2 FEDERALISMO
2.1 Origem
O Federalismo teve sua origem nos Estados Unidos da América. Após a independência das treze colônias, estas se reuniram em uma confederação, mantendo cada qual sua independência, mas comungando esforços para juntas enfrentarem a Inglaterra.
Ocorre que esta confederação tinha como uma das suas características o direito de secessão, ou seja, o direito de retirada, acarretando o enfraquecimento desta união, dentre outras fragilidades.
No intuito de se fortalecerem perante a coroa inglesa e solucionarem outras dificuldades do modelo adotado, reuniram-se numa Federação e estruturaram as bases de um Estado Federado. Gonet Branco[8] explica as outras fragilidades existentes na confederação e que levaram ao surgimento da federação:
(...) Cada entidade componente da confederação retinha a sua soberania, o que enfraquecia o pacto. As deliberações dos Estados Unidos em Congresso nem sempre eram cumpridas, e havia dificuldades na obtenção de recursos financeiros e humanos para as atividades comuns. Além disso, a confederação não podia legislar para os cidadãos, dispondo, apenas, para os Estados. Com isso não podia impor tributos, fincando na dependência da intermediação dos Estados confederados. As deliberações do Congresso, na prática, acabavam por ter a eficácia de meras recomendações. Não havia, tampouco, um tribunal supremo, que unificasse a interpretação do direito comum aos Estados ou que resolvesse juridicamente diferenças entre eles.
Dirley da Cunha Junior apresenta sinteticamente a origem da federação:[9]
A federação nasceu com a Constituição norte-americana de 1787, em razão do fracasso do modelo de confederação anteriormente adotado. Explica-se melhor. Após a independência das treze colônias inglesas na América do Norte, essas ex-colônias, agora Estados soberanos, reuniram-se, em 1781, como uma Confederação (quando foi assinado o tratado artigos de confederação),que durou até 1787, dada as dificuldades e conflitos surgidos no desenvolvimento desse modelo de união. Preocupados em corrigir distorções e os prováveis erros que malograram o modelo escolhido, os Estados confederados se reuniram, em importante convenção, para discutir as soluções necessárias. Depois de muita reflexão e de trabalhos escritos, nasce uma proposta simples, porém ousada: substituir a Confederação de Estados soberanos por uma Federação de Estados autônomos, na qual a nova forma de aliança fosse indissolúvel e protegida por uma Constituição escrita e rígida. Surge, assim, na Convenção de Filadélfia, em 1787, sob proteção de uma Constituição rígida – a primeira Constituição escrita no mundo – a Federação norte-americana, com a união definitiva daqueles vários Estados em torno de um interesse comum, formando um novo Estado, um Estado Federal, os Estados Unidos da América. De verificar-se que na formação da Federação norte-americana, os Estados então soberanos, abdicaram de suas soberanias em favor do novo Estado criado a partir da união, porém mantiveram-se titulares de ampla autonomia política.
A criação da forma federativa pelos Estados Unidos da América serviu de exemplo para outros países e se espalhou para o mundo. E apesar de apresentar peculiaridades em cada país, estes adotam em linhas gerais o modelo norte-americano.
2.2 Surgimento do Federalismo no Brasil
O federalismo foi adotado como forma de Estado no Brasil desde 1889, inicialmente de forma provisória, através do Decreto nº 1 de 15 de novembro de 1889 e após, definitivamente, com a Constituição de 1891, mantendo-se proclamado em todas as constituições que se seguiram, inclusive a Constituição Federal de 1988. Dirley da Cunha Junior[10] ensina que mesmo antes do Decreto nº 1, o ideal federalista já estava entre nós:
(...) O ideal federalista sempre existiu entre nós, desde a independência do Brasil. Não foram poucas as manifestações políticas pelas quais se intentou a consagração de um modelo de Estado, onde convivessem mais de um governo compartilhando o poder político sobre o mesmo território. Na primeira revisão a que se submeteu a Carta de 1824, por meio do Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, foi posta em prática a pretensão de descentralizar o poder do comando central do Império em favor da autonomia das províncias. Foram criadas as Assembléias Legislativas Provinciais dotadas de competência legislativa, esboçando-se aí uma reação ao poder centralizador do Império, com idéias descentralizadoras ou federalistas, que foram posteriormente sufocadas com a chamada Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 12 de março de 1840, de forte orientação conservadora.
Enrique Ricardo Lewandowski traça importante linha evolutória do federalismo no Brasil. Vejamos:[11]
(...) É interessante observar que a Federação brasileira, ao longo de sua história, tem alternado momentos de grande descentralização com outros de exagerada centralização, obedecendo a um movimento pendular. Períodos houve em que os entes federados foram enormemente prestigiados, como ocorreu logo após a adoção dessa forma de organização estatal, contrastando com outros em que grande parte das competências e dos recursos foram concentrados ao nível da União, tal qual aconteceu na longa fase de exceção vivida a partir do movimento político-militar de 1964, e que se encerrou com a promulgação da Constituição de 1988.
De fato, de 1891 até a Revolução de 1930, a Federação viveu um período em que os seus integrantes gozaram de uma enorme autonomia, chegando alguns intelectuais e políticos a temer o esfacelamento do País. Aliás, chegou-se a extremos de levar a autonomia não apenas aos Municípios, mas também aos distritos, conforme previa a Lei de Organização Municipal de Minas Gerais de 1891.
(...) Com a Revolução modernizadora de 1930, que deu início ao processo de industrialização no País, o federalismo brasileiro chegou a uma centralização exagerada até para os padrões vigentes durante o império, estruturado como Estado Unitário. Os dramáticos acontecimentos políticos, dentre os quais se destaca o movimento armado de 1932 em São Paulo, e as profundas mudanças socioeconômicas que então ocorreram eclipsaram as frágeis franquias democráticas e os incipientes avanços no sentido de fortalecimento dos entes federados que foram conquistados sob a égide da Carta Magna de 1891. De 1930 até 1934, data do advento da nova Constituição, os Estados foram governados por interventores do Governo Federal. A Constituição de 1934, porém, especialmente em virtude das pressões exercidas pelos movimentos constitucionalistas, com destaque para a Revolução Paulista e 1932, revigorou o princípio federativo. Esse diploma, que num curioso hibridismo conjugava o liberalismo político com o reformismo econômico, reproduziu, em linhas gerais, a estrutura federal da chamada República Velha, isto é, a do regime constitucional anterior a 1930.
Em 1937, com o denominado Estado Novo e a ditadura de Getúlio Vargas, ocorreu nova centralização, registrando-se, na prática, a alteração da própria estrutura estatal, num retorno extemporâneo ao unitarismo, embora formalmente a Carta então outorgada, em seu art. 3º, estabelecesse que o Brasil constituía uma federação. A pretexto de imprimir maior racionalidade e eficácia à ação do Estado, a autocracia getulista reprimiu qualquer forma de manifestação política espontânea, liquidando também com o que considerava “divisionismo federativo”.
Essa situação perdurou até 1945, verificando-se nesse interregno total eclipse do federalismo brasileiro. Apenas com a derrubada do Estado Novo e a promulgação da Constituição de 1946, na esteira do processo de democratização que se seguiu ao término da Segunda Guerra Mundial, em escala planetária, é que o princípio federativo voltou a imperar novamente no país.
Com efeito, sob a égide da Carta Magna de 1946, não só se restaurou e ampliou a autonomia dos Estados e Municípios, como também se registrou um razoável equilíbrio entre os Poderes, instaurando-se ainda um pluripartidarismo atuante, com eleição para todos os cargos eletivos da República. A partir da promulgação da nova Constituição, logrou-se obter no Brasil quase vinte anos de normalidade institucional, sem, inclusive, ocorresse qualquer intervenção federal nos Estados, salvo a decretada em Alagoas, mas mesmo assim executada sob a égide do Poder Judiciário, e sem que fossem afastadas de seus cargos as autoridades estaduais legitimamente eleitas.
A centralização do sistema federativo brasileiro atingiu, sem dúvida, o seu ápice após 1964, notadamente depois da edição da Constituição de 1967, cujos preceitos, nesse particular, foram basicamente reproduzidos na Carta de 1969. De fato, o Estado no Brasil, em que pese a retórica liberal dos militares que se sucederam no poder, caracterizou-se, a partir de então, por uma ingerência crescente nos campos econômico e social, levada a efeito, de forma predominante, através da União, que restou aquinhoada com grande parte das competências conferidas aos Estados-membros, os quais viram reduzidas, de forma drástica, os seus poderes residuais. Melhor sorte não coube aos Municípios, que, à semelhança dos Estados, passaram ainda a padecer de uma crônica carência de recursos, concentradas em nível federal, dentre outros problemas.
(...) Com a Constituição de 1988, porém, verificou-se novamente a descentralização do sistema, de modo consistente com o movimento pendular que caracteriza o federalismo brasileiro.
Das traçadas linhas evolutivas, fica cristalino que o ideal federativo sempre existiu entre nós, e mesmo nos momentos de repressão à população, apesar de mitigado, não deixou de existir. O povo brasileiro desde sempre ansiou pela federação e seus corolários, lutando e a efetivando quando da proclamação da Constituição Federal de 1988.
2.3Conceito e características do Federalismo
A Federação é uma forma de Estado decorrente da união de vários Estados, que abrem mão de sua soberania em prol do Estado a ser formado, conservando, porém sua autonomia.
No Estado Federal temos um ente central que é soberano e representa o país internacionalmente, e vários Estados federados autônomos, cada qual com competência administrativa e política. É fundamental para a caracterização desta forma de Estado a descentralização política e administrativa, ou seja, a capacidade de legislar, de se auto-organizar e de se auto-administrar. Ademais, a descentralização deve estar proclamada em uma Constituição Federal, que possua como norma imutável o pacto federativo, para garantia da sua manutenção.
Outrossim, é marcante no Estado Federal a ausência do direito de secessão, uma vez que esse decorre da união indissolúvel de seus membros. A Constituição Federal prevê como mecanismo para a manutenção da indissolubilidade a Intervenção Federal, instrumento posteriormente analisado.
Ademais, as entidades autônomas devem possuir capacidade financeira, seja através da própria arrecadação ou de repasses do ente central, assegurados na Constituição Federal. Somente pode se falar em autonomia havendo independência econômica.
Apresenta-se também como característica do Estado Federal, a exigência da participação dos estados federados na formação da sua vontade, fato que se dá através de um órgão representativo. Essa característica é bem sintetizada por Michel Temer[12]: “cada qual das unidades federadas deve participar, com sua manifestação, da vontade federal. Assim ocorrendo, as deliberações do órgão federal constituem, em verdade, a soma das decisões emanadas das vontades locais.”
Por fim, em um Estado Federal temos que ter um órgão constitucional como guardião da Constituição Federal e consequente competência para o controle de constitucionalidade das leis, visando garantir o pacto federativo contra ataques explícitos ou implícitos, bem como para solucionar qualquer divergência entre os entes que o compõe.
2.4Classificação dos tipos de federalismo
O federalismo pode ser classificado tendo em vista diversos critérios. Vejamos a classificação sistematizada por Marcelo Novelino[13]:
Quanto à relação entre os entes federativos:
Dualista: caracterizado pela repartição horizontal de competências constitucionais nas duas esferas de poder, estabelece uma relação de coordenação entre a União e os Estados. É o federalismo clássico norte-americano adotado, sobretudo, nos séculos XVIII e XIX.
De integração: Tem como nota caracterizadora a sujeição dos Estados-membros à União (relação de subordinação).
Cooperativo: A idéia do federalismo cooperativo vem ganhando destaque como uma tentativa de minorar – através da colaboração entre União, Estados e Municípios – as dificuldades advindas das distribuições de competência no Estado Federal. Consagra a idéia de competências verticais, caracterizando-se pelo exercício coordenado das competências federais e estaduais, sob a tutela da União. Deve ser entendido como uma “fórmula geral” para melhor cooperação entre os entes federativos (...)
Quanto à concentração do poder Centrípeto: Caracteriza-se pelo fortalecimento do poder central.
Centrífugo: Tem por finalidade preservar o poder dos Estados-membros. Surgiu como uma forma de reação ao fortalecimento excessivo do entre central.
Quanto à sistematização da repartição de competências
Simétrico (ou homogêneo): Segundo Raul Machado Horta, esta espécie se caracteriza pela rigorosa sistematização da repartição de competências na qual, ao lado de um ordenamento jurídico central, existem ordenamentos jurídicos parciais, com normas federais (União) e locais (Estados-membros). A Constituição, como fonte da repartição de competências, comanda o funcionamento desses ordenamentos. A simetria federativa revela uma homogeneidade caracterizada por algumas técnicas – como a repartição de competências entre governo central e governos locais e a organização bicameral do Poder Legislativo Federal -, órgãos – Poder Judiciário duas (Estados e União); Poder Constituinte Originário e Poder Derivado Decorrente – e instrumentos – como a intervenção federal nos Estados-membros visando assegurar a integridade territorial.
Assimétrico (ou heterogêneo): É aquele que rompe com as linhas definidoras do federalismo simétrico, podendo consistir em deformações de estilo e de regras federais, em razão do funcionamento do sistema federal. A assimetria pode ser visualizada em vários dispositivos de nossa Constituição que reconhecem as diferenças e buscam o equilíbrio ou a diminuição das desigualdades.
A Constituição brasileira de 1988 adota como regra o federalismo simétrico, possuindo cada Estado federado idêntica parcela de poder. Excepcionalmente, o Brasil adota o federalismo assimétrico, visando atender as peculiaridades de cada Estado. Ademais, adotamos um federalismo cooperativo, pois existem pontos de convergência entre a competência dos entes. A Constituição expressamente prevê competências concorrentes. Por fim, o Brasil decorre de um federalismo centrífugo, como examinado no item seguinte.
2.5Diferença quanto ao surgimento do Federalismo norte-americano e brasileiro
Cabe destacar que embora o Brasil tenha se inspirado no federalismo norte-americano, existe uma grande diferença entre estes. Conforme aponta a doutrina o Federalismo norte-americano surgiu por agregação, ou seja, vários Estados Soberanos abdicaram de sua soberania, reservando para si apenas autonomia para formar um Estado único Soberano.
Por outro turno, no Brasil o federalismo surgiu por desagregação, isto é, tínhamos um Estado Unitário, com concentração total do poder, que se desmembrou em vários entes autônomos e um ente central soberano decorrente da união destes.
2.6Estrutura do Estado Federal Brasileiro
Nos termos do art. 1º, ratificado pelo art. 18, ambos da Constituição Federal, o Brasil adotou um modelo de Estado Federal composto pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, todos autônomos. A Constituição Federal reservou competência para cada um destes entes, de modo a garantir-lhes a autonomia.
Cumpre ressaltar, que a União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios tem natureza jurídica de pessoa jurídica de direito público interno. E que, a união dos entes federados formam a República Federativa do Brasil, ente soberano, dotado de natureza jurídica de pessoa jurídica de direito público internacional, sendo que cabe a União representar a república brasileira. Celso Ribeiro Bastos leciona que[14]:
República Federativa do Brasil é o nome que se dá ao todo, quer dizer, à resultante do poder central mais os poderes locais ou regionais. O Texto Constitucional chama-se Constituição da República Federativa do Brasil, exatamente porque se preocupa em organizar e dar as linhas mestras do Estado Brasileiro.
Do ponto de vista interno, esse Estado se expressa basicamente através de duas ordens jurídicas (há uma terceira, a dos municípios, da qual falaremos mais adiante) que são, de um lado, a União e, de outro, Estados-Membros ou os Estados federados, ou simplesmente Estados.
A União é, portanto, uma pessoa jurídica de direito público dotada de autonomia, vale dizer, ela pode atuar dentro dos limites que a Constituição lhe outorga, da mesma maneira que os Estados-Membros também são autônomos. A autonomia recíproca entre os Estados-Membros e a União é a essência do princípio federativo. Com relação a quem seria soberano dentro do Estado Federal já muito se discutiu. Houve época em que se entendeu fossem os Estados-Membros os soberanos. Em outras ocasiões preferiu-se dizer que a soberania caberia simultaneamente aos Estados-Membros e a União. Hoje, prevalece a doutrina segundo a qual soberano é o Estado total, é a República Federativa do Brasil, que expressa sua soberania na ordem internacional através dos órgãos da União.
Falamos há pouco dos municípios. É este um ponto importante na compreensão do federalismo brasileiro, porque se contemplarmos a doutrina sobre federação nunca vamos encontrar referência aos municípios, considerados um problema dos Estados-Membros que a eles outorgam, ou não, autonomia segundo seu talante, ou segundo a sua vontade.
Mas no constitucionalismo brasileiro tal não ocorre. Os municípios também desfrutam de uma autonomia similar à dos Estados-membros, visto que não lhes falta um campo de atuação delimitando, leis próprias e autoridades suas. Isso dá ao nosso município a qualidade de autônomo e, mais do que isso, autônomo por força da própria Constituição.
Da análise da Constituição Federal de 1988 resta claro que a República Federativa do Brasil é composta pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Todavia, não se trata de simples união, mais união indissolúvel. Para garantir a indissolubilidade desta união, a Constituição previu o instrumento da Intervenção Federal.
A intervenção federal, além de possuir como uma de suas hipóteses autorizadoras a manutenção da integridade nacional, prevê outras hipóteses que de algum modo implicam em ofensa ao princípio federativo. Passemos ao estudo da intervenção federal.