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Economia política do desenvolvimento sustentável

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09/04/2018 às 15:40
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O artigo busca um paralelo entre os pensamentos de Gabriela Scotto e Theotonio dos Santos acerca do conceito de desenvolvimento sustentável, contrastando tais análises com o atual panorama da legislação brasileira sobre lixo eletrônico (e-waste).

Resumo: O artigo em tela busca o estabelecimento de um paralelo entre os pensamentos de Gabriela Scotto (2008, 2016), no campo da Antropologia; e de Theotonio dos Santos (1993, 2000, 2011, 2013), na área da Economia, acerca do conceito de desenvolvimento sustentável e suas implicações históricas, contrastando tais análises com o atual panorama da legislação brasileira sobre e-waste (lixo eletrônico).

Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Economia. Antropologia. Legislação. E-waste.


Introdução

Em minha tese de doutoramento (Moura, 2017), utilizei como base a análise da professora Gabriela Scotto (2008, 2016) com o fulcro de, a partir de uma abordagem antropológica, não apenas buscar uma desmistificação do conceito de sustentabilidade, mas, mediante um revigorar de seu histórico de construção social, estabelecer parâmetros entre o que se espera, no senso comum, acerca de sua efetividade; e do que, de fato, foi construído a seu redor no cenário ocidental.

No mesmo trabalho, procurei identificar problemas na legislação brasileira referente ao tema da sustentabilidade, tendo um dos focos na abordagem do e-waste (lixo eletrônico), assunto em relação ao qual nosso direito é basicamente silencioso, tendo em vista o diminuto trabalho do Poder Legislativo em apresentar e aprovar matérias referentes a uma lógica de regulação do assunto.

O artigo em tela busca agregar às reflexões acima apresentadas, as ideias do professor Theotonio dos Santos (1993, 2000, 2011, 2013) acerca do papel da sustentabilidade numa escala de desenvolvimento da América Latina e do Brasil no cenário mundial contemporâneo.

O economista brasileiro, Theotonio dos Santos, é professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF), professor visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), presidente da Cátedra da Unesco e da Universidade das Nações Unidas (UNU/ONU) sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável. Em suas obras, pelo menos desde a década de 1990, tem defendido teses sobre o tema da sustentabilidade, aplicada à realidade latino-americana e brasileira, mais especificamente.

O estudioso foi perseguido pela ditadura militar brasileira, tendo, em seu segundo exílio, no México, a partir de 1974, contribuído fortemente para o desenvolvimento do tema da economia mundial e das questões do desenvolvimento sustentável, através da produção de várias obras ali escritas.

Esperamos que o paralelo e as conexões que nestas linhas buscaremos traçar, ajudem na contextualização histórica e antropológica do conceito em questão, tendo em vista alertar o ambiente acadêmico para a necessidade de uma reformulação do tema, na área do direito, no caso de se desejar trazer, para o universo da política econômica nacional, práticas sustentáveis de fato, e não apenas no âmbito do discurso.


1.O conceito de desenvolvimento sustentável.

A ONU criou, no início da década de 1980, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, convocando Gro Harlem Brundtland, então Primeira-Ministra Norueguesa, para discutir o tema. O sobrenome da chanceler acabou batizando, ainda que informalmente, o relatório sobre o assunto, publicado em 1987, no qual constam as mais usuais – e uma das primeiras – definições do termo sustentabilidade.

De acordo com o estudo, o conceito liga-se diretamente a um significado de desenvolvimento econômico que preze pela não-agressão ao meio ambiente. O foco seria a utilização dos recursos naturais de forma ordenada e inteligente, tendo em vista a satisfação das necessidades do presente, sem prejuízo das do futuro (ONU, 1987).

Silva (1999) nos recorda que os conflitos entre os benefícios e os malefícios do desenvolvimento encontram-se no cerne da discussão, mesmo porque o discurso da sustentabilidade busca, basicamente, encontrar um elo de equilíbrio e ligação entre os dois polos opostos do próprio desenvolvimento industrial – por isso o termo desenvolvimento (avançar/progresso) sustentável (controlar/preservação).

Para a autora, existe de fato “uma equação entre a visibilidade do risco” e os benefícios que o mesmo pode trazer. Para isso, se utiliza dos conflitos pela implantação da usina nuclear no Frade, na qual observa que os participantes das discussões, ao mesmo tempo, temem os efeitos danosos possíveis da usina, mas celebram a oferta de empregos como positiva, trazendo à tona a ambiguidade patente das discussões ambientais.

O pensamento em questão, cabe lembrar, recorda a tese de Beck sobre a atração do risco pela pobreza. Como as populações mais pobres precisam mais dos benefícios financeiros do desenvolvimento industrial, parece necessário sublimar o risco, deixando que ele se aproxime, denotando a tese de que “a história da distribuição de riscos mostra que, como a riqueza, os riscos aderem aos padrões de classes, mas inversamente: riqueza acumula no topo, risco na base” (Beck, 2010: 35). Neste caso, a empregabilidade nas classes mais pobres legitima os efeitos danosos do desenvolvimento industrial, como a poluição e outros riscos ambientais (Acselrad, 1996).

Mais do que uma discussão conceitual, a noção de sustentabilidade criou um público consumidor, conforme defende Dias (2011). O autor denomina consciência ambiental aquilo que se formou em reflexão que varreu boa parte do mundo, tornando factível a existência de uma nova gama de consumo – a dos consumidores verdes.

A criação e manutenção deste novo nicho de mercado, tendo em vista uma taxa de lucratividade considerável, requer estratégias do setor empresarial. Para Leite Lopes (2006) tal tema se prende ao que denomina universo de ambientalização, que envolve “a violência doce do uso da linguagem”, trabalhando com procedimentos “ambientalmente corretos” no âmbito do que denomina “dominação empresarial”, que, entretanto, é exercida de forma “socialmente irresponsável”. Por outro lado, deixando o âmbito analítico e migrando ao campo de militância, é preciso notar que o universo da linguagem e do discurso aparece como fundamental na relação entre propaganda e produção de um discurso pela sustentabilidade (Leite Lopes, 2006: 32).

Sustentabilidade representa um conjunto de conhecimentos e práticas interdisciplinares que apontam para uma nova visão da relação homem natureza, e que está suportando uma nova orientação produtiva e econômica, representada pelo Movimento do Desenvolvimento Sustentável, definido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades (ONU, 1987: 13).

Para Scotto et al. (2008), a reflexão sobre a sustentabilidade prende-se a um contexto maior. Para a autora, haveria um panteão de conceitos com representações de positividade na sociedade contemporânea, especialmente no que se refere às questões ambientais:

Assim como os conceitos de “globalização” e “cidadania”, as expressões desenvolvimento sustentável e sustentabilidade  adquiriram muita visibilidade ao longo das últimas décadas, geralmente associadas ao que se supõe seja uma qualidade positiva atribuída a algum fenômeno, proposta ou prática social (Scotto et al., 2008: 8).

Um dos fatores levantados pelos autores está inicialmente na análise do conceito legal do termo, que, como vimos, aparece formulado pelos documentos da ONU de 1987. O foco da definição numa relação entre tempo (passado x presente) e satisfação (necessidade x prejuízo) parece ser a mola mestra dessa ideia, desde então, não obstando a confirmação de um compromisso global, que, para os autores, se denota com a Rio-92. Nela, são assumidos comprometimentos expressivos, inaugurando um novo momento no rol das negociações e debates sobre legislação ambiental em nível internacional, seja dentro dos poderes públicos, seja no ambiente da sociedade civil, dos movimentos sociais ou mesmo na relação entre todas as esferas (idem: 43)

Ainda segundo Scotto et al.(2008), a construção das representações acerca da sustentabilidade deve responder a três perguntas essenciais. A primeira é sobre consumo; a segunda, sobre os extremos dos efeitos de diferentes atores sociais no contexto do termo; a terceira, sobre território.

No que se refere à primeira pergunta, cabe problematizar a padronizada afirmativa de que é preciso reduzir os níveis de consumo. Trata-se de assunto que veremos ser discutido à frente, quando perceberemos o quanto a defesa de sociedades de controle referem-se a essa ideia geral da necessária ferramenta de freio do capital, tendo em vista a própria sobrevivência humana.

O que Scotto et al. (2008) levantam como problema é: de quais tipos de consumo estamos falando e de que forma a redução de determinados tipos de consumo pode gerar “impactos distributivos dos recursos ambientais se deseja conquistar” (idem: 67). Não basta, portanto, afirmar verbalmente que a redução do consumo é uma alternativa para melhorar a preservação ou aproveitamento de recursos ambientais. Será preciso, dentro desse discurso, mostrar empiricamente o por quê de reduzir o consumo de eletrônicos individualmente como medida colaborativa na preservação do planeta, já que não há, por exemplo, política pública de descarte ou aproveitamento da placa que se deixou de comprar, mas que outro consumidor adquiriu.

O consumo, nesse sentido, tem sido visto de forma abstrata e genérica, padronizado como algo mau, contraposto, por exemplo, a processos de conscientização como a educação (Scotto et. al., 2008: 69). Tal delimitação, para os autores, precisa ser discutida e problematizada, pois se trata de um pressuposto irreal para o conceito de sustentabilidade, e se a falha se avizinha já na base, há de se crer que a consequência do conceito também seja problemática.

A segunda pergunta tem raciocínio semelhante à primeira, mas com personagens e objetos diferentes. Ao tratar de extremidades, os autores parecem pretender trazer a reflexão sobre a complexidade na relação entre atores sociais, por vezes, de posições sociais opostas. Pergunta-se: de que maneira uma ação individual pode interferir num problema global? De que maneira podemos “dividir” o mundo, em cataclisma ambiental, num jogo de heróis e vilões, imputando a empresários, governantes e outros o papel simplório de inimigos da natureza, enquanto a ativistas, ONG’s, movimentos sociais e outras populações é dada a alcunha de defensores?

Assim, tornar complexo o lugar de cada ator dentro das disputas no conceito de sustentabilidade, desmistificando e desmitificando posicionamentos estanques, é outra via fundamental para uma discussão do conceito.

Este é um ponto que incomoda os autores, ao levantarem o problema das idiossincrasias territoriais como obstáculo ao discurso global da sustentabilidade, afinal, estratégias de sustentabilidade precisariam ser específicas para gerar resultados específicos, logo, dentro de contextos específicos, e não tão amplos ou diversos como o mundo (Scotto et. al., 2008: 67). Não é possível imaginar que a mesma estratégia sustentável possa ser empregada na Amazônia e em Manhattan, por exemplo.

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Os autores concluem suas análises com um lamento que, a nosso ver, também  merecem certo questionamento:

(...) a busca da sustentabilidade socioambiental estaria muito limitada e vislumbrada a partir, somente, de uma racionalidade tecnológica e de uma globalização focada simplesmente no mercado (Scotto et. al., 2008: 91).

A análise de Scotto (2016) traz à tona reflexão nessa direção, quando a autora aborda o estudo encomendado por empresas multinacionais do setor de mineração, em Minas Gerais, ao Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED) que culminou no Projeto Mineração, Minerais e Desenvolvimento Sustentável (Projeto MMSD).

O objetivo do documento seria compreender de que maneira a atividade mineradora poderia contribuir com a “transição global ao desenvolvimento sustentável”. Na verdade, a abordagem foi feita em nível mundial, cabendo a alguns países representarem-se através de estudos próprios, como foi o caso do Brasil, quando então a coordenação dos trabalhos se deu pelo CETEM – Centro de Tecnologia Mineral.

O resultado do projeto pôde ser lido através do Relatório “Abrindo Novos Caminhos: mineração, minerais e desenvolvimento sustentável”. Tal produção, além do peso fundador acima abordado, teria sido responsável também, segundo a autora, por criar um “guia básico” e político para as empresas multinacionais mineradoras, isto é, como as instituições deveriam agir para cumprirem a agenda da sustentabilidade.

Para tal, o relatório traz à tona um aspecto jurídico – o da responsabilidade sobre terceiros, especialmente sobre o meio ambiente, ancorado ainda na noção de responsabilidade Social Empresarial, referente às responsabilidades legais das empresas em relação aos impactos sociais e ambientais que suas atividades causam.

Tais preceitos surgem com igual força em 1999 no Fórum Econômico de Davos, já com uma preocupação fundante no que se refere à opinião pública (Scotto, 2016: 130). Nesse sentido, reforça Villas Bôas (2011) que a responsabilidade social tem sido uma ferramenta utilizada pelo setor empresarial para alcançar o escopo do desenvolvimento sustentável como inerente às suas atividades.

Nesse sentido, utilizando o lema de Whitmore (2006), Scotto considera que o discurso da sustentabilidade/desenvolvimento sustentável refere-se a “novos discursos para velhas práticas”. Para a autora, assim, como exemplo, o conceito de desenvolvimento sustentável seria uma nova roupagem revisitada do conceito de desenvolvimento de comunidade, cunhado pela ONU no pós-guerra.

Tal conceito baseia-se em alguns princípios, a saber: 1. A necessidade de ajudar os países mais pobres era a maior urgência (experiências como o Plano Marshall apontavam isso); 2. Era possível a harmonização e o equilíbrio mundial por meio desta perspectiva de mútuo apoio entre nações e entre sociedade civil e governos; 3. Essa harmonização promove a chegada do progresso às nações.

Para Scotto, o conceito de sustentabilidade – e mais especificamente o de mineração sustentável – institui uma “nova roupagem para velhas perspectivas”, citando obviamente a relação com o antigo conceito de desenvolvimento de comunidade, que estaria em sua própria “matriz ideológica”.

Para a autora, entretanto, o conceito de desenvolvimento sustentável traz em seu bojo uma novidade: o protagonismo empresarial. É o que se percebe, por exemplo, quando o documento produzido pela ESMAR, Banco Mundial e ICMM, de 2005, ressalta a importância das mineradoras para “desempenhar um papel central no desenvolvimento sustentável das comunidades”, servindo como elemento catalisador dessa atividade para áreas que possuam “oportunidades limitadas” para tal (Scotto, 2016: 133).

A partir deste ponto, a autora passa a se debruçar sobre a análise de exemplos empresariais e seus discursos no que se refere à sustentabilidade. Na oportunidade, aborda a semelhança nada coincidente entre o discurso sustentável do Projeto MMSD e o de uma empresa americana utilizada como estudo de caso, a Anglo American. Em seu relatório, a instituição defende ter feito investimentos no Porto do Açú, no desenvolvimento de uma usina de reciclagem em Natividade e na recuperação de usina com o mesmo tema em São João da Barra, por volta do ano de 2002.

A ideia de que a empresa buscava melhorar a qualidade de vida nas comunidades onde inseria seus serviços, sempre numa perspectiva sustentável, era a tônica, inspirada claramente no relatório do Projeto MMSD, mesmo analisada 10 anos depois (idem: 135, 137). É o que a autora chama de comunitarismo, que “perpassa a matriz discursiva das empresas” (idem: 138). Na estratégia da instituição estudada, a comunidade chamada a participar, na verdade, participa como mera espectadora ou convidada da relação entre poder público municipal e iniciativa privada, sem muito direito a voz nem voto, seja nas visitas a portos ou debates sobre economia verde.

Isso leva a autora a concordar com Bronz (2011) na ideia de que o programa de comunicação empresarial, discursivamente comprometido com a sustentabilidade, não promove o diálogo ou o debate, ou mesmo a participação da “comunidade”. Na verdade, ele se traduz como uma estratégia empresarial para veicular e convencer os demais atores de suas próprias ideias, falas e discursos, disseminando seus posicionamentos. A intenção seria, portanto, manter a boa imagem da empresa e evitar “que os empreendedores sejam surpreendidos por ocorrências não planejadas” (Bronz, 2011: 404-405, apud Scotto, 2016).

Some-se a isso a defesa da autora no sentido de que muitos desses discursos empresariais e seus programas de participação comunitária e sustentabilidade prendem-se a obrigatórias compensações de licenças ambientais, mais do que ao “novo espírito” ambiental (Scotto, 2016: 140). Finalizando, Scotto defende que o discurso da sustentabilidade interessa às empresas na busca pelo que chama de “licença social para operar” (idem: 141), isto é, um aceite da sociedade em relação à atuação empresarial ser politicamente correta ambiental e socialmente, ao menos aparentemente.

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Sobre o autor
Rafael Peçanha de Moura

Vereador Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Cabo Frio-RJ, Especialista em Sociologia Urbana (UERJ), Mestre e Doutor em Antropologia (UFF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Rafael Peçanha. Economia política do desenvolvimento sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5395, 9 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64396. Acesso em: 22 dez. 2024.

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