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Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental

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23/11/2019 às 08:40
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Reflete-se sobre o modelo civil de responsabilização que prevalece no ordenamento jurídico nos casos de dano ao meio ambiente, em especial no que diz respeito ao rompimento da barragem de Fundão.

INTRODUÇÃO

É fato público e notório que, no dia 05 de novembro de 2015, houve o rompimento da barragem de Fundão e galgamento da barragem de Santarém, localizadas no município de Mariana/MG, cujos rejeitos espargiram por aproximadamente 663Km (seiscentos e sessenta e três quilômetros) de corpos hídricos pelo Vale do Rio Doce, provocando impactos ambientais, sociais e econômicos imensuráveis ao longo de toda a bacia hidrográfica, atingindo o oceano Atlântico pelo estado do Espírito Santo (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2015, p. 3).

A barragem de Fundão era operada pelas empresas Samarco Mineração S/A e Vale S/A, as quais a utilizavam para o depósito de rejeitos provenientes da extração de minério de Ferro das Minas de Germano e Alegria, respectivamente. A lama estava contaminada com elevados níveis de metais pesados, como ferro e sílica, além de outros produtos químicos. Este episódio é considerado o maior desastre ambiental da História com barragens de rejeitos (BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.11).

Devido à gravidade e ampla repercussão deste caso, a mídia passou a tratá-lo, muitas vezes, de maneira perfunctória, divulgando aspectos jurídicos acerca dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão que não condizem com a realidade dos fatos. Diante disso, o presente estudo tem por escopo realizar uma reflexão no tocante ao modelo civil de responsabilização que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro nos casos de dano ao meio ambiente.

Portanto, serão abordados assuntos como a evolução histórica, as teorias e os métodos utilizados em nosso sistema para responsabilizar as Empresas, os Entes Federativos e os Órgãos e Entidades da Administração Pública que, de forma direta ou indireta, tenham sido responsáveis por dano ambiental, sobretudo, no que diz respeito ao desastre ambiental originado em razão do rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues/MG.

Sendo assim, o presente estudo é de grande relevância, em razão da seriedade e repercussão do evento, tendo em vista que objetiva investigar, com uma visão técnico-jurídica, a questão da responsabilidade civil em matéria ambiental, referindo-se, especialmente, ao caso Samarco, analisando-se o seu desenvolvimento ao longo da História, principalmente em face da “sociedade de risco” e apresentando a sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro.

Esta monografia foi fracionada em três partes, além da introdução e da conclusão. A princípio, realizaremos uma descrição do progresso histórico do instituto da responsabilidade civil, desde o direito romano até os dias atuais, com o advento da sociedade de risco. Na sequência, abordaremos aspectos específicos da responsabilização civil por dano ao meio ambiente, passando pela definição e caracterização do dano ambiental e as teorias da responsabilidade civil em matéria ambiental, indicando aquela mais apreciada pela doutrina e aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, e ainda, faremos algumas considerações a respeito da responsabilidade civil do Estado. Por fim, discorreremos sobre as causas e consequências do rompimento da barragem de Fundão, apontando os danos sociais, ambientais e econômicos decorrentes deste episódio, bem como os seus responsáveis diretos e indiretos, para, ao final, demonstrar o dever de reparar e/ou indenizar.

Para tanto, adotaremos o método dedutivo de abordagem e o estudo de caso, pretendendo verificar qual teoria da responsabilidade civil vem sendo adotada. Este estudo é norteado por meio de pesquisas bibliográfica e eletrônica em artigos jurídicos, livros especializados, legislação nacional e estrangeira e jurisprudência, mormente, dos Tribunais Superiores.                                                    


1 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Desde o remoto tempo da vigência do Código de Justiniano, Ulpiano, influente jurista romano, já expunha fundamentos básicos para uma vida justa, os quais se resumem em três premissas: honeste vivere (viver honestamente); alterum non laedere (a ninguém lesar) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é devido). A asserção alterum non laedere, é considerada a raiz histórica da responsabilidade civil, haja vista que os membros da sociedade não devem agir de forma a causarem prejuízos mútuos, devendo, pois, manter uma convivência pacífica e harmoniosa (FERNANDES, [s.d.], p.1).

 A clássica Terceira Lei de Newton estabelece que toda ação gera uma reação de mesma intensidade e direção, porém em sentidos opostos. Do mesmo modo, todo ato lesivo vem acompanhado de uma consequência e sobrecarregado de uma responsabilidade, sendo esta conceituada no âmbito jurídico como um dever jurídico sucessivo, cuja função é reparar um dano provocado pela transgressão de um dever jurídico originário (CAVALIERI FILHO, 2010, p.2 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p. 13).

Carlos Roberto Gonçalves (2016, p.19) ensina que o termo “responsabilidade” tem origem no latim spondeo e expressa a ideia de compensação, reparação e restauração de equilíbrio, tendo como perspectiva, especialmente, a realidade social, eis que pretende reestabelecer o status quo ante.

A responsabilidade civil incide na esfera ambiental de maneira peculiar com normas específicas, instituídas a partir da Constituição Federal e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme será detalhado em seguida.

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Nos primórdios da civilização humana, vigorava o sistema da vingança coletiva, em que, ao se ver ameaçado, o grupo reagia conjuntamente contra o agressor, com o objetivo de revidar os danos causados. Posteriormente, com o surgimento da Lei de Talião, que pregava a fórmula do “olho por olho, dente por dente”, os homens passaram a ter uma reação individualizada, tratava-se da vingança privada, também chamada de motu próprio, a qual embora fosse regulada pelo Poder Público, que declarava eventual direito de retaliação com a possibilidade de a vítima atacar o seu agressor na mesma intensidade, o que se verifica é um sistema de represália violento, desregrado e sobretudo desproporcional (DINIZ, 2007, p.10).

Mais tarde, foi editada a Lex Aquila de damno que introduziu uma nova forma de reparação do dano em substituição à retaliação pregada pela Lei de Talião, qual seja, a prestação pecuniária. Sendo assim, o patrimônio do agressor passou a suportar o ônus da reparação, cuja quantificação era fixada pelo Estado. Neste período, surgiu a noção de culpa como elemento necessário para a configuração da responsabilidade civil. Tempos depois, as sanções desta lei passaram a ser aplicadas também aos danos causados por omissão ou verificados sem estrago físico da coisa (DINIZ, 2007, p.11).

No entanto, não havia distinção entre a responsabilidade civil e a penal, as quais foram discriminadas apenas na Idade Média. Deste modo, a reparação que era entendida como pena devido ao seu caráter punitivo, visto que infligia ao autor o mesmo dano sofrido pela vítima, passou a ser encarada como uma forma de compensar um prejuízo. Neste tempo, os romanos passaram a distinguir os delitos públicos e os privados, sendo que, a pena pecuniária que incidia sobre aqueles era destinada aos cofres públicos, quanto a estes, o dinheiro recolhido era entregue à vítima (GONÇALVES, 2016, p.25).

O direito francês, por intermédio do doutrinador Domat, lapidou as teorias do direito romano, modulando-as conforme os princípios da religião e as necessidades do momento, e estabeleceu um princípio geral da responsabilidade civil:

Todas as perdas e todos os danos que podem acontecer pelo ato de alguma pessoa, sejam imprudência, leveza, ignorância do que se deve saber, ou outras falhas semelhantes, por mais leves que sejam, deve ser reparado pela pessoa cuja imprudência ou outra falha deu origem a ele. Pois é um erro que ele fez, mesmo que ele não pretendesse prejudicar (ENCYCLOPAEDIA UNIVERSALIS).

A posteriori, este preceito foi empregado nos artigos 1.382 e 1.383 do Código Napoleônico, influenciando legislações supervenientes que adotaram a culpa como fundamento da responsabilidade civil (DINIZ, 2007, p.12).

 A partir de meados do século XVIII, a Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo impulsionaram o avanço da tecnologia, o êxodo rural, o desenvolvimento das cidades e o aumento da produção. Este cenário foi o marco da ascensão da burguesia enquanto a classe proletária cumpria extenuantes jornadas de trabalho em locais com baixo nível de segurança, recebendo salários irrisórios e vivendo em condições deploráveis. Neste período, embora fosse comum a ocorrência de acidentes de trabalho, os danos sofridos pelos empregados raramente eram indenizados, haja vista que ainda vigorava o modelo de responsabilidade civil subjetiva, pelo qual é necessário a demonstração de culpa do empregador, o que era praticamente impossível comprovar em razão da vulnerabilidade do proletariado em face da burguesia (PEREIRA, 2014, p. 524 apud, BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.14).

Outrossim, o modo de produção fabril provocou um grande impacto sobre a estrutura da sociedade, eis que impulsionou o consumismo e, consequentemente, intensificou a exploração dos recursos naturais para atender as demandas do mercado. Entretanto, foi apenas no século XX que despontou a crise ambiental, período este em que o sistema econômico passou a interferir de maneira expressiva no meio ambiente, acarretando o esgotamento dos recursos naturais e tolhendo a capacidade dos ecossistemas de absorver os impactos causados pela expansão econômica (GUERRA; GUERRA, 2014, p.5).

Ademais, conforme menciona Guerra (2014, p.13), a evolução proveniente da industrialização fez o homem acreditar que pudesse controlar os riscos de seus empreendimentos e evitar catástrofes naturais, todavia, o avanço da tecnologia dilatou de forma expressiva os riscos sociais, políticos, ecológicos e individuais os quais fogem do controle e proteção da sociedade industrial, de modo que deixam de ser meros acidentes e passam a fazer parte da sociedade contemporânea.

Desta forma, ainda que tenha sido a Revolução Industrial o momento de maior interferência do ser humano no meio ambiente, é na contemporaneidade, ou “sociedade de risco”, conforme denomina o sociólogo alemão Ulrich Beck (BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.15), que as ameaças produzidas pela industrialização se materializam. Assim, surge a necessidade de reavaliar os padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação do dano e distribuição de suas consequências, considerando, ainda, as ameaças potenciais.

O mundo Pós-Revolução Industrial passou a sofrer constantes mudanças, como o aumento da temperatura média do planeta, as alterações climáticas, o esgarçamento da camada de ozônio, a perda da biodiversidade, o acúmulo de resíduos, a escassez de água e as tragédias ambientais.

A camada de ozônio é uma proteção gasosa que circunda o planeta Terra e o protege da incidência de radiação, especialmente a ultravioleta.  No entanto, com o desenvolvimento da indústria e a descoberta do clorofluorcarbono (CFC)[1], esta capa protetora vem sendo, diariamente, destruída. Isto porque, apurou-se, na década de 1970, que as moléculas de CFC alcançam a estratosfera, são atingidas por radiação ultravioleta e se quebram, liberando átomos de cloro, os quais rompem as moléculas de ozônio, com as quais se ligam e formam monóxido de cloro e oxigênio, sendo esta reação química a responsável pela abertura de buracos nessa camada da atmosfera (SÓ BIOLOGIA, [s.d.], p.1).

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Registre-se que, sem esta proteção, a superfície terrestre fica vulnerável aos raios solares ultravioleta, os quais podem desencadear queimaduras, câncer de pele e até doenças infeciosas (THOMÉ, 2016, p.33).

O efeito estufa, é um fenômeno natural e essencial para a manutenção da vida no planeta, responsável por regular a sua temperatura média. Todavia, a partir dos anos 1850, as atividades humanas acentuaram a concentração de “gases do efeito estufa” como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), além dos hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto de exofre (SF6) na atmosfera, provocando o aquecimento global, que desencadeia uma série de problemas ambientais, dentre eles a chuva ácida e o derretimento das calotas polares, que eleva o nível dos oceanos e, por conseguinte, causa inundações de regiões ribeirinhas e litorâneas (THOMÉ, 2016, p. 34).

O desenvolvimento econômico mundial e a frequente criação de novas tecnologias estimulam o consumismo e o desperdício, fatores que geram o problema da destinação dos dejetos e resíduos sólidos, líquidos e gasosos provenientes da produção industrial e do consumo em larga escala (THOMÉ, 2016, p. 36).

O Desastre de Minamata, o Torrey Canyon, Bhopal e o Chernobyl são exemplos de desastres ambientais ocorridos pelo mundo como consequência de um processo de industrialização imprudente movido pelo consumismo desenfreado da sociedade moderna. 

O primeiro ocorreu no Japão, no início do século XX e refere-se ao envenenamento de centenas de pessoas e animais pela ingestão de mercúrio usado no complexo de Chisso e jogado no mar sem tratamento. O segundo é considerado um dos mais graves acidentes ambientais e diz respeito ao rompimento de um petroleiro que derramou uma grande quantidade de petróleo na costa da Inglaterra e países vizinhos, no ano de 1967. O terceiro é o nome dado ao pior acidente químico da história, que ocorreu na Índia, no ano de 1984, quando quarenta toneladas de isocianeto de metila e demais gases letais foram liberados de uma usina de pesticidas. Por fim, o acidente de Chernobyl aconteceu na Ucrânia, em 1986 em razão do desligamento do sistema de refrigeração de um reator, ocasionando a sua explosão e a emissão, na atmosfera, de, aproximadamente, trinta vezes mais radiação do que a bomba atômica de Hiroshima, provocando danos genéticos, câncer e contaminação do solo (THOMÉ, 2016, p. 38).

Todos os fatores acima mencionados contribuem para a perda da biodiversidade do planeta, a escassez de água e a desertificação dos solos. O Ministério do Meio Ambiente já advertiu que os principais processos responsáveis pela perda da biodiversidade são: destruição e fragmentação dos habitats, introdução de espécies e doenças exóticas; exploração excessiva de espécies de plantas e animais; uso de híbridos e monoculturas; emissão de poluentes no solo, na água e na atmosfera e as mudanças climáticas.

Ademais, o processo de desertificação, isto é, a perda da fertilidade do solo, acarreta desde a extinção de espécies da fauna e flora até a impossibilidade do desenvolvimento de qualquer atividade econômica e a migração de pessoas. A respeito deste assunto, Ricardo Carneiro (2003, p. 36 apud GUERRA; GUERRA, 2014, p. 9) leciona:

Apesar de ainda desconhecer a maior parte das formas de vida do planeta, a pessoa humana tem provocado a extinção de várias espécies em um ritmo assustador, sobretudo em função do desmatamento para a expansão da fronteira agrícola, para a produção de carvão e e para a exploração de madeira, aliado à prática das queimadas, ao comércio ilegal de animais e de produtos de origem faunística, como peles, marfins etc., além da contaminação de rios, lagos e oceanos. As estimativas são espantosas: entre 1500 e 1850 uma espécie era eliminada a cada dez anos; entre 1850 e 1950 uma espécie por ano foi extinta; em 1990, possivelmente desapareceram dez espécies por dia e por volta do ano 2000 uma espécie deverá desaparecer a cada hora; de 1975 a 2000 foram eliminadas da face da Terra cerca de 20% de todas as espécies vivas; desde 1950 foi perdido 1/5 das florestas tropicais do mundo; a cada ano são desertificadas cerca de 20 milhões de hectares de áreas florestadas. Atualmente, mais de 14% das espécies vegetais conhecidas estão em processo de extinção; 2/3 das 9.600 espécies de aves que habitam o planeta estão em declínio e 11% estão ameaçadas de extinção; 11% das 4.400 espécies de mamíferos encontram-se em perigo iminente de desaparecimento e 1/3 de todas as espécies de peixes que ocupam os oceanos, lagos e rios está sob ameaça direta.

Há ainda, a questão da escassez de água que vem assolando o planeta Terra nos últimos séculos. Embora no passado as pessoas acreditassem que a água era um recurso natural inesgotável, apenas 2,7% da água existente no planeta é doce, dos quais 77,2% é imprópria para o consumo por se encontrar congelada nas regiões polares. Assim, do total de água existente no planeta, menos de 1% está à disposição para o consumo dos seres vivos (THOMÉ, 2016, p. 37).

Para piorar, o advento da Revolução Industrial elevou bastante o nível de consumo de água, tanto na indústria, quanto na agricultura irrigada. O crescimento não planejado das cidades provocou a contaminação dos corpos hídricos por esgoto doméstico e lixo. Além disso, a urbanização e o desmatamento modificam o ciclo hidrológico, eis que as construções de ruas, praças e edificações impermeabilizam o solo, dificultando a infiltração natural das águas pluviais, enquanto propicia o escoamento superficial, promovendo inundações e erosão (THOMÉ, 2016, p. 38).

Nesta fase da história, marcada pelo consumo imoderado que vem dissipando os recursos naturais e ameaçando as futuras gerações, intensificaram-se os movimentos ecológicos que pressionavam os governos a estabelecerem normas internacionais de proteção ao Meio Ambiente. Assim, em 1972 ocorreu a Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano, onde firmou-se a Declaração Sobre o Meio Ambiente, através da qual emergiu o conceito de “desenvolvimento sustentável” (THOMÉ, 2016, p. 41).

Em 1992, foi convocada a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a qual aconteceu no Rio de Janeiro e pretendia aperfeiçoar os instrumentos de proteção ambiental, de modo a estatuir uma espécie de aliança mundial, criando-se novas metas de cooperação entre os Estados, com a observância da essência do desenvolvimento sustentável. Nesta ocasião foi aprovada, dentre outros documentos, a “Agenda 21”, isto é, um programa de orientação para que os países participantes desenvolvam e implementem suas próprias ações ambientalmente sustentáveis (THOMÉ, 2016, p. 43).

Dez anos mais tarde, em Johanesburgo, foi realizada a Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como “Rio +10”, onde avivou-se o pacto de efetivação do desenvolvimento sustentável e instituiu-se metas para a erradicação da pobreza, mudanças nos padrões de consumo e defesa dos recursos naturais (THOMÉ, 2016, p. 45).

O último encontro aconteceu em 2012, no Rio de Janeiro, oportunidade em que se firmou o documento intitulado “O futuro que queremos”, no qual outra vez os participantes reiteraram o compromisso internacional de busca de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável, com foco na eliminação da pobreza (THOMÉ, 2016, p. 46).

É sabido que ao longo da história ocorreram diversos acidentes em todo o planeta que provocaram graves consequências ao Meio Ambiente. Mesmo após anos de reuniões e discussões internacionais com o objetivo de estabelecer normas de proteção ambiental e evitar danos coletivos, os desastres ambientais de grande repercussão continuaram ocorrendo.

O recente rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, no ano de 2015, é considerado o maior acidente da História com barragens de rejeitos e o maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil, que provocou o derramamento de aproximadamente 34 milhões de metros cúbicos de lama composta por rejeitos de minério de ferro, sílica e outros metais pesados, os quais atingiram cerca de 663 quilômetros de corpos hídricos e avançou até a foz do Rio Doce no Oceano Atlântico, no Estado do Espírito Santo, causando danos irrecuperáveis à fauna, à flora, ao patrimônio público, aos povos indígenas e comunidades tradicionais da Bacia do Rio Doce, além de prejudicar a economia regional e o bem-estar humano de maneira geral (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800).

Pois bem, além da questão dos acidentes de trabalho, também se vislumbra a ofensa sofrida pelas vítimas de dano ao Meio Ambiente. Isto porque, desde o desenvolvimento da “consciência ambiental” passou-se a questionar se a responsabilidade civil baseada na culpa seria eficaz para solucionar estes prejuízos e indenizar os ofendidos, sendo que a doutrina e a jurisprudência concluíram de maneira negativa, uma vez que os riscos abstratos que qualificam a sociedade pós-moderna derivam de atividades cujas consequências são imprevisíveis e têm alcance global, bem como porque notou-se que a exigência de culpa limitava a tentativa de reparação de danos, haja vista que boa parte das práticas nocivas ao Meio Ambiente não são ilícitas, contando com regular autorização ou licença administrativa (LEITE; AYALA, 2015, p. 139 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.17).

Diante disso, na tentativa de fazer valer o principal objetivo da responsabilidade civil, isto é, a recomposição de danos, surgiu o modelo de responsabilidade civil objetiva, pela qual destaca-se a ocorrência do dano, e não o sujeito que o praticou, descartando-se, pois, a indispensabilidade de culpa subjetiva. Posto isso, emergiram diversas teorias para fundamentar a objetivação da responsabilidade civil, sendo a teoria do risco formulada pelos juristas franceses Raymond Saleilles e Louis Joserrand a mais notável, a qual prega que “todo aquele que exerce uma atividade deve arcar com o risco de dano que essa atividade potencialmente oferece a terceiros, caso ele venha a se concretizar” (BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.14).

A princípio, na França, esta teoria foi contemplada para tratar, especialmente, de casos envolvendo acidentes de trabalho, reconhecendo-se o dever de indenizar dos empresários detentores dos meios de produção que recebiam os lucros da atividade empresarial sempre que o trabalhador fosse vítima de acidentes. Posteriormente, observou-se que as ações humanas geram riscos potenciais de dano, então, a responsabilização passou a recair sobre aquele cujo ato praticado fosse possivelmente danoso à esfera jurídica de outrem (FACCHINI NETO, 2010, p. 23).

Inclusive, o Código Civil Italiano, em 1942, estendeu a aplicação da teoria do risco na esfera civil, ao estabelecer a responsabilidade objetiva do condutor pelos danos causados em razão da circulação de veículo, solidariamente com o seu proprietário (FACCHINI NETO, 2010, p. 24).

Deste modo, no campo do Direito Ambiental contemporâneo, a doutrina aponta três modalidades preponderantes para explicar a responsabilidade objetiva nos casos de dano ao Meio Ambiente, a saber, as teorias do risco proveito, do risco criado e a do risco integral, as quais serão examinadas no próximo capítulo.

1.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Na atualidade, as questões ambientais estão em enfoque, no entanto, a coletividade nem sempre se preocupou com a preservação do meio ambiente, haja vista que até meados do século XX, a ideia de progresso que sustentava a modernização e o crescimento econômico se chocava com as noções básicas de preservação ambiental (THOMÉ, 2016, p. 31).

As primeiras constituições brasileiras não protegiam o meio ambiente, sequer o mencionavam, demonstrando o grande descaso do Poder Público com o espaço em que vivemos.

A Constituição do Império, promulgada em 1824, em matéria ambiental, somente proibia a instalação de indústrias que prejudicassem a saúde dos cidadãos, em seu artigo 179, n° XXIV, o que, apesar da mínima e indireta ressalva ao meio ambiente, já revelava um avanço para a época. Posteriormente, a Carta Magna de 1891, em seu artigo 34, n°29, apenas estabelecia a competência da União para legislar a respeito de minas e terras. A Constituição de 1934, avançou um pouco mais e passou a tutelar as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico e cultural, e ainda, atribuiu à União a competência para disciplinar as regras de exploração do subsolo, mineração, águas, florestas, caça e pesca. Em 1937, a Constituição manteve a mesma linha da anterior, acrescentando proteção às plantas e rebanhos contra doenças e agentes nocivos. Mais tarde, em 1947, além de manter o amparo ao patrimônio histórico, cultural e paisagístico, o texto constitucional também sustentou a competência da União. A Constituição de 1967 preservou as disposições anteriores e acrescentou na competência da União, o dever de legislar sobre saúde e jazidas.  A emenda em 1969, outorgada pela Junta Militar à Constituição de 1967 inovou ao regulamentar o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades, desde que realizado levantamento ecológico, bem como determinou que o mau uso da terra impede o seu proprietário de receber incentivos e auxílios do governo. Foi neste período da história que se introduziu referências à ecologia em textos legais (MILARÉ, 2015, p. 169).

Após analisar as Constituições acima mencionadas, Édis Milaré (2015, p.170) constata aspectos comuns, dentre os quais:

Jamais se preocupou o legislador constitucional em proteger o meio ambiente de forma específica e global, mas, sim, dele cuidou de maneira diluída e mesmo casual, referindo-se separadamente a alguns de seus elementos integrantes (água, floresta, minérios, caça, pesca), ou então disciplinando matérias com ele indiretamente relacionadas (mortalidade infantil, saúde, propriedade)

Pois bem, até a década de 1980, o Brasil não possuía uma legislação capaz de proteger efetivamente o Meio Ambiente, visto que além de se considerar que os recursos naturais eram inesgotáveis, prevaleciam os interesses particulares e patrimoniais sobre o interesse público e nacional. A esse respeito, leciona Édis Milaré (2015, p. 242):

Assistente omisso, entregava o Estado a tutela do ambiente à responsabilidade exclusiva do próprio indivíduo ou cidadão que se sentisse incomodado com atitudes lesivas à sua higidez. Segundo esse sistema, por óbvio, a irresponsabilidade era a regra, e a responsabilidade, a exceção. Sim, porque o particular ofendido não se apresentava, normalmente, em condições de assumir e desenvolver ação eficaz contra os agressores, quase sempre poderosos grupos econômicos, quando não o próprio Estado.

Posteriormente, a partir da influência da Conferência de Estocolmo e do afloramento da “consciência ambiental”, multiplicaram-se, no Brasil, normas dedicadas ao resguardo do patrimônio ambiental do país, representadas pela edição das Leis n°6.938/81, n°7.347/85 e n° 9.605/98, bem como pela promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988 (MILARÉ, 2015, p. 242).

A Lei n° 6.938/81 institui a Política Nacional do Meio Ambiente; estabelece o conceito de “Meio Ambiente” como objeto de proteção especial em seus diversos aspectos; cria um Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) para planejar, supervisionar e controlar as ações relativas ao Meio Ambiente em âmbito nacional, bem como inova ao determinar a obrigação do poluidor de indenizar ou reparar os danos causados ao Meio Ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa.

A Lei n° 7.347/85 disciplina a ação civil pública como instrumento processual típico para a defesa de interesses difusos e coletivos, dentre os quais se encontra o Meio Ambiente. Foi ainda através da vigência desta lei que as entidades estatais, paraestatais e as associações civis, juntamente com o Ministério Público, passaram a ter legitimidade para motivar a atividade jurisdicional em favor da preservação ambiental.

Na sequência, a Constituição Federal de 1988 elevou as regras de proteção ambiental preexistentes à categoria de norma constitucional, pelo que reservou um capítulo específico para tratar das questões ambientais em um dos textos mais avançados do mundo (MILARÉ, 2015, p. 243) e, especialmente, em seu artigo 225, caput, adotou a visão antropocêntrica protecionista, pela qual entende que a natureza é um bem coletivo essencial, que deve ser protegido e preservado de modo a assegurar a sobrevivência  e o bem-estar dos seres humanos, determinando, portanto, a harmonia entre as atividades antropológicas e os processos ecológicos.

É importante registrar também que, o princípio do Desenvolvimento Sustentável foi incluído na Carta Magna em dois momentos: no artigo 170, II, III e VI, ao estabelecer que os princípios da propriedade privada, função social da propriedade e a defesa do Meio Ambiente apoiam a ordem econômica nacional; e no artigo 225, caput, o qual fixa que o Poder Público e a coletividade têm o dever de preservar os recursos naturais em prol das presentes e futuras gerações.

Edis Milaré (2015, p. 170) apelida a Carta Magna de “Constituição verde”, em razão da proteção que confere ao meio ambiente. E acrescenta:

Na verdade, o Texto Supremo captou com indisputável oportunidade o que está na alma nacional- a consciência de que é preciso aprender a conviver harmoniosamente com a natureza-, traduzindo em vários dispositivos aquilo que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente.

Esta modificação trazida pela nova Constituição representou novos desafios não só na atuação do Poder Público, mas também de toda a coletividade, porque compete a todos a obrigação de tornar efetivo o princípio do Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, o Estado deve implementar políticas públicas sustentáveis, harmonizando o crescimento econômico e a equidade social com a preservação ambiental (THOMÉ, 2016, p. 113).

Deste modo, para se alcançar um meio ambiente equilibrado, deve-se exigir o cumprimento da obrigação de preservar e protege-lo. Portanto, trata-se ao mesmo tempo de um direito objetivo[2] e subjetivo[3], ou seja, manter o meio ambiente salubre é dever do Estado e de todos os cidadãos, sendo isto o que Romeu Thomé (2016, p. 114) denomina de efeito bumerangue.

Por fim, o último marco se refere à edição da Lei n°9.605/98, que trata das sanções penais e administrativas aplicáveis àqueles que praticam atos e atividades prejudiciais ao Meio Ambiente. Além disso, foi por meio desta lei que se tornou possível incluir a pessoa jurídica no polo ativo do crime ambiental.

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Sobre a autora
Bruna Aparecida Souza Franco

Advogada, graduada pela Universidade do Estado de Minas Gerais-Unidade Ituiutaba, pós graduanda em Direito Ambiental e Urbanístico pela PUC Minas e em Direito do Trabalho pela FAEL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Bruna Aparecida Souza. Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5988, 23 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64514. Acesso em: 2 nov. 2024.

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