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O dano existencial nas relações de trabalho, à luz da reforma trabalhista

12/03/2018 às 10:30
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Ainda se confunde o fenômeno jurídico do dano existencial com o bem conhecido dano moral, havendo muitas vezes uma equivocada análise sobre tais institutos.

O início da vigência da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17) trouxe alguns questionamentos aos empresários, especialmente em relação aos novos institutos que passaram a ser positivados na legislação.

O presente artigo se destina a compreender e discutir o dano existencial, instituto jurídico pertencente ao campo de estudo da responsabilidade civil, que passou a ser previsto expressamente dentre as hipóteses de dano extrapatrimonial trazidas pela Reforma.

O conceito de dano existencial nasceu no Direito Italiano na década de 1950, em decorrência da necessidade de se ampliar o campo de abrangência da responsabilidade civil para que o Direito pudesse acompanhar a evolução social. Em seguida, surgem institutos equivalentes no Direito Francês (préjudice d’agrement) e Inglês (loss of amenities of life).

O dano existencial, também chamado de dano à existência do trabalhador, decorre da:

[...] conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade; ou que impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal. (BOUCINHAS FILHO, 2013, p. 451)

Uma das pioneiras no tema, Soares (2009, p. 44) conceitua o dano existencial como a “lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social”. Para a autora, essa afetação negativa pode ser total ou parcial, permanente ou temporária, inerente a uma atividade ou a um conjunto de atividades que o trabalhador já tinha como incorporado ao seu cotidiano mas que precisou modificar ou suprimir, em razão da lesão.

A doutrina (BOUCINHAS FILHO, 2013, p. 452) se firmou no sentido de que além dos elementos inerentes a qualquer forma de dano (prejuízo, ato ilícito e o nexo de causalidade entre as duas figuras), o conceito de dano existencial é integrado por outros dois elementos que podem ser verificados cumulativa ou isoladamente: o projeto de vida e a vida de relações. Quanto à vida de relação, o dano restaria caracterizado, na sua essência, pela violação ilícita que prejudica a realização de atividades criativas, convívio familiar ou o atendimento a compromissos sociais.

 No dano ao projeto de vida, o bem tutelado é outro. O projeto de vida consiste em uma aspiração possível, razoável e concretizável, um futuro desejado pelo indivíduo que lhe trará satisfação, prazer, felicidade.

 Portanto, é possível estabelecer que dano existencial é o prejuízo sofrido pelo empregado que, de forma ilícita e irregular, tem abreviado seu tempo livre, de modo a impedir seu relacionamento familiar e social, ou dificultar a execução e conclusão de seus planos pessoais.

 A doutrina não é pacífica quanto à possibilidade de caracterização de dano existencial em ato único do empregador. Compartilha-se do entendimento que para a configuração do dano existencial, além do caráter ilícito da violação à vida de relação e ao projeto de vida, necessária se faz a reiteração da conduta, uma vez que, por certo, o trabalhador não terá prejuízo real ou relevante aos referidos bens jurídicos na ocorrência de episódio único.

 O dano à existência não era expressamente identificado na legislação, até que a Lei n. 13.467/2017 incluiu na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o dispositivo 223-B e 223-C no recém-criado Título II-A (“Do Dano Extrapatrimonial”) do Diploma Consolidado.

 Observe-se que ao passo que o legislador prevê a possibilidade de dano existencial, também tutela a intimidade, a autoestima e o lazer do trabalhado.

 Ademais, a Constituição Federal já estabelecia como fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre outros, os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, CRFB/1988). Nota-se ainda que o constituinte teve o cuidado de tutelar a vida privada (art. 5º, X, CRFB/1988), o direito ao lazer (art. 6º, CRFB/1988) e ao acesso à cultura (art. 215, CRFB/1988), em clara preocupação com o bem-estar do cidadão brasileiro.

Analisando os dispositivos citados, em conjunto com aqueles que tutelam a família (art. 226 e 227, CRFB/1988) e a convivência com os filhos, bem como a educação (art. 229, CRFB/1988), se verifica cristalina intenção em garantir ao indivíduo um mínimo existencial, que se traduz no direito fundamental às condições materiais imprescindíveis à fruição de uma vida digna.

A doutrina identifica três fundamentos sobre os quais se apoiam as normas sobre duração do trabalho, fisiológico, econômico e social, senão vejamos:

No tocante à fisiologia do trabalhador, [...] as longas jornadas de trabalho têm sido apontadas como fato gerador do estresse, porque resultam em um grande desgaste para o organismo. [...] A par do desgaste para o organismo, o estresse é responsável ainda pelo absenteísmo, pela rotação da mão de obra e por acidentes de trabalho. Com relação ao fundamento de natureza econômica, tem-se que um empregado descansado é capaz de produzir mais e com melhor qualidade. Quanto ao fundamento de natureza social, sabe-se que o obreiro precisa dispor diariamente de tempo livre para realizar seus compromissos sociais e dar atenção à sua família. (TAVARES, 2016, p. 715, grifo nosso)

A Carta Magna estabelece (art. 7º, XIII, CRFB/1988) que a duração normal do trabalho não será superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, ao passo que a CLT regula (Capítulo II - “Da Duração do Trabalho”, art. 57 ao 75) as normas de controle destes períodos.

Dentre os dispositivos do Diploma Consolidado, há que se destacar aqueles que limitam o número de horas extras (art. 59, CLT) e que permitem a extrapolação deste limite somente em situações excepcionais (art. 61, CLT), refletindo constante preocupação do legislador em impedir que o empregado deixe de desfrutar do direito à desconexão.

De igual importância às relações de trabalho, os intervalos de descanso merecem destaque no presente estudo. Os intervalos também são conhecidos como pausas ou períodos de não trabalho.

Os intervalos estabelecidos pelo direito positivado visam reduzir os riscos à saúde e à segurança do trabalhador. A previsão de lapsos para o repouso também se deu diante da necessidade de se evitar a fadiga física e mental do trabalhador, lhe facultando a possibilidade de realizar de seus projetos pessoais e exercer o convívio familiar e social, durante o tempo de não trabalho.

E para o atingimento de tais finalidades, a legislação trabalhista brasileira prevê variada gama de intervalos intrajornada (dentro da jornada) e interjornada (entre duas jornadas).

Cita-se, apenas de forma exemplificativa, os intervalos intrajornada previstos na CLT, para descanso e refeição de quinze minutos a duas horas (art. 71, CLT), pausa para datilógrafos de dez minutos a cada noventa minutos de trabalho (art. 72, CLT) e a pausa de vinte minutos a cada uma hora e quarenta minutos de trabalho contínuo em câmara frigorífica (art. 253, CLT). Até 10/11/2017 a CLT previa ainda uma pausa de quinze minutos para mulheres, antes da realização de horas extras, mas o dispositivo (art. 384, CLT) foi revogado pela Lei n. 13.467/2017.

Em que pese a importância dos intervalos intrajornada, é a violação dos intervalos interjornada que geralmente acarretam os danos existenciais, pois conforme visto, são nestes períodos que o trabalhador se dedica aos projetos de vida e às relações familiares e sociais.

Também de forma não exaustiva, vale citar os intervalos interjornadas previstos pela legislação, sendo os principais o intervalo mínimo de onze horas entre uma jornada e outra (art. 66, CLT), repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas (art. 67, CLT), descanso em feriados (art. 70, CLT) e férias anuais (art. 130, CLT).

 O respeito aos limites da jornada de trabalho e a fruição plena dos intervalos, segundo a doutrina, são fundamentais para que o empregado não veja sua existência ameaçada.

Portanto, em vista dos novos rumos que o Direito do Trabalho está tomando, especialmente em razão da Reforma Trabalhista levada a efeito pela Lei n. 13.467/2017, os empregadores devem estar atentos a possíveis violações dos projetos de vida de seus empregados, bem como a eventual inviabilização da vida de relação, igualmente tutelada, como visto, pela Constituição Federal.

 Conforme será observado, ainda se confunde o fenômeno jurídico do dano existencial com o bem conhecido dano moral, havendo muitas vezes uma equivocada análise sobre tais institutos.

 A Constituição Federal estabelece que todos possuem direito à indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V, CRFB/1988), ao mesmo passo que assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (art. 5º, X, CRFB/1988).

 Após apressada análise do texto constitucional, poder-se-ia constatar que o Estado Democrático de Direito tutela apenas três tipos de danos – morais, materiais e à imagem – sendo cabíveis duas espécies de indenização: por danos morais e por danos materiais.

 Ocorre que essa não é a interpretação mais adequada, uma vez que se observa clara, porém compreensível – devido ao estágio do estudo da Teoria Geral do Direito à época da promulgação da Carta Magna, em 1988 – equívoco do constituinte ao estabelecer nos referidos dispositivos o termo “dano moral”, ao passo que a doutrina majoritária avalia que o mais preciso seria “dano imaterial” ou “dano extrapatrimonial”. Analisa-se o motivo:

A verdade é que o legislador empregou a expressão dano moral com diferentes significações ao longo das passagens em que foi inserida, ora se reportando a um sinônimo de danos materiais (vide art. 5º, X, da CRFB/88 e art. 927 c/c art. 186 do CC) – o que não se mostra apropriado -, ora se referindo à espécie dano moral contida no gênero dano imaterial (vide art. 5º, V da CRFB/88), deixando a desejar, neste caso, porque a literalidade do dispositivo menciona apenas as espécies de dano moral e ao dano à imagem, dando azo para indesejada hermenêutica restritiva no sentido de que somente essas modalidades estariam contempladas no texto constitucional. (TUMA, 2016, p. 91-92)

 Desta feita, haveriam duas espécies de dano, o material (patrimonial) e o imaterial (extrapatrimonial), sendo este último gênero no qual as espécies dano moral e dano existencial (dentre muitos outros) estariam subclassificadas.

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 Soares (2009, p. 46) pontua ainda, que há diferença quanto ao tempo de exteriorização do dano moral e existencial. Para a autora, enquanto que o dano moral ocorre de forma simultânea ao ato lesivo, o dano existencial se manifesta em momento posterior, “porque ele é uma sequência de alterações prejudiciais no cotidiano, sequência essa que só o tempo é capaz de caracterizar”.

 Conforme mencionado anteriormente, a Lei n. 13.467/2017 alterou mais de uma centena de dispositivos legais da CLT e legislação esparsa, que estabelecem normas de caráter material e processual do Direito Laboral.  Tão logo se iniciou a vigência da Reforma Trabalhista, em 11/11/2017, foi publicada a Medida Provisória n. 808 de 14/11/2017 (prorrogada por mais 60 dias em 20/02/2018), que incluiu novas modificações no Diploma Consolidado, sendo possível vislumbrar que algumas alterações podem potencialmente impactar na ocorrência ou no trato do dano existencial, conforme se pretende exemplificativamente relacionar a seguir.

 A doutrina vinha se posicionando a respeito de quem possuiria legitimidade para pleitear judicialmente a indenização pelos danos existenciais. Soares (2009, p. 135) defendia que poderiam fazer uso dos mecanismos de tutela judicial para buscar tal reparação, todos aqueles que pelo dano direito ou por ricochete, foram afetados pelo ato ilícito, o que incluiria, como vimos, os familiares mais próximos.  Por sua vez, Molina (2017, p. 81) defendia a legitimação ativa, nesses casos, os trabalhadores, a família, o Estado, a sociedade, o Ministério Público do Trabalho e os Sindicatos.

 Ocorre que a Reforma passou a possibilitar (art. 223-B, CLT) que apenas a pessoa que sofre o dano extrapatrimonial tem exclusiva titularidade para buscar o direito à reparação. Neste sentido, deixaria de se admitir a titularidade de terceiros, mesmo atingidos pelo dano na modalidade por ricochete.

 Por outro lado, a Lei n. 13.467/2017 traz a previsão (art. 223-E, CLT) de que a responsabilidade pelo dano extrapatrimonial causado é de todos aqueles que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção de sua ação ou omissão. Entende-se ser perfeitamente possível conceber que, ao exercer a autodeterminação (liberdade), o empregado que opta em se submeter a tais condições de trabalho detém culpa exclusiva, ou no mínimo concorrente, a depender do caso (coação, por exemplo), conforme melhor se abordará ao final do estudo.

 Em relação à possibilidade de cumulação do dano existencial com outras espécies de dano extrapatrimonial, a Reforma parece sedimentar o entendimento de que é possível que o dano à existência seja cumulado com o dano material decorrente do mesmo ato lesivo (art. 223-F, CLT).

 Em relação à necessidade de prova do dano existencial, vale ressaltar que grande parte da doutrina defende que, para que haja ressarcimento pela via judicial, é necessário que a parte ofendida produza prova a respeito. Para Alves (2016, p. 1118-1121), nestes casos, o empregado deveria comprovar o prejuízo referente ao projeto de vida e o ato ilícito (especialmente o excesso de trabalho) e o nexo de causalidade entre ambos; Wünsch, Tittoni e Galia (2015, p. 127) entendem necessária a prova de que o comportamento do ofensor de fato tenha violado o patrimônio jurídico do empregado; e Nascimento (2014, p. 966) defende a necessidade de prova objetiva do dano existencial, ao contrário do que ocorre com o dano moral.

 Outro debate doutrinário apaziguado pela Reforma foi a respeito dos critérios para mensuração da indenização pelo dano existencial. Para os estudiosos (WÜNSCH; TITTONI; GALIA, 2015, p. 131) a indenização pelo dano existencial deveria obedecer as regras relativas aos danos imateriais em geral, por arbitramento, onde o juiz deveria considerar as atividades afetadas pela conduta lesiva, a relevância daquelas para o ofendido e o grau de comprometimento da atividade afetada.

 Ocorre que após a Reforma e a Medida Provisória n. 808/2017, a CLT passou a contar com regras específicas e objetivas (art. 223-G) para quantificação dos danos extrapatrimoniais.

 Com as alterações, ao apreciar o pedido, o juiz deverá considerar natureza do bem tutelado, reflexos sociais e pessoais da ação ou omissão, duração dos efeitos danosos, condições, grau de culpa, situação social das partes, dentre outros critérios. Ademais, o valor da indenização será arbitrado (art. 223-G, § 1º, CLT) conforme a gravidade da ofensa, podendo variar de três a cinquenta tetos de benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

 A Lei n. 13.467/2017 incluiu ainda na CLT a regulamentação do teletrabalho (art. 75-A a 75-E, CLT), prática que estimula a prestação de serviços fora das dependências do empregador, se deslocando geralmente à residência do empregado (home office). Em razão disso, entende-se que a alteração possibilita um convívio familiar e social mais prolongado, proporcionado durante o tempo de trabalho e também de não trabalho.

 Embora agora o dano existencial faça parte do direito positivado, parte da doutrina, na qual me filio, se dedica a criticar este incompreendido instituto, muitas vezes, inclusive, questionando a sua existência na Teoria Geral do Direito.

 Maranhão (2015, p. 317-318 apud TUMA, 2016, p. 94) defende que a autonomia do dano existencial como instituto somente causa tumulto dogmático, “sendo desejável tão somente absorver a sua noção central, para que o ordenamento esteja atento à reparação das lesões que venham a frustrar o crescimento existencial do ser humano”.

 Pamplona Filho e Andrade Jr (2014, p. 557 apud ALVES, 2016, p. 1118) criticam a novidade e ser referem à “torre de babel das novas adjetivações de dano”. Para os citados autores, os danos extrapatrimoniais autônomos são apenas três: material, moral e à imagem, enquanto que os “novos danos” (estético, psicológico, existencial, biológico, etc.) seriam meras adjetivações doutrinárias e jurisprudenciais.

 Ousa-se prolongar as críticas ao estabelecimento do dano existencial, da forma que vem sido retratado pela doutrina.

 Ora, a CLT (art. 59, CLT) e a Constituição Federal (art. 7º, XVI, CRFB/1988) preveem a possibilidade de realização de horas extras, inclusive possibilitando (art. 61, CLT) que seja extrapolado o limite diário de duas horas extraordinárias, em casos excepcionais. A CLT ainda possibilita que o empregado permaneça em regime de sobreaviso (art. 244, § 2º, CLT), durante os intervalos de descanso. E mais, a Lei Consolidada (art. 59-B, parágrafo único, CLT) a possibilidade de prestação de horas extras habituais.

 Ou seja, o ordenamento jurídico trabalhista não apenas possibilita o labor extraordinário (ou labor em períodos de não trabalho), assim entendido como além da jornada normal, como garante ao empregado uma compensação pecuniária pela sobrejornada.

 Uma vez que a legislação contém tal previsão, não se entende razoável caracterizar a imposição de realização de horas extras como um ato ilícito, uma vez que ausentes os elementos contidos no artigo 186 do Código Civil. Não havendo ato ilícito, em vista do permissivo legal, não há que se falar responsabilidade civil do empregador, e consequentemente, da obrigação de indenizar.

 Ademais, entende-se que uma vez que o empregado que realiza horas extras é compensado em pecúnia na forma da lei, não há que se falar em indenização por dano existencial, pois estar-se-ia incorrendo em bis in idem. Em outras palavras, a compensação pelo dano existencial seria adimplida em folha de pagamento, quando do pagamento dos adicionais legais de horas extras. É essa, aliás, a ratio legis do adicional compensatório!

Outra crítica que se faz, gira em torno do agente causador do dano existencial, quem o causa, aquele sem o qual o dano não ocorreria. Entende-se que nem sempre o agente ativo, o ofensor, será o empregador.

A Carta Magna garante que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (art. 5º, II, CRFB/1988). O empregado que se sujeita a um processo seletivo, a ser contratado e a prestar serviços a um empregador que sabidamente pratica horas extras habituais, proporciona intervalos inter e intrajornadas apertados e com frequência convoca seus colaboradores a trabalhar em finais de semana, possui culpa parcial ou integral caso ocorra o dito dano existencial.

Entende-se que ninguém é obrigado a sacrificar seu projeto de vida ou sua vida de relações, ou a colocar sua mão-de-obra a empregador abusivo. Ao optar ou permanecer em determinado emprego, o trabalhador exerce a autodeterminação garantida constitucionalmente, e é responsável pelas suas próprias escolhas e pela consequência que elas podem acarretar em sua vida particular. Certo é que toda escolha implica, irremediavelmente, em uma perda.

Caso o trabalhador tenha projetos de vida ou relações sociais que podem ser inviabilizadas por uma jornada de dez horas diárias, por exemplo, pode buscar empregos com jornadas mais curtas, parciais, flexíveis, ou ainda pode ele mesmo iniciar empreendimento econômico.

A crítica que se faz, neste diapasão, é que o empregador não deve ser responsabilizado isolada e indiscriminadamente nos casos de ocorrência de danos existenciais por excesso de labor. O empregado que voluntariamente optou pela submissão ao contrato de trabalho deve ser considerado coautor do ato supostamente ilícito, nos exatos termos do art. 223-E da CLT.

Definitivamente positivado o dano existencial a partir da Reforma Trabalhista, crê-se que infelizmente não caiba mais a discussão sobre a sua pertinência ou existência. Cabe, sim, o necessário debate sobre os seus limites.

Defende-se, portanto, que quando o empregado tiver eventualmente suprimido seu período de não descanso, em hipóteses legalmente previstas – tais como a realização de até duas horas extras diárias, a extrapolação desse limite em casos excepcionais, o labor durante domingos em feriados nas exceções legais, por exemplo – não há ato ilícito a ser imputado ao empregador, ainda que eventualmente haja violação à vida de relação e projeto de vida do empregado, e consequentemente não haverá obrigação de indenizar, pela ausência de elemento fundamental para a responsabilização civil.

O adimplemento da contraprestação pecuniária prevista em lei – por exemplo, adicional de horas extras – pela supressão do período de descanso, quita o dano existencial, e nova indenização configuraria bis in idem, ou, no mínimo, locupletamento ilícito, o que é vedado.

 Portanto, como se vê, os empregadores devem estar atentos às recentes modificações nas leis trabalhistas, especialmente às que dizem respeito ao dano extrapatrimonial, devendo revisar suas práticas de gestão, mas também buscar o respaldo do Judiciário quando agirem dentro dos limites impostos pela Lei, não havendo que se falar em dano existencial, nestes casos.


Referências Bibliográficas:

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BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico, existencial) – breves considerações. Revista LTr. São Paulo, v. 73, n. 01, p. 26-29, 2009.

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do trabalho. Revista LTr. São Paulo, v. 77, n. 04, p. 450-458, 2013.

MOLINA, André Araújo. Dano existencial por violação dos direitos fundamentais ao lazer e à desconexão do trabalhador. Revista LTr. São Paulo, v. 81 n. 04, p. 465-477, 2017.

NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Dano existencial nas relações de trabalho. Revista LTr. São Paulo, v. 78, n. 08, p. 965-972, 2014.

NASSAR, Rosita de Nazaré Sidrim. A garantia do mínimo existencial – trabalho digno e sustentável – o caso dos maquinistas. Revista LTr. São Paulo, v. 77, n. 05, p. 536-544, 2013.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

TAVARES, Igor Antônio da Silva. Jornada de trabalho. direito à desconexão e dano existencial. Revista LTr. São Paulo, v. 80, n. 06, p. 714-725, 2016.

TUMA, Márcio Pinto Martins. Ampliação do intervalo intrajornada: um dano existencial. São Paulo: LTr, 2016.

WÜNSCH, Guilherme; TITTONI, Marta Lúcia; GALIA, Rodrigo Wasem. Inquietações sobre o dano existencial no direito do trabalho: o projeto de vida e a vida de relação como proteção à saúde do trabalhador. Porto Alegre: HS Editora, 2015.

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Sobre o autor
Diego Jean Coelho

Advogado do Grupo WEG, atuante há 11 anos na área de Relações Trabalhistas. Bacharelado em Direito com habilitação em Direito Empresarial e Relações Sociais. Pós graduado (Lato Sensu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Master in Laws (LLM) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RIO). Especialização em Relações Trabalhistas e Sindicais. Vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB – Subseção de Jaraguá do Sul. Membro da Comissão Estadual de Advocacia Corporativa da OAB – Seccional de Santa Catarina. Membro da Associação Catarinense de Advogados Trabalhistas – ACAT. Conselheiro Fiscal do Sindicato Patronal das Indústrias Metalúrgicas de Itajaí e Região. Membro da Comissão de Negociação Coletiva do Sindicato Patronal das Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Diego Jean. O dano existencial nas relações de trabalho, à luz da reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5367, 12 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64449. Acesso em: 28 mar. 2024.

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