Durante as aulas sobre a magistratura no Brasil, ministradas na Universidade Federal de Rondônia, foi colocada a real situação do magistrado nacional, as pressões que sofre e o estresse a que está diariamente submetido. A intenção era tentar diminuir a visão romântica de que o magistrado ganha muito, trabalha pouquíssimo e tem um grande status social. De fato, este ainda existe e não é à toa que muitos acadêmicos de Direito desejam intensamente trilhar o caminho da magistratura.
Porém, por vezes, foi repetido em sala que o magistrado tem que ter vocação e estar preparado para as diversas dificuldades que terá, pois julgar não é atitude simples, deve ser baseada em profundos saberes, os quais nem sempre são adquiridos somente em manuais de Direito.
Por isso, deu-se ênfase ao fato de faculdades, como a FGV, ministrarem seus cursos de Direito pensando na atuação cotidiana do futuro advogado ou magistrado. Entretanto, os alunos da instituição mencionada, embora estivessem muito bem preparados para o labor, não o estavam para a prova da OAB. Assim, muitos alunos reprovavam, o que levou a direção da faculdade a mesclar o ensino prático com o voltado para as questões de cursinhos preparatórios.
Essa atitude desemboca num problema que chega até a magistratura: até que ponto o magistrado está ciente ou preparado para exercer sua função? Pois passou em uma prova difícil, concorrida, mas tem uma visão geral, filosófica, científica etc. da realidade como um todo? Está ele limitado àquilo que leu e aprendeu nos manuais ou livros didáticos?
Além disso, o magistrado hoje está sofrendo uma pressão popular muito grande em relação às suas decisões. Quem não estiver preparado psicologicamente para ser contestado duramente deve esquivar-se de tal carreira, pois, e não é raro isso, a mídia se volta contra o magistrado de forma agressiva, muitas vezes nem sequer analisando os prós e contras da decisão por ele tomada.
Por fim, cabe salientar que os regimentos internos dos Tribunais preconizam severas formas de condutas sociais ao magistrado, o qual, constantemente, terá que se privar de muitos dos entretenimentos sociais comuns a maioria dos cidadãos. Afinal, o povo não quer ser julgado por alguém que é tido como “bebum” ou que é visto como “pegador”.
O magistrado deve ter uma vida quase sacerdotal, pois a pressão para tanto é grande. E quem não estiver preparado para isso deve repensar se de fato está preparado para a magistratura.
Pensando nessas considerações acerca da magistratura, foi proposto que os estudantes do sétimo período fizessem um artigo abordando o futuro da magistratura no Brasil, no fundo uma reflexão tanto sobre a estrutura do Judiciário como, também, a função da magistratura atualmente no país.
INTRODUÇÃO: O CONCEITO E ATRIBUIÇÕES DO MAGISTRADO
A Constituição Federal, em seu artigo 92, afirma quais são os órgãos inerentes ao poder Judiciário. Embora todos eles não se limitem a tal artigo, torna-se bem evidente, ao menos, quais os que têm papel mais relevante na sociedade. E são eles: os ministros dos tribunais superiores, os desembargadores, os Juízes são os magistrados.
O termo magistrado deriva do latim “magistratus”, o qual outrora significava um “chefe ou superintendente”, isto é, um funcionário público que tinha certo grau de autoridade. Dessa forma, se levarmos em consideração tal conceito, o Presidente da República seria tido como um magistrado.
Lato sensu, portanto, o conceito de magistrado aí seria aquela pessoa que recebeu poderes do Estado para governar ou administrar a Justiça. Por conseguinte, podem ser considerados magistrados: desembargadores, ministros, juízes, procuradores, governadores e o presidente, magistrado-mor. Na Antiguidade, o rol era maior: cônsules, pretores, censores, edis (equivalentes a prefeitos) e questores eram tidos como magistrados.
Atualmente, porém, no Brasil, o termo remete diretamente aos membros do poder judiciário, a um Juiz ou a um Desembargador.
Quanto ao ingresso na Magistratura, há uma norma constitucional que aponta os direcionamentos basilares, é o artigo 93, I, o qual afirma que para ser magistrado tem que se respeitar os seguintes tópicos:
a) ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto;
b) sempre por meio de concurso de provas e títulos;
c) necessariamente tendo um membro da OAB participando e fiscalizando o pleito em todas as fases;
d) o candidato deve ser bacharel em direito;
e) e ter o candidato exercido, no mínimo, três anos de atividades jurídicas.
Um Juiz de Direito torna-se, pois, um representante do Estado e o grande condutor do processo, a ele competindo a tutela jurisdicional. Quando o Juiz é ad quo cabe-lhe pronunciar a Decisão, Sentença, Decisão Interlocutória e Despacho; já o Juiz ad quem (relativo, na maioria das vezes, aos desembargadores dos Tribunais) não emitirá sentença individual, mas uma coletiva, chamada acórdão.
Muito se tem debatido sobre o real papel do magistrado no que diz respeito a seus limites e poderes. Alguns doutrinadores dizem que ele deve se fixar exclusivamente à lei, com margem mínima de subjetividade; outros, por sua vez, afirmam que tal visão “enfaixaria” o Judiciário mais ainda.
O fato é que o peso de tomar decisões relevantes tem de ser atribuído a uma pessoa extremamente preparada (não apenas como sabedor da lei), com uma conduta moral impecável, respeitado e respeitável para que os que forem julgados por ele sintam-se, de fato e de direito, protegidos pela Justiça.
1. O JUDICIÁRIO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
MAGALHÃES (2012) afirma que o papel do magistrado no Brasil pode ser dividido em antes e depois da Constituição Federal de 1988. Segundo o autor, antes o Judiciário estava centrado na pessoa do Magistrado, longe do povo, e atuava de forma tecnicista, sendo um típico representante de um Estado autoritário e atrelado aos interesses político-econômicos das classes abastadas.
Entretanto, logo após a promulgação da Carta Magna, houve mudanças significativas desde então. A título de exemplo, pode-se apontar que uma ADIN qualquer, antes de 1988, só poderia ter um único legitimado para propô-la, o Procurador-Geral da República. Porém, depois de 1988, aumentou o número de legitimados. Pois, de acordo com o artigo 103 da CF, são legitimadas as seguintes pessoas: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político como representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Percebe-se, segundo Romaris (2009), que para isso ocorrer foi necessária uma imensa pressão popular, a qual se elevou a tal ponto que até partido político, com representação nacional, pôde, além de outros, propor o citada garantia constitucional.
Depois de 1988, no bojo das exigências democráticas, os três poderes passaram a ser cobrados com mais constância para que prestassem um serviço mais eficaz, célere e produtivo. O Judiciário, por seu turno, passou a ser observado com maior vigor pela sociedade. As mudanças vieram.
Mas quais seriam, a priori, as causas primeiras de tantas mudanças? E quais seriam as consequências delas para o futuro da magistratura? Será sobre tais questionamentos que se irá refletir no capítulo subsequente.
2. O CARÁTER INTERNACIONAL DA REFORMA DO JUDICIÁRIO
2.1 O efeito negativo
Não se pode dizer que as mudanças preconizadas pelo judiciário no Brasil foram, por si sós, obras do Estado nacional. Ao contrario, foram o resultado de uma imposição muito grande realizada pelos interesses econômicos mundiais, através de seus instrumentos oficiais. E um desses, talvez o mais eficiente, é o Banco Mundial, o qual, a partir da década de oitenta do século XX, em parceria com outros órgãos, começou a protagonizar a criação de alguns projetos de reforma do Judiciário, não só do Brasil, mas de quase todos os países emergentes.
Tal instituição produziu um relatório intitulado "El sector judicial en América Latina", e a meta deste era que os Judiciários dos países em desenvolvimento se tornassem mais hábeis para julgar, principalmente pendengas relativas aos megainvestidores internacionais, pois o capital estrangeiro assim o desejava.
Segundo o documento, o Judiciário dos países em desenvolvimento estaria impossibilitado até então de assegurar a resolução célere e ideal de conflitos, de tal forma que garantisse os direitos individuais, comerciais, em suma, os direitos fundamentais. Por isso careceria de ajuda de outros órgãos para que se equiparasse aos dos países desenvolvidos. O relatório ainda diz que:
a reforma do Judiciário faz parte de um processo de redefinição do Estado e suas relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre a propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e equidade em solver disputas, aprimorando o acesso à justiça que atualmente não tem promovido o desenvolvimento do setor privado (p. 6-10). ( Apud, CLAUDIA MARIA BARBOSA, Poder Judiciário: reforma para quê?, http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leituraHYPERLINK "http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=2339"&HYPERLINK "http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=2339"artigo_id=2339).
A preocupação com a reforma do Judiciário não tinha, pois, como foco o desenvolvimento de políticas sociais igualitárias, mas privilegiaria primeiro alguns segmentos econômicos, desde aí, se fosse possível, se estenderia para os demais segmentos sociais. Como a meta era a economia, o Judiciário deveria acompanhar as correntes democráticas e liberalizantes oriundas do processo de redemocratização.
Para tanto, as recomendações eram de "mudanças no orçamento do Judiciário, na forma de nomeação de juízes, o aprimoramento das cortes de justiça, adoção de reformas processuais, proposição de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, entre outras medidas." (CLAUDIA MARIA BARBOSA, Poder Judiciário: reforma para quê?, http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leituraHYPERLINK "http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=2339"&HYPERLINK "http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=2339"artigo_id=2339).
O objetivo, portanto, é assegurar ao capital estrangeiro investimentos sem maiores problemas nos países em desenvolvimento, e tudo isso por meio de cumprimento de contratos e de um Judiciário rápido para executar as cobranças. Para os órgãos internacionais essa medida era necessária para evitarem-se os calotes constantes que eram dados pelos Estados ou particulares oriundos dos países em desenvolvimento, em especial o Brasil.
É triste admitir que as multinacionais não estão erradas neste quesito. Entretanto as reformas exigidas pelos investidores internacionais eram somente objetivando o lucro e não uma visão mais social. Não há, portanto, nenhuma previsão de que tal reforma viria a beneficiar a população na mesma proporção em que o faria ao capital.
Além disso, a pressão também era no sentido de se criarem leis que ajudassem e favorecessem o capitalismo financeiro ou os grandes empresários em detrimento, no que dizia respeito às lides, aos consumidores ou à massa proletária.
Outro ponto a se questionar foi o de que se o Estado não tivesse recursos o suficiente para fazer as reformas, deveria o Governo minimizar a atuação do Estado, aumentando a carga-horária dos servidores ou impondo técnicas que acelerassem a produção, tais como a ISO/9012.
Com os servidores do Judiciário não foi diferente, a celeridade deveria vir a qualquer custo, mesmo que fosse preciso duplicar as jornadas dos servidores dos Tribunais ou das Varas, diminuir-lhes os salários, pois assim haveria mais recursos para a contratação de mais servidores etc.
A razão maior para a modernização, como já foi dito, era garantir aos investidores estrangeiros em países emergentes o rendimento “compatível” com o risco de se investir nesses países. Modernizam-se as estruturas para que o Judiciário possa atuar de forma a garantir as condições de desenvolvimento da sociedade capitalista moderna. Segundo Barbosa:
Para o Banco Mundial, a crise do Poder Judiciário é compreendida como a crise da Administração da Justiça, e sua ineficiência decorre da incapacidade de prestar um serviço público a um preço competitivo, rápido e eficaz, em resposta às demandas que lhe são submetidas. A concepção de Justiça como serviço é estranha à tradição brasileira, onde o Poder Judiciário foi estabelecido historicamente com um dos três poderes de estado. Contudo, tem aos poucos repercutido na tradição político-jurídica nacional, e uma de suas faces visíveis são os diagnósticos e processos de avaliação que se tem produzido para analisar o funcionamento do Judiciário e propor mudanças em sua atuação (CLAUDIA MARIA BARBOSA, Poder Judiciário: reforma para quê?, http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leituraHYPERLINK "http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=2339"&HYPERLINK "http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=2339"artigo_id=2339).
A necessidade de se resolver grandes lides, a quebra de contratos feitos entres multinacionais, é o fulcro das pressões internacionais. Alguns investidores dizem que não investiriam no Brasil sem um Judiciário que lhes desse a certeza de que não seriam lesados por fraudes ou descumprimentos de contratos. Assim, exigem que as grandes pendengas sejam analisadas mais rápido, em detrimentos muitas vezes até do próprio interesse nacional.
3. A REAÇÃO ÀS PRESSÕES INTERNACIONAIS
As pressões do capital internacional advieram. Entretanto, há um dado importante que deve ser analisado, pois no Brasil há setores do Judiciário, principalmente entre os juízes de primeiro grau, que estão muito mais preocupados com as demandas sociais. Isto é, no conflito entre o grande capital e as classes menos favorecidas, por exemplo, tendem a favorecer estas, o que contraria, em suas sentenças, os critérios das reformas fortemente impostas pelas políticas do Banco Mundial.
É por isso que os relatórios, obviamente emitidos por este banco, indicam que o Poder Judiciário presta mais atenção ao devedor do que ao credor, o que, para eles, encareceria o crédito no país e aumentaria a inadimplência.
Aqui, outra vez, tem-se que concordar com o que foi preconizado pelos teóricos liberais. Proteção exagerada ao consumidor inadimplente onera as empresas e gera um sentimento de impunidade e desprezo pelo que é certo e justo.
Por outro lado, tal aceitação de descumprimento dos acordos é menos aceita no STF, pois este favoreceria a segurança jurídica e o cumprimento de contratos, e tal forma de pensar constituir-se-ia em um dos argumentos que supostamente teriam levado à recente aprovação da súmula vinculante, por meio da PEC 45 de 2005.
No entanto, em relação à pressão para a celeridade a qualquer custo no Judiciário, tanto os tribunais quanto os juízes de primeiro grau sucumbiram a ela. Daí a sobrecarga de trabalhos, principalmente sobre o primeiro grau. As reformas "recomendam mudanças no orçamento do Judiciário, na forma de nomeação de juízes, o aprimoramento das cortes de justiça, adoção de reformas processuais, proposição de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, entre outras medidas” (BARBOSA, acesso: 2014).
A norma passou a ser “a modernização do Poder Judiciário para assegurar um ambiente tranquilo aos investimentos estrangeiros, por meio do cumprimento dos contratos, da certeza e previsibilidade dos direitos sobre a propriedade. Não há qualquer vinculação direta entre o financiamento para a reforma e a melhoria das condições sociais desses países. A razão maior para a modernização é garantir aos investidores estrangeiros em países emergentes, o rendimento “compatível” com o risco de se investir nesses países. Moderniza-se para que o Judiciário possa atuar de forma a garantir as condições da sociedade moderna, inexistindo propostas voltadas à solução dos conflitos que se descortinam neste século, vinculados especialmente à sustentabilidade.” (Revista Âmbito Jurídico).
"No Brasil, o protagonismo do Judiciário pós Constituição de 88 foi uma consequência, entre outros fatores, da constitucionalização de direito, do fortalecimento de novos atores sociais e da omissão do poder público em assegurar a dignidade humana e realizar o efetivo estado democrático de direito, fatores que ocasionaram uma explosão da demanda. Embora preste uma atividade jurisdicional insuficiente e ineficaz, o Judiciário é ainda percebido socialmente como o último recurso de que dispõem o cidadão para ver assegurado direitos fundamentais mínimos, como saúde e educação.
"A toda atividade devem ser recomendadas avaliações permanentes, de espectro amplo que não se restrinjam a uma visão economicista. Os critérios de avaliação, contudo, não são universais, variam espaço e temporalmente, e devem ser construídos em função dos objetivos do objeto em estudo" (BARBOSA, acesso: 2014).