aplicável, neste caso, o artigo 1° da Decreto n° 22.626/33, ou melhor, da Lei de Usura? Vejamos o que diz:

Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.

À época, como estava em vigor o Código Civil de 1916, a taxa legal era de 6% (seis por cento) ao ano (art. 1.062 e 1.063), ou, 0,5% (meio por cento) ao mês. Assim, dessume-se que o máximo permitido, à época, seria de 12% (doze por cento) ao ano, ou 1% (um por cento) ao mês. Mas, evidente que o Código Civil que embasou referido decreto não mais se encontra vigente. Seria possível, então, a aplicação de referido Decreto em consonância com o atual Código Civil? Se sim, seria possível, de forma convencionada, estipular juros moratórios até o dobro da taxa legal vigente, diga-se: Selic, que, como dito, hoje (23/01/2018) está em 6,9% ao ano, ou seja, seria possível convencionar até seu dobro, isto é, 13,8% ao ano, ou 1,15% ao mês?? Como dito, a legislação não responde!!

Entendo que não! De fato, o Decreto n° 22.626/1933 ainda se encontra vigente (art. 2°, §1° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), visto que o Código Civil não o revogou e, tão pouco, outra lei assim o fizera. Demonstro o porquê:

a) o Código Civil, em momento algum de seus artigos, revogou o Decreto n° 22.626/1933;

b) o Decreto n° 22.626/1933 não é incompatível com o Código Civil;

c) o Código Civil não regulamenta toda a matéria como assim faz referido Decreto;

Portanto, o Decreto n° 22.626/33, comumente conhecido como Lei de Usura, de fato ainda está vigente, mas não por isso seu artigo 1° se aplica ao artigo 406 do CC/2002, posto que, se assim o fosse, de igual forma, o artigo 5° do mesmo Decreto também se aplicaria ao Código Civil, cujo qual a seguir segue transcrito:

Art. 5º. Admite-se que pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% e não mais.

Ora, se este artigo fosse utilizado, todas as discussões acerca de qual taxa deve ser aplicada seriam em vão, inclusive, os próprios julgados dos Tribunais Superiores perderiam seu objeto, visto que, sendo aplicado referido artigo, não haveria dúvida quanto ao limite máximo legal, qual seja: 1% (um por cento) ao mês. Por tal fato, entendo não ser aplicável o artigo 1° de referido Decreto.

Mas, qual seria o limite então? Carnacchioni, em sua obra de Direito Civil – contratos em espécie, assim explica:

No entanto, se as partes resolverem convencionar os juros moratórios, como regra, deverá prevalecer o princípio da autonomia privada. Isto porque, o próprio art. 406 condiciona a incidência da taxa Selic à omissão das partes em relação ao pacto sobre os juros moratórios ou, mesmo existindo tal pacto, à inexistência de estipulação da taxa de juros em si, ou seja, do percentual. Na tentativa de conferir maior liberdade aos sujeitos, o art. 406 é considerado norma dispositiva ou norma de integração. (CARNACCHIONI, Daniel Eduardo in Curso de Direito Civil: contratos em espécie – 1. Ed – SP: Ed. Revista dos Tribunais, 2015). [g.m]

Entendo, portanto, que o limite máximo que pode ser convencionado a título de juros moratórios deverá ser analisado em cada caso concreto, não havendo um numeral fixo a ser estipulado de forma igualitária para todos os contratos. Evidente que referido limite deve se ater ao princípio da boa-fé objetiva (art. 422 CC/2002), bem como da função social do contrato (art. 421 CC/2002), além de ser instituído de acordo com a natureza do contrato e da obrigação assumida, não podendo ultrapassar em muito a taxa legal vigente do mercado (Selic). Ademais, não podemos convencionar, como dito, um parâmetro para todos os contratos, até porque, a taxa Selic é variável. De igual forma, entendo também que, se no caso concreto o Estado-Juiz entender que há um abuso nos juros moratórios, como dito, tomando por base a taxa média aplicável, a natureza do contrato, a obrigação assumida, poderá o mesmo intervir para que seja reduzida referida taxa, mitigando, portanto, o princípio do pacta sunt servanda.

Por todo o exposto, quando da confecção de um contrato, é aconselhável as partes estipularem a taxa de juros moratórios, pois caso não a façam, será aplicável a taxa Selic e, como dito, não será possível sua cumulação com correção monetária, o que, convenhamos, para o credor é desvantagem, até porque, referida taxa na maioria das vezes é consideravelmente baixa (hoje, dia 23/01/2018, aproximadamente 0,5% (meio por cento) ao mês).

Assim, estipulando um parâmetro razoável, por exemplo: 1,5% (um e meio por cento ao mês) de juros moratórios, a depender do contrato, entendo ser plenamente possível e, consequentemente, bem mais vantajoso para o credor, além da possibilidade de cumulação com correção monetária, o que, reitera-se, é impossível quando aplicável a taxa Selic.

Por fim, isso tudo demonstra a indispensabilidade de consultar a um advogado quando da confecção de um contrato, não se valendo de “contratos-modelos” oriundos da internet, pois algo que, num primeiro momento, pareça ser simples, como a estipulação de juros moratórios, poderá, ao fim, se tornar um martírio.

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Sobre o autor
Leonardo Scopel Macchione de Paula

Advogado, pós-graduado em Processo Civil e Direito Tributário

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Ausência de parâmetros claros em nossa legislação que atribuam o valor da taxa de juros moratórios quando esta não for convencionada pelas partes contratantes.

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