Resumo: A partir de um posicionamento crítico e reflexivo sobre o trabalho escravo contemporâneo, o presente artigo apresenta considerações sobre o persistente conflito entre os direitos humanos do trabalho e o capital. Nesta senda, utilizando-se da metodologia bibliográfica, abordada as questões sociais, raciais e históricas que envolvem o tema e a acepção humanística do Direito do Trabalho a fim de que o fenômeno ora estudado seja compreendido em sua abrangência. É parte integrante da pesquisa a análise legislativa e jurisprudência bem como a apresentação das organizações protetoras do trabalho e as políticas públicas aplicáveis.
Palavras-chave: Trabalho Escravo Contemporâneo. Direitos do trabalho. Capital.
INTRODUÇÃO
O trabalho escravo é uma das piores tragédias que a humanidade já viu. É a prova de que o ser humano abandonou os valores mais nobres que poderia ter em troca daqueles mais mesquinhos. Reprovável sob qualquer ótica, o trabalho escravo ainda é realidade no Brasil e no mundo, as estatísticas são crescentes e alarmantes, em que pese alguns ainda teimem em desconsiderar sua existência. (FIGUEIRA, 2002)
Em verdade o trabalho escravo continua a vigorar na República, seu efeito é nefasto e seu combate é imperativo. É interessante observar que mesmo diante de variados avanços em relação ao Direito do Trabalho, ainda convivemos com um cenário de trabalho degradante e cruel que escraviza quase 46 milhões de pessoas em todo mundo. (VERDÉLIO, 2016)
Somente entre 2014 e 2016, 250 empresas foram flagradas explorando trabalhadores em regime de trabalho escravo no Brasil (NASSIF, 2017). Os investimentos para sua erradicação são vultosos, todavia, insuficientes quando comparados com ímpeto daqueles que insistem em delinquir, violando a dignidade da pessoa humana e submetendo os trabalhadores a condições escabrosas de humilhação e completa insalubridade.
Convém perguntar, quem se preocupa com o trabalho escravo? Como deter aqueles que promovem sua exploração? Quem são os órgãos que laboram para o resgate das pessoas que foram submetidas às condições de trabalho análogas à escravidão? O que tudo isso tem a ver com o racismo e com a questão racial? E, finalmente, como o Direito do Trabalho pode contribuir para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil? A presente pesquisa se propõe a discorrer sobre esta relevante questão, que é o trabalho escravo contemporânea e suas relações com o Direito do Trabalho e o capital, considerados, evidentemente, os fenômenos jurídicos e sociais em voga numa sociedade marcada por reformas trabalhistas significativas.
Bem sabemos que os avanços da legislação trabalhista devem seguir no objetivo de garantir cada vez mais as condições de trabalho e o desenvolvimento sustentável da relação laboral, todavia quando nos deparamos com excrescências como o trabalho escravo contemporâneo, questionamos o curso desta história a fim de que identifiquemos eventuais retrocessos.
Nesta senda, serão abordados o histórico do trabalho escravo contemporâneo no Brasil e no mundo e a intrínseca relação de antagonismo que existe entre o trabalho escravo e os direitos humanos do trabalho. Além disso, compreende parte desta pesquisa a abordagem legal e jurisprudência das questões relacionadas ao trabalho escravo. As organizações protetoras do trabalhador em condições análogas à escravidão também serão abordadas a fim de que sua contribuição para extinção do trabalho escravo ou, pelo menos para sua mitigação, seja evidenciada. Em síntese, firmando numa acepção humanística do Direito do Trabalho, busca-se apresentar as razões de fato e de direito, isto é, sociais e jurídicas que contribuem para que o trabalho escravo permaneça vivo na contemporaneidade.
1. DEFINIÇÃO
O primeiro ponto a ser considerado no presente trabalho é a definição e conceituação do Trabalho Escravo Contemporâneo. Evidentemente, sabemos que se trata de um trabalho forçado, restritivo da liberdade e com serias limitações de remuneração que levam o trabalhador a uma condição de dependência do “tomador do serviço”, o qual, muitas vezes cria uma situação de endividamento do trabalhador, proibindo-o de deixar o local de trabalho sem quitar as dívidas forçadamente contraídas com o empregador, as quais, geralmente, são impagáveis.
Vale dizer ainda, que num Estado de direito como é o Brasil uma excelente forma de apresentar um conceito é trazendo a informação contida na legislação, para tanto, cumpre apresentar o artigo 149 do Código Penal (CP). (BRASIL, 1940)[1].
O referido artigo do CP ainda prevê a pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Convém destacar que semelhantemente ao tipo penal previsto para o trabalho escravo estão enquadradas as condutas referentes ao cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Pereira (2016) assevera que os próprios julgados dos tribunais pátrios veem no texto constante do CP uma medida concreta para o estabelecimento do conceito do trabalho escravo. Vide texto infra citado:
Desta forma, observando os julgados dos Tribunais brasileiros, pode-se considerar o artigo 149 do Código Penal brasileiro como medida concreta no que se refere à conceituação do trabalho escravo, pois longe de ser mera infração trabalhista, a submissão do trabalhador a condições análogas a de escravo constitui verdadeira violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e grave afronta aos direitos humanos (PEREIRA, 2016, p. 1).
Também está inclusa na hipótese assemelhada, a manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho e até mesmo a subtração de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Isso demonstra que a legislação considera o conceito do trabalho escravo contemporâneo algo bem abrangente. Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do Informativo n.º 426/2010, estabelece que para configuração do crime de "redução a condição análoga à de escravo" previsto no art. 149. do CP é desnecessária a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador. Vide texto jurisprudencial indicado abaixo:
De fato, a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador é uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. Conforme se infere da redação do art. 149. do CP, o tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições de trabalho degradantes, subumanas. STJ. 3ª Seção. CC 127.937-GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014 (Info 543) (DIZER O DIREITO, 2014).
O legislador infraconstitucional ainda teve o cuidado de prever a causas de aumento de pena nas hipóteses em que o crime é cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Sobre este ponto reside profunda relevância, em especial, em relação ao preconceito de raça, cor, etnia, pois como se verificará a seguir, que o trabalho escravo contemporâneo possui estreita relação com uma relevante questão social cujo fenômeno do preconceito e da discriminação também fazem parte.
Além disso, o trabalho escravo contemporâneo, e, que pese esteja previsto no CP, relaciona-se umbilicalmente com os temas afeitos ao Direito do Trabalho, na medida em que sua configuração ocorre, geralmente, a partir da vituperação dos institutos do Direito do Trabalho por parte dos exploradores dos serviços análogos à escravidão como, por exemplo, o salário-utilidade. Note-se que conforme a legislação, os percentuais de salário pagos in natura limitam-se a 25% para moradia e 20% para alimentação (no caso dos trabalhadores urbanos). Todavia, para que o pagamento do salário seja realizado desta forma é necessário o consentimento do empregado, cuja ausência acarretará nulidade de pleno direito. (CERQUEIRA, 2016).
Atente-se que no trabalho escravo o mencionado consentimento não é livre, tendo em vista que algumas vezes os trabalhadores encontram-se em estado de necessidade e em outras são forçados a aceitar mediante coações físicas e morais. Ademais, os percentuais supramencionados também não são respeitados. A final, quem não respeita a liberdade e a dignidade do trabalhador dificilmente respeitará percentuais legais.
Em síntese, pode-se dizer que o que define o trabalho escravo contemporâneo é justamente a desobediência dos preceitos legais que garantem ao trabalhador condições mínimas de trabalho, o que acarreta na expressiva violação dos direitos individuais e sociais que conferem dignidade ao trabalhador.
Recentemente o Ministério do Trabalho publicou a Portaria MTB nº 1.129 de 13/10/2017 discorrendo sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho. A mencionada portaria fragiliza a definição de trabalho escravo burlando a normativa constitucional, legal, violando até mesmo os tratados internacionais que regem a matéria. (ROMANO, 2017). Felizmente o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos da portaria, conforme decisão constante da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 489, até o julgamento definitivo da Ação. (BRASIL, 2017).
2. A QUESTÃO SOCIAL
A Questão social pode ser apresentada como “o conjunto das expressões que definem as desigualdades da sociedade” (SIGNIFICADOS, 2017), nesse víeis o trabalho escravo contemporâneo configura-se como típica questão social, tendo em vista que sua existência confirma o fortalecimento das desigualdades entre os trabalhadores e “tomadores de serviço”, os quais seriam melhor qualificados como vítimas e exploradores de serviço, respectivamente.
A atuação do Estado enquanto guardião dos direitos relativos à igualdade e à liberdade e por que não dizer, do direito ao trabalho, é decisiva para o melhoramento ou agravamento desta questão social, sobretudo numa sociedade capitalista repleta de privatizações, flexibilizações e desvalorização da força de trabalho (SIGNIFICADOS, 2017).
A relação entre capitalismo e trabalho escravo contemporâneo ocorre por diversas razões, a primeira delas é a ganância desenfreada por lucro. Mas é evidente que o capitalismo por si só não levaria ao trabalho escravo, pois para tanto é necessário que aliado ao objetivo de obter maiores lucros, haja ausência de valores morais e éticos capazes constranger o ser humano a fazer tal mal ao seu semelhante.
Devemos considerar que o capitalismo é um fator agravante, pois sabemos que capital e trabalho têm interesses opostos, pois enquanto um quer lucro o outro deseja melhores condições de trabalho e maiores salários. Souza Neto (2016, p. 2) afirma que “a exploração forçada de trabalhadores nas diversas regiões do planeta se dá tão somente por um motivo: redução dos meios de produção e aumento do lucro”. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabeleceu que deve haver harmonia entre a livre iniciativa e os direitos sociais do trabalho, todavia, deve-se reconhecer também que esta harmonização não é fácil, especialmente em um país em desenvolvimento que passa por crises diversas, cada vez mais agravadas pelo desemprego, pela corrupção e pelo baixo investimento nas áreas sociais.
Já é tempo de o Brasil adotar uma postura mais contextualizada com os direitos sociais característicos do século XXI, de modo que a dualidade existente entre a livre iniciativa e os direitos dos trabalhadores possa de fato dar espaço harmonia idealizada na CF/88, é o que se depreende dos pensamentos de Araújo (2016). Basta observar que o trabalho escravo contemporâneo não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, nem com os ideais sociais da atualidade. Em verdade o que tem guardado profunda relação com o período atual é o lucro excessivo que os empregadores de trabalhadores em condições análogas à escravidão têm com a força de trabalho barata e desconhecedora de seus direitos.
O STF no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade número ADIMC-1480/DF, afirma que faz parte do conceito de trabalho escravo o “interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador” (BRASIL, 2001). Em todo mundo empresa bilionárias são acusadas de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, muitas delas utilizam matérias primas manufaturadas com mão de obra escrava e em meio a críticas dos especialistas elas afirmam não terem condições de fiscalizar a origem da matéria prima utilizadas nos produtos vendidos por elas.
Estas afirmações podem ser conferidas no relatório da organização de direitos humanos da Anistia Internacional datado do ano de 2016, cujo trecho transcrevemos abaixo:
Em 2016 a Anistia Internacional acusou a Sony, Apple, Samsung, HP, Volkswagen e Microsoft de trabalho escravo e também infantil. Mark Dummett, o pesquisador nas áreas de negócios e direitos humanos da Anistia declarou: "Companhias cujo lucro global é de US$ 125 bilhões não podem realmente alegar incapacidade de verificar de onde vêm suas matérias-primas essenciais". (TRABALHO, 2016).
Convém ressaltar que essa triste realidade vivenciada no exterior também é constante no Brasil, pois apesar de ser um pais recém-saído da escravidão e, que, portanto, deveria repudiá-la com mais veemência, mantém muitas empresas que violam o direito dos trabalhadores. Até mesmo órgãos públicos são acusados de adquirir produtos de origem duvidosa no que diz respeito às condições de trabalho das pessoas que os confeccionaram. Vide texto infra citado:
Desde 2009 a ONG "Repórter Brasil" divulga as fiscalizações de trabalho escravo na indústria têxtil do Brasil. Em julho de 2012 a ONG noticiou vinte empresas envolvidas em trabalhos escravo, dentre elas estão as Lojas Americanas, Lojas Marisa, Zara, Lojas Renner e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (TRABALHO, 2016).
Como se verifica, as questões econômicas têm influenciado sobremaneira nas relações de trabalho, especialmente aquelas que mais merecem proteção das autoridades. Muitas vezes as questões epistemológicas e meramente teóricas parecem governar o pensamento daqueles que detém o poder de tomar as decisões em relação à esta questão. Isto é, questões didáticas como a natureza jurídica do direito do trabalho (se público ou privado) parecem ser mais importantes que a realidade dos trabalhadores que permanecem isolados numa relação de trabalho perversa como se o poder público não pudesse se imiscuir naquele falso contrato de trabalha. Numa relação como esta, nem mesmo a autonomia da vontade pode ser alegada, pois em todo tempo, desde a proposta para formalização da relação há forte e intransponível vício de consentimento.
3. A questão racial
Diversas razões justificam a presença do presente tópico numa pesquisa que trata do trabalho escravo contemporâneo. Pois de maneira nenhuma pode-se pensar que o trabalho escravo do tempo do Brasil colônia não possui relação com a versão atualizada.
Quando observamos a venda de escravo nos anúncios dos jornais brasileiros do século XIX percebemos como os negros da época eram tratados como “coisas”, como verdadeiros semoventes: "Vende-se uma escrava boa cozinheira, engoma bem e ensaboa, com uma cria de 3 anos, peça muito linda, própria de se fazer um mimo dela; e também se vende só a escrava, no caso que o comprador não queira com a cria”. (FREYRE, 2012, p. 120).
Hoje a lógica é rigorosamente a mesma. Aqueles empregadores que sujeitam seus empregados a condições análogas à escravidão enxergam “coisas” ao invés de pessoas, tudo isso faz parte de uma construção histórica de subjugação dos mais “fracos” e reiterada ascensão dos mais “fortes”. Por isso podemos dizer que a desigualdade no Brasil é contínua e atinge predominante os mais pobres, ocorre que os mais pobres são justamente aqueles que historicamente nunca tiveram nada, ou seja, negros, mulheres e crianças. A aparente harmonia entre as pessoas é uma máscara que não subsiste aos flagelos sociais decorrentes da desigualdade. Neste sentido, FERREIRA (2013, p. 1) estabelece que:
A contínua desigualdade social brasileira que atinge especialmente as pessoas da cor negra até hoje mostra que o abolicionismo, tal como efetivamente pensado por Nabuco ainda não aconteceu. E mostra também que não existe uma integração social verdadeira entre as raças, por mais que elas sejam relativamente pacíficas entre si, tal como o próprio Nabuco observou. As diferenças sociais entre as raças são mais fortes do que a aparente harmonia que as une.
O Ministério Público Federal, que é uma das entidades responsáveis pelo combate ao trabalho escravo, afirma que “qualquer trabalhador, [...] especialmente aqueles que, em razão de sua vulnerabilidade social, tornam-se dispostos a aceitar condições inadmissíveis de trabalho – pode ser uma vítima do trabalho escravo contemporâneo”. (MPF, 2014, p. 15).
É bem verdade que na mesma obra o MPF traz uma ressalva quando aponta que por vezes a vítima não possui condição socioeconômica ruins, mas “no anseio de buscar melhorias em sua condição de vida, inúmeros trabalhadores se deixam enganar por falsas promessas, que acabam levando ao trabalho escravo, à exploração e à afronta da dignidade (MPF, 2014, p. 15)”. Ora, alguém que está bem economicamente raramente busca por melhorias na condição de vida em propostas tão arriscadas e mal remuneradas como aquelas peculiares das atividades ligadas ao trabalho escravo.
Por todo exposto, percebe-se que a linha de raciocínio do presente tópico é a seguinte: a escravidão do período colonial ocorreu porque os detentores do poder usavam sua força (física e econômica) para obrigar as pessoas a trabalhar forçadamente, para fazer valer os interesses daqueles. Atualmente o trabalho escravo contemporâneo funciona da mesma forma, os detentores do poder usavam sua força (econômica e física) para obrigar as pessoas a trabalhar forçadamente para fazer valer seus interesses.
No passado a população negra foi excluída e marginalizada e isso também ocorre hoje, se não fosse assim não seria necessário criar cotas em vestibulares e concursos públicos para garantir que negros tenham acesso a degraus que a ”exclusão histórica” os impediu de alcançar. No Período Colonial a única saída era a resistência, hoje também não há outra saída. A questão racial permanece quando observamos que o trabalho escravo incide sobre os mais pobres e os mais pobres são os negros. Segundo os pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e a Fundação João Pinheiro (FJP) as pessoas negras têm hoje o IDH que as pessoas brancas tinham em 2000.
No Rio de Janeiro, por exemplo a renda domiciliar per capita média da população branca é R$1.445,90 e a da população negra é R$667,30. Em relação à escolaridade, em Alagoas, população branca acima de 18 anos com o ensino fundamental completo é mais de um terço maior do que da população negra (JORNAL ESTADÃO, 2017).
A partir desses dados fica muito difícil descordar que o Brasil é um país marcado pela desigualdade racial e que de fato a população pobre e menos favorecida em relação à educação é maciçamente negra. É possível que os praticantes do trabalho escravo brasileiro não escolham suas vítimas pela cor da pele, mas é evidente que a maioria delas tem a pele negra.
Atente-se que mesmo o Brasil sendo majoritariamente negro (IBGE, 2013), não elegemos um presidente negro, ao contrário, no senso das últimas eleições 75% dos políticos eleitos eram brancos (BRAMATTI, 2016). Curiosamente, verifica-se também que aproximadamente 70% dos presidiários são negros (ALMEIDA, 2017). Dados assim, nos revelam que a segregação continua, desta vez, de forma velada. Além disso, segundo o IPEA (2016):
Negros nascem com peso inferior a brancos, têm maior probabilidade de morrer antes de completar um ano de idade, têm menor probabilidade de frequentar uma creche e sofrem taxas de repetência mais altas na escola, o que os leva a abandonar os estudos com níveis educacionais inferiores aos dos brancos. Jovens negros morrem de forma violenta em maior número que jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontram um emprego, recebem menos da metade do salário recebido pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem.
Por todo exposto, nos parece razoável afirmar que a questão racial deve ser considerada quando abordado o tema referente ao trabalho escravo contemporâneo, afinal, os dados supramencionados não são meras coincidências, mas sim fruto de um processo histórico de exclusão que contribui para que a população negra esteja em posição de maior vulnerabilidade o que a torna mais susceptível a armadilha do trabalho escravo.