O princípio da vinculação ao instrumento convocatório é corolário do princípio da legalidade e da objetividade das determinações habilitatórias. Impõe à Administração e ao licitante a observância das normas estabelecidas no Edital de forma objetiva, mas sempre velando pelo princípio da competitividade.
Deve-se interpretar os preceitos do ato convocatório em conformidade com as leis e a Constituição. Afinal, é ato concretizador e de hierarquia inferior a essas. Antes de observar o Edital e condicionar-se a ele, os licitantes devem verificar a sua legalidade, legitimidade e constitucionalidade. Alocamos o Edital como derradeiro instrumento normativo da licitação, pois regramenta as condições específicas de um dado certame, afunilando a Constituição, as leis, e atos normativos outros infralegais. Porém, não poderá contraditá-los. Afinal, o Edital, diríamos, antes da execução contratual, seria o derradeiro ato de substancialização da Constituição e das Leis.
Destacamos o seguinte: o Edital do certame não pode ir de encontro com as leis que tratam do mesmo assunto em virtude da hierarquia existente. Deve tratar tão somente de coisas específicas relativas ao certame. Deve, ainda, haver total intersecção com as normas de hierarquia superior. Não pode tratar, portanto, de assuntos que imponham obrigações e deveres não constantes nas leis em virtude do inciso II do art. 5º da Constituição Federal.
Os Editais também não podem tratar de forma distinta a atividade econômica legalmente regulamentada. A empresa, como atividade econômica, possui regras, e tais não podem ser interpretadas ou tratadas de forma distinta pelo Edital. Referido princípio impõe à Administração não aceitar qualquer proposta que não se enquadre nas exigências do ato convocatório, desde que tais exigências tenham total relação ou nexo com o objeto da licitação, bem como com a lei e a Constituição. Vejamos que esta é essência do princípio.
Dessa maneira é princípio que vincula tanto a Administração quanto os interessados, desde que, como salientado, as regras editalícias estejam em conformidade com a lei e a Constituição. Conforme o art. 3º da Lei nº 8.666/93, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Apesar da vinculação do licitante ao Edital, verificamos que, decorrente do princípio da legalidade, a vinculação ao instrumento é uma regra que tem mais imposição à própria Administração, em vista de ser um ato criado praticamente de forma unilateral por esta. Significa que as regras estipuladas no edital que infrinjam direitos dos interessados deverão ser rechaçadas. Se tais regras obrigarem tão somente a Administração, esta deverá observá-las de forma estrita, pois não poderá alegar ou voltar a norma em benefício próprio decorrente da própria torpeza, pois criou-a de forma unilateral.
Qualquer erro que favoreça, por exemplo, o licitante, a Administração não poderá, opinativamente, argumentar efeitos retroativos, haja vista a boa-fé e a culpa única e exclusiva da Administração. Quando se elabora erroneamente um ato convocatório que, em princípio, favoreça a empresa contratada, a Administração terá o poder de autotutela para corrigir o erro, mas não poderá prejudicar o contratado ou licitante, argumentando, por exemplo, enriquecimento, pois as regras foram estabelecidas pela Administração, e a licitante ou contratada não poderá pagar pelo erro administrativo. Obviamente que o erro antieconômico poderá ser sanado, mas com efeito ex nunc, ou seja, a partir de então ou a partir da retificação.
Quando se falar em vinculação ao instrumento convocatório, há uma regra de obrigatoriedade para que a autoridade não omita regras e condições impostas para a participação e execução do contrato. Assim, o Edital desce às minúcias, não podendo ser abstrato a ponto de haver interpretações dúbias. No caso concreto é que se analisará a possibilidade de algum juízo valorativo quanto à forma de prestação de dado serviço, por exemplo. Determinadas mudanças, quando o fim é atingido, poderão estar protegidas pela instrumentalidade das formas, desde que a boa-fé e a ausência de prejuízo para as partes estejam presentes.
Evidenciamos: qualquer quebra do nexo de relação entre o Edital e suas exigências, o objeto da licitação e a execução dos serviços ou aquisição de bens, ensejará a desvinculação ao ato convocatório. Logo, haverá quebra de referido princípio. Precisamos ressaltar que, quando as exigências do ato convocatório forem ilegais, desproporcionais, inconstitucionais, enfim, passíveis de nulidade, a Administração e o licitante não estão obrigados a cumpri-las.
Sob o aspecto do licitante, quando houver vantagem desproporcional para esse, a Administração anulará a cláusula ou condição com efeito ex nunc. Erro crasso da autoridade, comissão ou pregoeiro, é a desclassificação de licitante sem base no instrumento convocatório, por exemplo, desclassificação de licitante argumentando ausência de qualificação técnica não exigida no ato convocatório. Importante, assim, a observância dos critérios de julgamento. O ato convocatório legal e constitucional dificilmente será objeto de qualquer tipo de instrumento de impugnação. Logo, é possível a publicação de Edital destituído de vícios insanáveis. Para isso, a legalidade, a razoabilidade, além do bom senso devem se fazer presentes.
O principal artigo da norma geral de licitação referente à vinculação ao ato convocatório é o art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada. O § 4º do art. 41 da Lei nº 8.666/93 é muito incisivo é inquisitivo. A inabilitação irregular, por exemplo, não poderia gerar ou importar na preclusão do direito de participar das fases subsequentes. No pregão eletrônico, por exemplo, a inabilitação gera um efeito quase irreversível para o empresário licitante. Imaginemos um licitante que tenha ofertado o melhor lance, tenha disponibilizado todos os documentos indispensáveis para a execução do contrato (documentos de habilitação e qualificação técnica) e que efetivamente teria condições de executar o objeto. Imaginemos a sua inabilitação destituída de razoável fundamentação, ou mesmo edital que seja tendencioso, que exija qualificação técnica que somente uma ou poucas empresas possua. Inabilitada a empresa, e precluído o seu direito, pela ordem de classificação logo outra empresa será chamada, apresentará a documentação conforme e erroneamente exigida pelo Edital e será adjudicada no objeto. Em pouco tempo estará assinando o contrato. Enquanto isso, os recursos administrativos, em tese, de nada valem, em vista de se ter arraigados na concepção do órgão determinados posicionamentos. Raramente o superior hierárquico a que foi dirigido o recurso administrativo fará nova fundamentação para reverter a situação do licitante. Quando este propõe ação judicial, dificilmente se concede liminar e no julgamento do mérito argumentam que o erro teria um nível inferior ao prejuízo que poderá ser ocasionado à administração se se conceder, por exemplo, o Mandado de Segurança, por meio do qual se pleiteia a adjudicação do objeto por empresa que tivesse direito líquido e certo, pois teria apresentado todos os documentos que deveriam se exigidos para a execução do objeto contratual. Além disso, não podemos esquecer que tais empresas, na maioria das vezes, possuem os mesmos contratos com outros órgãos da administração, às vezes, da mesma esfera política, que não exigiram determinada qualificação, dispensável para a execução do serviço ou venda de bens.
Assim, não somos a favor de posicionamento que diz que nem mesmo o vício do edital justificaria pretensão de ignorar a disciplina por ele veiculada. Ora, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que seja contrário à lei, à Constituição e à razoabilidade (nesse caso, deve-se questionar).
Não podemos elevar o Edital ao posto de norma suprema da licitação. A norma suprema da licitação é a Constituição Federal, que possui preceitos e princípios de observância obrigatória a todas as pessoas, órgãos e entidades públicas. Assim, acreditamos que a autoridade competente pode extirpar exigência ilegal e desproporcional constantes nos atos convocatórios, de ofício ou mesmo em resposta aos pedidos de esclarecimento ou impugnações, com base no poder de autotutela. Caso não o faça de ofício poderá o interessado provocar o reparo (§ 1º do art. 41). Não concordamos com a redação do § 2º do art. 41. A decadência do direito à impugnação do edital no prazo estipulado é regra limitativa do direito subjetivo ao devido procedimento licitatório. Explicamos. Em regra, os empresários não dão a importância devida ao corpo jurídico e se garantem tão somente na pessoa que ficará encarregada de preparar, organizar, estar à frente da disputa no certame. No pregão, é o pregoeiro do fornecedor. Muitas regras editalícias podem ensejar a restrição da competitividade ou mesmo o direcionamento doloso. A quebra de tais princípios não pode sofrer a punição decadencial.
Por isso, importante a análise minuciosa do Edital pelo empresário. Absurdo o entendimento de que qualquer vício deve ser objeto de imediato protesto (se ele for oculto ou obscuro, passando desapercebido?) sob pena de constituir obstáculo a questionamento posterior. Não há lógica jurídica aceitar cláusulas editalícias que firam a Constituição e seus princípios, sob o argumento do cumprimento da vinculação ao instrumento convocatório. Atos dessa natureza são nulos. Não podem sofrer a restrição da decadência, ainda que ninguém os alegue, em princípio. É questão de direito e não de fato. Tal vício macula o certame desde do início. Correta a posição de Marçal Justem Filho ao prescrever que a ausência de questionamento ou de impugnação não elimina a nulidade. Não vemos a possibilidade de convalidação de vícios que firam os princípios estruturantes da licitação. Não podemos taxá-los de sanáveis. Não haveria, em princípio, vício anulável em se tratando de burla aos princípios básicos estruturantes da Administração e do Direito Licitatório.
A vinculação ao instrumento convocatório só possui efeitos quando tal instrumento tiver respaldo legal e constitucional. As Consultorias Jurídicas exercem importante papel nessa seara tecendo pareceres com ponderações e retificações (parágrafo único do art. 38 da Lei Geral de Licitação). Porém, se voltam à proteção jurídica da Administração. Significa que, como advogados, obviamente tendem à tutela do interesse da Administração. O interessado deve ater-se ao valor substancial e determinante da regra prescrita no edital. Às vezes, um mero item poderá ensejar a nulidade de todo ato convocatório. Um único item é capaz de burlar todos os princípios assecuratórios do devido processo licitatório. Presenciamos exigências editalícias que burlaram gritantemente todos os princípios constitucionais administrativos. Exemplo seria, em sentido amplo, exigência em nada relacionada com o objeto licitatório, como uma dada autorização de um dado órgão público que não se relacione com o serviço objeto da licitação. Assim, teríamos burla ao princípio da legalidade, impessoalidade, isonomia, caráter competitivo do certame etc. Vejamos que uma mera exigência é capaz de macular todo o certame. O princípio da vinculação ao edital é amplo, abrangendo vinculação às regras da Constituição, da Lei Geral da Licitação, das leis específicas relativas ao objeto licitatório, enfim, da observância do devido procedimento licitatório.
A Administração e o licitante devem verificar se o instrumento convocatório se encontra dentro da constitucionalidade e legalidade exigida. Antes da vinculação ao ato convocatório, existe a vinculação às leis e à Constituição Federal. Administração, licitantes, interessados e contratados, todos estão delimitados pelas condições presentes no instrumento convocatório, desde que este não esteja em desconformidade com os instrumentos normativos de hierarquia superior (art. 41 da Lei n. 8.666/93).