Lineamentos da reforma politica brasileira: O sistema proporcional e a possível mudança para o Sistema Distrital

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02/02/2018 às 00:27
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3. LINEAMENTOS DA REFORMA POLITICA BRASILEIRA: OS CAMBIOS PROPOSTOS DO SISTEMA PROPORCIONAL AO SISTEMA DISTRITAL

Na sequência estão os principais pontos aprovados na comissão da Câmara que trata especificamente da PEC 77/2003 – a proposta ainda precisa ser aprovada pelo plenário da Câmara e, posteriormente, pelo Senado.

3.1 A PROPOSTA DA REFORMA POLITICA

Há aproximadamente 14 anos, a proposta de emenda constitucional (PEC) 77 tramita na Câmara dos Deputados para discutir alterações nas regras eleitorais. Nos últimos tempos, no entanto, ela passou a ganhar relevância por conta da criação de uma comissão especial para discutir as principais mudanças sugeridas pelos partidos.

Hoje, essa proposta faz parte de um pacote de três projetos de lei elaborados para reformar o sistema político brasileiro. As outras propostas são a PEC 282/2016, já aprovada no Senado e que trata principalmente da vedação das coligações partidárias em eleições e estipula uma cláusula de barreira, e o projeto de lei da Reforma Política, que ainda precisa ser votada nas duas Casas e trata principalmente das regras da campanha eleitoral e cria tetos de gastos para os candidatos.

Com a crise política, na qual o país se envolveu desde o impeachment de Dilma Rousseff, passando pelas investigações da operação Lava Jato e chegando na delação da JBS, que implicou o presidente Michel Temer, o assunto ficou em segundo plano. Agora, há pouco menos de alguns meses das eleições, os parlamentares se apressam para votar esses três projetos porque qualquer alteração na lei eleitoral tem de ser feita a pelo menos um ano antes do pleito. Em outubro do ano que vem, o Brasil elegerá um novo presidente, 513 deputados federais, 27 governadores, 54 senadores e 1.059 deputados estaduais.

O que significa: em 2018, serão eleitos os deputados federais e estaduais que forem os mais votados pelos eleitores. Hoje, o sistema é proporcional. Para um parlamentar ser eleito, é preciso fazer um cálculo entre o número de votos que ele recebeu e o coeficiente eleitoral atingido por seu partido ou coligação. Em 2022, uma nova regra passaria a valer, o sistema distrital misto.

Como pontos positivos, há que se mencionar sobre a informalidade do sistema: é o mais simples de compreensão do eleitor. Quem teve mais votos, leva. Todavia, como pontos negativos, e possivel ressaltar a dificuldade na renovação da Câmara e facilita a reeleição de quem já está nela. Acaba com a proporcionalidade e enfraquece os partidos. Pelas contas de cientistas políticos, entre 35% e 40% dos votos proporcionais seriam “desperdiçados”. Se estivesse em vigência em 2014, muitos não seriam eleitos, já que contou com o coeficiente eleitoral para se eleger.

Entretanto, apesar de haver grande mudança no sistema eleitoral, não parece haver muita chance de ser aprovada no plenário, pois como se trata de uma PEC, são necessários 308 votos para aprová-la. Na comissão, os parlamentares ficaram bem divididos. Passou com 17 votos a favor, 15 contrários e 2 abstenções. Se essa proporção se repetir em plenário, ela deverá ser rejeitada. Assim, o atual sistema proporcional será mantido.

3.2 OS DESAFIOS DA MUDANÇA DO SISTEMA ELEITORAL

Para 2022, o sistema distrital misto trará como forma e solução para eleger deputados federais e estaduais, a possibilidade dos eleitores votarem duas vezes. Um voto seria em um candidato de seu distrito e o outro em uma lista pré-determinada e divulgada pelos partidos políticos. Seriam eleitos o primeiro de cada distrito e, proporcionalmente, os deputados escolhidos pelos partidos mais votados. É semelhante ao sistema alemão, considerado como um dos mais igualitários do mundo.[59]

Como pontos positivos deste sistema, podemos dizer que o sistema proporcional ficaria bem representado, segundo seus defensores. Os partidos se fortalecem e é estimulada discussões internas dos filiados.

Entretanto, como pontos negativos é possível vislumbrar que se corre o risco de “coronéis” agirem dentro dos partidos e só indicarem para as listas um grupo restrito de candidatos e concorrentes em cada distrito. Os opositores afirmam que a Câmara dos Deputados se tornaria uma grande Câmara Municipal, sem a discussão de temas relevantes de interesse nacional.

3.3 APLICABILIDADE DAS REFORMAS PARA AS ELEIÇÕES DE 2018

O relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresentou uma proposição em que mantém o sistema eleitoral atual para 2018 e 2020 e estabelece que o sistema de voto distrital misto, que combina voto majoritária e em lista preordenada, deverá ser regulamentado pelo Congresso em 2019 e, se regulamentado, passaria a valer para as eleições de 2022. Contudo, houve alteração no seu projeto inicial quando o relator mantinha o sistema eleitoral atual para as eleições do próximo ano, 2018, e sugeria a adoção do voto distrital misto, que combina voto majoritário e em lista preordenada, a partir de 2020.[60]

Vicente Cândido não incorporou a sugestão de adotar o chamado 'distritão”, pelo qual vence o candidato mais votado no distrito, como já explicado anteriormente, como um modelo de transição até 2022. O relatório está sob discussão na comissão especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77/03, que pode votar ainda nesta quarta-feira se aceita ou não o parecer. Se aprovado, a proposta segue para plenário.

A PEC 77/03 é uma das três propostas que compõem a reforma política em discussão atualmente na Câmara. De acordo com o parecer do relator, o voto distrital misto será adotado para a eleição dos cargos de deputados federal, estadual e distrital e vereador nos municípios com mais de 200 mil eleitores. O sistema de lista preordenada seria adotado nas cidades com menos de 200 mil eleitores.[61]

Pelo sistema misto, o eleitor vota duas vezes: uma na lista preordenada pelo partido de interesse e outra no candidato de seu distrito. Os votos recebidos pelo partido são contabilizados de forma proporcional e indicam o número de cadeiras a que tem direito. Os votos nos candidatos dos distritos é contabilizado de forma majoritária, considerando metade das cadeiras.

Segundo o substitutivo apresentado por Vicente Cândido, o resultado final é calculado a partir da combinação entre os dois resultados parciais, sendo garantida a eleição dos representantes mais votados nos distritos. O sistema distrital misto sugerido na PEC é parecido com o que é adotado na Alemanha, mas, segundo o deputado, foi adaptado à realidade brasileira para prevenir possíveis distorções. Na PEC, o relator combinou o sistema distrital com um mecanismo majoritário proporcional.[62]

Em seu parecer, Cândido justifica que a escolha pelo voto distrital misto visa anular a possibilidade de eleição de candidatos com poucos votos, o que ocorre com frequência no sistema atual pelos chamados "puxadores de voto". Para valer em 2018, o Congresso deve votar as mudanças na legislação eleitoral até 7 de outubro seguindo prazo eleitoral para sua vigência.

3.4 AS EXPERIENCIAS NO DIREITO COMPARADO

O voto distrital é utilizado no Reino Unido e, sobretudo, nas ex-colônias britânicas (EUA, Canadá, Índia e Bangladesh). Porém, em virtude de inúmeros problemas, inclusive apresentados ao longo do nosso trabalho, o movimento das reformas eleitorais no mundo todo tem sido na direção de abandonar esse modelo.[63]

O Reino Unido, matriz do modelo majoritário, já usa a representação proporcional com lista fechada nas eleições para o parlamento europeu, e variante do sistema misto para eleger representantes do parlamento da Escócia, do País de Gales e de Londres.[64] Nos últimos anos, duas comissões especiais propuseram o abandono do voto distrital no Reino Unido. O diagnóstico é que o sistema distorce a representação partidária de maneira grave, o que seria inadmissível nas modernas democracias.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Doravante o exposto, o que se pode perceber e que a reforma constitucional visa trazer diferentes enfoques, interpretações e mutações no seu texto constitucional. Todavia, parece que o voto distrital não aparece como uma solução para o cenário nacional. Nesse sistema, é possível que quase metade de uma região ou de um estado fique sem representação. É certo, pois, que dessa forma as minorias de qualquer natureza – seja étnica, religiosa, cultural, de gênero ou opinião – sejam mitigadas e possuam considerável dificuldade para eleger representantes.

Além disso, como a disputada dos votos está baseada na territorialidade, o conteúdo político fica em plano secundário, predominando a discussão dos problemas concretos e de quem tem “mais capacidade” de resolvê-los, diminuindo, portanto, o cunho ideológico das eleições. E pior, no voto distrital, estar filiado chega a ser irrelevante, uma vez que os candidatos não precisam do partido para se eleger e apenas a votação do próprio candidato é relevante, tanto é que nesse modelo é permitida a candidatura avulsa.[65]

Por fim, os defensores do voto distrital dizem que ele aproxima o eleitor do eleito. Os estudos científicos sobre o assunto mostram que não há diferença nesse aspecto no que diz respeito aos sistemas eleitorais. A afirmação de que o voto distrital torna o representante mais próximo do representado não se sustenta pelas evidências empíricas.[66]

Vale ainda salientar que a redução necessária do número de partidos, bipolarizandos, fere o fundamento do pluralismo político e partidário presente no Art. 1º, V da Carta Cidadã de 88. Percebe-se, por fim, as reais e práticas consequências caso o Brasil adotasse o voto distrital. Não devemos adotar um sistema que está se tornando defasado em outros países.

Faz-se necessária, sim, uma séria análise do sistema proporcional a fim de que seja aperfeiçoado e alcance gradativamente um sólido sistema multipartidarista. São de clareza solar as inúmeras falhas do atual sistema e sua iminente necessidade de reformas, mas como exposto, o voto distrital não se apresenta como opção viável diante da atual conjuntura de Estado Democrático de Direito em que se apresenta o Brasil.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
André De Jesus

Advogado, assessor parlamentar, professor universitário. Sou especialista em direito público e eleitoral, mestrando em Ciências da Educação e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires.

Informações sobre o texto

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