PRESCRIÇÃO
De acordo com o artigo 25 da Lei Anticorrupção, está estabelecido que “prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações previstas nesta Lei, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração, ou no caso de infração permanente ou continuada, do dia que tiver cessado”.
O dispositivo elucida que a infração prescreve em cinco anos a partir da sua ciência – esta é a exigência – e não de sua autoria, de forma semelhante à previsão do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. Basta apenas a ciência da transgressão contra a Administração, não sendo necessário no momento inicial identificar todos os integrantes do ato ilícito, pontuam Petrelluzzi e Rizek Junior (2014, p. 103).
Cabe observar que, quando se refere à infração permanente, o artigo 25 do mesmo diploma relaciona-se àquela infração que se perpetua no tempo. No caso da infração continuada, trata-se de várias condutas que independem de tempo, lugar e maneira de execução e se agregam em uma mesma conduta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate quanto à responsabilização das pessoas jurídicas que contratam com a Administração Pública é tema extenso que abrange, primeiramente, elucidar os reais fatores que ensejam a corrupção no mundo, e consequentemente, no Brasil.
No Brasil, a corrupção tem origens históricas e desponta no século XXI como um grande fator de mobilização social. Diversos aspectos são incluídos por estudiosos entre os que se reuniram para suscitar, na história brasileira, o cenário que atualmente está no foco da indignação popular. Desses fatores, destacam-se as relações entre o Brasil colonial e a monarquia portuguesa, centradas na sustentação de privilégios e nos desestímulos ao desenvolvimento da cidadania e da educação. Intercalando breves períodos democráticos e regimes de exceção, entre os quais a ditadura civil-militar, o Brasil renovou seu ordenamento jurídico a cada novo escândalo relacionado à corrupção, intensificando a aprovação de legislações pertinentes ao tema principalmente a partir da década de 1990.
Com o regime democrático, o Brasil permaneceu amarrado às velhas raízes conservadoras de seus representantes do povo, não acostumados a um Estado com limitação de poder e com direitos e garantias para cidadãos.
Dessa forma, vários diplomas legais foram criados para controlar a corrupção, mas nenhum deles pareceu conter a eficiência necessária para coibir de maneira efetiva as condutas que lesam o Poder Público.
Para entendimento do sentido da Lei Anticorrupção, que visa punir as pessoas jurídicas que atentam contra a Administração Pública mediante responsabilidade objetiva, faz-se necessário entender o instituto da responsabilidade civil. Vale observar um ponto relevante: segundo Marinela, Paiva e Ramalho (2015, p. 233), não se trata de responsabilidade pelo risco integral, de modo que, na eventualidade de a pessoa jurídica acusada de atos de corrupção burlar a comprovação do rompimento do nexo de causalidade pertinente ao ato com a sua conduta, não se deve falar na aplicação das sanções de acordo com os artigos 6° e 19 do estudado diploma legal.
Convém dizer também que, pelo fato de a Lei Anticorrupção ter sido criada como pronta resposta aos anseios populares das manifestações de 2013, a norma nasceu com incongruências e antinomias jurídicas destacadas por juristas, de sorte que atualmente incumbe ao Poder Judiciário a missão de repará-las, com análise cuidadosa na interpretação dos dispositivos da referida lei. Tal interpretação pode ser embasada no método de interpretação teleológica, que visa à atribuição de um propósito, uma finalidade, à lei; isto é, considera uma suposta ligação entre lei, causa e finalidade.
Ademais, surge como imprescindível a necessidade de incorporar o combate a atos de corrupção nas diretrizes principiológicas fundamentais dispostas no artigo 4° da Constituição Federal. Com o peso da expressão na Carta Maior, seria possível consolidar ainda mais o dever de combate efetivo contra essa mazela estrutural. Com a legitimidade de “princípio constitucional”, o assunto concederia mais suporte a leis infraconstitucionais e ratificaria de vez um pedido subentendido de acordos e convenções internacionais: a manifestação do país como exemplo de luta contra a corrupção.
Aparentemente simbólica, a inclusão traria mais respaldo e a devida preocupação ao combate à corrupção, uma vez que a maturidade da Carta Magna é perceptível na atualidade, com seus mecanismos surtindo efeitos mesmo em meio a crises políticas e econômicas. A título de exemplo, a Emenda Constitucional 90, aprovada em 2015, é um reflexo das manifestações de junho de 2013 ao lado da Lei Anticorrupção; ao incluir o transporte entre os direitos sociais do cidadão brasileiro, a emenda deu legitimidade à mobilização da população, que surgiu da discordância quanto ao custo e à qualidade do transporte coletivo urbano.
Entretanto, é imperioso enfatizar que a Lei Anticorrupção é constitucional, tendo como embasamento a previsão de princípios constitucionais como o da moralidade administrativa, conforme previsão na Constituição Federal no inciso LXXIII do artigo 5°; no parágrafo 9º do artigo 14; e no caput do artigo 37.
É evidente que a Lei Anticorrupção tem o condão de leis anteriores para punir aqueles que a transgredirem, mas também é certo de que a nova norma não está nem perto de solucionar a corrupção enraizada que serve de entrave ao Brasil.
Um exemplo a ser destacado é o fato de a lei ter se preocupado em citar iniciativas preventivas: os programas de compliance, que perfazem uma política inovadora no sentido de coibir atos corruptivos em empresas. É certo que o investimento em prevenção pode mitigar a culpa da empresa envolvida em casos ilícitos, mas espera-se que fomente ambientes capazes de facilitar, por exemplo, as denúncias.
Sobre os acordos de leniência, cabe ressaltar sua relevância quanto a prever delação premiada em troca de minoração da pena, uma vez que a empresa delatora deve seguir parâmetros para que a colaboração seja realmente válida. Por fim, o instituto já vem sendo aplicado por empresas, deixando transparecer que medidas estão sendo enfim tomadas para que seja levada a público a obrigatoriedade de transparência e punições aos culpados, assim como minimizando, de certo modo, o sentimento geral de impunidade inadmissível em um país democrático.
Por outro lado, há o temor de que tal mecanismo seja utilizado no sentido de enfraquecer a legislação penal e de amenizar penas a políticos e empresários envolvidos em grandes esquemas de corrupção, configurando assim, uma verdadeira fraude tendo como protagonista a própria Administração Pública.
Deixando de lado, por ora, o âmbito da pessoa jurídica, registre-se que é importante que o cidadão seja conscientizado frequentemente por programas de iniciativa do Poder Público, objetivando a integralização não só de uma cultura no ambiente organizacional, mas na sociedade em si.
O povo brasileiro passa por uma crise de identidade moral, fruto de uma corrupção sistêmica. Vale evidenciar que, nesse cenário, somente criar leis de combate à corrupção não será suficiente; exige-se uma mudança de valores da sociedade que elege os reais responsáveis por criar e administrar a coisa pública, além de uma fiscalização mais efetiva.
Um ponto sensível é a inviabilidade de um governo que se sustenta numa política de favores, ou seja, na política da manutenção de pessoas indicadas aos cargos por influência partidária, em troca do apoio parlamentar que sustenta uma suposta (e frágil) governabilidade. É preciso uma política governamental, isto é, a de prazo determinado, pois o cargo público deve ser repassado de tempo em tempo, evitando eventuais vícios decorrentes da manutenção permanente das atuais gestões. Representa-se, assim, o verdadeiro espírito da democracia, e de um governo baseado em governabilidade e governança mais eficiente, ou seja, voltada a melhor aplicação dos recursos públicos.
Outro ponto relevante a ser levantado é a ambiguidade da lei que, ao mesmo tempo em que prevê duras penas às empresas, não estabelece sequer uma espécie de quarentena para que as empresas punidas sejam impedidas de contratar com o Poder Público. Ainda que o argumento de governo e legisladores seja viável – no sentido de que é preciso preservar setores econômicos, importantes provedores de emprego e motores das riquezas do país –, é inegável que o projeto de lei teve influência política diversa, uma vez que partem da iniciativa privada os recursos que sustentam campanhas políticas no país, como demonstram recentes escândalos de corrupção relacionados a desvios de dinheiro público para custear campanhas.
Por conseguinte, fica evidente que a Lei Anticorrupção não é suficiente para frear a corrupção. Entretanto, é inegável que a lei contém mecanismos mais agressivos para coibir essa prática, ainda que restem dúvidas sobre a manutenção desse impacto em longo prazo.
A ética é, de fato, o antídoto a ser internalizado no início da formação do caráter do ser humano, uma vez que nada impede de que a pessoa mude – mesmo adulta e reincidente. Todavia, tal atitude pode ser comparada à de um ex-usuário de drogas que recai. Esta reflexão expõe a fragilidade do povo brasileiro, que sofreu com transformações abruptas – rupturas que criaram obstáculos e revezes recorrentes à manutenção de direitos –, mas que nefastamente degringolaram na mesma falta de participação política e cidadã, desde a colonização.
A ética é por si só, a cura mais eficaz e barata para combater a corrupção. Contudo, o alcance disso só será possível quando a sociedade internalizar essa necessidade e impuser a seus representantes – até que esses agentes políticos forçosamente desenvolvam essa consciência – a urgência de implantação maciça em escolas, universidades e empresas – não somente na Administração Pública – do estudo de princípios éticos correlacionado com os princípios fundamentais e garantias e direitos da pessoa humana, conforme o espírito da Carta Magna.
Por fim, compreende-se que a corrupção é um mal que só pode ser curado com a compreensão e o discernimento típico das pessoas e instituições devidamente preparadas, malgrado o fato de que, enquanto houver desigualdade social, existirá corrupção.
REFERÊNCIAS
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