Adoção nas relações homoafetivas.

A possibilidade jurídica ante os princípios da dignidade e afetividade

27/02/2018 às 21:23
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O presente artigo visa abordar a possibilidade jurídica da adoção nas relações homoafetivas, fazendo uma análise sob a perspectiva dos princípios da dignidade e afetividade.

INTRODUÇÃO

O tema proposto, qual seja, ADOÇÃO NAS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS: a possibilidade jurídica ante os princípios da igualdade e afetividade, visa abordar, sob uma perspectiva histórica, social e jurídica, a possibilidade de se deferir a casais homoparentais, a adoção de crianças e adolescentes.

Cumpre observar que as relações homoafetivas estão mais presentes no cenário social Brasileiro. Antes, essas uniões não tinham qualquer reconhecimento jurídico, hoje possuem status análogo às uniões estáveis heterossexuais, asseguradas sob a égide dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade e afetividade.

Apesar dos casais homoafetivos, assim como os heteroafetivos, construírem e partilharem uma vida juntos, questiona-se: A União Homoafetiva, uma vez reconhecida como entidade familiar, possibilita ao casal a adoção de crianças e adolecentes?

Em uma primeira análise, uma vez que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a União Estável Homoafetiva, devendo os efeitos desta se dar análogos aos da União Estável Heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132), como entidade familiar, assegurando-se nos príncipios da dignidade da pessoa humana, igualdade, afetividade, solidariedade, pluralismo das famílias, não discriminação e no melhor interesse da criança e do adolescente, conclui-se pela possibilidade jurídica de conferir aos casais homoparentais, o direito à adoção, em que pese a omissão legal.

Apresentar o tema é trazer à discussão os direitos conquistados pelos casais homoafetivos, especialmente após o reconhecimento da união estável entre iguais como entidade familiar, pelo Supremo Tribunal Federal, e colocar em pauta, os conflitos sociais, convergências e divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto que, por anos, foi renegado e ignorado por uma sociedade preconceituosa e conservadora.

Dessa forma, reconhecer os direitos desse grupo social é essencial para que se chegue aos fins que a ciência jurídica se destina, quais sejam promover a justiça, dignidade, igualdade, liberdade e segurança jurídica. Ou seja, discutir os direitos dos casais homoafetivos é uma forma de tentar promover esses princípios constitucionais, porque a diversidade existe e sempre existirá na demanda social, cabendo ao aplicador do direito respeitar e resguardar a legitimidade desses entes sociais como integrantes de um Estado Democrático.

Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, onde foi buscado, através das leituras, subsídios para análise dos dados obtidos, e, posteriormente, foi realizada a explanação de todos os fatos e fundamentos do referido tema.

O instrumento adotado para o desenvolvimento deste estudo foi a análise das mais diferentes obras, tanto do Direito quanto da História. O método utilizado foi o dedutivo, ou seja, parte-se do geral para se chegar às particularidades.

O presente trabalho de conclusão de curso está divido em quatro capítulos, sendo que o primeiro capítulo explanará sobre histórico e conceitos acerca da homossexualidade e suas derivações; o segundo capítulo abordará os princípios que serviram de base para o reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidade familiar.

Sucessivamente, o terceiro capítulo realizará um estudo acerca da legalização e reconhecimento da União Homoafetiva; o quarto capítulo analisará a possibilidade jurídicia de se deferir a adoção de criança e adolescentes à casais homoparentais.

CAPÍTULO I

1 A HOMOAFETIVIDADE

As relações sociais se intensificam diariamente, cabendo à ciência jurídica tentar acompanhá-las, porém, o que se observa é a carência de normas a fim de reger sobre determinadas relações, nas quais que vêm se tornando, cada vez mais, comum neste cenário pós-moderno, apresentando com isso, inúmeros desafios ao agente julgador.

E esse operador do direito, ao se deparar com novas situações jurídicas, precisa enverga-se para um lado mais hermenêutico, devendo levar em conta termos como: costumes, princípios, a realidade social e jurídica, na qual o problema está inserido, para não permitir que suas convicções pessoas interfiram da decisão prolatada, o que, infelizmente, nem sempre acontece.

Cumpre observar, que as relações homoafetivas estão mais presentes no cenário social brasileiro, pois antes, essas relações que não possuíam qualquer reconhecimento jurídico, atualmente, possuem status análogo às uniões heterossexuais, asseguradas sob a égide dos princípios da dignidade da pessoa humana, afetividade, igualdade e liberdade.

Tão antiga quanto à heterossexualidade, é a homossexualidade, sendo esta relação comum em civilizações como Grécia e Roma. Contudo, com o advento do Cristianismo, as práticas homossexuais passaram a ser consideradas como pecado, por não possuírem o fim que as relações sexuais deveriam ter, qual seja a procriação.

O relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, mesmo sendo considerado pecado, crime ou até mesmo doença, acompanha a história humana. Por séculos os direitos dos casais homoafetivos foram omitidos e renegados, não se cogitando a possibilidade de reconhecer um casal entre iguais como entidade familiar, pelo simples fato de não haver procriação, ignorando totalmente o vínculo afetivo advindo dessas uniões.

Contudo, os casais homoafetivos, nomeação usada a partir do momento que se passa a considerar o vínculo de afeto existente, e não apenas o sexual, tornaram-se cada vez mais presentes no meio social, reivindicando seus direitos e se firmando como entes sociais merecedores de igualdade.

Apesar das uniões homoafetivas ainda encontrarem forte resistência na classe mais conservadora do Direito e depararem-se com a falta de lei que as regulamente e proteja, não pode o Judiciário omiti-se perante a isso. Surgem, com isso, novos desafios ao ente julgador ao ponderar questões oriundas de uniões entre casais do mesmo sexo.

Com isso, o magistrado acaba assumindo uma postura hermenêutica, onde, por vezes, tende assumir o papel de criador das leis e não apenas de interprete e aplicador. Desta forma, deixa tais uniões vulneráveis à arbitrariedade do Judiciário.

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Atualmente, muito se fala em direito dos grupos sociais tidos como distintos, seja por gênero, raça ou orientação sexual, desencadeado pelas conquistas alcançadas por grupos feministas. Estes influenciaram, de maneira direta ou não, os grupos distintos a buscarem seus direitos de igualdade, dignidade e liberdade. Os homoafetivos são um exemplo de grupo que teve seus direitos reprimidos e excluídos. Porém, questiona-se em que momento da história se desencadeou o preconceito contra os homoafetivos?

Ressalta-se que na Grécia e Roma antiga, as relações entre pessoas do mesmo sexo eram comuns, porém com finalidades distintas:

Na Grécia e Roma antiga, civilizações que influenciaram diretamente a cultura ocidental, há notícias de incentivo à prática homossexual militar, inclusive fazendo parte da educação de jovens em algumas cidades como Esparta. Ainda, alguns dos grandes personagens da época mantinham relações homossexuais, como filósofos, políticos e soldados. (RIBEIRO, Fabiana Dall Oglio, 2010, pg. 84).

Nas palavras de Guimarães (2011, p. 30): “Na Grécia Clássica, berço da democracia e da filosofia, a pederastia servia como suporte às iniciações do conhecimento, tendo, portanto, um caráter eminentemente pedagógico”.

Nos dizeres de Maluf (2010, p. 129): “Bastante frequente na Grécia, era a homossexualidade ligada à intelectualidade, à estética corporal – muito em voga no período – e à ética comportamental”.

Nota-se que na Grécia, a homossexualidade e a bissexualidade masculina faziam parte do contexto social. Porém, essas práticas se submetiam aos regramentos sociais e comportamentais de cada cultura. Por exemplo, em Atenas, a relação entre homens era uma forma de transmissão de conhecimento, possuía um caráter pedagógico. Geralmente, a relação era entre um homem mais velho, denominado de “preceptor” e um adolescente, chamado de “efebo”. O “preceptor”, modelo de sabedoria e geralmente um guerreiro, se dispunha a transmitir seus conhecimentos ao “efebo”. 

Essas práticas eram influenciadas, pois se acreditava ser necessário esse vínculo para que o garoto iniciante absolvesse conhecimento e se integrasse na vida política das Cidades-Estado.

Já em Esparta, cujo havia maior ênfase na prática militar, o amor entre homens havia um sentindo diferenciado:

(...) Na cidade de Esparta, cuja sociedade dava mais ênfase do desenvolvimento militar do que ao cultural, o amor entre homens tinha enfoque um pouco diferenciado. Era estimulado dentro do exercito, para torná-lo ainda mais eficiente. Isso se explica por um simples fato: quando o soldado ia para a guerra, não estaria lutando apenas por sua Cidade-Estado; lutava também para proteger a vida do seu amado, aumentando, obviamente, o grau de dedicação e emprenho do combatente. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 34).

Em Roma, a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo que recebia o nome de sodomia, era tolerada, porém deveria submeter-se a certas regras sociais:

Era vista como de procedência natural, ou seja, no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo. O preconceito da sociedade romana existia somente contra quem assumia a condição de passividade. Era feita associação com impotência política. A censura recaía sobre quem desempenhava a posição passiva da relação, na medida em que implicava debilidade de caráter. Como quem assumia o papel de passivo eram rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos da estrutura do poder –, clara a relação entre masculinidade-poder-político e passividade-feminilidade-carência de poder. (MORICI, Silvia, 1998, p. 156-157 apud DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 35).

Todavia, fora na Idade Média, com a disseminação do Cristianismo e com a Igreja assumindo papel de Estado, que o casamento passou a ter como finalidade tão e somente a procriação, condenando os atos sexuais que não tivessem tal designo, incluindo as relações homossexuais. Para Maluf (2010, pg. 131): “A prática homofóbica foi perpetuada na Idade Média, quando a homossexualidade era associada à heresia e à usura, ou mesmo à feitiçaria (...)”.

Os indivíduos que praticavam tais atos eram tidos como pecadores e pagavam um preço caro por isso. Houve uma verdadeira caça às bruxas:

Todo um arsenal de crueldade foi colocado à disposição dos responsáveis pelas punições: suplícios, enforcamentos, afogamentos e fogueiras, eis no destino que a cristandade passou a reservar aos praticantes de atos homossexuais em quase todas as nações no ocaso da Idade Média. (VAINFAS, 1997, PG. 160 apud GUIMARÃES, Anibal, 2011, p.33).

Não há como negar que a Igreja foi e continua sendo uma grande repreensora das relações homoafetivas, nas palavras de Ribeiro (2010, p. 85): “A religião sempre combateu o sexo apartado da ideia de procriação, sendo contra, portanto, não só a homossexualidade, como também o adultério, à prostituição, e mesmo contra o sexo durante o casamento, sem ter em mente a ampliação da família”.

Ainda nesse viés:

Com o surgimento da doutrina cristã, instituíram-se ainda a monogamia, a indissolubilidade do casamento e a valorização da virgindade. Com o advento da Idade Média, a família é sacralizada, a moral religiosa passou a condenar a prática da manifestação da sexualidade fora do casamento, além de somente concebê-la exclusivamente para efeitos de procriação. (TORRES, Aimbere Francisco, 2009, p. 09).

Com a Igreja influenciando diretamente o Estado, acabou por se criar uma visão diferente de sexualidade daquela difundida na antiguidade. A sexualidade tornou-se algo sagrado, que deveria ter como fim a procriação e, consequentemente, a preservação da espécie. O ato sexual com o simples intuito de se obter prazer era considerado pecado. Daí nasce os contornos do “Estado Homofóbico”:

As autocracias combinadas da Igreja e do Estado acabaram por gerar, em meados do século XIV, uma visão de sexualidade bastante diferente daquela que havia na antiguidade. Tocada pela divindade de Deus, tornara-se sagrada.  Nasciam, assim, os contornos do “Estado Homofóbico” que, intervindo no exercício da sexualidade, descartando o conceito de bissexualidade da consciência da sociedade, começou a estabelecer uma polaridade entre o que é permitido e o que é publicamente reconhecido. (MALUF, Adriana Caldas, 2010, p. 131).

Em muitas civilizações a homossexualidade foi considerada um pecado sujeito às mais terríveis punições, como se fosse um crime. Dentre as punições estava a pena de morte. Ou seja, a relação de afeto entre casais do mesmo sexo estava sujeita às mais terríveis sanções estatais porque fugia do modelo imposto pela igreja, ou seja, a heterossexualidade com fins reprodutivos.

Sobre a Idade Moderna, Ribeiro (2010, p. 85) faz a seguinte consideração: “A Idade Moderna não trouxe significantes mudanças para a questão do homossexualismo, prática essa que continuava marginalizada nos Estados, como se não existisse”.

Já no século XIX, a Medicina, usando o sufixo “ismo”, que designa doença, assim definiu a relação entre pessoas do mesmo sexo:

Foi só a partir do século XIX que a medicina definiu a homossexualidade como uma doença fisiológica causada por distúrbios genéticos ou biológicos. Nos séculos anteriores, foi tida como um pecado contra Deus, e, portanto, uma falha moral e teleológica. Tornou-se, posteriormente, um crime social, contra o qual o Estado legislava. (MALUF, Adriana Caldas, 2010, pg. 133).

Para a Psicologia, segundo Maluf (2010, p. 134): “No inicio do século XX, a psicanálise introduziu a visão psicológica da homossexualidade, visão esta que é menos moralista com Freud, embora a considere como um distúrbio no desenvolvimento da sexualidade e, portanto, anormal”.

Foi somente no século XX que os movimentos homossexuais começaram a conquistar espaço:

Desde o século passado – meados da década de 60 e início dos anos 70 –, houve o aumento da visibilidade de diversas formas de expressão da sexualidade. O movimento de liberação desfraldou suas bandeiras, buscando mudar a conceituação, tanto social como individual, das relações homoafetivas. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 40).

Em meados do século XX, a homossexualidade foi descriminalizada em vários países do globo. Desconstituiu-se a ideia de ser um pecado, e na ciência, a concepção de que seria um transtorno ou doença mental.

A Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde, OMS, em 17 de Maio de 1990, retirou a homossexualidade de sua lista de doenças mentais, declarando que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão, mas sim um estilo de comportamento, geneticamente prevalente. (MALUF, Adriana Caldas, 2010, p. 124-125).

              Nas palavras de Dias (2011, p. 48): “O sufixo “ismo”, que designa doença, foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa modo de ser”.

Daí insere-se que a homossexualidade não é uma doença, nem forma de promiscuidade ou uma escolha, mas sim, trata-se de uma tendência genética, que já nasce com o indivíduo. Contudo, os inúmeros preconceitos resultam em problemas de autoaceitação, provenientes do medo da discriminação, exclusão, repreensão familiar e sexual.

 (...) Os valores dominantes em cada época histórica apresentam um sistema de exclusões e punições baseado em preconceitos punitivos discriminantes. Na contemporaneidade, com a valorização da dignidade da pessoa humana, cânone basilar de princípio constitucional, amparado pelo direito à igualdade, à liberdade e a não discriminação, e, ainda, estando a família cada vez mais sedimentada na afetividade e na socioparentalidade, entendemos não haver mais lugar para a supressão de direitos fundamentais ao indivíduo, com base na sua orientação sexual ou identidade de gênero. (MALUF, Adriana Caldas, 2010, p. 139).

              Tem-se no início do século XXI importantes conquistas legislativas alcançadas pelos casais homoafetivos, em diversos países do globo. Contudo, há países, no Oriente Médio e na África, em que os movimentos que buscam igualdade de direito aos casais do mesmo sexo são inexpressivos, sendo essas relações ainda consideradas crime, sujeitas às mais severas punições, ignorando qualquer expressão de direitos humanos. Tem-se como causa as fortes circunstâncias religiosas presentes nesses países, assim:

O inicio do século XXI é marcado pelo alcance legislativo da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo ou, em alguns casos, sua equiparação ao próprio casamento, em diversos países. No ano de 2001, o governo holandês legalizou a união conjugal entre pessoas do mesmo sexo; a este seguiram-se a Bélgica, em 2003, Massachusetts (USA), em 2004; Reino Unido, Espanha e Canadá, em 2005; África do Sul, 2006 e Suécia em 2009. A Lei Espanhola foi a primeira a reconhecer plenos direitos aos parceiros de mesmo sexo, o que facilitou a supressão de limitações excepcionais que figuravam nas leis de outros países. A causa do movimento gay continua, já que os direitos humanos de pessoas com tendência sexual distinta da heterossexualidade continuam sendo violados em muitos países. Em outros, é desconhecido qualquer movimento, seguindo latente homofóbica. Em outros, ainda o movimento é completamente inexistente, dadas as circunstâncias sociais e religiosas (países do Oriente Médio e África). (MALUF, Adriana Caldas, 2010. p. 137).

No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 e seus ideais de liberdade, igualdade, dignidade e não discriminação tem-se um instrumento importante na luta pelo reconhecimento das uniões homoafetivas, uma vez que:

No Brasil, a maior expressão de garantia da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade surgiu com a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, a qual postula direitos e garantias respaldados em consonância com a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, que podem ser considerados como instrumentos de elevada importância na luta incansável pelo reconhecimento das uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. (RIBEIRO, Fabiana Dall Oglio, 2010, p. 85).

O Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 132 reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando efeito vinculante à decisão, ou seja, a mesma deverá ser conceituada por outros tribunais do país em julgamento de casos que tratem do assunto.

Mais recente, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, que obriga os cartórios civis a celebrar o casamento civil ou converter a união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Contudo, quando se fala em direito da diversidade sexual, não há como se restringir aos casais homoafetivos, ou seja, casais de pessoas do mesmo sexo que possuem no afeto o maior vínculo para o relacionamento, pois são várias as formas de se expressar a sexualidade humana.

1.2 ASPECTOS TERMINOLÓGICOS

Ao tratar de sexo, gênero, identidade de gênero, gays, lésbicas, travestis, andrógenos, transexuais e tantos outros, inúmeros conceitos se instalam, tornando confuso para a sociedade distinguir as diversas denominações inerentes a cada indivíduo envolvido. Neste contexto, tenta-se definir as nomenclaturas advindas dessa vasta diversidade sexual.

Primeiro, deve-se diferenciar sexo de gênero, identidade e papel de gênero e definir orientação sexual:

Sexo se refere biologicamente à clássica divisão entre macho e fêmea, é, assim, uma caracterização conforme a anatomia e a fisiologia do ser humano. Se a criança nasce com pênis, é um macho, se com vagina, é uma fêmea. Às vezes, o órgão sexual aparece simultaneamente em um indivíduo, gerando os chamados intersexos, popularmente denominados de hermafroditas. O termo gênero, por sua vez, transcende o aspecto biológico e entra na área cultural, sendo, consequentemente, uma construção social. Desse modo, tem-se o gênero feminino (papel social voltado às mulheres), o masculino (papel social de homem). Pode ocorrer de o indivíduo não se identificar completamente com o papel de mulher nem o de homem, possuindo um comportamento híbrido, são os chamados andrógenos. Feita a conceituação de gênero é preciso distinguir identidade e papel de gênero. A designação identidade de gênero foi criada, em 1964, pelo pesquisador americano Robert Stoller e se refere ao gênero em que a pessoa se identifica, isto é, às sensações internas de pertencer ao gênero masculino ou feminino. Já o papel de gênero está relacionado ao comportamento (masculino ou feminino) que a pessoas têm frente às outras e à sociedade em geral. Muitas vezes, para sermos aceitos socialmente, assumimos um papel que não necessariamente representa o nosso sentimento interno, causando, consequentemente, angústia, desconforto e problemas psíquicos. Por fim, a expressão “orientação sexual” está relacionada à atração física e emocional por alguém, podendo ser por pessoas do mesmo sexo (homossexuais), do sexo oposto (heterossexuais) ou de ambos os sexos (bissexuais). Embora essa divisão seja a mais comum, pode-se incluir nessa classificação a pansexualidade (atração por pessoas que não se enquadram na disposição binária macho/fêmea) e a própria assexualidade (pessoas que não sentem atração por ninguém). (DE MORAES E SILVA, Sofia, 2011, p. 1-2).

Feitas essas considerações iniciais, conceitua-se o homossexual por:

As (os) homossexuais, sejam do sexo masculino (gays), sejam do sexo feminino (lésbicas), são as pessoas que se atraem emocional, sexual e afetivamente por outras do mesmo sexo biológico. A sua orientação sexual é a homossexualidade. Assim, homossexual é a pessoa que sente desejos afetivos e sexuais pelas pessoas do mesmo sexo. (PICAZIO, 1999, p. 30 apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus 2011, p. 98).

O homossexual, seja gay ou lésbica, são pessoas que se relacionam sexual e afetivamente com outras do mesmo sexo biológico. Diferente dos homossexuais tem-se a figura dos bissexuais:

Aos bissexuais (sejam homens, sejam mulheres) são pessoas que se atraem emocional, sexual e/ou afetivamente por ambos os sexos, mesmo que em níveis de atração diferentes, quer ao mesmo tempo, quer alternado, em fases distintas da vida, a variação do desejo por um e por outro sexo. (SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, 2011, p. 98).

As nomenclaturas que serão tratadas a seguir são as que mais causam confusão, devido aos pequenos detalhes que as diferenciam, porém configuram uma grande parte da diversidade sexual:

As (os) transgêneros (independentemente da orientação sexual) são os indivíduos que, na sua forma particular de estar e/ou agir, ultrapassam as fronteiras de gênero esperadas/contruídas culturalmente para um e para outro sexo. Assim, são homens, mulheres (e pessoas que até preferem não se identificar, biologicamente, por expressão alguma) que mesclam, nas suas formas plurais de feminidade e de masculinidade, traços, sentimentos, comportamentos e vivências que vão além das questões de gênero como, corriqueiramente, são, no geral, tratadas. Assim, a expressão transgenêro pode englobar travestis, transexuais, drag queens, drag kings, cross-dressers, transformistas e outros. Do mesmo modo, abrange homossexuais que, psicologicamente, sentem e comportam-se para além do gênero esperado para o seu sexo. As (os) travestis (independentemente da orientação sexual) são pessoas que, via de regra, aceitam, do ponto de vista psicológico, o sexo biológico do eu nascimento (...) Não perseguem uma re-designação ou redesenho do seu corpo físico (...). As (os) transexuais (independentemente da orientação sexual) são pessoas que, via de regra, desde tenra infância, sentem-se em desconexão psíquico-emocional com o sexo biológico do seu nascimento, pelo fato de, psicologicamente, identificarem-se de modo oposto ao esperado para o seu corpo, do ponto de vista de gênero inclusive (...). (SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, 2011, p.98-99).

É de inquestionável importância não apenas entender e reconhecer as nomenclaturas, reflexo da enorme diversidade sexual, como resguardar os direitos tidos como fundamentais para esse segmento da sociedade quase sempre tão marginalizado e excluído.

Reconhecer direitos a esse seguimento da sociedade, tirando-os da marginalidade e exclusão é uma forma de efetivar os princípios basilares da Constituição Federal, como dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade, além de se valorar o vínculo de afeto existente entre os casais homoafetivos.

CAPÍTULO II

2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR

Em se tratando de família homoafetiva, o ente julgador ao se deparar com essa nova modalidade familiar enfrentará a omissão da lei, diversas lacunas que viabilizam os mais diferentes entendimentos. Porém, falta de lei não significa impossibilidade de tutela, ou seja, o magistrado não pode assumir uma postura omissa quando acionado a fim de analisar as famílias homoafetivas.

Ausência de lei não significa ausência de direito, a própria lei reconhece as lacunas no sistema legal, o que não justifica casos de omissão do juiz. A omissão do juiz fere diretamente princípios difundidos na Carta Magna de 1988. A determinação é que julgue, de acordo com art. 4º da LICC e art. 126 do CPC, os quais ainda apontam ferramentas no caso de interpretação e a aplicação quando houver lei espaça: analogia, costumes e princípios gerais do direito.

Necessita-se se socorrer dos princípios constitucionais que impõem o respeito à dignidade e asseguram o direito à liberdade e à igualdade. O ordenamento jurídico estrutura-se em torno de certos valores, muitos dos quais estão postos em sede de princípios constitucionais, que também devem informar a interpretação da legislação especifica numa leitura incorportada pelos reclamos da atualidade histórica. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 198).

Os princípios alentados pela Carta Magna de 1988, juntamente com as analogias, foram propulsores para o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares. A dignidade da pessoa humana, o principio da igualdade, liberdade, não discriminação de sexo, gênero ou orientação sexual guiam o ente julgador no momento que ele se depara com questões de direito onde não há legislação que as rejam.

Além do princípio da dignidade, um importante princípio utilizado na defesa e reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar, foi a disseminação do principio da afetividade, logo se passou a entender que os casais homoafetivos tinham envolvimento não apenas sexual, como também emocional e afetivo. Sobre princípios:

(...) No preâmbulo da Carta Constitucional quando o Colégio Formal da Soberania conclamou o estabelecimento de uma sociedade fraterna, pluralista, e sem preconceitos; bem como no art. 1º, III, que resguarda a dignidade da pessoa humana; no art. 3º, que promove como objetivos da República a promoção do bem de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; no art. 5º, caput, que estatui o principio da isonomia, vetor interpretativo para refrutar estigmatizações de qualquer natureza contra o individuo (...) (ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira, 2011, p. 160).

Não há como negar a existência das uniões homossexuais e fechar os olhos para essa nova realidade, pois, ao fazer isso, se configuraria em uma grave lesão aos direitos e garantias fundamentais de outrem, os quais são resguardados pela Carta Magna de 1988.

Posto isso, é de imensurável importância a incidência dos princípios constitucionais no meio jurídico como norteadores de decisões, as quais encontram na omissão da lei, uma forma mascarada de discriminação e exclusão.

2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito e está expresso no art. 1º, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo Único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

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A Constituição de 1988, por meio da dignidade da pessoa humana, reconheceu que o Estado tem como finalidade principal o ser humano, ou seja, proporciona-lhe uma vida digna, efetivando os direitos e garantias fundamentais previstos na mesma, visto que:

Trata-se de principio que tem como essência a ideia de que o ser humano é um fim em si mesmo, não devendo ser instrumentalizado, coisificado ou descartado em virtude dos caracteres que lhe concedem individualmente e estampam sua dinâmica pessoal. A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender de a orientação sexual, estar ou não prevista, de modo expresso, na Constituição.. A orientação que alguém imprime na esfera de sua vida privada não admite quaisquer restrições. Há de se reconhecer a dignidade existente na união homoafetiva. O valor da pessoa humana assegura o poder de cada um exercer livremente sua personalidade, segundo seus desejos de foro íntimo. A sexualidade está dentro do campo da subjetividade. Representa fundamental perspectiva do livre desenvolvimento da personalidade, e partilhar a cotidianidade da vida em parcerias estáveis e duradouras parece ser um aspecto primordial da existência humana. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 88).

O princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligado ao direito que o individuo tem de fazer suas escolhas afetivas, sexuais, e não ser discriminado por isso. Princípio gerador e cânone basilar da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana vem na tentativa de garantir e efetivar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Nesse contexto, a dignidade deve ser entendida como uma qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e, por essa razão, irrenunciável e inalienável, posto consubstanciar-se num elemento qualificador do ser humano, bem como de toda a sua grandeza e superioridade em relação aos demais seres. Dessa forma, o respeito e a proteção à dignidade da pessoa humana devem constituir num dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito. (TORRES, Aimbere Francisco, 2009, p. 31).

A dignidade da pessoa humana prevê o respeito ao indivíduo e, qualquer forma de discriminação por orientação sexual, configura uma forma de desrespeito e ofensa direta a esse princípio que valoriza o ser humano.

Deste modo, discriminação baseada na orientação sexual configura claro desrespeito à dignidade humana, o que infringe o princípio maior da Constituição Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que acaba por referendar estigmas sociais e fortalecer sentimentos de rejeição, além de ser fonte de sofrimentos a quem não teve a liberdade de escolher nem mesmo o destino de sua vida. (DIAS, Maria Berenice, 2011. p. 88).

As relações homoafetivas sempre existiram na sociedade, apesar de muitas vezes renegadas, marginalizadas e excluídas do seio social. O que não se pode é ignorar a condição pessoal do indivíduo (incluindo-se a orientação sexual), abstendo-lhe de gozar de determinados direitos por possuir orientação sexual distinta da heterossexualidade.

A jurisprudência brasileira, acompanhando a tônica internacional, vem reconhecendo, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que as necessidades humanas no plano da realização da personalidade e, em decorrência disso, da sexualidade, não são isonômicas, e que as uniões homossexuais vão além do simples fato de se constituírem por pares do mesmo sexo, pois são uniões que têm sua gênese no afeto, na mútua assistência e solidariedade entre os pares e, dessa forma, não seria mais possível se deixar reconhecer efeitos jurídicos para esse tipo de união. (GIRARDI, Viviane, 2005, p. 50).

Negar direitos aos casais homoafetivos é uma forma de desrespeito a sua condição de ser humano e cidadão. Enquanto existir essa discriminação e omissão dos poderes estatais às diferentes formas de amar, não há efetividade do princípio da dignidade humana, ficando o mesmo apenas no plano das ideias, destituindo a ideia de Estado Democrático de Direito.

2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O art. 3º da Carta Magna expõe os objetivos fundamentais da República:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

                 I – cosntruir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O princípio da isonomia vem configurado no art. 5º da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...).

A igualdade de que se trata a lei é a igualdade formal, daí insere-se que os casais heterossexuais e homossexuais devem receber o mesmo tratamento, gozar dos mesmos direitos, não podendo ser a orientação sexual um meio excludente.

Classicamente é dito – mas pouco praticado – que a igualdade é assegurar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, em conformidade com a sua desigualdade. Desse modo, a igualdade configura direito à diferença. Em lugar de se reivindicar uma “identidade humana comum”, são contempladas as diferenças existentes entre pessoas. A humanidade é diversificada e multicultural. Assim, é mais útil procurar compreender e regular os conflitos inerentes a essa diversidade do que buscar uma falsa – porque inexistente – identidade. Daí a sugestão de Maria Celina Bodin de Moraes, no sentindo de trocar o termo “identidade” por um que ofereça maior sentido de alteridade: o reconhecimento do outro, como ser igual a nós. Enquanto na identidade existiria apenas a ideia de “mesmo”, o reconhecimento permite a dialética do mesmo com o outro. (TORRES, Aimbere Francisco, 2009, p. 57).

O princípio da igualdade previsto na Carta Magna sugere que todos possuem direitos iguais perante a lei. Assegurar os direitos dos grupos tidos como distintos é uma forma de efetivar esse principio, que é um elemento indispensável à dignidade humana.

Acredita-se ser um desrespeito aos princípios basilares da Constituição quando, questões envolvendo demandas de casais homoafetivos batem à porta do judiciário e possuem seus direitos negados e omitidos pela falta de lei que regulamente as mesmas. Na omissão do legislador, o Judiciário assume um papel hermenêutico na tentativa de efetivar a igualdade.

É, portanto, diante do princípio constitucional da igualdade, conforme o art. 3º, IV, art. 5º, I e art. 7º, XXX, todos do texto constitucional, que se proíbe qualquer desigualdade em razão do sexo, ou melhor, em razão da orientação sexual do ser humano, cuja liberdade nasce da separação psíquica e física entre o ato sexual prazeroso e a função procriativa. Todos os seres humanos dispõem, assim, de liberdade de escolha; mas se recebe, devido à escolha feita por alguém do mesmo sexo, repúdio social, está sendo discriminado em função de sua orientação sexual, evidenciando-se uma clara discriminação à própria pessoa, em função de sua identidade sexual. Portanto, o direito à opção sexual é um direito que goza de proteção constitucional, em face da vedação de discriminação por motivo de sexo. A garantia do livre exercício da sexualidade relaciona-se com os postulados da liberdade individual, da igualdade social e da solidariedade humana, sendo necessário que as relações homossexuais não sejam excluídas do mundo do Direito, para a possível contraposição à intolerância social, aos preconceitos. Conclui-se, assim,      que a inclusão das relações homossexuais no rol dos direitos humanos fundamentais (como expressão de um direito subjetivo, individual, categorial e difuso), impõe-se não só em face do princípio da isonomia, como também da liberdade de expressão (exercício da liberdade individual), do respeito ao direito de personalidade, no que diz com a identidade pessoal e a integridade psíquica e física, e da necessidade de segurança da inviolabilidade da intimidade à vida privada (base jurídica para construção do direito à orientação sexual, como direito personalíssimo). Salienta-se, ainda, o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, regra maior da Constituição de 1988, a qual dota os princípios da igualdade e isonomia de potencialidade transformadora na configuração das relações jurídicas, sendo invocáveis como fonte de disciplina destas, quando não existirem normas ordinárias a respeito do fato em consideração. (BORTOLUZZI, Roger Guardiola, 2005 apud RIBEIRO, Fabian Dall Oglio, 2010, p. 90-91).

Falta de Lei não significa impossibilidade de tutela, sendo necessário que o magistrado faça uso dos princípios constitucionais na hora de julgar demandas envolvendo direitos dos casais homoafetivos.

Garantir direitos aos casais do mesmo sexo é uma forma de se fazer justiça e efetivar a igualdade prevista na Carta Magna de 1988, atribuindo assim, verdadeiro sentindo ao Estado Democrático de Direito.

2.3 PRINCÍPIOS DA LIBERDADE, INTIMIDADE E PRIVACIDADE

 O principio da liberdade vem como forma de por limites à onipotência do Estado. Tal princípio não se restringe aos verbos “ir, vir e permanecer”, pelo contrário, possui sentido amplo, o qual engloba também a liberdade de optar.

A liberdade de fazer suas escolhas, tanto afetivas como sexuais, está inserido no princípio constitucional da liberdade, ou seja, é algo fundamental ao ser humano, o qual não pode ser julgado e discriminado por isso. Nas palavras de Dias (2011, pg. 89): “O núcleo do sistema jurídico, que sustenta a própria razão de ser do Estado, deve garantir muito mais liberdade do que promover invasões ilegítimas na esfera pessoal do cidadão”.

Ou seja, o Estado tem como dever efetivar direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Magna, porém não deve interferir na vida íntima e privada do cidadão, pois assim entende-se que:

Ora, o direito à liberdade afirma que toda pessoa humana pode fazer o que bem lhe aprouver desde que, com suas ações, não prejudique ninguém. Uma vez comprovado que a união homoafetiva não prejudica ninguém, trata-se, portanto de parcela, nitidamente, ligada à liberdade pessoal de cada indivíduo. Assim, a homossexualidade é indiscutivelmente, parte do Direito de Liberdade, do qual todos os indivíduos são portadores (...) Os direitos à intimidade e à vida privada são meros corolários do direito à liberdade. Não seria possível falar-se em liberdade sem as garantias do direito à intimidade e/ou vida privada. (CHIARINI JUNIOR, Enéas Castilho, 2004 apud RIBEIRO, Fabiana Dall Oglio, 2010, p. 90).

É primordial ao individual usufruir o direito à liberdade, pois a liberdade reforça a proteção de outros bens da personalidade como direito à identidade, o direito à imagem, o direito ao corpo. Integra a liberdade sexual a faculdade de o individuo definir a sua orientação sexual. 

De acordo com Torres (2009, p. 62): “Ademais, a liberdade sexual é pressuposto integrante da própria natureza humana; logo ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver não só garantido, mas também efetivado o livre exercício da sexualidade”.

O princípio da liberdade está consubstanciado numa perspectiva de privacidade e intimidade, podendo o ser humano realizar suas próprias escolhas, isto é, o seu próprio projeto de vida. No campo específico da homoafetividade, o princípio da liberdade se faz presente no sentindo de que toda e qualquer pessoa possui a prerrogativa de escolher o seu par, independentemente do sexo, assim como o tipo de entidade familiar que desejar constituir. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 89).

Ou seja, poder escolher quem amar, independente do sexo, sem interferência do Estado e livre de quaisquer repreensão e discriminação social, é uma forma de garantir a efetivação do princípio constitucional da liberdade.

2.4 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Ultimamente muito tem se falado no afeto como principio jurídico. De inicio, deve ficar claro que o afeto não se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer ligação ou interação entre pessoas.

O novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais, sustentando-se no amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. Quando as uniões estáveis foram reconhecidas como entidade familiar e merecedoras de tutela jurídica, tal significa que a afetividade, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. Ainda que a Constituição tenha enlaçado o afeto no âmbito de sua proteção, a palavra afeto não está no texto constitucional. Houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual. Apesar da referência ao sexo dos participeis da união estável, quer a referência à família, quer a menção ao casamento não identificam a identidade sexual de seus integrantes. (DIAS, Maria Berenice, 2011. p. 93).

Com o reconhecimento das uniões estáveis como entidade familiar, com a proteção constitucional às famílias monoparentais e com a disseminação do termo “homoafetividade” no qual se leva em consideração, não apenas, como principalmente, o vínculo de afeto existe entre casais do mesmo sexo, possibilitou os juristas em decisões jurisprudenciais a reconhecer as uniões entre casais homoafetivos como entidade familiar, detentoras de direitos análogos às uniões heteroafetivas, tendo no afeto, na igualdade, na liberdade e na dignidade, meios para se chegar ao fim, que é a felicidade.

Cada vez mais se valoriza as funções afetivas da família. Basta atentar a toda uma nova terminologia: filiação socioafetiva, dano afetivo etc. E, na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre os seus membros a família se transforma. Foi o afeto e o principio da efetividade que trazem legitimidade a todas as formas de família. Portanto, hoje, todas as relações e formações da família são legítimas. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 93).

Acredita-se que a felicidade seja o desejo comum de todo ser humano. E ultimamente, muito se tem falado em direito à felicidade que, apesar de não está consagrado constitucionalmente, é um direito fundamental.

Partindo da premissa de que todo ser humano quer e tem o direito de ser feliz, entende-se que não pode haver limites na busca dessa felicidade. Negar reconhecimento e direitos às uniões homoafetivas ou omitir-se quanto a isso, é negar a felicidade a milhares de indivíduos. A orientação sexual não pode ser fator determinante na busca e gozo da felicidade.

CAPITULO III

3 A LEGALIZAÇÃO E O RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA

Continuar acreditando em pleno século XXI ser a homossexualidade um pecado, doença ou crime é um pouco de ausência de conhecimento, assim como ignorar a existência da incidência dessas relações no meio social é estar fadado à estagnação. É intrigante como se tentou exterminar a homossexualidade do seio social, visto que a mesma foi taxada como doença, buscando uma provável cura para o então “homossexualismo”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), retirou a homossexualidade de sua lista de doenças mentais, declarando que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão, é uma tendência genética, que já nasce com o indivíduo. No entanto, os inúmeros preconceitos resultam em problemas de autoaceitação provenientes do medo da discriminação, exclusão, repreensão familiar e social.

O grande desafio encontrado pelos casais homoafetivos era a não formalização da doutrina e da jurisprudência no sentido de reconhecer a união estável como entidade familiar, nesse contexto:

A Constituição Federal de 1988, expressamente introduziu ao reconhecer a ‘união estável’ como entidade familiar, o requisito objetivo de que somente a união entre o homem e a mulher pode configurar união fundada ao companheirismo, excluindo, portando, a possibilidade de se reconhecerem as uniões entre homossexuais, mesmo que desimpedidos, convivendo com lapso de tempo razoável, com o objetivo de constituição de família. (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, 2008, p.155).

Contrapondo tal ideia, Maria Berenice Dias (2007, p.10) enuncia que o conceito de família é muito mais amplo do que aquele adquirido com a celebração do casamento.

Cada vez mais a ideia de família afasta da estrutura do casamento. A possibilidade do divórcio e o estabelecimento de novas formas de convívio revolucionaram o conceito sacralizado de matrimônio. A existência de outras entidades familiares e a faculdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operou verdadeira transformação na própria família. Assim, na busca do conceito de entidade familiar, é necessário ter uma visão pluralista, que albergue os mais diversos arranjos vivenciais. É preciso achar o elemento que autorize reconhecer a origem do relacionamento das pessoas. O grande desafio dos dias de hoje é descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita inseri-las em um conceito mais amplo de família.

Todavia, inúmeras demandas envolvendo casais homoafetivos batiam à porta do Judiciário. Dada à omissão da Lei, cabia ao magistrado enfrentar os desafios trazidos pela tutela de direitos patrimoniais, sucessórios, alimentares e adotivos demandados por casais do mesmo sexo.

3.1 O RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA NO BRASIL DE ACORDO COM O JULGAMENTO DA ADI 4277 E ADPF 132 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Nessa incansável luta dos casais homoafetivos para o serem reconhecidos como entidades familiares e gozarem da proteção estatal, tem-se o advento da Lei Maria da Penha, Lei nº. 11.340/06, a qual foi a primeira a citar as uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, sem seu art. 2º e parágrafo único do art. 5º, ampliou o conceito de família e foi um fato inexorável para a inserção das uniões entre iguais no sistema jurídico, nesse sentido:

Sendo a Lei direcionada para a violência que ocorre no seio doméstico, ou seja, dentro da família, no momento em que considera que as relações pessoais que ela trata, independe da orientação sexual, admite e reconhece a existência de famílias homoafetivas, nas quais também ocorre violência doméstica. Sua importância, portanto, reside também no fato de trazer expressamente em seu texto o reconhecimento das famílias homoafetivas como entidades familiares. (DIAS, Maria Berenice 2011, p. 282-283).

Ainda no âmbito em questão:

A questão fica mais translúcida pela interpretação sistemática do inc. II e do parágrafo único do seu art. 5º. Assim, a Lei, ao enunciar que a família compreende a comunidade formada por indivíduos que se consideram aparentados por vontade expressa (inc. III) e que as relações enunciadas no dispositivo independem da orientação sexual (parágrafo único), reconheceu legalmente a existência da família homoafetiva, já que o casal homoafetivo é formado por duas pessoas que se consideram aparentadas por vontade expressa. (VECCHIATTI, 2010, p. 95 apud DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 283).

Com esses diversos fatores elucidados, os casais do mesmo sexo, assumiram a nomenclatura de casais homoafetivos, nomenclatura esta criada e difundida pela Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, doutrinadora e pioneira na defesa da diversidade sexual, por entender que se trata de uma relação não apenas sexual como também afetiva.

Nisso, os casais homoafetivos começaram a pleitear de forma mais intensa por seus direitos, enquanto cidadãos, análogos aos dos heterossexuais, assegurados no princípio constitucional da igualdade.

Interessante destacar que, após decisões pioneiras sobre o assunto, e com grande tendência dos tribunais estaduais que definiram as varas de família para analisar a união entre pessoas do mesmo sexo, tem-se em 05.05.2011, em decisão unanime e histórica, o reconhecimento da União Estável entre casais Homoafetivos pelo Supremo Tribunal Federal, no intuito de diminuir preconceitos e disparidades de direitos:

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132:

Ementa:

1. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (adpf). perda parcial de objeto. recebimento, na parte remanescente, como ação direta de inconstitucionalidade. união homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. convergência de objetos entre ações de natureza abstrata. julgamento conjunto. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir "interpretação conforme a Constituição" ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação (...).        

Tal reconhecimento já era feito em alguns tribunais estaduais, porém, com a decisão do Supremo Tribunal Federal de efeito vinculante, os casais homoafetivos que constituem União Estável pública, contínua e duradoura passaram, analogicamente, a ter os mesmos direitos civis antes concebidos apenas para os casais em união estável heteroafetiva.

E, esse acontecimento foi um marco tão importante no ordenamento pátrio, que agora, há mais celeridade aos processos que ensejam tal reconhecimento, e proporcionou que o Brasil desse um passo importante na busca de igualdade de direitos e na luta contra o preconceito. Sendo que, tais ações que ensejam o reconhecimento da União Estável Homoafetiva, possuem natureza declaratória, haja vista que a união já existia de fato.

3.2 CRITÉRIOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

Posto isto, é válido dizer que a dualidade de sexos não é mais requisito para se estabelecer o instituto da união estável entre casais homoafetivos. Não obstante, é imperioso que haja convivência duradoura, pública e contínua, instituída com o objetivo de constituição de família.

O caráter estável se refere a uma duração prolongada no tempo, não permitindo uma feição não acidental, não momentânea, especialmente para comprovar a solidez do vínculo. A publicidade e a notoriedade da relação deve passar à sociedade a impressão de que os conviventes são casados. Além disso, a união estável poderá ser configurada mesmo que os companheiros não coabitem (Súmula nº 382, STF), e não há necessidade de fidelidade recíproca. Presentes os requisitos acima colacionados, a união homoafetiva é considerada entidade familiar, da mesma forma que a heteroafetiva (...). (CURI, Juliana Araújo, 2011, <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10208>).

Daí insere-se que a união estável homoafetiva para ser reconhecida e gozar de direitos precisa preencher alguns requisitos: ser duradoura, ou seja, prolongada no tempo; pública, o casal homoafetivo deve dar publicidade e notoriedade da relação à sociedade; e contínua, não pode ser momentânea, acidental.

CAPITULO IV

4 A POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

Assim como tempo, a relações sociais mudam constantemente. A interação entre os indivíduos sofre, diariamente, modificações e intensificações, cabendo à ciência jurídica acompanhar tal evolução social.

Todavia, nem sempre o direito consegue resguardar as novas modalidades de interação social que se desenvolvem no tempo. Como já dito, ausência de lei não significa impossibilidade de tutela, cabendo ao Judiciário legislar, aplicar e resguardar direitos quando acionado e se deparar com a omissão do legislativo.

Tão antiga quanto a heterossexualidade, as relações entre pessoas do mesmo sexo, durante séculos foram marginalizadas, assumindo status de crime, pecado e até mesmo, de doença.

Sem embargos, ante a resistência dos invivíduos homossexuais na luta por seus direitos e com a quebra de paradigmas em torno da homossexualidade, a visibilidade destas relações trouxe à tona a necessidade de se debater, dentro de um cenário jurídico, acerca dos direitos oriundos das relações entre casais homoafetivos.

Mesmo diante da omissão do Legislativo quanto à positivação e normatização dos direitos homoafetivos, inúmeras tutelas batem à porta do Judiciário, cabendo a este, assumir o papel hermenêutico, a fim de resguardar os direitos dessas novas entidades familiares.

Desconstruída a ideia de doença e banida do meio social a crença de ser, a homossexualidade, um crime, o aumento de visibilidade das relações entre casais do mesmo sexo, trouxe um novo desafio à ciência jurídica, uma vez que se faz necessário tutelar e resguardar os direitos advindos destas relações, já que as mesmas se deparam com a omissão do legislativo.

Nesta empreitada, doutrina e jurisprudência sendimentaram entendimento no sentido de reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar. Até que, em 05.05.2011, em decião unânime e histórica, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável homoafetiva, como entidade familiar, devendo seus efeitos se darem análogos ao da união estável heteroafetiva. Ou seja, a decisão da Corte deu proteção e reconhecimento às uniões homoafetivas, igualando-as às uniões heterossexuais, em deveres e direitos. Ainda, a mencionada decisão possui eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Daí, conclui-se que os casais de pessoas do mesmo sexo gozam dos mesmo direitos patrimoniais, sucessórios, previdenciários e alimentícios que os casais que vivem em união estável heterossexual.

Porém, questiona-se: mesmo com o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar, deferindo-lhes, dentre outros, direitos de cunho patrimonial e sucessório, tal fato tem o condão de possibilitar a estes casais o direito à adoção de crianças e adolescentes?

4.1 OS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA E A CLASSIFICAÇÃO TRINÁRIA          

A evolução e intensificação das relações sociais ocasionaram direta mutação no modelo tradicional de família. Os direitos adquiridos pelas mulheres, a possibilidade do divórcio, o advento da união estável e, mais recente, o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar, demontra uma mudança no cenário socio-jurídico.

Com o advento da Constituição de 1988, em seu art. 226, o qual reconhece e resguarda novos modelos familiares, como a união estável e as famílias monoparentais, observa-se uma desconstitucionalização do modelo tradicional familiar, que possuia como entes formadores o homem, a mulher e sua prole.

Ultrapassando antigos esteriótipos, o modelo familiar dito como “moderno”, deixou de ter o viés ecoônimo e passou a ser fundando unicamente na afetividade, solidariedade e cooperação mutua entre os indivíduos.

Assim, a família deixou de ser a instituição nascida, necessariamente, do matrimônio que legitimizava a relação entre os cônjuges e a prole dela advinda, assegurando a prole legítima e a transmissão do patrimônio atráves da distribuição dos papéis e de lugares para se transformar numa rede de relações afetivas, sentimentais e de solidariedade, na qual se aposta na construção de laços de afeto baseados nas identidades pessoais de cada um dos seus componentes e na interação entre seus membros. Nesse contexto, teríamos um mundo no qual as relações familiares seriam escolhidas, o casamento seria uma opçãode constituição de entidade familiar ladeado pela união estável, pelas uniões homoafetivas e pela monoparentalidade (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 350).

Nesse diapasão, tem-se o reconhecimento da pluraridade da formação familiar, abrangendo muito mais agentes do que a simples formação natural, em que reconhecia como entidade familiar os pais e seus descedentes. Neste sentido:

a) Natural: formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes; b) Extensa: formada também pelos parentes próximos com os quais a criança convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Poderá evoluie para a família substituta com algumas ressalvas; c) substituta: formada em razão da guarda, da tutela e da adoção. Pode ser concedida à família extensa, com algumas ressalvas, bem como a terceiros não parentes.  (ROSSATO, Luciano Alves, 2009, p. 27 apud DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 350).

Diante disto, verifica-se a nítida mudança quanto ao aspecto da entidade familiar. Hoje, a família é fundada no amor e na cooperação, tendo o afeto, como fator preponderante e norteador das relações familiares, tornando-se, inclusive, mais imporante que os laços consanguíneos.

4.2 A PROTEÇÃO INTEGRAL E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente, normatizado na Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990, tem como objetivo principal assegurar e resguardar direitos dos menores, dando proteção integral à criança e ao adolescente.

Pode-se destacar o princípio da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta como norteadores e primordiais no que tange à proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Neste sentido:

a) Princípio da proteção integral: considera a criança e o adolescente sujeitos de direito, devendo as políticas públicas respeitarem e contemplarem tal fato; b) Princípio da prioridade absoluta: determina a prevalência incontestável de atndimento aos interesses da criança e do adolescente. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 350).

Nota-se que, com a normatização dos direitos da criança e do adolescente, fazendo com que estes tornem-se sujeitos de direito, maximizou-se o príncipio do melhor interesse da criança, uma vez que em situações socio-jurídicas que envolvam menores, deverá prevalecer o que for de melhor interesse do infante.

Diante da concepção da criança como sujeito de direito e da valorização jurídica do afeto na estrutura familiar, decorre o princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, segundo o qual, por se encontrar o menor numa situação de fragilidade, por conta do seu processo de amadurecimento e formação da personalidade, merece destaque especial no ambiennte familiar. (TORRES, Aimbere Francisco, 2009, p. 96-97)

A proteção aos direitos da criança e do adolescente é norma constitucional, uma vez que o art. 227 da Carta Maior cita que, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Logo, observa-se que a Constituição Federal de 1988, além de tornar a criança e o adolescente sujeitos de direitos, responsabilizou a família, a sociedade e o Estado como garantidores de meios que viabilizem o crescimento e desenvolvimento do infante, quanto cidadão.

Desfrutar de um ambiente familiar seguro, estável, onde seja valorado o afeto, o cuidado e mútua assistência, sem dúvida, encontra-se inserido no princípio do melhor interesse da criança e o adolecesnte, uma vez que o desenvolvimento, crescimento e formação de caráter do infante, enquanto cidadão detentor de direitos e deveres, depende de uma harmonica convivência familiar e comunitária.

4.3 O INSTITUTO DA ADOÇÃO

Em um breve resumo histórico, observa-se que o instituto da adoção era utilizado por povos orientais, bem como mostrou-se presente na Grécia, contudo, fora apenas no Direito Romano que o instituto ganhou disciplina e ordenamento sistemático.

É que os romanos consideravam vergonhoso uma pessoa “sui iuris” morrer sem deixar descendentes. Passou, assim, a adoção a representar o meio de aquisição desses descendentes, ao mesmo tempo em que possibilitava aos latinos e peregrinos o “status civitatis”, sendo, poor igual, meio de ingressas pessoa da peble no patriarcado. (RODRIGUES, Maria Stella Souto Lopes, 1994, p. 08)

Observa-se que o instituto da adorção surge, inicialmente, como forma de proporcionar ao homem e a mulher que, por problemas de saúde ou qualquer outro, não podiam conceber filhos, de constituir família. Nota-se o viés ecônomico da adoção, uma vez que não se buscava, nem primava, pela concepção do laço de afeto entre o adotante e o adotado. Buscava-se, somente, sucessores para famílias patriarcais que não podiam gerar filhos próprios.

Em contrapartida, na Idade Média, onde se observou o auge do domínio clerical, o instituto da adoção caiu em desuso, uma vez que se valorizava apenas a família oriunda do matrimônio. 

Nas palavras de Girardi (2005, p. 115): “A imposição regiliosa determinava o dever da procriação, pois a filiação não estava ligada aos desejos e questões pessoais dos membros da família, mas sim circunscrita à função da perpetuidade do culto e da religião doméstica.”

Apenas era valorado e permitido a filiação natural, a qual tinha como objetivo a continuidade e perpetuação da existência da família, evitando assim, o perecimento da linhagem.

Com o Código de Napoleão da 1804, o instituto da adoção fora retirado do esquecimento, uma vez que o próprio, fez uso de tal ato ao adotar uma criança, já que não possuia herdeiros. Daí, a adoção ganhou novas perspectivas, tendo se irradiados para diversas legislações modernas.

No Brasil, tem-se o Código Civil de 1916, como primeiro normatizador do instituto da adoção no país. Com raízes no Direito Romano, a matéria era tratada no Capítulo V, título V, e distribuida entre os artigos 368 a 378.

Visava precipuamente aos interesses dos adotantes; a adoção era levada a efeito por meio de escritura pública, limitando o vínculo de parentesco entre o adotante e o adotado, sendo certo, ainda, que somente podia adotar que não tivesse filhos. (TORRES, Aimbere Francisco, 2009, p. 105)

Observa-se que, com claros resquícios do Direito Romano, o Código Civil de 1916 permite a adoção aos casais que não podiam gerar filhos, priorizando os direitos do adotante.

No Código civil de 1916, o instituto da adoção era disciplinado com base nos princípios do direito romano, ou seja, era destinado a proporcionar aos casais estéreis a chance de dar continuidade a sua família sendo está permitida apenas para casais maiores de 50 anos. Expressamente restrito aos casados, era necessário o vinculo matrimonial com reconhecimento judicial para que assim fosse possível dar entrada ao processo de adoção. Os direitos assegurados eram do adotante e não do adotado, o adotado era tratado como segundo plano para a lei. O vinculo estabelecido pelo instituto da adoção somente era restrito ao casal, e não aos demais entes familiares. (NOBRE, Rodrigo Igor Rocha de Souza, 2014, < https://jus.com.br/artigos/29979/o-instituto-da-adocao>).

Nota-se que o ato da adoção não integrava o adotado à sua nova família, uma vez que era mantido o vínculo com sua família consanguínea. Nem encontrava-se asseguradora os interesses da criança e do adolescente. Destaca-se a natureza contratual do referido instituto.

Trata-se, pois, a adoção como negocio jurídico unilateral e solente. Porém, a unilateralidade desse instituto não é perfeita e gera controvérsias, uma vez que a lei determina o consentimento dos pais ou do representante legal do adotando para que o ato se consume. Este requesito foi a mola propulsora da definição da adoção como um contrato. “Mas, como há a hipótese em que tal concordância não é exigidae como principal manifestação de vontade é a do adotante, não choca admiti-la como ato unilateral. (RODRIGUES, Silvio, p. 335, apud DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 354).

Por conseguinte, a Lei nº 3.133/57 alterou os arts. 368, 369, 372, 374 e 377, dispõs acerca dos apelidos do adotado, bem como passou a tutelar os interesses do adotado.

A Lei nº 4.655/65 traz ao instituto da adoção a legitimação adotiva, bem como permite a adoção do menor abandonado e cessa o vínculo de parentesco com a família natural.

Sobreveio nos anos 60 a Lei nº 4.655/65, que introduziu em nosso tecido jurídico o instituto da legitimação adotiva, por meio do qual se positivou a adoção de criança exposta, ou seja, filhos de pais desconhecidos ou que hajam declarado por escrito que pudessem os filhos ser dados, bem como a adoção do menor abandonado até 7 anos de idade, ou cujos pais tenham sido destituídos do pário poder. A nova modalidade de adoção (legitimação adotiva) somente era permitida a que fosse realmente casado e dependia d edecisão judicial; era irrevogável e fazia cessar o vínculo de parentesco com a família natural, com exceção dos impedimentos matrimoniais. (TORRES, Aimbere Francisco, 2009, p. 105-106)

O Código de Menores, Lei nº 6,697/79, revogou expressamente a Lei nº 4.655/65 e estabeleceu duas espécies de adoção: adoção simples (arts. 27 e 28), disciplinada pelo Código Civil de 1916; e a adoção plena (arts. 29 a 37), na qual era cessado qualquer vínculo do adotado com seus pais e parentes consanguíneos.

A adoção simples disciplinada pelo Código Civil, criava um parentesco civil entre o adotante e adotado, parentesco que se circunscrevua a essas duas pessoas, não se apagando jamais os indícios de como esse parentesco se construíra. Ela era revogável pela vontade concordante das partes e não exintguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural. A adoção plena, ao contrário, apagava todos os sinais do parentesco natural do adotado, que entrava na família do adotante como se fosse filho de sangue. Seu assento de nascimento era alterado, os nomes dos genitores e avós paternos substituídos, de modo que, aquele parentesco passa a ser o único existente. (RODRIGUES, Silvio, 1991, p. 341).

A Contstituição Federal de 1988, lasteada pelos príncpios da dignidade da pessoa humana e isonomia, traz em seu art. 227, § 6º, um novo arquetipo para adoção, igualando os filhos, havido ou não na relação de casamento, ou por adoção, em direitos e qualificações, ainda, proibe qualquer tipo de discriminação.

Vislumbra-se que a Constituição de 1988 valoriza a pessoa humana e o melhor interesse da criança, não permitindo qualquer distinção entre filhos naturais e adotivos, igulando-os em direitos e deveres.

Em 13 de Julho de 1990, surge no cenário jurídico brasileiro o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual veio para contemplar os preceitos difundidos na Carta Magna de 1988 e Convenções Internacionais, passando a regular o sistema de adoção dos menores de 18 anos, cuja efetividade está condicionada à chancela judicial.

Tal Estatuto busca a aplicabilidade da proteção integral do infante e do seu melhor interesse, assegurando-lhes direitos, inclusives sucessórios, bem como a igualdade de tratamento, confirmando assim, seu status quo de sujeito de direito.

Por conseguinte, o Código Civil de 2002 mantem as orientações estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo-o ser aplicado subsidiariamente.

4.4 A REALIDADE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

Com o advento da Carta Magna de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção perde sua natureza contratual e passa ser uma modalidade de filição construída no amor, na proteção, cooperação e solidariedade, igualando-se à filiação biológica.

Vários são os motivos que levam a criança e o adolescente à situação de adotante. O abandono,  a pobreza, a violência doméstica, a dependência química dos pais e a orfandande, podem ser listados como os principais fatores para as crianças estarem em abrigos.

Hoje, de acordo com o Cadastro Nacional de Adoções, há 7.158 crianças aptas à adoção e 38 mil interessados em adotar.

Em 2016, foram adotadas 1.226 crianças e adolescentes em todo o país por meio do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os estados com maior número de adoções foram Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Minas Gerais. O número pode ser ainda maior, já que há possibilidade de atraso na comunicação das adoções realizadas ano passado. Hoje, de acordo com o CNA, há 7.158 crianças aptas à adoção e  38 mil interessadas em adotar. (Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84325-cadastro-nacional-de-adocoes-1-226-adocoes-realizadas-em-2016> Acesso em 18 maio de 2017)

Apesar da disparidade entre o número de adotantes em relação ao número de crianças aptas à adoção, o instituto encontra entrave na preferência dos pretendente, geralmente por crianças brancas de até 03 anos de idade, o que difere do perfil mais comum cadastrado para adoção.

Além da etnia, alguns fatores como idade, problemas de saúde, como deficiência física e mental, são preponderantes no momento da adoção. Observa-se que os adotantes, geralmente, criam “perfis idealizados” de crianças que representam quantidade ínfima daquelas aptas à adoção.

4.5  ADOÇÃO HOMOPARENTAL E SUA POSSIBILIDADE FUNDADA NOS PRÍNCIPIOS DA AFETIVIDADE, SOLIDARIEDADE, DIGNIDADE E ISONOMIA

Antes de entrar no mérito da questão, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido de adoção por casais homoparentais, faz-se necessário discorrer acerca dos quesitos de adoção junto ao ECA.

Em suma, de acordo com do Estatudo da Criança e do Adolescente, estabelece, dentre outras coisas, que podem adotar: pessoas maiores de 18 anos, independente do estado civil; para adoção conjunta, é necessário que os adotante sejam casados ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família; a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Nota-se que, ao analisar minusciosamente o referido estatuto, em momento algum se observa a orientação sexual como obstáculo ou impeditivo para adoção.

O art. 42 do ECA expôe que podem adotar as pessoas maiores de 18 anos, independentemente do estado civil, sem registrar qualquer outro impeditivo, principalmente no concernente à orientação sexual dos candidatos. Já o art. 43 faz referência ao fato de a adoção somente será deferida se apresentar reais vantagens à criança e possuir motivo legítimo. O art. 28 do ECA define a colocação da criança em família substituta, sem mencionar como deve ser a constituição desta família, porém o art. 29 veda a colocação em família cujos membros temham alguma incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar favorável. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 355).

Antes, poderia se destacar como percalço à adoção por casais homoafeitvos, o §2º do art. 42, quando trata da adoção conjunta, uma vez que é indispensável que os adotantes sejam casados ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.

 Contudo, com o reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar, pelo Supremo Tribunal de Justiça, devendo seus efeitos se darem análogos aos das uniões heterossexuais, conclui-se que, a adoção por casais homoparentais não mais encontra impedimento legal que impossibilite seu deferimento.

Outro entrave, porém não superado, encontrado pelos pares homoafetivos ao pleitearem adoção de criança e adolescente, é a omissão legal quando sua possibilidade, inflamado pelo preconceito da parcela mais conservadora da sociedade.

Visando driblar tal óbice, casais homoafetivos tendem a optar pela adoção individual, ou seja, apenas um dos parceiros se inscreve e adota a criança, que passará a viver com o casal, constituindo assim, uma família homoafetiva e não monoparental.

Os riscos para o infante são grandes: em caso de separação do par homoafetivo, aquele que não o adotou legalmente sairá da relação sem a obrigação de prestar alimentos e privado do direito à convivência, uma vez que não possui vínculos jurídicos com o filho. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 358).

Resta nítido que o parceiro que conviveu com a criança, participou da sua formação, compartilhou de todo afeto e cuidado, pode requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, contudo, tal fato deverá ser provado mediante longo processo judicial. Ainda, a falta que legislação que regulamente a adoção por casais homoparentais, dificulta ainda mais a tutela jurisdicional.

Por muito tempo questionou-se a orientação sexual dos adotantes seria um fator de risco para o desenvolvimento sádio da criança e do adolescente adotado. Questionou-se, também, a possibilidade do infante vir a sofrer má influência dos seus pais ou mães e sofrer discriminação que abale sua moral e seu psicológico, uma vez que a criança não estaria inserida em uma família com características tradicionais.

Porém, “essas preocupações são afastadas com segurança por quem se debruça no estudo das famílias com essa conformação”. Um estudo elaborado na California, desde 1970, com famílias ditas não convencionais concluiu que “nada há de incomum quanto ao desenvolvimento do papel sexual dessas crianças. As meninas são tão femininas quanto as outras e os meninos tão masculinos quanto aos demais. A criança em lares formados por lésbicas não leva, por si só, a um desenvolvimento psicossocial atípico ou constitui um fator de risco psiquiátrico. Consequentemente ou não, se as pesquisas realizadas não observam a ocorrência de disturbios ou desvios de conduta por parte de crianças ou adolescentes criados por parceiros homossexuais, dificultar a adoção somente pela orientação sexual dos adotantes por vir a excluir, quiçá impedir a possibilidade de oferecer um lar, carinho, educação e afeto a crianças institucionalizadas ou então abandonadas, relegando-as aos maus tratos e marginalização. (DIAS, Maria Berenice, 2011, p. 359).

Diante disto, observa-se que foram realizados estudos especializados e que os mesmos não aponta quaisquer obstáculo para que crianças sejam adotados por casais homossexuais.

Nota-se que o indeferimento da adoção por casais homoafetivos, encontra entrave em dois favores principais: a religiosidade, que contribui para manuntenção do preconceito e da discriminação e a questão cultural que estabelece como modelo tradicional de família, aquele composto pelo homem, pela mulher e sua prole. Famílias que destoem deste modelo “tradicional” são mais vulneráveis a sofrer repreensão e discriminação social.

Seja pela provável influência na sexualidade do infante, seja pelo fato do mesmo não está inserido em um modelo tradicional de família, nota-se que o preconceito, a discriminação e o conservadorismo ainda encontram-se formentados nas decisões que indeferem a adoção por casais homoparentais.

A Carta Magna de 1988 ao difundir princípios norteadores do Direito Brasileiro, tem como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade, conceitos basilares do Estado Democratico de Direito.

Ainda, a mencionada Carta Maior, em seu art. 226 e parágrafos, reconhece e resguarda as novas formações familiares. A família deixa de ser fudanda em interesses socio-econômicos, para ter como base o afeto, a colaboração múta, a proteção e a solidariedade dos conviventes.

Negar aos casais homoparentais o direito à adoção, é negar-lhe o direito personalíssimo à maternidade/paternidade e infrigir regras e preceitos constitucionais.

O não reconhecimento do direito à adoção por casais homoafetivos vai contra o melhor interesse da criança, uma vez que, ao indeferir pedidos dos casais do mesmo sexo, é tirar da criança e do adolescente a oportunidade de fazer parte de uma família que lhe permitirá usufruir de todo afeto e carinho e lhe proporcionará saúde, educação e moradia.

Felizmente, os tribunais regionais e superiores vem se posicionando no sentindo de dirimir desigualdades e desconstruir preconceitos.

Apelação cível. Destituição de poder familiar. Abandono da criança pela mãe biológica. Adoção por casal do mesmo sexo que vive em união estável. Melhor interesse da criança. Registro de nascimento. Recurso conhecido e provido. I - A destituição do poder familiar é medida extrema, só devendo ser concretizada se comprovada a impossibilidade de permanência do menor com os pais. II - Sempre que se tratar de interesse relativo às crianças e adolescentes, o magistrado deve se ater ao interesse do menor, considerando, para tanto, primordialmente, o seu bem estar. III - O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceu a existência de entidade familiar quando duas pessoas do mesmo sexo se unem, para constituição de uma família. IV - A vedação à discriminação impede qualquer interpretação proibitiva de que o casal homoafetivo, que vive em união estável, adote uma criança. V - Demonstrado nos autos que a genitora, com histórico de conduta agressiva e envolvimento com prostituição, abandonou a menor entregando-a aos cuidados das requerentes, e que a convivência com o casal homoafetivo atende, de forma inequívoca, o melhor interesse da criança, a destituição do poder familiar é medida que se impõe, nos termos do artigo 1.638, II e III, do Código Civil. VI - O pedido de adoção deve ser deferido em nome de ambas as autoras, sob pena de prejuízos à menor de ordem material (direito de herança, alimentos, dentre outros). (TJMG, AC 1.0470.08.047254-6/001 (AC 0472546-21.2008.8.13.0470), 8ª C. Cív., Rel. Des. Bitencourt Marcondes, j. 02/02/2012).

Ainda, neste sentido:

Apelação cível. Adoção por casal formado por pessoas do mesmo sexo. Possibilidade. Recurso provido. A omissão legal não significa inexistência de direito, tampouco quer dizer que as uniões homoafetivas não merecem a tutela jurídica adequada, inclusive no que tange ao direito de adotar, motivo pelo qual não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido de adoção. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família, de modo que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana. Sendo possível conceder aos casais formados por pessoas do mesmo sexo tratamento igualitário ao conferido às uniões estáveis entre heterossexuais, não há que se falar em impossibilidade de adoção por casais homossexuais, ainda mais quando nem o ECA tampouco o Código Civil trazem qualquer restrição quanto ao sexo, ao estado civil ou à orientação sexual do adotante. Assim, na ausência de impedimentos, deve prevalecer o princípio consagrado pelo referido estatuto, que admite a adoção quando se funda em motivos legítimos e apresenta reais vantagens ao adotando. (TJMT, AC 78200/2009, 2ª C. Cív., Rel. Desa. Maria Helena Gargaglione Póvoas, j. 28/04/2010).        

Daí, conclui-se que mesmo ante a omissão legal, não pode o Judiciário fechar os olhos para as demandas que tutelem direitos homoafetivos.

Assegurados pelos principios constitucionais da igualdade, dignidade, afetividade, solidariedade, não discriminação, pluralismo das famílias e do melhor interesse da criança e do adolescente, doutrina e jurisprudência estão a conferir aos casais homoafetivos legitimidade à adoção. Decidir em sentido contrário, seria caminhar na contra-mão da evolução social.

As famílias homoparentais sempre estiverem presentes no meio social. Apesar de todo o esforço do Judiciário em reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar, e assegurar-lhes direitos, a omissão do Legislativo e o preconceito social, ainda formam uma forte barreira a ser vencida.

Continuar omitindo-se quanto aos direitos homoafetivos fere os princípios trazidos pela Carta Magna de 1988, além de não efetivar a ideia de Estado Democrático de Direito.

Não permitir a adoção de crianças e adolescentes por casais homoparentais sob o fudamento de ausência de previsão legal ou motivado por concepções conversadoras e discriminatórias, é largar-lhes à boa-sorte na luta pela sobrevivência. Significa infrigir norma constitucional, uma vez que, de forma negligente, é retirado dessas crianças uma perpectiva do futuro e desenvolvimento harmonioso de sua personalidade.

CONCLUSÕES

Do pecado ao crime, do crime à doença, da sociedade de fato à de afeto. Longo foi o caminho percorrido pelos casais homoafetivos na incansável busca por seus direitos. Caminho este sempre cheio de preconceitos e repreensão. Com surgimento do Cristianismo e a Igreja assumindo o papel do Estado, a homossexualidade passou a ser considerada um pecado, assim como todas as formas de prática sexual que não tivesse como finalidade a procriação.

A repreensão se tornou tão severa que proibir já não era o suficiente, era necessário punir, passando a homossexualidade a ser tratada como crime, sujeita as mais terríveis e desumanas penalizações. Depois, passou-se a considerar o então “homossexualismo”, uma doença.

 Foi apenas em meados do século XX que a questão da homossexualidade passou a ser debatida, e este cenário de negação, omissão e marginalização, tornou-se insustentável. Os indivíduos homossexuais foram às ruas na busca de igualdade enquanto cidadãos. A homossexualidade deixou de ser considerada doença, extinguindo-se o termo “homossexualismo”, e passou a ser considerada um estilo de comportamento. Muitos países europeus passaram a legislar sobre os direitos dos casais homossexuais, dando a estes, status análogos aos casais heterossexuais.

O Brasil, a passos curtos, vai derrubando barreiras e preconceitos, quando se trata dos direitos homoafetivos, no intuito de garantir igualdade e dignidade, princípios basilares da Carta Magna de 1988. Na busca por seus direitos, os casais do mesmo sexo começaram a acionar o Judiciário. Este, ao se deparar com a omissão do Legislador, viu a necessidade de não apenas cumprir sua função de julgar, mas também a de legislar sobre o assunto, afinal, falta de Lei não significa impossibilidade de tutela.

A Carta Magna de 1988 trouxe os princípios da igualdade, dignidade, liberdade e não discriminação de qualquer natureza, sendo um marco inicial na luta pelos direitos homoafetivos até então omitidos. Porém, foi apenas em 2006, com edição da Lei nº. 11.340/06, Lei Maria da Penha, que as famílias homoafetivas foram mencionadas dentro do sistema legislativo brasileiro pela primeira vez.

Das Varas Cives às Varas da Família, da sociedade de fato à de afeto. Finalmente, em 05.05.2011, em decisão histórica e unanime, o Supremo Tribunal Federal reconheceu as uniões homoafetivas, devendo estas ter efeitos análogos aos das uniões heteroafetivas. A decisão teve caráter vinculante, ou seja, todos os tribunais estaduais deveriam seguir o posicionamento do STF.

O reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar garantiu aos casais que vivem nessa condição, direitos de caráter patrimonial e sucessórios análogos dos casais heterossexuais. Porém, questiona-se, numa interpretação mais ampla do assunto, se tal julgado possilibilitou a adoção de crianças e adolescentes por casais homoparentais.

A Carta Magna de 1988, em seu art. 226 e parágrafos resguarda a família e estende a proteção estatal, não só a família advinda do casamento, como também, a concebida pela união estável e as monoparentais. Deve-se incluir neste rol, as famílias homoafetivas, uma vez que as mesmas foram reconhecidas como entidade familiar pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar de todo o esforço do Judiciário em reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar, assegurando-lhes direitos, a omissão do Legislativo, a religiosidade e o conservadorismo de parcela da socidade, ainda formam uma forte barreira a ser vencida.

O direito a adoção, assim como os patrimoniais e sucessórios, deve ser assegurado aos casais homoafetivos, diante dos princípios da dignidade, igualdade e não discriminação.

Indeferir o pedido de adoção de casais homoparentais é atentar aos preceitos fundamentais e retirar destas crianças, a possibilidade de desfrutar de um ambiente familiar saudável, repleto de amor, carinho e afeto. É largar estas crianças à boa-sorte da vida nas ruas ou em abrigos, deixando-os vulneráveis ao tráfico, à violência sexual e a criminalidade.

É necessário a isonomia no processo de adoção, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente em momento algum proibe expressamente a adoção por casais homoafetivos ou não vislumbra na orientação sexual impedititivo para tal.

Se ainda restarem questionamentos quanto os possíveis abalos morais e psiquicos que crianças adotadas por casais homoafetivos podem vir a sofrer, o caminho correto a se seguir é a realização de avaliação feita por equipes interdisciplinares no sentindo de verificar as vantagens para criança e lhe assegurar a proteção e o melhor interesse. Tais estudos, contribuiriam, ainda, para o rompimento de paradigmas em cima da possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, uma vez que confirmaria a capacidade destes casais de cooperar na formação e educação destas crianças enquanto cidadãos.

Diante disto, medidas que desconstroem preconceitos e dirimem as desiguldades socio-jurídicas, são formas de se buscar a promoção da justiça e a concritude do Estado Democrático de Direito, além de promover o bem-estar social e incentivar o caráter inclusivo do Estatudo da Criança e do Adolescente.

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Sobre o autor
Wyller Hudson Pereira Melo

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia (2013). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas (2017). Pesquisador de temáticas envolvendo direitos de pessoas LGBT's e Direitos Humanos.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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