O instituto da Delação premiada no combate às organizações criminosas

26/02/2018 às 21:22
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O presente artigo tem como propósito apresentar o instituto da Delação Premiada na Lei das Organizações Criminosas, sua importância para o desmantelamento do crime organizado e seus requisitos para que seja atendido.

INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NO COMBATE ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Introdução

O tema delação premiada nunca fora tão acalorado no Brasil como nos últimos anos em consequência ao sucesso obtido pelos desdobramentos da Operação Lava Jato. A referida operação iniciou com o descobrimento de uma grande rede de lavagem de dinheiro, fato corriqueiro entre as operaçãos da Polícia Federal, o que não se esperava era a proporção da organização criminosa e as pessoas envolvidas. A princípio o que parecia um pequeno grupo organizado para a lavagem de dinheiro se tornou um dos maiores casos de corrupção do Brasil, em que lamentávelmente faziam parte, doleiros, empreiteiros, diretores da Petrobrás e senadores, deputados federais, assessores entre outros. A condenação do referido grupo só foi possível em decorrência da aplicação de um instituto relativamente novo no ordenamento jurídico: a delação premiada. Com a possibilidade em colaborar com a justiça os primeiros investigados Alberto Yossef e o ex diretor da Petrobrás abriram o jogo aos investigadores, as denúncias aos corréus desencaderam a possibilidade de descobertas de uma grande organização criminosa em que sofrera a estatal com a sangria através de contratos licitatórios fraudulentos articulados de forma tão bem elaborada que sem a delação dos referidos delatores não seria possível desvendar. Até o mês de dezembro de 2017, cerca de 1,5 bilhões foram devolvidos à estatal, pelos condenados, obviamente que os desvios foram bem maiores, entretanto sem os resultados obtidos pela instituto da delação tal quantia jamais seria devoldida aos cofres da Petrobrás, e muito pior, a justiça e os brasileiros jamais teriam conhecimento do esquema corrupto em que participaram representantes eleitos pelo povo para legislar e ao invés de cumprir suas designações legais participaram vergonhosamente do maior escandálo de corrupção já existênte no Brasil. O objetivo desta pesquisa é abordar o instituto que muitas vezes fora duramente criticado por alguns juristas, principalmente pelos renomados advogados de defesa dos réus ação penal que resultado das investigações.

I - Precedentes

A primeira Lei que tratou explicitamente do instituto da colaboração premiada no Brasil foi a Lei dos Crimes hediondos, em que em seu artigo 8º, parágrafo único determina: “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”. Assim surge o instituto da colaboração premiada no Brasil, não apenas a colaboração como abrangendo também o termo delação premiada como veremos acima. Insta salientar que o referido artigo ainda é vigente para os delitos desta lei.

Na atualidade, temos o instituto da colaboração premiada presente na lei de drogas, em seu artigo 41, caput: “ O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.”

Conceito

De acordo com Renato Brasileiro de Lima, podemos conceituar colaboração premiada por "uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal."

Insta salientar que a colaboração premiada não se confunde com o instituto da confissão espontânea previsto ao artigo 65, I, alínea “d” do Código Penal, para a configuração da primeira é preciso que o agente traga aos órgãos de persecução penal envolvidos fatos que até então não haviam conhecimento, e em que propicie a efetiva persecução penal, por exemplo a localização de objetos e vítimas. Assim trazendo fatos novos e sólidos, ato que no segundo instituto se configura apenas com a confissão de fatos já conhecidos.

II - Colaboração Premiada x Delação Premiada

Embora alguns autores insistam na ideia de que os colaboração e delação são sinônimos, ambos não se confundem pois, o segundo é um desdobramento do primeiro. Na colaboração premiada o agente aponta fatos, provas e informações relevantes para a elucidação do delito sem necessariamente apontar os comparsas criminosos, enquanto na delação premiada o que se tem é o apontamento dos coautores e partícipes da organização criminosa. Insta salientar que a delação só configura caso o agente delator também confesse a sua autoria nos delitos em apuração ao apontar os demais. É o que o jurista Renato Brasileiro de Lima (2016) em sua obra menciona como “chamamento ao corréu”.

Neste artigo aborda-se-á acerca da delação premiada, em que recentemente ficou conhecida nacionalmente através da divulgação na mídia com os desdobramentos da operação Lava Jato, em sua origem, pelas investigações e através de delações premiadas foi possível desmantelar um grande e complexa organização criminosa, em que consta como envolvidos os ex-diretores da estatal Petrobrás, empreiteiros e parlamentares dos partidos políticos.

Em breve explicação da referida operação amplamente divulgada na mídia e de conhecimento geral temos em um primeiro momento a prisão do doleiro Albert Youssef e do ex-diretor de abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa inicialmente investigados por lavagem de dinheiro, o que não se esperava no início das investigações é a proporção que o crime de lavagem de dinheiro em apuração estava vinculado, e através das primeiras delações dos referidos investigados foi descoberto que os contratos licitatórios da Petrobrás com as mais renomadas empreiteiras do Brasil eram viciados por corrupção em licitações superfaturadas e que o dinheiro deste superfaturamento era destinado aos partidos políticos que faziam as indicações dos diretores da estatal. Em suma, os partidos políticos PP, PT e PMDB indicavam os diretores da Petrobrás, estes com as empreiteiras já em formação de cartel superfaturavam as licitações e o dinheiro obtido com o superfaturamento era dividido entre os membros dos partidos, os diretores e os doleiros que assim como Albert Youssef lavavam dinheiro em empresas de fachadas e contas no exterior. Tamanha é a dimensão deste esquema criminoso que não é possível tratar neste artigo, a intenção em cita-lo é de apenas informar ao leitor que a elucidação desta cadeia criminosa só foi possível com a delação dos primeiros investigados.

Muito curiosamente, existem autores que criticam o instituto da delação premiada afirmando que no caso o judiciário se aproveita da falta de ética do agente ao denunciar seus comparsas, o que é muito controverso apontar questões éticas no mundo do crime, e ainda mais criticar um instituto que desencadeia diversas organizações criminosas e auxiliam o poder judiciário no combate à corrupção.

Assim, ainda que considerado como algo anti ético por alguns crtíticos ao instituto, em verdade é que sem a delação em muitos casos não seria possível chegar a raizes tão profundas presentes nas associações criminosas.

Neste sentido, se posiona Nucci (2014, p.394): “Do exposto, parece-nos que a delação premiada é um mal necessário, pois o bem maior a ser tutelado é o Estado Democrático de Direito. Não é preciso ressaltar que o crime organizado tem ampla penetração nas entranhas estatais e possui condições de desestabilizar qualquer democracia, sem que se possa combate-lo, com eficiência, desprezando-se a colaboração daqueles que conhecem o esquema e dispõem-se a denunciar coautores e partícipes”.

III - A delação na Lei das Organizações criminosas (Lei 12.850/13)

Nos moldes da lei das Organizações criminosas, a colaboração premiada poderá acontecer em qualquer fase da persecução penal, conforme preceitua o artigo 3º, inciso I: “Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada;”

Importante salientar que na fase de negociação não participa o magistrado, ficando a negociação restrita entre o pretenso colaborador, seu defensor, a autoridade policial e o Ministério Público, sem este último o acordo de delação se torna inválido, é necessário que o Ministério Público participe valide o ato.

Conforme previsto ao artigo 4º da Lei, poderá o juiz conceder ao colaborador o perdão judicial, ou a diminuição da pena em até 2/3, ou substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos desde que tenha atendidos um dos fins pretendidos com a colaboração do agente, sendo estes: a identificação dos demais coautores a participes do delito em que o delator esteja envolvido, tal como a designação da participação fracionada de cada elemento da organização criminosa; revelação da estrutura hierárquica da organização tal como sua divisão de tarefas; prevenção de infração penal decorrente da atividade criminosa; recuperação total ou parcial dos objetos do crime, por exemplo no crime de corrupção o montante em dinheiro oriundo de tal delito; localização de possível vítima com sua integridade física preservada.

Ainda em seu artigo 4º, em seu caput encontra-se a previsão de que a colaboração deverá ser espontânea e voluntária pelo colaborador: “O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:’’

Neste sentido, a colaboração não necessita que a iniciativa seja exclusivamente do colaborador, podendo ser proposta por tomada por iniciativa da autoridade policial ou do Ministério Público desde que o colaborador tenha aceitado sem qualquer tipo de coação. Insta salientar que o acordo não poderá ser realizado diretamente entre o delegado de polícia e o colaborador sem a manifestação favorável do titular da ação penal, ora o Ministério Público.

Para que seja considerada válida é necessária a homologação do juízo competente, nos moldes do artigo 4º,§7º “ Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.”

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Conforme o exposto a homologação do juiz garante que a colaboração tenha procedido diante da legalidade.

IV -Da delação como meio de prova

A delação precisa ser consintente no sentido que os fatos narrados pelo delator precisam trazem informações novas que possibilite a elucidação dos crimes, assim não basta que o delator apenas narrar determinado fato para que a delação seja concedida, os fatos do delator devem ser veridicos e úteis à investigação e que sem eles as investigações não alcançariam maiores proporções.

Assim como outros meios de provas, a delação poderá servir para fundamentar a sentença condenatória, desde que esteja em harmonia com as outras provas. Exemplifica Renato Brasileiro de Lima (2016, p.1024): “Evidentemente, essa colaboração deve ir além do mero depoimento do colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se admite a prolação de um decreto condenatório baseado única e exclusivamente na colaboração premiada.”

Ao contrário de fora alegado na defesa dos réus da Operação Lava Jato, nenhuma sentença condenatória será baseada única e exclusivamente por uma delação premiada.

Estando em harmonia no conjunto fático probatório, a delação servirá sim de prova válida, neste sentido afirma Capez (2013, p.473): “Quanto ao seu valor probatório, nada impede seja a delação levada em conta para fundamentar a sentença condenatória, mesmo à mingua de outros elementos probatórios, tendo em vista que o CPP lastreia-se no princípio da verdade real, pois seu artigo. 155 (com redação determinada pela Lei 11.690/2008) estatui que o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, verifica-se que a delação premiada não fora inserida no ordenamento jurídico de forma leviana e irresponsável, para que esta atenda os seus fins e benefície o delator é necessário que seja embasada de veracidade e colabora significamente com as investigações sendo que sem esta não seria possível o desmantelamento da organização criminosa.

Ademais, não é realizada sob forma coativa dos investigadores, a delação só é realizada com a concordância do colaborador que será negociada entre seu defensor obvialmente depois que este verificar que será mais benéfico ao seu cliente.

O crime organizado possui raízes tão profundas que sem este instituto seria provavelmente impossível desvendá-lo, é de conhecimento comum que atualmente o Estado encontra emergente dificuldade na persecução penal, principalmente no combate às organizações criminosas, não somente quanto aos crimes de “colarinho branco” mas inclusive as de ações de grupos violentos como das facções criminosas.

O sucesso da Operação Lava Jato que desde sua instauração até meados de Fevereiro de 2018 já alcança sua 48º fase, abre precedentes para o desamantelamento das demais organizações criminosas e traz a esperança a nação de que a lei alcança a todos, independente de sua posição social ou cargo e todos os transgressores devem ser punidos de igual forma.

REFERÊNCIAS

LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 4. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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