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A progressividade tributária e o princípio da capacidade contributiva no Brasil

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 4. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E GRADAÇÃO TRIBUTÁRIA

 Este capítulo tratará especificamente da capacidade contributiva e da forma como ela se exterioriza nos impostos, ou seja, através de três formas distintas: progressividade, proporcionalidade (ou regressividade) e seletividade. A progressividade é “um princípio que consagra o aumento da carga tributária pela majoração da alíquota aplicável, na medida em que há o aumento da base de cálculo” (ALMEIDA, 2015, p. 12). A proporcionalidade, por sua vez, constitui-se em instrumento usado pelo legislador no intuito de instituir dado tributo que tenha valor proporcional à capacidade contributiva do contribuinte e alíquota fixa.

Por fim, falta o princípio da seletividade, o qual leva em conta a essencialidade do produto, o objetivo é desestimular o consumo de determinados produtos considerados prejudiciais à integridade física humana ou da natureza. Abordar-se-á também a possibilidade de se ter progressividade em outras formas tributárias que não os impostos.

4.1. O princípio da igualdade

A capacidade contributiva, no Direito Tributário, talvez seja um dos princípios mais importantes, pois põe em relevo uma das bases da democracia: a igualdade, a qual aparece caput do artigo 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].” (CF/88: art. 5º).

E, mais especificamente em relação ao Direito Tributário, o artigo 150, II da CF/88, há clara exigência de uma igualdade contributiva:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

O princípio da igualdade cria parâmetros para que o legislador trate de forma igual os que estão em um mesmo nível econômico e desigualmente os que estejam em situações econômicas distintas. Daí a tentativa de se instituir um outro princípio, o da capacidade contributiva, que, por sua vez, gera o da gradação tributaria.

No entanto, a capacidade contributiva, embora surja do princípio da igualdade, está vinculada diretamente a outro princípio, o da liberdade. Dessa maneira, não deve o princípio da capacidade contributiva limitar demais os contribuintes, tentando em absoluto igualá-los, pois agindo assim desestimularia a produção, gerando danos ao desenvolvimento econômico e social.

Teoricamente, nos países democráticos, ao Estado não lhe interessa dizimar sua própria econômica, mas, ao contrário, estimulá-la ao máximo. Atua então o fisco para retirar dos contribuintes o necessário para que os cofres públicos possam suprir a necessidades dos cidadãos. Portanto o objetivo do legislador e do administrador fiscal não pode ser o de sufocar o contribuinte por meio de tributos excessivos. Pois tributos em excesso, muitas vezes, fazem o Estado recolher menos, é o que diz Ferreira:

[...] o excesso de tributação pode levar o ESTADO A RECOLHER MENOS [...]. Isso se explica pelo fato de que o excesso da carga tributária pode vir a desestimular certas atividades econômicas e também a afetar o poder de consumo da população, levando-se em conta que os tributos normalmente são incorporados aos preços dos produtos comercializados  (FERREIRA, 2011, p. 03).

Portanto, a tributação não pode onerar a produção, pois com isso o próprio Estado entrará em colapso.

O princípio da igualdade e o da liberdade também são as metas da gradatividade tributária. A igualdade relaciona-se à Justiça. Mas como atingi-la? Alguns teóricos apontam que a noção de igualdade é difícil de mensurar, pois está ligada a conceitos históricos e culturais, embora a CF/88 já deixe claro que é vedada a distinção entre pessoas pelo sexo, raça, cor etc..

Por esse ângulo, teoricamente, há igualdade jurídica, embora nem sempre o haja no mundo fenomênico. No entanto, a doutrina diz que essa igualdade não pode prevalecer em relação ao direito tributário. O positivismo jurídico não deve recrudescer neste ponto, pois cada um deve pagar de acordo com a sua capacidade econômica, isto seria a verdadeira igualdade, que transcenderia aquela puramente positivada na lei.

4.2. Princípio da capacidade contributiva

A capacidade contributiva ganha relevo quando se inquire qual a técnica mais favorável para garantir o princípio da igualdade tributária entre os contribuintes. A CF/88 impõe certos limites a tal princípio, sendo que um dos objetivos dessa limitação é evitar o confisco dos bens dos contribuintes.

Todavia, deve-se indagar sobre quando surge a capacidade contributiva. A resposta: justamente no momento em que se ganha mais do que o estritamente necessário para a sobrevivência, ou seja, o mínimo existencial. Por isso, devido à importância da capacidade contributiva, ela encontra-se prevista no texto constitucional e tem fundamento legal no artigo 145, §1º, da CF:

Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

 A primeira observação é que a capacidade contributiva constitui-se na forma em que o fisco tem de verificar quanto cada indivíduo pode contribuir para a Fazenda. O texto constitucional afirma, porém, que tal capacidade não é pertencente a todo e qualquer tributo, mas especificamente aos impostos, o que gera controvérsias doutrinárias.

Há doutrinadores que dizem que, para garantir o principio da igualdade, há possibilidade de estender a capacidade contributiva para as outras formas de tributo, afinal quando se isenta alguém de pagar uma taxa pelo seu grau de pobreza, nada mais se faz do que lhe mensurar a renda. O STF já se manifestou favorável a tal posicionamento na ADI 453-1:

EMENTA:  Ação Direta de Inconstitucionalidade.  2. Art. 3o, da Lei no 7.940, de 20.12.1989, que considerou os auditores independentes como contribuintes da taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários.  3. Ausência de violação ao princípio da isonomia, haja vista o diploma legal em tela ter estabelecido valores específicos para cada faixa de contribuintes, sendo estes fixados segundo a capacidade contributiva de cada profissional.  4. Taxa que corresponde ao poder de polícia exercido pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei no 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade que se julga improcedente.

Ou no RE-AGR 216.259:

E M E N T A: TAXA DE FISCALIZAÇÃO DOS MERCADOS DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS - COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - LEI Nº 7.940/89 - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL - PRECEDENTES FIRMADOS PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL [...]. A TAXA DE FISCALIZAÇÃO DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, INSTITUÍDA PELA LEI Nº 7.940/89, É CONSTITUCIONAL. - A taxa de fiscalização da CVM, instituída pela Lei nº 7.940/89, qualifica-se como espécie tributária cujo fato gerador reside no exercício do Poder de polícia legalmente atribuído à Comissão de Valores Mobiliários. A base de cálculo dessa típica taxa de polícia não se identifica com o patrimônio líquido das empresas, inocorrendo, em conseqüência, qualquer situação de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 145, § 2º, da Constituição da República. O critério adotado pelo legislador para a cobrança dessa taxa de polícia busca realizar o princípio constitucional da capacidade contributiva, também aplicável a essa modalidade de tributo, notadamente quando a taxa tem, como fato gerador, o exercício do poder de polícia. Precedentes. A EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE FIRMADO PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AUTORIZA O JULGAMENTO IMEDIATO DE CAUSAS QUE VERSEM O MESMO TEMA (RISTF, ART. 101). [...] Procedente.

O julgado do STF leva a seguinte inferência: o princípio da capacidade contributiva não deve se restringir aos impostos pessoais, embora o constituinte originário tenha expresso que a capacidade é atribuída aos impostos pessoais, não proibiu explicitamente nem implicitamente o uso de tal princípio nos demais tipos de tributos.

4.2.1. Tributos reais e pessoais

A capacidade contributiva aludida se deve à distinção entre impostos reais e pessoais. Tal classificação é fruto da doutrina e, por conseguinte, passível de ser contestada. Alguns teóricos dizem que essa dualidade, pessoal/real, não existe, assim como não existem os impostos reais, só havendo possibilidade de existirem os pessoais, afinal o sujeito passivo nunca é uma coisa, é sempre uma pessoa, física ou jurídica. Mesmo assim, há uma gama de doutrinadores que afirma existir a diferença, tal é o alarido que muitas vezes essa pendenga doutrinária já foi levada ao STF.

Os impostos reais não levam em consideração a condição econômica do contribuinte, mas sim o seu patrimônio. Exemplo, se um assalariado herdar uma casa de valor venal de um milhão de reais, provavelmente não conseguirá mantê-la, pois o valor do IPTU em muito superará as remunerações mensais do citado trabalhador. O imposto é cobrado sobre a coisa e não sobre a pessoa, daí ser chamado de real.

O mesmo ocorre com o IPVA, pois se dois contribuintes tiverem carros absolutamente iguais, mesmo que tenham renda e patrimônio distintos, pagarão o mesmo valor do IPVA. Harada (1997) afirma que os impostos reais têm como característica fundamental a incidência sobre um bem determinado, uma operação do contribuinte, pouco se importando com a situação pessoal do cidadão. Ou seja, os impostos reais dizem respeito a uma única matéria tributável, abstraindo-se da condição econômica dos contribuintes.

Por seu turno, os impostos pessoais traçam, segundo Azevedo (2015), diferenças tributárias de caráter consubstancialmente subjetivo, levando em consideração a renda do contribuinte, aquilo que ele realmente produz e que vai além do mínimo necessário para a sua sobrevivência. O Exemplo típico no ordenamento jurídico nacional é o Imposto de Renda. Se dois contribuintes tiverem rendas iguais, porém um deles possuir gastos a mais com escolas particulares, plano de saúde etc., será lícito fazer-lhe algumas deduções sobre a base de cálculo do IR, a fim de diminuir o choque deste tributo sobre aquele que possui o orçamento mais apertado.

A CF/88, no art. 145, §1º, chama a atenção do legislador infraconstitucional e lhe diz: “sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. A intenção do constituinte é garantir a igualdade social, afinal para cada imposto pessoal devem incidir alíquotas diferenciadas de acordo com a capacidade contributiva de cada cidadão.  Daí, se a base de calculo aumenta, as alíquotas serão alteradas progressivamente.

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Entretanto, essa expressão “sempre que possível” gera discussão na doutrina. Ferreira, por exemplo, questiona: “Precisamos saber se ‘sempre que possível’ deve relacionar-se com a pessoalidade do contribuinte ou com a possibilidade de sempre se cobrar o IMPOSTO, levando-se em conta a capacidade contributiva do contribuinte” (FERREIRA, 2011, p. 4).

Portanto, tal expressão pode ser entendida de duas formas. A primeira, os impostos, sempre que possível, terão caráter pessoal, sendo uma das metas do legislador infraconstitucional buscar esse caráter pessoal. É o que afirma, por exemplo, Carrazza, pois para ele a norma constitucional ora comentada:

Não está autorizando o legislador ordinário a, se for o caso de seu agrado, graduar os impostos que criar, de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes. O sentido desta norma jurídica é muito outro. [o imposto] deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ou, melhor: se a regra matriz do imposto (traçada na CF) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva. Na verdade, quando o legislador ordinário tiver opções, deverá imprimir à exação caráter pessoal, graduando-a segundo a aptidão econômica do contribuinte (CARRAZZA, apud Ferreira, 2011, p. 08).

Por conseguinte, não é facultado ao legislador imprimir pessoalidade aos impostos, pois há uma imposição legal de que ele busque a todo custo essa pessoalidade nos impostos, e não somente ao Imposto de Renda.

 A segunda forma seria: os impostos, sempre que possível, serão graduados de acordo com a capacidade econômica de cada um, limitando-se essa graduação à renda individual e não aos bens patrimoniais ou a qualquer outro que não seja a renda. Por exemplo: houve ações impetradas combatendo a progressividade do IPTU, o argumento é que este imposto não é pessoal, portanto não poderia ser cobrado de acordo com as regras da capacidade contributiva, haja vista esta, no texto constitucional, está atrelada aos impostos pessoais. Em um primeiro momento, esse foi o posicionamento do STF. A Suprema Corte aderiu à doutrina e viu a impossibilidade de se tributar progressivamente o IPTU. Portanto seria inconstitucional a lei que cobrasse progressivamente o IPTU.

Houve, porém, pressão dos municípios para que se alterasse o texto constitucional autorizando, portanto, a progressividade do IPTU. Graças a isso surgiu a EC 29/2000 que culminou com a autorização da progressividade do IPTU. No entanto, o STF manteve seu posicionamento. Com isso, o que era uma mera discussão doutrinaria transformou-se numa batalha ideológica entre os poderes democraticamente constituídos.

Atualmente, o STF está aos poucos mudando seu ponto de vista, chegando a afirmar que, mesmo antes da EC 29/000, bastava apenas o § 1º do art. 154 da CF, para que a progressividade do IPTU fosse garantida. Mas esse posicionamento é limitado ao IPTU, pois não é possível dar conotação pessoal a todos os impostos, como é o caso do ICMS, o qual é graduado de acordo com a seletividade, isto é, quanto mais essencial for o produto, menor será o valor da incidência de alíquotas que incidem nele; do contrario, quanto mais supérfluo for ele, maiores serão os valores de suas respectivas alíquotas.

Em suma, os impostos reais são relativos às coisas que pertencem a um indivíduo, ao seu patrimônio; já os pessoais, são relativos à capacidade que um cidadão tem de auferir renda. Os impostos pessoais podem mensurar a capacidade contributiva dos contribuintes.

4.2.2. Capacidades contributiva e econômica

Na doutrina, há os que afirmam que capacidade contributiva é expressão que tem valor sinonímico de capacidade econômica; outros discordam drasticamente. A confusão se dá porque o constituinte originário não usou a expressão capacidade contributiva, contida no § 1º do art. 145, mas sim capacidade econômica: “os impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes.”

Ives Gandra (1997) salienta que capacidade contributiva não difere da econômica, pois esta “[...] é a exteriorização da potencialidade econômica de alguém.” (GANDRA apud Conti, 1997, p. 34). Para o autor, “a capacidade econômica é representada pela capacidade que o contribuinte possui de suportar o ônus tributário em razão dos seus rendimentos” (GANDRA apud Ferreira, 2011, p. 06). Conti (1997) questiona o posicionamento de Gandra, diz ele:

Um cidadão que usufrui renda tem capacidade contributiva perante o país em que a recebeu; já um cidadão rico, de passagem pelo país, tem capacidade econômica, mas não tem capacidade contributiva, pois ele tem rendimentos suficientes para suportar tributos, mas não há nenhuma relação jurídica que o vincule ao Fisco do país pelo qual transita. Assim, não tem capacidade contributiva neste país (CONTI apud Ferreira, 2011, p. 5).

Harada (1991), raciocinando de forma similar, comenta:

capacidade contributiva é aquela capacidade relacionada com a imposição parcial ou total. É a capacidade econômica da pessoa enquanto sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Já a capacidade econômica é aquela ostentada por uma pessoa que não é contribuinte, como por exemplo, um cidadão abastado, de passagem pelo país (HARADA, apud Ferreira, 2011, p. 05).

O raciocínio dos dois últimos teóricos citados pode ser exemplificado assim: um cidadão sem casa própria, que viva com os pais em uma luxuosa mansão, e que tenha uma renda alta, aparenta ter capacidade econômica elevada, mas não tenha capacidade contributiva para, por exemplo, pagar o IPTU da casa onde reside. Assim, um indivíduo poderia ter capacidade contributiva para dado imposto e não tê-la para outro, pois a capacidade contributiva é uma relação jurídico-tributária entre o fisco e o contribuinte. Sobre isso, Ferreira diz: “Se o cidadão não tiver renda e rendimentos, nem patrimônio, ele não terá capacidade econômica, e, assim, não será tributado pelo Fisco” (FERREIRA, 2011, p. 06).

Há um último exemplo que corrobora para a diferenciação entre capacidade econômica e capacidade contributiva: é o de duas pessoas que ganham a mesma renda, R$ 20.000, por exemplo, a primeira pessoa é solteira; a segunda paga a escola dos filhos, saúde etc. Ambas têm a mesma capacidade econômica, mas capacidades contributivas distintas, pois a segunda tem que dividir sua renda com a família.

É por isso que para este último caso a Constituição Federal é mais flexível, dando-lhe a possibilidade de restituição dos impostos. Isso porque educação, saúde, segurança pública são obrigações do Estado em relação aos cidadãos, quando estes, além de contribuírem regularmente com tributos, se veem na iminência de pagar tais serviços para ter uma melhor qualidade, o Estado é obrigado a, de certa forma, reconhecer sua fragilidade ou incompetência e devolver uma parte do que foi recolhido ao cidadão.

4.2.3. Capacidade contributiva nos demais tributos

A doutrina também não chegou a um consenso sobre o fato de a capacidade contributiva abarcar somente os impostos ou se estender a todo e qualquer tributo. Assim, em relação a quais tipos de tributos se deve observar a capacidade contributiva, há duas correntes, a dos que afirmam que a capacidade contributiva deve ser para todos os tipos de tributos, e os que a direcionam somente aos impostos. Os primeiros alegam que, para satisfazer o principio da igualdade, todos os tributos devem observar a capacidade contributiva, é o que pensa Santiago (2000).

Outros insinuam que deve limitar-se aos impostos. Carrazza (2001) diz que o princípio da capacidade contributiva só se aplica aos impostos por imposição do texto constitucional, pois, segundo este, somente aqueles incidem sobre a realidade econômica, sem a necessidade de contraprestação estatal.

4.3. Da progressividade, proporcionalidade e seletividade

A progressividade, para ser bem compreendida, deve ser analisada juntamente com os conceitos de proporcionalidade e seletividade.

Até inícios dos anos noventa do século XX, prevalecia o princípio da proporcionalidade fiscal em relação à cobrança dos impostos. Seus defensores o justificam como a única forma de assegurar a justiça fiscal, pois asseguraria um sacrifício igual para os contribuintes. Pois se o imposto for de 5% sobre a base de cálculo, o contribuinte pagará proporcionalmente, mesmo que sobre um contribuinte incida os 5% sobre R$ 1.000,00 e sobre outro contribuinte incida os mesmos 5% sobre R$ 10.000,00. Para os defensores da proporcionalidade o “montante do imposto varia conforme o rendimento. Esta forma de imposição corresponde exatamente ao conceito que assimila o imposto a uma troca de serviços entre o estado e os cidadãos: cada contribuinte paga proporcionalmente ao que ele possui da riqueza nacional” (DUCAN, 2010, p. 52).

Realmente parece ser a melhor e mais equânime forma de cobrar determinados tributos: “Este cálculo é simples e objetivo. Simples porque determina uma igualdade das quotas partes a serem pagas. Objetivo porque elimina qualquer arbitrariedade de apreciação pessoal dos recursos dos contribuintes” (Idem, p. 53).

Entretanto, é o próprio Ducan, referindo-se a Hugo de Brito Machado, que nega o princípio da proporcionalidade tributária como o melhor para se chegar a uma justiça social:

[...] a capacidade contributiva cresce mais que proporcionalmente aos recursos de cada um. O sacrifício individual que consiste em consagrar ao imposto 10% de uma renda de 1.000, por exemplo, é superior àquele que consiste em consagrar ao imposto 10% de uma renda de um milhão. No primeiro caso, o imposto poderá ser pago em detrimento do necessário à existência; no segundo caso, ele será pago simplesmente sobre o supérfluo. O imposto proporcional não, pois, um cálculo verdadeiro da capacidade contributiva, uma vez que não permite assegurar a igualdade do sacrifício. É pela progressividade que tenderemos a fazer a justiça fiscal no imposto (MACHADO apud Ducan, p. 54).

Para o autor, a progressividade nos impostos é a forma de justiça fiscal por excelência, colocando a proporcionalidade para casos específicos.

Entretanto resta analisar o que venha a ser progressividade. Para compreendê-la deve-se observar o seu elemento fundamental: a alíquota, pois é esta essencial para o cálculo e lançamento tributários. Para Paulo de Barros Carvalho, a alíquota esta “[...] submetida ao regime legal, integrando a estrutura da regra-modelo de incidência. Congregada à base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida, produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico” (CARVALHO, 2002, p. 334).

A progressividade das alíquotas pode ser de dois tipos: fiscal (ou progressiva) e extrafiscal (ou seletiva). Sabbag se pronuncia sobre ambas respectivamente: “A primeira alia-se ao brocardo “quanto mais se ganha, mais de paga”, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contemplar o grau de ‘riqueza presumível do contribuinte’. A segunda, por sua vez, filia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório” (SABBAG, 2010, p. 403).

A Constituição prevê os dois tipos de alíquotas progressivas definidos no parágrafo anterior. Portanto, a CF/88 permite dois tipos de progressividade. A que se baseia no valor ascendente das alíquotas é definida pelo STF como progressividade fiscal. Mas há a progressividade extrafiscal (também conhecida como seletividade), que se baseia em alíquotas seletivas.

O objetivo da progressividade extrafiscal é incentivar ou não certas condutas dos contribuintes:

seletivo, [...] é o imposto cujas alíquotas são diversas em razão da diversidade do objeto tributado. Assim, o IPTU será seletivo se as suas alíquotas forem diferentes para imóveis diferentes, seja essa diferença em razão da utilização, ou da localização, ou de um outro critério qualquer, mas sempre diferença de um imóvel para outro imóvel. (MACHADO, 2008, p. 192).

Portanto, a seletividade liga-se ao objeto da tributação, podendo as alíquotas serem diferencias em razão de alguns fatores, tais como local ou forma de uso do imóvel (art. 156, § 1º, II,  CF/88).

 A alíquota seletiva se preocupa com os bens mais importantes à vida humana, sendo mais ríspida com aqueles bens triviais ou supérfluos (produtos essenciais terão alíquotas menores, produtos supérfluos, alíquotas maiores: cigarro paga mais ICMS que alimentos) ou em garantir a função social da propriedade. A progressividade seletiva do ITR (153, § 4º, I da CF/88) é o melhor exemplo: pois o intento é garantir se as terras rurais não forem produtivas sofrerão maior incidência do ITR, pois suas alíquotas serão fixadas, não de acordo com a renda do contribuinte, mas justamente para garantir o interesse público e a função social da propriedade.

Por seu turno, a progressividade fiscal impõe uma alíquota que “[...] cresce em função do crescimento de sua base de cálculo” (MACHADO, 2008, p. 392). Dessa forma, a progressividade constante nas alíquotas está ligada à base de cálculo, pois na medida em que o valor desta aumentar, maior será o valor daquelas aplicada ao contribuinte.

A progressividade de aspecto fiscal pode ser entendida de duas formas: precipuamente arrecadatória ou justiça social. Os críticos da progressividade fiscal afirmam que ela tem como escopo somente aumentar a arrecadação, cobrando de forma exagerada e desproporcional aqueles que conseguiram, por méritos próprios, alcançar a riqueza. Já seus defensores, como Aliomar Baleeiro, defendem que a “progressividade talvez seja a única ferramenta que assegure a aplicação da “personalização dos impostos”, disciplinada na Lei, e que, portanto, chegue a uma justiça social efetiva” (BALEEIRO, 2006, p. 26).

Três são os impostos progressivos no Brasil: IR, IPTU, ITR.

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Sobre o autor
Elton Emanuel Brito Cavalcante

Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - UNIR; Mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia (2013); Licenciatura Plena e Bacharelado em Letras/Português pela Universidade Federal de Rondônia (2001); Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (2015); Especialização em Filologia Espanhola pela Universidade Federal de Rondônia; Especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior pela UNIRON; Especialização em Direito - EMERON. Ex-professor da rede estadual de Rondônia; ex-professor do IFRO. Advogado licenciado (OAB: 8196/RO). Atualmente é professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia - UNIR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Elton Emanuel Brito. A progressividade tributária e o princípio da capacidade contributiva no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5589, 20 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65380. Acesso em: 18 abr. 2024.

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